Giba Assis Brasil
Parece piada de mau gosto de primeiro de abril. Mas não é. João Batista Acaiabe, o grande ator brasileiro de "O dia em que Dorival encarou a guarda" acaba de nos deixar, aos 76 anos. Mais uma vítima da peste, no país que optou por eleger a peste.
Acaiabe foi o contador de histórias do "Bambalalão" da TV Cultura, foi o Tio Barnabé no "Sítio do Picapau amarelo", foi o Chefe Chico na refilmagem de "Chiquititas", foi o Pai Didico na novela "Segundo sol" e o Benedito de "Tenda dos milagres". Mas foi muito mais do que isso.
Pioneiro, foi o único negro em sua turma na Escola de Arte Dramática da USP em 1960. Fez parte do inovador Teatro Experimental do Negro de Abdias Nascimento. Dirigido por Plínio Marcos em "Jesus Homem", foi o primeiro Cristo negro do teatro brasileiro. Nunca deixou de levantar sua voz contra o racismo, exigindo para os atores negros bem mais do que papéis de subalternos e escravizados.
Pra nós, que estávamos começando a fazer cinema nos anos 1980, foi o ator que trouxemos do centro do país pra estrelar "O dia em que Dorival encarou a guarda", um de nossos primeiros curtas, ao lado de Sirmar Antunes, Pedro Santos, Zé Adão Barbosa e Lui Strassburger. Quando fomos finalizar o filme, de orçamento curtíssimo, ficamos hospedados em seu apartamento em São Paulo.
Daqui a exatamente 10 dias, 11 de abril, vai fazer 35 anos que "Dorival" estreou no Festival de Gramado, onde Acaiabe recebeu o prêmio de melhor ator.
Um pouco mais tristes e mais pobres por essa perda, ficamos com a risada franca, o talento, a contação de histórias, a generosidade e a consciência social de João Acaiabe. E, já que hoje é o dia dos bobos e do golpe que os bobos insistem em chamar por nomes falsos na data errada, atualizamos com Acaiabe a frase que o escritor Tabajara Ruas criou para o personagem Dorival, quando exigia o direito de tomar um banho, numa noite de muito calor:
"Genocida e merda pra nós é a mesma coisa!"
O curta "O dia em que Dorival encarou a guarda" (15 min) está disponível para visualização online desde o início da pandemia, assim como outras 20 produções da Casa de Cinema de Porto Alegre. "Dorival" tem opção de legendas em português, inglês, francês e espanhol.
https://vimeo.com/240817481
No Youtube tem uma ótima videoanálise (7 min) sobre o filme, por Isabella Ricchiero e Gustavo de Andrade.
https://youtu.be/mqmyyI63_QM
Querido Giba,
Milico e merda para mim é a mesma coisa. A única diferença é que merda não escolhe ser merda, e milico escolhe ser milico. Genocida escolhe ser genocida. Não é uma crítica ao teu texto, é solidariedade e desabafo.
Valeu, Angela. Saudade do Acaiabe.