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TRAMPOLIM
	               roteiro de Rosângela Cortinhas
	               novembro/1997
produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
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CENA 1 - TRAMPOLIM - INTERIOR - DIA
	Raquel está na ponta de uma prancha de madeira. De olhos fechados
	ela murmura algumas palavras, respirando lentamente.
	Raquel está na ponta de uma prancha de madeira. De olhos fechados
	ela murmura algumas palavras.
	               RAQUEL (OFF)
	               Ninguém é culpado pelo meu gesto trágico, a não
	               ser o amor. Portanto não culpem ninguém. Incluo as
	               fotografias dos protagonistas, eu, Alfredo e ela,
	               Henriqueta. Nos amamos durante seis anos e fomos
	               felizes durante esse tempo. Desfrutamos bastante a
	               vida. Ela é casada e eu solteiro.
	Raquel fecha os olhos, abre os braços, respira fundo e num
	impulso com o corpo, se atira no vazio.
	               RAQUEL (OFF)
	               Nosso amor terminou ontem, 15 de março de 1936.
	Agora resolvi acabar com tudo para evitar mais sofrimentos
	íntimos. Aviso que os poucos objetos de meu uso, que estão em meu
	quarto ficam para o meu amigo e colega, Armando Gonçalves de
	Lima.
CENA 2 - QUARTO DE MULHER - INTERIOR - DIA
	Raquel arruma sua mochila com cadernos e outros objetos. Mãe
	entra no quarto.
	               MÃE
	               O café está servido.
	               RAQUEL
	               Não dá tempo, como alguma coisa na escola.
	               MÃE
	               Você vem cedo hoje?
	               RAQUEL
	               Não, tenho treino depois da aula.
Raquel pega a mochila e sai do quarto, seguida pela mãe.
CENA 3 - VIADUTO OTÁVIO ROCHA - EXTERIOR - DIA
	Raquel está debruçada perigosamente no parapeito do viaduto,
	olhando para baixo. Voz de mulher surpreende Raquel que se
	endireita no parapeito. Senhora e menina estão paradas a seu
	lado, de mãos dadas.
	               SENHORA
	               (se dirigindo a menina) Quando eu tinha a sua
	               idade, lá em Forquilha, ficava encantada quando
	               minhas tias falavam sobre o viaduto. Teve noites
	               que custava a dormir pensando em como seria este
	               lugar onde os carros podiam passar por cima de uma
	               rua enquanto outros passavam por baixo, e ao mesmo
	               tempo.
	               MENINA
	               Elas moravam em Porto Alegre?
	               SENHORA
	               Não, elas eram internas nas freiras e iam para
	               casa nas férias. Todos de lá, do interior, queriam
	               conhecer a construção e organizavam caravanas para
	               conhecer o viaduto.
	               MENINA
	               Hoje vêm para conhecer o shopping.
Seguem caminhando e Raquel vai atrás delas.
CENA 4 - VESTIÁRIO - BANHEIRO - INTERIOR DIA
	Raquel coloca a touca de natação, entra no chuveiro e liga a
	torneira. Toma uma ducha, desliga a torneira, pega a toalha na
	mochila e sai do banheiro. Entra num grande ginásio com piscina
	olímpica e começa a fazer aquecimento. Segue o treinador com o
	olhar. Claudia e Betty também estão na piscina, se exercitando.
	               CLAUDIA
	               (se aproxima dela, nadando) A Marininha não vem,
	               ela caiu e quebrou a perna.
	               RAQUEL
	               Nossa, como aconteceu?
CENA 5 - PISCINA - INTERIOR - DIA
	(Flash back) Marininha sobe na escada do trampolim e nos últimos
	degaus, uma das mãos se desprende e ela cai, gritando. De dentro
	da piscina, sai a cabeça da Cintia que olha, tirando os óculos de
	natação, de boca aberta para a Marininha espatifada no chão.
	               CLAUDIA (OFF)
	               Ela escorregou na escada do trampolim, ontem no
	               treino e caiu de mal jeito. Foi horrível, só tava
	               aqui a pamonha da Cintia que saiu berrando. Ela
	               vai ficar tres meses de molho no gesso.
	               BETTY
	               (debruçada na beira na piscina junto as outras)
	               Tem reunião às 4. O Saldanha vai resolver o que
	               fazer com a equipe.
	               RAQUEL
	               Parece que a Cintia vai à competição.
	Treinador Saldanha caminha em volta da piscina, rindo e falando
	no telefone celular. Ele desliga e se aproxima das moças.
	               TREINADOR
	               Voltem às suas raias, mocinhas.
CENA 6 - VIADUTO OTÁVIO ROCHA - EXTERIOR - DIA
	As quatro jovens caminham, de cabelos molhados, com mochilas e
	bolsas.
	               CLAUDIA
	               Ele tava demais hoje com aqueles calções novos.
	               BETTY
	               Adoro os pés murchos dele.
	               RAQUEL
	               (suspirando) Ele nem sabe que a gente existe.
	Em frente às escadarias do viaduto, as outras duas descem. Raquel
	e Cintia continuam caminhando reto.
	               RAQUEL
	               Vejo vocês amanhã.
	               CLAUDIA E BETTY
	               Tchau, até amanhã.
	Raquel diminui o passo, se debruça na murada e vê as duas se
	afastarem. Ela pega a mochila e atira-a de cima do viaduto,
	cronometrando no relógio de pulso quantos segundos ela leva para
	chegar no asfalto. Cintia se debruça também.
	               CINTIA
	               Você é louca, pode cair em cima de alguém, causar
	               um acidente de carro.
	               RAQUEL
	               Dezoito pessoas já se atiraram daqui, nos anos trinta.
Ela sai correndo, em direção as escadas e Cintia vai atrás.
	               CINTIA
	               (horrorizada) Como você sabe?
	               RAQUEL
	               Eu li num livro. Algumas deixaram cartas de
	               despedida. Gosto quando os suicidas deixam
	               bilhetes.
	               CINTIA
	               Que morbidez, estou toda arrepiada.
CENA 7 - EMBAIXO DO VIADUTO - EXTERIOR - DIA
	Junto à mochila, pessoas estão paradas, olhando para cima. Raquel
	se abaixa, pega e mochila.
	               RAQUEL
	               (assustada) Um ladrão me atacou mas consegui jogar
	               a mochila.
	               HOMEM VELHO
	               Que barbaridade. Assaltar uma menina e a esta hora
	               da tarde.
CENA 8 - TRAMPOLIM - INTERIOR - DIA
	Raquel está sentada sozinha num canto, fora da piscina,
	escrevendo em um caderno. No trampolim, atletas saltam, um depois
	do outro.
	               RAQUEL (OFF)
	               Porto Alegre, tres de maio de mil novecentos e
	               trinta e sete. Celeste, perdoa-me o meu arrojo.
	               Depois de ter se passado o que se passou entre
	               nós, não me foi possível deixar de assim fazer.
	               Não me é possível viver longe de ti. Ou viverei ao
	               teu lado ou deixarei de viver. Espero que tenhas
	               compaixão e que consultes teu coração antes de
	               responder-me.
Raquel se levanta, fecha o caderno e fala bem alto.
	               RAQUEL
	               Celeste, dá-me a vida ou a morte. Sem mais,
	               saudades desse infeliz que te adora. Armando
	               Bertoja.
Claudia e Cintia estão entrando na sala esfumaçada da piscina.
	               CLAUDIA
	               O que ela disse?
	               CINTIA
	               Quase nunca entendo o que ela diz.
Treinador Saldanha está próximo delas, rodeado de garotas.
	               SALDANHA
	               Quero todas lá em cima em um minuto.
	Todas colocam a toca, os óculos e se dirigem ao trampolim. Raquel
	é a primeira a subir e na ponta do trampolim, se concentra para o
	salto. Olha para baixo e vê a rua (Borges de Medeiros)
	movimentada de carros e pedestres. Fecha os olhos e salta. Cai na
	água num mergulho silencioso.
CENA 9 - CHUVEIRO - INTERIOR - DIA
	As moças estão nos chuveiros, com as cortinas fechadas, cada uma
	num boxe.
	               BETTY
	               O professor está de mau humor.
	               CLAUDIA
	               Ninguém ligou para ele. O celular ficou mudo.
	               RAQUEL
	               Hoje tive medo, pela primeira vez, de me atirar lá
	               de cima.
	               CINTIA
	               É stress, os treinos estão me deixando com muita
	               fome. Assim vou engordar.
	               BETTY
	               Amanhã é o aniversário dele, quantos anos vocês
	               acham que ele tem?
Raquel abre a cortina do boxe.
CENA 10 - VIADUTO OTAVIO ROCHA - EXTERIOR - DIA
	Raquel está de pé, na amurada do viaduto, equilibrada, sem
	respirar. Olha para baixo e vê a água da piscina. (Ponto de vista
	de Raquel em cima do trampolim de 6 metros.)
	               RAQUEL (OFF)
	               Hoje não tem bilhete de despedida, Arlindo Lagos
	               da Silva, em 17 de abril de mil novecentos e
	               trinta e sete, subiu aqui e atirou-se no espaço
	               vazio, de braços abertos, soltando um grito. Foi
	               testemunhado desta maneira e publicado no Jornal
	               Correio do Povo, na edição do dia seguinte.
	Pessoas estão a sua volxta, gritando para ela não se atirar.
	Tentam agarrá-la mas não ousam se aproximar muito. Cada movimento
	de mão estendida, Raquel se balança mais em direção ao abismo.
	               HOMEM
	               Não se aproximem, ela vai se jogar.
	               HOMEM 2
	               Chamem um padre. Coitada, tão bonitinha.
	               MULHER 1
	               Alguém conhece esta menina?
	               MULHER
	               Minha filha, desce, não se atire. Pense na Nossa
	               Senhora.
	Raquel estende o braço e dá a mão para a pessoa mais próxima,
	desce e sai caminhando muito rápido. Todos vão atrás dela. Ela
	desce a escadaria. Um ônibus vem junto ao meio fio, as pessoas
	tentam agarrar Raquel. Ela é mais rápida, faz sinal para o
	ônibus, ele pára e ela entra.
CENA 11 - ÔNIBUS - INTERIOR DIA
	Raquel está sentada no primeiro banco e ao lado dela, Cintia.
	Mais atrás, Claudia e Betty. O ônibus está cheio de atletas.
	Algumas quadras adiante, o ônibus pára e o treinador Saldanha
	entra.
	               ATLETA NO FUNDO DO ÔNIBUS
	               Pensei que tínhamos nos livrado de você.
	               SALDANHA
	               Não, hoje é o meu dia.
	Todos gritam, cantam um pedaço do "Parabéns a você". As moças
	abraçam o treinador, menos Raquel que continua sentada, olhando
	para as mãos do treinador.
	               SALDANHA
	               Raquel, não ganho um abraço?
	               RAQUEL
	               Não, vou te dar uma medalha.
	Um dos atletas traz um pequeno bolo, com velas acesas e coloca
	próximo ao rosto do treinador.
	               TODOS GRITAM
	               Faz um pedido.
O treinador sorridente fecha os olhos e assopra as velas.
CENA 12 - RUA BORGES DE MEDEIROS - EXTERIOR - DIA
	Raquel está deitada na calçada com o rosto para baixo, as pernas
	caídas no asfalto, tem um papel preso na mão direita. À sua
	volta, um círculo de pessoas.
	               MULHER
	               Alguém chame uma ambulância.
	               HOMEM
	               Ela se atirou lá de cima? Não acredito.
	               MULHER 2
	               Que horror, que horror
	               VELHO
	               (dirigindo-se a m]um jovem) Vê se ela está morta.
	               JOVEM
	               Eu não, depois vão pensar que fui eu.
	               VELHO
	               Ignorante, vê se ela tem pulso, se está
	               respirando.
	               HOMEM 2
	               Pode ter sido uma bala perdida.
	               MULHER
	               Chamem um guarda
	               HOMEM
	               Olhe, ela tem um papel na mão.
	               VELHA
	               É melhor não mexer nela.
Homem pega o papel, abre e começa a ler.
	               RAQUEL (OFF)
	               Seu Custódio, com o intuito de pagar uma dívida,
	               peguei dinheiro no caixa. Perdi tudo no jogo
	               quando quis aumentar a cifra para poder devolver
	               ao senhor que sempre veio em meu auxílio nas horas
	               certas. Não tenho perdão. Serei sempre uma
	               vergonha para minha família e para todos os que me
	               conheceram. Adeus. Raimundo do Nascimento. Porto
	               Alegre, 4 de setembro de 1937.
	Raquel abre os olhos, levanta-se e limpa a roupa. No peito,
	pendurada, uma medalha dourada. Ela esfrega a medalha no blusão,
	arranca o papel da mão do homem e sai correndo.
	               VELHA
	               Mas o que é isso?
	               HOMEM
	               Acho que é o programa Tudo por Dinheiro.
Sobem créditos.
	Eles procuram por uma equipe de televisão. Olham diretamente para
	a câmara que continua subjetiva, não encontram a equipe e dão
	meia volta, começando a caminhar.
	               VELHA
	               Esta guria merece é uma boa surra.
	               HOMEM
	               Ninguém é palhaço aqui.
FIM
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	(c) Rosângela Cortinhas, 1997-98
	Casa de Cinema de Porto Alegre
	http://www.casacinepoa.com.br
	01/11/1997
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