Giba Assis Brasil
No jornal do Sinpro do mês passado, saiu uma entrevista muito interessante com o professor Ivan Izquierdo, médico argentino naturalizado brasileiro. Além de uma crônica do Verissimo sobre a "paradinha" do universo, e uma charge do Santiago em que um dono de banca de revistas reclama que, em época de eleições, os jornais, esparramados no chão, "caem todos pro mesmo lado".
Desde que eu comecei a dar aulas na Unisinos, lá por 2003, me associei ao Sinpro, Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul. Por isso, recebo todo mês o Extra Classe, jornal do sindicato, que tem Luis Fernando Verissimo, Santiago, Fraga, Edgar Vasques e Marco Aurélio Weissheimer entre seus colaboradores. No mês passado, o professor Ivan Izquierdo foi entrevistado numa sessão especial sobre "Qualidade de vida".
Acho que foi o Analista de Bagé, do Verissimo, quem fez a melhor frase que eu conheço sobre a relação entre leitura e necessidades fisiológicas: "Não sei cagá sem ler o Correio", declarou certa vez o Analista, firme em suas convicções freudianas e maragatas. Eu nunca fui fã do velho jornalão do Doutor Breno, que aliás tinha folhas grandes demais pra segurar na posição em que o Dom Pedro declarou a Independência. Por isso, no banheiro de casa tenho uma caixa com revistas e periódicos recebidos nos últimos meses. Entre eles, o jornal do Sinpro, com uma entrevista com o professor Izquierdo.
Ivan Izquierdo, pra quem não sabe, nasceu em Buenos Aires, vive em Porto Alegre e é um dos cientistas brasileiros mais citados em publicações científicas no mundo inteiro. Além de ser pai do Edu, ótimo câmara e fotógrafo que já trabalhou e trabalha com a Casa de Cinema. A área de estudo do professor Ivan é a formação, persistência e extinção da memória, e foi sobre estes assuntos que ele falou ao Jornal do Sinpro no mês passado.
Nas últimas semanas, por algum motivo, minhas idas ao banheiro em casa têm sido sempre rápidas, apressadas, tendo que sair em seguida, sem tempo para um final de digestão adequado. Por isso, cada vez que eu pego pra ler o Extra Classe de outubro, aberto na página da entrevista do professor Izquierdo, percebo que já li aquilo antes, mas não até o fim. Pra ganhar tempo, começo a ler do meio, tentando encontrar alguma frase conhecida, que me indique onde eu parei da última vez, e daí vou recuando, mas em geral termino sem chegar ao início, porque afinal a leitura de banheiro não é uma necessidade tão importante quanto o trabalho que eu tenho a fazer em seguida.
Quando eu tinha doze anos, tinha uma grande facilidade para decorar letras de música. Até hoje lembro de canções que eu nunca mais ouvi, mas que de repente voltam à tona, completas, junto com a capa do disco ou os convidados daquele programa de TV, pra me mostrar que ainda estão ali, num curioso mecanismo de sobrevivência, prontinhas para o dia em que eu tenha que salvar o meu emprego ou resgatar um filho numa improvável disputa de "a palavra é". Não preciso dizer que, em contrapartida, há anos não consigo decorar músicas novas, por mais que eu me esforce. Aliás, acho que isso eu já disse.
Segundo o professor Izquierdo, se é que eu entendi direito, existem pelo menos dois mecanismos distintos ligados à formação da memória. Um deles, razoavelente conhecido há algumas décadas, diz respeito à maneira como as informações novas são armazenadas nos neurônios e suas sinapses. O outro, que vem sendo investigado há poucos anos, tem a ver com as ações do cérebro para que as informações armazenadas sejam fixadas por mais tempo, e recuperadas quando necessário. Este segundo mecanismo está ligado ao hipocampo e a uma substância chamada BDNF (ou outras quatro consoantes, numa ordem parecida com essa), que fortalece os neurônios e impede que as informações se percam.
Na peça "Das duas uma", que eu escrevi junto com o Grupo Vende-se Sonhos em algum momento do século passado, tinha uma cena em que o produtor alto-astral chegava para o diretor em crise com "boas e más notícias". O diretor, que já conhecia o colega e não queria mais dificuldades, exigia: "Primeiro as boas, por favor." E o produtor, que não estava preparado para esta ordem das coisas, depois de uma hesitação explicava: "Bom, a boa notícia é que tu não precisa te preocupar porque eu vou resolver tudo". E, dito isso, passava a enumerar os problemas que ele iria resolver.
A má notícia, segundo a neurociência do professor Ivan Izquierdo, em entrevista ao jornal do Sinpro que eu recebo por ser professor da Unisinos e leio no banheiro em pequenas doses, é que, a partir dos 40 anos de idade, o mecanismo de fixação das memórias pelo BDNF já não funciona direito, embora o armazenamento siga firme e forte.
A boa notícia, que deveria ter sido enunciada antes, mas aí a piada não funcionaria, não é que o professor Izquierdo ou a ciência vão resolver tudo. A boa notícia é que começar a esquecer as coisas a partir de uma certa idade pode ser bom.
Entrevista do Professor Ivan Izquierdo à Revista Argentina de Neurociencias.
A última edição do "Extra classe", jornal mensal do Sinpro.
Artigo da Wikipédia (em inglês) sobre o BDNF.
Lembrar de tudo é se apegar ao passado, num quero isso pra mim rsrs. Temos agendas diarios fotos, não precisamos lembrar de muita coisa não, fica na paz. Valeu.
Descobri esse blog hoje, pesquisando sobre cinema e casa de cinema, que é um assunto que está na minha pauta do momento. Achei interessante as colocações sobre o Professor Izquierdo, eu escrevi uml ivro em 2006 - O Pensamento como ponto de Partida - onde o cito, falando de memória. Devo discordar dos comentários abaixo, pois já tendo passado dos 50, acho ótimo que nem tudo se fixe. Imagina que saco de lixo nós seríamos??? Viva o novo! abraço Ethel
muito, muito bom.. a má notícia que eu não tenho o Jornal no meu banheiro...rs
Abraço!
Giba, meu velho, como vai? A partir de uma certa idade, nada, ou quase nada, pode ser bom. Ou será que tô esquecendo algo? Abraços colorados,
Oi, Luís. Não sou tão pessimista assim. Acho que envelhecer tem algums vantagens. Mas também não tou me lembrando delas agora. Saudações.