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ILHA DAS FLORES
ROTEIRO CONSOLIDADO
OBSERVAÇÃO: O "roteiro" original de ILHA DAS FLORES, escrito por
Jorge Furtado em dezembro de 1988 e aprovado para produção em
reunião interna da Casa de Cinema de Porto Alegre dia 03 de
janeiro de 1989, era basicamente um longo texto de locução,
antecedido por uma apresentação do assunto e apenas duas frases
sobre as imagens do filme: "A câmera mostra exatamente o que o
texto diz, da forma mais didática, óbvia e objetiva possível.
Quando o texto fala em números eles são mostrados num quadro
negro ou em gráficos." Alguns dias depois, Jorge escreveu um
"roteiro detalhado", que não reproduzia o texto de locução, mas
previa imagens para cada frase. Entre fevereiro e março, o texto
sofreu algumas alterações, e paralelamente foi elaborado um
"roteiro técnico" em forma de tabela, com o detalhamento de 267
planos previstos para o filme. O roteiro "consolidado" é uma
mistura dos três já referidos (o original, o detalhado e o
técnico), colocado em formato de roteiro propriamente dito, mas
sem as alterações finais decididas durante a filmagem, ou mesmo
depois. Porque estas só existem mesmo é no filme. (Giba Assis
Brasil, 2003)
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ILHA DAS FLORES
roteiro de Jorge Furtado
março/1989
produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
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(1) Sobre fundo preto surgem, em letras brancas, sucessivamente,
as seguintes frases:
ESTE NÃO É UM FILME DE FICÇÃO
ESTA NÃO É A SUA VIDA
DEUS NÃO EXISTE
(2) GLOBO: as frases desaparecem em fade e surge um globo
girando, como no início de "Casablanca". Sobre e sob o globo,
aparece o título do filme:
ILHA DAS FLORES
(3-5) MAPAS: fusão, ou corte, para mapas do Brasil, do Rio Grande
do Sul, até se ler "Belém Novo" no mapa.
FUSÃO PARA
(6) PLANTAÇÃO DE TOMATES: Câmera na mão avança numa plantação de
tomates em Belém Novo, em direção a um agricultor, japonês,
parado no centro do quadro, olhando para a câmera.
LOCUTOR
Estamos em Belém Novo, município de Porto Alegre,
Estado do Rio Grande do Sul, no extremo sul do
Brasil, mais precisamente na latidude trinta
graus, dois minutos e quinze segundos Sul e
longitude cinqüenta e um graus, treze minutos e
treze segundos Oeste. Caminhamos neste momento
numa plantação de tomates e podemos ver a frente,
em pé, um ser humano, no caso, um japonês.
(7-10) JAPONÊS: Dois japoneses, no estúdio, de frente e de
perfil, como nas fotos de identificação policial. Detalhe dos
olhos e do cabelo.
LOCUTOR
Os japoneses se distinguem dos demais seres
humanos pelo formato dos olhos, por seus cabelos
lisos e por seus nomes característicos.
(11-13) TOSHIRO: table-Top documentos do Toshiro. Carteira de
identidade, certidão de nascimento, impressão digital, exame de
sangue.
LOCUTOR
O japonês em questão chama-se Toshiro.
(14-15) OS SERES HUMANOS: table-Top "As medidas do homem", do
Leonardo da Vinci. Estátua grega.
LOCUTOR
Os seres humanos são animais mamíferos, bípedes...
(16) BALEIA: imagem em vídeo de uma baleia.
(17) GALINHA: table-Top Desenho do Picasso.
LOCUTOR
... que se distinguem dos outros mamíferos, como a
baleia, ou bípedes, como a galinha, principalmente
por duas características:
(18) AULA DE ANATOMIA: mão enluvada segurando um cérebro, coloca
uma bandeirinha cravada no córtex.
LOCUTOR
... o telencéfalo altamente desenvolvido e o
polegar opositor.
(19-30) TELENCÉFALO: imagens de computador do cérebro. Edição de
imagens de informações contidas no cérebro: equações, números de
telefone, imagens de livros escolares, etc.
LOCUTOR
O telencéfalo altamente desenvolvido permite aos
seres humanos armazenar informações,
relacioná-las, processá-las e entendê-las.
(31-40) MANIPULAÇÃO DE PRECISÃO: a primeira imagem deve ser
relacionada com a última do telencéfalo, por exemplo, dedos
virando uma página do livro escolar. Imagens do movimento de
pinça, instrumentos cirúrgicos, pincel, baseado, indústria
eletrônica, mão depenando galinha.
LOCUTOR
O polegar opositor permite aos seres humanos o
movimento de pinça dos dedos o que, por sua vez,
permite a manipulação de precisão.
BENEFÍCIOS DO PLANETA: (41) mão colhendo uma maçã na árvore, (42)
gravura da expulsão de Adão e Eva do Paraíso, (43) gravura da
torre de Babel, (44) Pirâmides, (45) Parthenon, (46) Loba romana
com os gêmeos, (47) capela Sistina, (48) 14 Bis, (49) bomba de
Hiroshima, (50) Coca-Cola com tampa rosca, (51) mão colhendo um
tomate.
LOCUTOR
O telencéfalo altamente desenvolvido somado a
capacidade de fazer o movimento de pinça com os
dedos deu ao ser humano a possibilidade de
realizar um sem número de melhoramentos em seu
planeta, entre eles, plantar tomates.
(52-58) TOMATES: pack-Shot tomates, gravuras de tomate em livros
de botânica e enciclopédias, pizza recebendo o molho.
LOCUTOR
O tomate, ao contrário da baleia, da galinha, dos
japoneses e dos demais seres humanos, é um
vegetal. Fruto do tomateiro, o tomate passou a ser
cultivado pelas suas qualidades alimentícias a
partir de mil e oitocentos.
(59-60) TOMATES: gráfico da produção mundial de tomates com a
porcentagem produzida pelo sr. Toshiro.
LOCUTOR
O planeta Terra produz cerca de vinte e oito
bilhões de toneladas de tomates por ano. O senhor
Toshiro, apesar de trabalhar cerca de doze horas
por dia, é responsável por uma parte muito pequena
desta produção.
(61-65) ALIMENTAÇÃO: comidas utilizando tomate.
LOCUTOR
A utilidade principal do tomate é a alimentação
dos seres humanos.
(66-70) CARREGANDO: Toshiro carregando tomates na Kombi.
LOCUTOR
O senhor Toshiro é um japonês e, portanto, um ser
humano. No entanto, o senhor Toshiro não planta os
tomates com o intuito de comê-los. Quase todos os
tomates produzidos pelo senhor Thoshiro são
entregues a um supermercado em troca de dinheiro.
(71-75) DINHEIRO: ilustrações de cédulas antigas, cédulas atuais,
o manuseio do dinheiro, exemplo da troca feita ( mercadoria /
dinheiro). Gráficos, bolsa de valores. (76) Giges: ilustração de
enciclopédia. (77) Ásia Menor: mapa.
LOCUTOR
O dinheiro foi criado provavelmente por iniciativa
de Giges, rei da Lídia, grande reino da Asia
Menor, no século VII Antes de Cristo.
(78-79) CRISTO: quadros da crucificação. Detalhe do INRI.
LOCUTOR
Cristo era um judeu.
(80) OS JUDEUS: cenas do holocausto, em vídeo. "Noite e
nevoeiro", de Alain Resnais. Trator empurrando corpos para uma
vala.
LOCUTOR
Os judeus possuem o telencéfalo altamente
desenvolvido e o polegar opositor. São, portanto,
seres humanos.
(81-82) TROCA: balança com tomates e galinha. (83) Gráfico de
equivalência baleia = galinhas.
LOCUTOR
Até a criação do dinheiro, o sistema econômico
vigente era o de troca direta. A dificuldade de se
avaliar a quantidade de tomates equivalentes a uma
galinha e os problemas de uma troca direta de
galinhas por baleias foram os motivadores
principais da criação do dinheiro.
(84-100) COMÉRCIO: Comerciais de tv, anúncios de revista,
prateleiras de supermercado, vitrines de lojas, balaios de
ofertas, preços, líderes políticos fazendo acordo (vt).
LOCUTOR
A partir do século III A.C. qualquer ação ou
objeto produzido pelos seres humanos, frutos da
conjugação de esforços do telencéfalo altamente
desenvolvido com o polegar opositor, assim como
todas as coisas vivas ou não vivas sobre e sob a
terra, tomates, galinhas e baleias, podem ser
trocadas por dinheiro.
(101) SUPERMERCADO: supermercado, mostrando o ritual de compras
do carrinho ao caixa, passando pelos tomates. Dona Anete faz as
compras. Planos longos, em traveling.
LOCUTOR
Para facilitar a troca de tomates por dinheiro, os
seres humanos criaram os supermercados.
(102) DONA ANETE: dona Anete, no estúdio, de frente e de perfil,
como nas fotos de identificação policial. Detalhe dos olhos e do
cabelo.
LOCUTOR
Dona Anete é um bípede, mamífero, possui o
telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar
opositor. é, portanto, um ser humano. Não sabemos
se ela é judia, mas temos quase certeza que ela
não é japonesa. Ela veio a este supermercado para,
entre outras coisas, trocar seu dinheiro por
tomates. Dona Anete obteve seu dinheiro em troca
do trabalho que realiza.
(103) PORTÃO: Dona Anete entrando no portão de uma casa.
LOCUTOR
Ela utiliza seu telencéfalo altamente desenvolvido
e seu polegar opositor para trocar perfumes por
dinheiro.
(104) PERFUMES: comercial de perfume, Avon.
LOCUTOR
Perfumes são líquidos normalmente extraídos das
flores que dão aos seres humanos um cheiro mais
agradável que o natural.
(105-108) FÁBRICA DE PERFUMES: fábrica de perfumes. Várias etapas
do processo de fabricação dos perfumes.
LOCUTOR
Dona Anete não extrai o perfume das flores. Ela
troca, com uma fábrica, uma quantidade determinada
de dinheiro por perfumes.
(109-110) VENDA DOS PERFUMES.: dona Anete na casa de uma cliente.
Demonstração do perfume. A mesma cena do comercial.
LOCUTOR
Feito isso, dona Anete caminha de casa em casa
trocando os perfumes por uma quantidade um pouco
maior de dinheiro. A diferença entre estas duas
quantidades chama-se lucro.
(111) Letreiro: LUCRO.
LOCUTOR
O lucro de Dona Anete é pequeno se comparado ao
lucro da fábrica...
(112) SUPERMERCADO: Dona Anete no caixa, comprando carne de porco
e tomates.
LOCUTOR
... mas é o suficiente para ser trocado por um
quilo de tomate e dois quilos de carne, no caso,
de porco.
(113-116) PORCO: Desenhos de enciclopédia, porcos ao vivo,
porquinho de desenho animado, porco cozido com maçã na boca, os
três porquinhos. Detalhe pé do porco. Porco num matadouro.
LOCUTOR
O porco é um mamífero, como os seres humanos e as
baleias, porém quadrúpede. Serve de alimento aos
japoneses e aos demais seres humanos, com exceção
dos judeus.
(117-119) COMPRAS: dona Anete descarrega as compras. Cozinha,
geladeira, armário.
LOCUTOR
Os alimentos que Dona Anete trocou pelo dinheiro
que trocou por perfumes extraídos das flores,
serão totalmente consumidos por sua família num
período de sete dias.
(120) DIA: representação astronômica do dia. Estúdio, maquete.
LOCUTOR
Um dia é o intervalo de tempo que o planeta terra
leva para girar completamente sobre o seu próprio
eixo.
(121) CUCO: Relógio-cuco marcando 12 horas.
LOCUTOR
Meio dia é a hora do almoço.
(122-126) FAMÍLIA: familia reunida na mesa. Dona Anete serve o
almoço. Dona Anete e Marido mostram as alianças. (127-135)
Certidão de casamento da dona Anete. Fotos de casamento.
LOCUTOR
A família é a comunidade formada por um homem e
uma mulher, unidos por laço matrimonial, e pelos
filhos nascidos deste casamento.
RECAPITULAÇÃO: mesmas imagens anteriores, bem rápido: (136)
molho, (137) Toshiro, (138) compras, (139) Avon, (140) molho.
LOCUTOR
Alguns tomates que o senhor Toshiro trocou por
dinheiro com o supermercado e que foram trocados
novamente pelo dinheiro que dona Anete obteve como
lucro na troca dos perfumes extraídos das flores
foram transformados em molho para a carne de
porco.
(141-143) ÁREA DE SERVIÇO: Dona Anete joga tomate no lixo.
LOCUTOR
Um destes tomates, que segundo o julgamento
altamente subjetivo de dona Anete, não tinha
condições de virar molho, foi colocado no lixo.
(144-150) LIXO: cenas da coleta de lixo, da cozinha até o
caminhão.
LOCUTOR
Lixo é tudo aquilo que é produzido pelos seres
humanos, numa conjugação de esforços do
telencéfalo altamente desenvolvido com o polegar
opositor, e que, segundo o julgamento de um
determinado ser humano, num momento determinado,
não tem condições de virar molho. Uma cidade como
Porto Alegre, habitada por mais de um milhão de
seres humanos, produz cerca de quinhentas
toneladas de lixo por dia.
(151) GERMES: imagem de microscópio. Bactérias. (152-160) Imagens
de doenças em livros médicos, hospital, Santa Casa.
LOCUTOR
O lixo atrai todos os tipos de germes e bactérias
que, por sua vez, causam doenças. As doenças
prejudicam seriamente o bom funcionamento dos
seres humanos. Outras características do lixo são
o aspecto e o aroma extremamente desagradáveis.
Por tudo isso, ele é levado na sua totalidade para
um único lugar, bem longe, onde possa, livremente,
sujar, cheirar mal e atrair doenças.
(161) CAMINHÃO DE LIXO: coleta.
LOCUTOR
O lixo é levado para estes lugares por caminhões.
Os caminhões são veículos de carga providos de
rodas.
(162) ILHA DAS FLORES: placa de estrada passando, ponto de vista
de quem está no caminhão de lixo.
LOCUTOR
Em Porto Alegre, um dos lugares escolhidos para
que o lixo cheire mal e atraia doenças chama-se
Ilha das Flores.
(163) ÁGUA: traveling margem da ilha, com lixo e malocas, câmera
em um barco. Água do Guaíba.
LOCUTOR
Ilha é uma porção de terra cercada de água por
todos os lados.
(164) H2O: garrafa de vidro transparente, de laboratório,
mostrando a cor da água. Estrutura molecular da água.
LOCUTOR
A água é uma substância inodora, insípida e
incolor formada, teoricamente, por dois átomos de
hidrogênio e um átomo de oxigênio.
(165-170) FLORES: imagens de debutantes, calendários japoneses,
gravuras de enciclopédia, girassóis do Van Gogh.
LOCUTOR
Flores são os órgãos de reprodução das plantas,
geralmente odoríferas e de cores vivas.
RECAPITULAÇÃO: mesmas imagens anteriores: (171) fábrica, (172)
Avon.
LOCUTOR
De flores odoríferas são extraídos perfumes, como
os que do Anete trocou pelo dinheiro que trocou
por tomates.
ILHA DAS FLORES: lixo na ilha: (173) traveling margem do rio,
(174) lixo com saco.
LOCUTOR
Há poucas flores na Ilha das Flores. Há, no
entanto, muito lixo e, no meio dele, o tomate que
dona Anete julgou inadequado para o molho da carne
de porco.
(175) ILHA DAS FLORES: porcos na ilha. Porcos num chiqueiro.
LOCUTOR
Há também muitos porcos na ilha.
RECAPITULAÇÃO: (176) Dona Anete jogando tomate no lixo, (177)
porco comendo.
LOCUTOR
O tomate que dona Anete julgou inadequado para o
porco que iria servir de alimento para sua família
pode vir a ser um excelente alimento para o porco
e sua família, no julgamento do porco.
COMPARAÇÃO DONA ANETE / PORCO: (178) aula de anatomia, (179)
porco parado, (179A) pé do porco.
LOCUTOR
Cabe lembrar que dona Anete tem o telencéfalo
altamente desenvolvido enquanto o porco não tem
nem mesmo um polegar, que dirá opositor.
DONO DO PORCO: (180) dono da porco, em tele, ao lado da cerca;
(181) detalhe do polegar escolhando dinheiro, fazendo um
pagamento; (182) assinando; (183) dando ordens com o dedo; (184-
185) dono do porco se vira.
LOCUTOR
O porco tem, no entanto, um dono. O dono do porco
é um ser humano, com telencéfalo altamente
desenvolvido, polegar opositor e dinheiro. O dono
do porco trocou uma pequena parte do seu dinheiro
por um terreno na Ilha das Flores, tornando-se
assim, dono do terreno.
TERRENO: (186) certificado de propriedade; (187) cerca, pessoas
do lado de fora, em fila.
LOCUTOR
Terreno é uma porção de terra que tem um dono e
uma cerca. Este terreno, onde o lixo é depositado,
foi cercado para que os porcos não pudessem sair e
para que outros seres humanos não pudessem entrar.
SEPARAÇÃO DO LIXO: (188) caminhão descarrega lixo na ilha, (189)
empregados fazem triagem lixo/papel, (190) detalhe material
orgânico, (191) detalhe material inorgânico, (192) empregados
carregando caixa, (193) triagem.
LOCUTOR
Os empregados do dono do porco separam no lixo
aquilo que é de origem orgânica daquilo que não é
de origem orgânica. De origem orgânica é tudo
aquilo que um dia esteve vivo, na forma animal ou
vegetal. Tomates, galinhas, porcos, flores e papel
são de origem orgânica.
(194-200) PAPEL: fábrica de Papel. Processo de fabricação do
papel. Celulose.
LOCUTOR
O papel é um material produzido a partir da
celulose. São necessários trezentos quilos de
madeira para produzir sessenta quilos de celulose.
(201-204) Árvores sendo derrubadas. Folhas de papel. Lista de
compras de dona Anete. Embrulho dos tomates.
LOCUTOR
A madeira é o material do qual são compostas as
árvores. As árvores são seres vivos. O papel é
industrializado principalmente na forma de folhas,
que servem para escrever ou embrulhar.
(205-206) PROVA DE HISTÓRIA: mão cata papel com prova de História
no meio do lixo.
LOCUTOR
Este papel, por exemplo, foi utilizado para
elaboração de uma prova de História da Escola de
Segundo Grau Nossa Senhora das Dores e aplicado à
aluna Ana Luiza Nunes, um ser humano.
(207-210) Sala de aula. Alunos fazendo prova. Letreiro: TESTE DA
CAPACIDADE DO TELENCÉFALO DE UM SER HUMANO DE RECORDAR DADOS
REFERENTES AO ESTUDO DA HISTÓRIA.
LOCUTOR
Uma prova de História é um teste da capacidade do
telencéfalo de um ser humano de recordar dados
referentes ao estudo da História.
(211) MEM DE SÁ: gravura. Capa do "Grandes personagens da nossa
história". (212) Captanias hereditárias: mapa. Letreiro anterior
(definição de prova de História) permanece.
LOCUTOR
Por exemplo: quem foi Mem de Sá? Quais eram as
capitanias hereditárias?
(213) HISTÓRIA: "Era uma vez" em um livrinho ilustrado, tipo
Branca de Neve. Letreiro anterior vai sumindo, até ficar só a
palavra RECORDAR.
LOCUTOR
A História é a narração metódica dos fatos
ocorridos na vida dos seres humanos. Recordar é
viver.
(214-217) PORCOS: homem dá comida aos porcos. Porcos comendo.
LOCUTOR
Os materiais de origem orgânica, como os tomates e
as provas de história, são dados aos porcos como
alimento. Durante este processo, algumas mulheres
e crianças esperam no lado de fora da cerca na
Ilha das Flores. Aquilo que os porcos julgarem
inadequados para a sua alimentação, será utilizado
na alimentação destas mulheres e crianças.
(218) MULHERES E CRIANÇAS: bando de mulheres e crianças no
estúdio, olhando pra câmera; (219) mulheres e crianças de perfil;
(220) mulheres e crianças mostrando os polegares.
LOCUTOR
Mulheres e crianças são seres humanos, com
telencéfalo altamente desenvolvido, polegar
opositor e nenhum dinheiro. Elas não têm dono e, o
que é pior, são muitas.
(221) PORTEIRA: mulheres e crianças aguardando na fila. (221A)
Traveling na fila.
LOCUTOR
Por serem muitas, elas são organizadas pelos
empregados do dono do porco em grupos de dez e têm
a permissão de passar para o lado de dentro da
cerca. Do lado de dentro da cerca elas podem pegar
para si todos os alimentos que os empregados do
dono do porco julgaram inadequados para o porco.
ENTRADA NO TERRENO: (222) empregados controlando a entrada; (223)
mulheres e crianças ao lado da cerca; (224) astros; (225) pessoas
correndo; (225A) catando comida; (225B) enchendo sacolas; (225C)
detalhe do que pegam; (225D) capataz olhando relógio; (225E)
detalhe do relógio.
LOCUTOR
Os empregados do dono do porco estipularam que
cada grupo de dez seres humanos tem cinco minutos
para permanecer do lado de dentro da cerca
recolhendo materiais de origem orgânica, como
restos de galinha, tomates e provas de história.
(226-236) 5 MINUTOS: detalhes vários relógios.
LOCUTOR
Cinco minutos são trezentos segundos.
(237) SEGUNDO: envelope com cartão, vai abrindo e aparecendo o
número: 9.192.635.770.
LOCUTOR
Desde mil novecentos e cinqüenta e oito, o segundo
foi definido como sendo o equivalente nove
bilhões, cento e noventa e dois milhões,
seiscentos e trinta e um mil, setecentos e setenta
mais ou menos vinte ciclos de radiação de um átomo
de césio quando não perturbado por campos
exteriores.
(238-244) GOIÂNIA: fotos das vítimas de Goiânia. (245) menino
passa substância brilhante em seu próprio rosto.
LOCUTOR
O césio é um material não orgânico encontrado no
lixo em Goiânia.
RECAPITULAÇÃO: mesmas imagens já mostradas anteriormente, cada
vez mais rápido: (246) tomate na plantação, (247) Toshiro, (248)
prateleiras do supermercado, (249) caixa, (250) Avon, (251)
fábrica, (252) molho, (253) área de serviço, (254) porco
recusando, (255) pessoa catando lixo.
LOCUTOR
O tomate plantado pelo senhor Toshiro, trocado por
dinheiro com o supermercado, trocado pelo dinheiro
que dona Anete trocou por perfumes extraídos das
flores, recusado para o molho do porco, jogado no
lixo e recusado pelos porcos como alimento, está
agora disponível para os seres humanos da Ilha das
Flores.
(256-259) CATADORES DE LIXO: Slow. Imagens ao longe, em tele, de
catadores de lixo no meio do lixão.
LOCUTOR
O que coloca os seres humanos da Ilha das Flores
numa posição posterior aos porcos na prioridade de
escolha de alimentos é o fato de não terem
dinheiro nem dono. Os humanos se diferenciam dos
outros animais pelo telencéfalo altamente
desenvolvido, pelo polegar opositor e por serem
livres. Livre é o estado daquele que tem
liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho
humano alimenta, que não há ninguém que explique e
ninguém que não entenda.
(260) Menino pega o tomate e come. Cam fecha em seu rosto.
FADE OUT
FIM
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(c) Jorge Furtado, 1989
Casa de Cinema de Porto Alegre
http://www.casacinepoa.com.br
01/03/1989
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