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QUINTANA E AS MUSAS
episódio da série "Quintana Anjo Poeta" da RBS TV
roteiro de Ricardo Silvestrin
(com a colaboração de Jorge Furtado)
versão de 26/02/2006
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CENA 1 - ESTÚDIO/ARQUIVO - INT/DIA
Quintana falando. Imagem de arquivo: (Fita Beta 13, 00:00:10:00 )
QUINTANA
Sim, tem a inspiração, mas não só ela. Paul Valéry
disse que os deuses dão o primeiro verso. Os
outros o poeta tem que criar. E eu digo que o
santo baixa sim. Mas só um pedaço. A gente tem que
puxar o santo pelos pés pra ele vir inteiro.
CENA 2 - JARDIM DE ZEUS - EXT/DIA
Das nuvens no céu a câmera chega em Zeus, um homem com barbas
brancas. Ele está dormindo. De repente abre os olhos.
ZEUS
Essa música... Música.
Zeus está sentado em uma cadeira de praia em um jardim em cima de
um prédio.
Ele levanta-se e caminha até uma murada, olha para um prédio em
frente onde, na janela, uma mulher dança.
ZEUS
Música vem de musa: significa arte das musas.
Imagens das nove musas (originais, gregas).
ZEUS OFF
Os poetas pedem inspiração às musas antes de começar a trabalhar.
Nas horas mais impróprias. As musas são minhas filhas. São nove.
Imagem de Zeus (original,grego)
ZEUS
Eu? Desculpe, pensei que você tivesse me
reconhecido.
Zeus no seu jardim.
ZEUS
Eu sou Zeus, o rei dos deuses, muito prazer.
Zeus caminha até a murada novamente.
ZEUS
Posso ver tudo aqui de cima, escutar e ler... o
que um poeta está escrevendo. Escutem...
CENA 3 - ARQUIVO - INT/DIA
Quintana escrevendo na sua mesa (imagem de arquivo, fita Beta 15
00:18:31:18), em silêncio.
ZEUS (OFF)
"Comecei a escrever este poema
às 12h23min de 12 de agosto de 1974
Os pesquisadores não querem outra vida
Eles morrem por dados
- mal sabem que a vida
é um incerto e implacável jogo de dados...
Legenda: Que horas são?, poema de Mario Quintana
CENA 4 - JARDIM DE ZEUS - EXT/DIA
ZEUS
É o poeta Mario Quintana.
Zeus vai até uma bancada onde estão vários livros e objetos. Zeus
pega um maço de folhas.
ZEUS
Ele está precisando de inspiração.
Zeus abre as folhas no balcão.
ZEUS
Uma musa.
Vemos uma das folhas que Zeus mexe.
ZEUS (FQ)
Esta é a minha filha Clio, a musa da história.
CENA 5 - ARQUIVO
Quintana escrevendo na sua mesa (imagem de arquivo, fita Beta 15
00:18:31:18), em silêncio.
ZEUS (OFF)
E eu tanto que desejava que minha biografia
terminasse de súbito...
Na mesa por trás de Mário Quintana (dublê) vemos um calendário.
No calendário está Clio.
Clio olha e sorri na direção de Mário Quintana.
ZEUS (OFF)
...simplesmente assim:
"Desaparecido na batalha de Itororó"!
(Desaparecido? Meu Deus,
quem sabe se ainda estarei vivo?!)"
Legenda: Que horas são?, poema de Mario Quintana.
CENA 6 - JARDIM DE ZEUS
Zeus olha para a folha onde está Clio.
Clio sorri na página.
ZEUS
Cada uma das musas protege uma arte ou ciência.
Zeus folheia rapidamente as folhas.
ZEUS
Minhas filhas permanecem jovens e belas
eternamente.
Zeus pega uma folha e a olha separadamente das outras. A imagem é
de uma musa como em um pôster de um filme com colagens.
ZEUS
Calíope, a musa da poesia épica.
O vento tira a folha das mãos de Zeus.
Zeus vê a folha voar por entre os prédios.
CENA 7 - QUARTO DE QUINTANA (dublê) - EXT.DIA.
Pelo lado de fora vemos a folha que estava voando grudar na
janela de Quintana.
CENA 8 - QUARTO DE QUINTANA - INT/DIA
Mário Quintana (dublê) trabalhando. Ao fundo vemos o calendário,
com Clio. Clio olha na direção da janela. Calíope, na folha que
está na janela, olha para dentro do quarto. Vemos o que Quintana
escreve: "É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis como na
guerra do Paraguai..."
ZEUS (OFF)
É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis
como na guerra do Paraguai...
Legenda: Aula Inaugural, poema de Quintana.
A folha se desprende da janela.
CENA 9 - SEQÜÊNCIA DE MONTAGEM
Uma seqüência de pessoas reais dizendo os versos do poema
Um vendedor ambulante na rua.
VENDEDOR AMBULANTE
Mas eram bem falantes
Um jornaleiro na banca.
JORNALEIRO
E todos os seus gestos eram ritmados como num
balé.
Uma dona de casa no supermercado.
DONA DE CASA
Pela cadência dos metros homéricos.
Uma caixa de supermercado.
CAIXA DE SUPERMERCADO
Fora do ritmo, só há danação.
A folha cai aos pés de uma menina, na rua.
MENINA NA RUA
Fora da poesia não há salvação.
CENA 10 - JARDIM DE ZEUS - EXT/DIA
Zeus tem o maço de folhas na mão e olha na janela do prédio a
mulher dançando.
Zeus folheia e pega uma folha, rasga-a, fazendo uma moldura que
ele coloca na frente do seu rosto e vê a janela onde a mulher
dança.
ZEUS
Terpsícore, musa da dança. A poesia é dança e a
dança é alegria.
CENA 11 - SEQÜÊNCIA DE MONTAGEM (Arquivo)
Edição de imagens que lembram dança: uma multidão caminhando,
dribles de futebol, carros que vão e voltam, uma ola no estádio
de futebol, Quintana caminhando pela rua - .. Compõe as cenas, o
texto com efeitos gráficos.
ZEUS (OFF)
Dança, pois, teu desespero, dança.
Tua miséria, teus arrebatamentos,
Teus júbilos
E,
Mesmo que temas imensamente a Deus,
Dança como David diante da Arca da Aliança;
Mesmo que temas imensamente a morte...
Dança diante da tua cova.
Tece coroas de rimas...
Enquanto o poema não termina.
A rima é como uma esperança
Que eternamente se renova.
A canção, a simples canção,
é uma luz dentro da noite.
Sabem todas as almas perdidas.
O solene canto é um archote nas trevas.
Sabem todas as almas perdidas.
CENA 12 - ARQUIVO
Quintana escrevendo na sua mesa (imagem de arquivo, fita Beta 15
00:18:31:18), em silêncio
Terpsícore dançando (aplicada sobre a imagem de Quintana). A
imagem de Mário escurece e some, ficando somente Terpsícore
dançando. Ao fundo, grafismo com o poema.
ZEUS (OFF)
Dança, encantado dominador de monstros,
Tirano das esfinges,
Dança, Poeta,
E sob o aéreo, o implacável,
o irresistível ritmo de teus pés,
Deixa rugir o Caos atônito...
CENA 13 - ARQUIVO
Vemos a imagem de Quintana ao lado de Bruna Lombardi (imagem de
arquivo, fita Beta 13, 00:58:37:00) - Eles estão numa livraria
dando entrevista.
Bruna lê o poema de Quintana chamado O Poema (imagem de arquivo,
fita Beta 13, 00:58:37:00).
Legenda: O Poema, texto de Mario Quintana
BRUNA
Um poema como um gole d`água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata
perdida pra sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia
que a sua misteriosa condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
CENA 14 - JARDIM DE ZEUS - EXT/DIA
Zeus está sentado em sua cadeira no meio do jardim. Ele olha uma
folha onde uma mulher está em uma colagem com corações e cupidos.
ERATO
Ela é quem está apaixonada por ele.
CENA 15 - ARQUIVO
Cena da entrevista em que Bruna fala (Fita beta 13, 00:44:51:17)
BRUNA
O Mario é que é meu muso.
CENA 16 - JARDIM DE ZEUS - EXT/DIA
Zeus pega a folha com Erato.
ZEUS
Erato, você entende tudo de amor.
ERATO
E Quintana sabe tudo de poesia de amor. Escuta só.
CENA 17 - ARQUIVO
Imagens de arquivo de entrevista com Quintana (Beta 13,
00:12;35:27)
QUINTANA
Eu não gosto desses poetas que fazem poesia pra
cantar mulher. A poesia não é para cantar mulher.
É para cantar a mulher.
Quintana falando o poema para Greta Garbo (Beta 4, 00:12:06:03).
QUINTANA
Teu sorriso é imemorial como as pirâmides
E puro como a flor que abriu na manhã de hoje.
(legenda: poema para Greta Garbo)
QUINTANA (Beta 3, 00:29:54:25)
A Greta Garbo? É minha namorada.
(Beta 3, 00:38:55:15)
Quintana conta que foram ele e amigo bebendo pelo caminho para
tomar coragem de ir falar com a Cecília Meireles.
CENA 18 - MONTAGEM DE FOTOGRAFIAS
Vemos, nas folhas caídas no chão, Erato e as musas de Quintana,
lado a lado.
Erato sai da sua página e entra em outra onde estão as fotos das
musas de Mario Quintana.
Clip com as mulheres que foram seus amores (cenas de arquivo -
legendas com os nomes de todas: Bruna Lombardi, Greta Garbo,
Gilda Marinho, Maria Garcia, Cecília Meireles.).
ERATO
Eu faço versos como saltimbancos desconjuntam os
ossos doloridos. A entrada é livre para os
conhecidos... Sentai, Amadas, nos primeiros
bancos.
Amar é mudar a alma de casa.
Senhora, eu vos amo tanto
Que até por vosso marido
Me dá um certo quebranto...
CENA 19 - JARDIM DE ZEUS - EXT/DIA
Zeus recolhe as folhas no chão e fala (para a câmera)
ZEUS
Esse poema, o Quintana escreveu para a sua amada,
a poetisa Cecília Meireles.
CENA 20 - ARQUIVO
QUINTANA (Beta 8, 00:30:02:14 e também Beta 3, 00:37:34:18)
Quando escrevo um poema de amor, querem saber quem é ela, quem é
ela. Acho isso uma bobagem. (Beta 3,00:40::06:27) A musa não é um
ponto de chegada, é um ponto de partida.
CENA 21 - JARDIM DE ZEUS
Zeus caminha de um lado para outro olhando as musas nas folhas de
papel Ele pára e escolhe uma folha
CENA 22 - ARQUIVO (PESQUISAR)
Alguma seqüência em que Mario Quintana faça ou diga uma gracinha.
CENA 23 - JARDIM DE ZEUS
Zeus segura em suas mãos a imagem da musa da comédia Thalia.
Zeus coloca as folhas com as musas no balcão.
ZEUS
Thalia, a musa da comédia. Ela e o Quintana se
adoram...
CENA 24 - ELIMINADA
CENA 25 - JARDIM DE ZEUS
Zeus rasga duas folhas, onde estão Erato e Thalia, e as une. Em
outro recorte estão imagens de Mario Quintana.
ZEUS
Erato e Thalia, o amor e o humor, juntos, no mesmo
poema de Quintana.
ERATO
O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico de estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta.
THALIA
Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!
ERATO
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
THALIA
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
ERATO
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
CENA 26 - JARDIM DE ZEUS
Zeus pega um pêssego, observa
ZEUS
E essa tentação de roçar na face a pele perfumada
do pêssego, como se ele fosse uma pêssega.
Zeus morde o pêssego. Ao longe ouvimos barulho de sirenes.
Zeus debruça-se sobre a murada e olha para baixo.
ZEUS
Melpômene...
Nuvens escuras no céu.
ZEUS
.. a musa da tragédia.
Vemos a folha em que está Melpômene, ela surge entre uma montagem
de raios e trovões
ZEUS (OFF)
Olha, minha filha, um poema inspirado por Erato e
por você.
CENA 27 - ESTUDIO
Erato e Melpômene, de dentro de suas páginas, falam o poema.
ERATO
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos.
MELPÔMENE
Trago-te essas mãos vazias
ERATO
Que vão tomando a forma do teu seio.
CENA 28 - JARDIM DE ZEUS
Zeus caminha em seu jardim
ZEUS
Um grande poeta como Mario Quintana é inspirado
por todas as musas. Ele mistura o amoroso com o
trágico, com o cômico. O épico se mistura com a
dança. Movido por Etuerpe, musa da música e da
poesia lírica, e por Terpsícore, musa da dança,
ele escreveu:
CENA 29 - ARQUIVO / ESTÚDIO
Um papel com o poema escrito, a folha está pegando fogo e vai se
consumindo enquanto o poema é dito
Legenda: Inscrição para uma lareira, poema de Mario Quintana
ZEUS (OFF)
A vida é um incêndio: nela
Dançamos, salamandras mágicas.
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...
CENA 30 - JARDIM DE ZEUS
OBS: AINDA INDEFINIDA A ENTRADA DE POLÍMNIA
ZEUS
Polímnia, musa da poesia sacra e dos hinos.
Por efeito de animação, Polímnia vira um santinho de papel. O
santinho vira e atrás está escrito o poema. Zeus, com o santinho
na mão, lê o poema. Enquanto ele lê, um novo prédio de palavras
surge na paisagem urbana.
ZEUS (OFF)
Eles ergueram a Torre de Babel
Para escalar o Céu,
Mas Deus não estava lá!
Estava ali mesmo, entre eles,
Ajudando a construir a torre.
Zeus vira o papel (santinho) e agora, onde antes estava Polímnia,
agora está uma foto de Mario Quintana.
Legenda: A construção, poema de Mario Quintana.
Zeus sorri. Uma sombra cobre o santinho. Zeus vê o sol se pôr e a
lua no céu.
ZEUS
Ouçam o que Mario Quintana fez inspirado por
Urânia, musa da astronomia.
CENA 31 - ARQUIVO/ESTÚDIO
Imagem de Paulo José dizendo o poema dos grilos (imagem de
arquivo, Beta 2, 00:58:44:04)
PAULO
Os grilos... os grilos....
Meu Deus se a gente pudesse
Puxar por uma perna um só grilo
Se desfiariam todas as estrelas!
Legenda: Noturno arrabaleiro, poema de Mario Quintana)
PM ESTUDIO URANIA EM UM CÉU ESTRELADO, BARULHOS DE GRILOS. ELA
PUXA AS ESTRELAS QUE CAEM COMO UMA CORTINA.
CENA 32 - QUARTO DE QUINTANA
Pela janela de Quintana vemos as estrelas caírem - Dentro do
quarto, um passeio pelos objetos pessoais de Quintana.
QUINTANA (Beta 8, 00:30:02:14)
Às vezes o poema nada tem que ver com o que o
motivou. As musas vão como as andorinhas sobre o
fio, voam, mas o fio fica...
CENA 33 - ARQUIVO
Quintana caminha pela rua
Legenda: nome do poema, poema de Mario Quintana)
ZEUS (OFF)
Bem aventurados os pintores escorrendo luz
Que se expressam em verde
Azul
Ocre
Cinza
Zarcão!
Bem aventurados os músicos...
E os bailarinos
E os mímicos
E os matemáticos...
Cada qual na sua expressão!
Só poeta é que tem de lidar
com a ingrata linguagem alheia...
A impura linguagem dos homens!
CENA 34 - JARDIM DE ZEUS
Zeus caminha até a murada.
ZEUS
Meu Deus, que vontade me deu de escrever um
poeminho...
Olha, agora mesmo vai passando um!
Pst pst pst
Vem cá para que eu te entube
Nos compêndios de minhas obras completas
Vem cá para que eu te empoete
Para que eu te enrime
Para que eu te enritme
Para que eu te enlire
Para que eu te empégase
Para que eu te enverse
Para que eu te emprose
Imagem de Mario Quintana caminhando pela rua e abanando para a
câmera. (arquivo)
ZEUS
Vem cá...
Vaca!
Escafedeu-se!
(legenda: poema de Raymond Queneau, traduzido por Quintana)
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(c) Ricardo Silvestrin, 2006
Casa de Cinema de Porto Alegre
http://www.casacinepoa.com.br
26/02/2006
Anexo | Tamanho |
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