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Enviado por Pedro Furtado em 13 de outubro de 2008.

Pedro Cardoso e o "texto do odeon":
Procuro aqui mostrar e comentar as teses centrais do "texto do odeon" lido pelo Pedro Cardoso antes da exibição do filme "Todo Mundo Têm Problemas Sexuais" no Festival do Rio 2008.
Para o Pedro, os limites entre o que é pornografia e o que não é pornografia na produção audiovisual mundial, e na brasileira especialmente, não estão claros e isto está "aviltando a profissão de ator e de atriz".
A nudez dos atores está a serviço das "empresas que exploram a comunicação em massa" que "fazem hoje um uso pervertido dessa liberdade" com o único objetivo de "atrair público".
Outra tese apresentada pelo texto é a de que: "a nudez impede a comédia, e mesmo o próprio ato de representar. Quando estou nu sou sempre eu a estar nu, e nunca o personagem. Quando vemos alguém nu vemos sempre a pessoa que está nua".
Quando vemos o rosto e o braço do ator é sempre o rosto e o braço do ator que estamos vendo, o problema para o Pedro está na exposição dos órgãos sexuais, genitais, do ator, segundo ele isto deixa o ator constrangido e o impede de interpretar o personagem, muitos atores discordariam dele. O que enfraquece a tese dele é a idéia de que o ator precisa estar vestido com o figurino do personagem para representá-lo, diz ele: "Diante da irredutível realidade da nudez de seu corpo, o ator não consegue produzir a ilusão do personagem".
Para mim, o que Pedro quer dizer é que na sociedade em que vivemos, onde vestir o corpo com roupas faz parte do contrato social e moral, o fato do ator ser exposto sem roupas numa obra audiovisual o deixa naturalmente desconfortável e este desconforto prejudica a interpretação da cena, obrigando o ator a mentir que está confortável quando não está. O que ele questiona é a hipocrisia de não ver diferença entre ser exposto a milhões de pessoas pelado e andar pelado na rua. Por que a segunda exposição é considerada um atentado ao pudor e a primeira não?
Outra tese, mais difícil de compreender, é esta:
"Acredito que a dramaturgia, que é arte de contar histórias, busca oferecer ao público um pensamento, e não uma sensação. Esta pertence a vida. É na vida que sentimos frio e fome; na arte, falamos do frio e da fome, se possível com alguma inspiração. A apresentação da nudez, busca produzir uma sensação erótica e não sugerir um pensamento sobre o erotismo. Neste filme os atores estão vestidos para que os personagens possam estar desnudos. O estímulo ao anseio sexual está esquecido para que o pensamento possa ser provocado".
Isso é extremamente contestável, primeiro porque muitas sensações geram pensamentos, segundo porque, para mim, um dos objetivos da dramaturgia é, como o nome já diz, dramatizar pensamentos, fazer com que os pensamentos se tornem racionais e afetivos ao mesmo tempo, fazer com que o público viva a experiência dramática, e viver engloba pensar e sentir.
Outra situação exposta no texto diz respeito à relação ética e particular que se estabelece entre o diretor de uma obra e o seus atores. Segundo ele o que acontece freqüentemente é que quando um ator hesita: "diante de um diretor que nos pede a nudez, ele fica bravo, faz má-criação, como uma criança mimada, porque se considera no direito a ela. E se a atriz for jovem, é bem capaz que ainda ouça uns desaforos."
Aqui Pedro expõe um caso particular, que não serve de argumento válido para sustentar uma tese. O que Pedro denuncia é eticamente condenável, pois ninguém deveria ser obrigado a ficar pelado.
Pedro acrescenta: "Eu ambiciono o dia em que os atores e as atrizes saibam que podem e devem dizer "não" a cenas onde não se sintam confortáveis. O dia em que saibamos que não temos obrigação de tirar a roupa, que esta não é uma exigência do ofício de ator e sim da indústria pornográfica".
Aqui Pedro faz um pedido aos seus colegas. De que, quando não se sentirem confortáveis em fazer uma cena, não façam! É claro que não é fácil para um ator se recusar a fazer uma cena, ainda mais quando o emprego dele está em jogo. Imaginem a situação de um chefe de uma multinacional que pede para a sua secretária que fique nua e ele a demita se ela se recusar. Isso não seria motivo de um processo por parte da secretária contra o chefe? É lógico que as profissões de atriz e de secretária são profissões diferentes, mas ambas são profissões e devem respeitar um código ético. O que tem que ficar claro é o acordo que se estabelece antes da obra audiovisual ser feita; se a atriz aceitou previamente fazer um papel que exigia nudez, ela deve arcar com as conseqüências, agora se isto lhe foi imposto durante o processo de filmagem, ela tem todo o direito de se recusar a fazer a cena e não ser simplesmente demitida do trabalho, deve ter a liberdade de não fazer o trabalho e ainda receber pelo trabalho já feito.
A frase "Quem quer a nudez do outro, é porque tem problemas com a sua própria" mostra a indignação do Pedro a quem obriga uma pessoa a ficar nua contra a sua própria vontade.
A pornografia, para o Pedro, é uma imperfeição dos seres humanos. Segundo ele: "Onde há pornografia, não há liberdade. Há alguém ganhando dinheiro e alguém sofrendo para produzir o dinheiro que este outro está ganhando. Quem se vê submetido a cena pornográfica, sempre sofre, mesmo apesar de seus possíveis comprometimentos subjetivos a tal submissão. O comprometimento eventual de alguns de nós, não legitima o ato agressivo de quem propõe a pornografia". Para ele: "Quando assistimos à pornografia, somos induzidos à masturbação, ficamos solitários e depressivos".
Esta tese implica uma visão do que é pornografia, para ele, pornografia é a exploração do sexo para se obter lucro. Uma perversão do ser humano. Isto fica claro no seu texto. É uma visão, contestável, mas uma visão legítima e moral. Mas é importante notar que o Pedro não é contra a pornografia. Ele quer estabelecer os limites do que é pornografia e do que é arte, e que a pornografia não seja "dominante e absoluta" muito menos que esteja conceituada como arte e exposta em programas televisivos vistos por crianças, por exemplo, ou então as revistas de sacanagem poderiam ser vendidas para as crianças nas bancas de revista? Outra questão é se os programas televisivos podem ser chamados de arte, aí já é outro assunto. Outro assunto também é se a masturbação é prejudicial aos seres humanos, teríamos que colocar os psicólogos no debate.
Pedro quer estabelecer uma distinção de profissões: "Que os pornógrafos sejam os pornógrafos, e que os atores e atrizes sejam os atores e as atrizes. Hoje está tudo confuso e sendo tomado pelo mesmo".
O texto dele é provocador, importante, pois gera um debate sobre a ética, propõe uma reflexão filosófica sobre as questões morais, tentando estabelecer o que é moral, fundamentando a moralidade e aplicando-a aos diferentes âmbitos da vida social. O texto contém exageros (próprio da condição existencial-passional dos seres humanos que ironicamente Pedro pretende excluir da arte) e verdades contestáveis, mas não deve ser desconsiderado muito menos analisado com respostas levianas.

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