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Enviado por Jorge Furtado em 07 de dezembro de 2009.

Acho que o mais urgente dos debates é o que estabelece as normas do próprio debate, o que se pode e não se pode publicar, qual a diferença entre opinião e notícia, como a manchete, o destaque, a frase pinçada numa conversa vira bordão repetido ad nauseam. 
 
Um bom artigo sobre o assunto, de Luiz Gonzaga Belluzzo, publicado em Carta Capital:
Assassinato de reputação
Luiz Gonzaga Belluzzo
O artigo de Cesar Benjamim sobre o filme Lula, o Filho do Brasil, publicado na Folha de S. Paulo em 27 de novembro, caiu na armadilha de transformar a crítica política em character assassination. 
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O leitor há de concordar que a prática não escasseia nas mídias contemporâneas. Seja como for, o artigo de Benjamim suscitou uma controvérsia que envolveu o “grande jornalismo” e seus “inimigos” abrigados nos blogs da internet. Com exceções honrosas, graças aos céus não tão raras, o debate foi dominado por argumentos ad hominem, num jogo de espelhos em que os defensores do bom jornalismo começam por violar as regras recomendadas ao adversário ou “inimigo”. Em alguns cantos e tantos recantos, Benjamim foi massacrado impiedosamente, numa retorsão que só abastarda o padrão já miserável em que se desenvolveu a contenda. 
 
Talvez Paul Virilio, importante pensador francês da atualidade, tenha exagerado ao observar que, na moderna sociedade capitalista de massas, a mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Digo talvez, porque essa convicção tornou-se ainda mais agressiva e generalizada com o desenvolvimento das novas mídias, espaço em que o anonimato e a inexistência de regras criaram uma “sociedade” hobbesiana. Nela, a loucura do sonho iluminista da liberdade guiada pela razão é superada pela realidade do pesadelo da liberdade da loucura, uma aventura da desrazão. 
 
A defesa da liberdade de opinião e de informação se debilita quando é confundida com o exercício do poder econômico e político das grandes empresas de comunicação. Mesmo numa sociedade encantada pela “inversão” de significados e pelo ilusionismo da escolha do indivíduo-consumidor, não escapa ao cidadão comum que a “construção” da notícia, a censura da opinião alheia e a intimidação do opositor ou dissidente disputam o laurel de inimigas das liberdades. Essa tirania exercida sobre o indivíduo em nome da liberdade, não justifica a barbárie da liberdade exercida sob inspiração da tirania individualista. Este, diga-se, é o sentido profundo da pretensão apontada por Virilio, de não só se alçar acima da lei, mas de fazer e executar as suas próprias leis. 
 
Ao tratar do assunto, Pierre Bourdieu lança uma pergunta incômoda: quem é o sujeito do discurso midiático, dos grandes e dos pequenos? Ele responde: os jornalistas não são entidades abstratas, mas cidadãos de carne e osso, com formações e níveis de instrução diferentes, opiniões distintas e gostos peculiares. Ainda assim, na mídia contemporânea, as produções jornalísticas são cada vez mais homogêneas tangidas pela concorrência e pela busca incessante de publicar diariamente o que “não é cotidiano”. A contradição torna-se aguda: de um lado, a liberdade de expressão exige um sistema legal de garantias, cuidadoso em seus procedimentos, de outra parte, a concorrência desenfreada pelo controle da informação estimula a formação de correntes de opinião que propugnam por formas primitivas de punição e de vingança. 
 
Bourdieu cuidou de analisar os arroubos moralistas de âncoras, comentaristas e outros bichos de menor porte. “Gide dizia que com bons sentimentos se faz má literatura. Mas com bons sentimentos se faz audiência. É preciso refletir sobre o moralismo das gentes midiáticas: frequentemente cínicos, eles propugnam por um conformismo moral absolutamente prodigioso. Os apresentadores de jornal televisivo, os animadores de debate, os comentaristas esportivos se transformaram em pequenos diretores de consciência, porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno burguesa. Dizem o que é preciso pensar sobre os problemas da sociedade.” 
 
Hoje, com a internet e seus blogueiros, há uma inflação de diretores de consciência, fenômeno provavelmente mais perigoso do que a inflação de ativos tóxicos alimentada pelos créditos subprime. Quase sempre é em nome do bem que se faz o pior, diz o filósofo Comte-Sponville. “Se Bush e Bin Laden não estivessem convencidos de representar o Bem, ou a própria vontade de Deus, suas decisões políticas não teriam sido tão trágicas.” 
 
É tragicamente curioso que os valores mais caros ao projeto do Iluminismo, as liberdade de expressão e de opinião, tenham se transformado em instrumentos destinados a conter e cercear o avanço da autonomia e da liberdade dos indivíduos. O uso e o abuso do assassinato de caráter colocam em risco o sistema de garantias destinado a proteger o cidadão das arbitrariedades do poder, seja ele público ou privado.
 
http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=5629

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