TUDO NUM DIA SÓ

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               TUDO NUM DIA SÓ
               episódio da série
               CONTOS DE INVERNO

               roteiro de Fabiano de Souza
               e Emiliano Urbim
               versão 3 - 02/04/2001

               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
               para RBS TV

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CENA 1 - SALA DO APARTAMENTO DE PAULO - INT/DIA

Escuro. Uma porta abre. PAULO, um cara nos seus trinta e poucos
anos, camisa de pijama e bermuda entra na sala. Tateia a parede
buscando um interruptor de luz. Acende a luz. A claridade revela
uma sala bagunçada, livros e papéis por toda a parte. Paulo vai
até o computador. Liga. O vento faz os livros e os papéis se
mexerem. Paulo começa a escrever.

(NO COMPUTADOR)
Ele empurra uma pedra redonda para cima do monte.

Paulo apaga o que escreveu. Começa de novo.

(NO COMPUTADOR)
Vagarosamente ele empurra para cima do monte uma grande pedra
redonda. A pedra cai.

Paulo apaga o que escreveu. Começa de novo.

(NO COMPUTADOR)
O homem. A pedra. O monte. Subir. É preciso subir. E a pedra
desce.

Apaga. A porta por onde ele tinha entrado bate com força. Ele não
reage, continua a escrever. MARIANA 1, uma mulher da mesma idade
de Paulo, usando um vestidinho florido, está muito próxima dele.
Sorrindo, Mariana abraça Paulo por trás. Paulo fica tenso mas não
olha para ela, continua escrevendo. Mariana sorri e sai da sala.
Paulo levanta-se e sai correndo atrás dela.

CENA 2 - QUARTO DE PAULO - INT/NOITE

Paulo entra correndo no quarto vestindo uma camisa-de-força de
pano. O ambiente é de classe média alta e também está bagunçado.
Mariana está dormindo no lado direito da cama (vemos apenas as
suas costas nuas).

               PAULO
               Mariana! Mariana! Acorda!

Ela não se mexe. Paulo se aproxima dela.

               PAULO
               Acorda!... eu tô preso!

Mariana 1 se vira. Os dois se olham. Ela tem uma tesoura na mão
direita. Paulo sorri. Mariana 1 vai até ele.

               PAULO
               Me solta, amor, por favor!

Mariana 1 chega perto de Paulo. Beija-o na boca. Acaricia as
costas de Paulo com a tesoura. Desvencilha-se de Paulo, encara-o
por um instante e enfia a tesoura no peito dele. O sangue se
espalha pela camisa de força.

CRÉDITOS: TUDO NUM DIA SÓ

CENA 3 - QUARTO DE PAULO - INT/DIA

Mesmo quarto da cena 2, Paulo com a mesma roupa. Paulo acorda
sozinho no lado esquerdo da cama. Passa a mão cabeça, se
espreguiça. Ainda deitado, examina a parte do tapete que fica
próxima a ele. Olha em baixo da cama e vê um chinelo do outro
lado do quarto. Se levanta e vai até ele.

CENA 4 - SALA DE PAULO - INT/DIA

Paulo entra na mesma sala da cena 1. O computador está ligado.
Ele senta na cadeira. Olha para a tela.

(NO COMPUTADOR)
Pedra morro acima, pedra morro abaixo e o cara lá, firme.

Paulo suspira fundo e balança a cabeça negativamente. Deleta.
Paulo vai até a mesa, que está cheia de papéis. Entre eles,
descobre um bilhete.

CENA 5 - PARQUE - EXT/DIA

Mariana 1, macacão, camiseta vermelha e tênis colorido de
plataforma, anda de balanço em um parque. Ela fala para a câmera.

               MARIANA 1
               Paulo, finalmente tu vai ser obrigado a entender o
               que eu tô tentando de dizer há horas: eu não te
               agüento mais... Imagina aquele parque em que a
               gente se conheceu, aquele balanço em que a gente
               andava, e dizia que a infância é o melhor lugar do
               mundo... pois é, terminou o passeio no parque...
               muito trabalho, eu sei... mas quem sabe tu dá um
               fim nesse livro que tu não acaba nunca?... é fácil
               acabar... com a gente tu já acabou... até um
               dia... Mariana.

CENA 6 - SALA DE PAULO - INT/DIA

Paulo tira os olhos do bilhete. Deixa-o em cima da mesa e se
dirige ao computador. No caminho, toca o telefone. Paulo vai até
ele. Atende.

               MULHER (VS no telefone)
               Alô? É do quatrocentos e dois?

               PAULO
               É...

               MULHER (VS)
               É o seguinte, moço... qual é o seu nome, moço?

               PAULO
               Paulo...

               MULHER (VS)
               É que eu tô há horas tentando falar com a Mariana
               mas toca toca e ninguém atende. Será que...

               PAULO
               (interrompendo) A Mariana não mora mais aqui!

               MULHER (VS)
               Não, moço, desculpe... eu tô querendo falar com a
               Mariana, aquela que é tua vizinha...

               PAULO
               Minha vizinha?

               MULHER (VS)
               É que eu preciso falar com ela, eu tava ligando
               pro celular dela mas cai na seccretária e...

               PAULO
               Vai ver ela viajou...

               MULHER (VS)
               Não, uma amiga minha falou com ela esses dias... o
               senhor pode, desculpe, o senhor pode dar um recado
               pra ela...

               PAULO
               A senhora qué que eu vá chamar ela?

               MULHER (VS)
               Como o senhor é gentil...

Paulo larga o telefone. Olha para os pés. Vê que está calçando
apenas um chinelo. Ele olha para baixo da mesa da sala. E lá está
o objeto procurado.

CENA 7 - CORREDOR - INT/DIA

Paulo toca a campainha. Sem resposta. Paulo toca de novo. Dá meia
volta. A porta se abre. MARIANA 2, vinte anos, cabelos curtos,
top e bermuda jeans desfiada, surge na porta quando Paulo está
quase entrando de volta no seu apartamento.

               MARIANA 2
               (indo na direção de Paulo) Moço?

               PAULO
               (se virando) Mariana?

               MARIANA 2
               Quê que foi?

               PAULO
               (indo na direção de Mariana 2) Tem uma pessoa no
               telefone... quer falar contigo...

               MARIANA 2
               Comigo?

               PAULO
               É... uma mulher ligou, diz que quer falar
               contigo...

               MARIANA 2
               Ai, eu deixei meu celular carregando. Não tem
               problema eu atender na tua casa?

               PAULO
               (olhando a vizinha um pouco melhor) Não, não dá
               nada.

               MARIANA 2
               Que vergonha... (silêncio)

CENA 8 - SALA DE PAULO - INT/DIA

Paulo está sentado na mesa do computador. Mariana 2 fala ao
telefone.

               MARIANA 2 (ao telefone)
               O quê? Ai, bem capaz... Não, não tem como... Não
               tem outro jeito? Eu entendo.

(NO COMPUTADOR)
Eu entendo.

               MARIANA 2
               Tá... tá bom... eu te quebro esse galho. (para
               Paulo) Tu tem um papel e uma caneta pr'eu anotar
               uma coisa?

(NO COMPUTADOR)
Tu tem um papel e uma caneta pr'eu anotar uma coisa?

               PAULO
               (sem tirar os olhos do PC e batendo mais
               animadamente no teclado) Pega aí em cima da mesa.

Mariana 2 pega uma caneta e o bilhete em cima da mesa. Ela lê o
bilhete. (Olha para Paulo?) Anota um endereço.

               MARIANA 2
               (ao telefone) Tá... tá... (desligando o telefone e
               se dirigindo a Paulo) Tu tá triste?

               PAULO
               (se vira para Mariana 2) E tu, resolveu teu
               problema?

               MARIANA 2
               (rasgando o bilhete e pondo no bolso o papel do
               endereço) Como é o teu nome?

               PAULO
               Paulo... deu certo aí?

               MARIANA 2
               Desculpe, eu já vou indo...

Paulo não dá muita atenção para Mariana 2.

               MARIANA 2
               (parada na porta) Eu só perguntei, porque,
               desculpe, eu li o bilhete... no que eu puder
               ajudar... sei lá...

Paulo digita a frase que Mariana 2 acabou de dizer. Ela sai do
apartamento. Ele continua digitando frases no PC. A última frase
que ele bate é "Me encontre na 13 de setembro, 75"

CENA 9 - BAR - INT/NOITE

Um bar tranqüilo, com muitos clientes sentados. Paulo e JÚLIO,
barba por fazer, camisa branca com dois botões abertos, conversam
no balcão enquanto tomam chopp. Paulo já está um pouco bêbado.

               JÚLIO
               (meio que se rindo) Um brinde! À tua nova musa!

               PAULO
               Qué isso, Júlio?

               JÚLIO
               (gesticulando) E eu pensando que ia vir aqui, te
               consolar, dizer que mulher é tudo igual... mas
               nada. Eu chego aqui e tu já tá vidrado noutra...

               PAULO
               Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu tô
               triste, tô abatido... Mas... tipo... eu não
               conseguia escrever há um tempão... Aí entrou a
               Mariana, a outra, a vizinha... ela começou a
               falar, comecei a escrever o que ela dizia e não
               parei mais. Páginas e páginas. Foi o destino.

               JÚLIO
               (sorrindo) E o acaso? Tu tá te esquecendo do
               acaso...

CENA 10 - CORREDOR DO PRÉDIO DE PAULO - INT/DIA

Paulo, banho tomado, camiseta, calça jeans e tênis, espera o
elevador. Mariana 2 surge no corredor.

               MARIANA 2
               Tu tá bem melhor...

               PAULO
               Desculpa qualquer coisa... Fui meio grosso, né?

               MARIANA 2
               Nada. Olha, eu queria te perguntar...

               PAULO
               Fala...

               MARIANA 2
               Não, deixa, esquece...

Os dois entram no elevador.

CENA 11 - ELEVADOR - INT/DIA

A porta fecha. O elevador começa a descer. Paulo encosta-se na
parede e vira-se para Mariana 2.

               PAULO
               (simpático) Pode falar... Não tem problema.

               MARIANA 2
               O que tu vai fazer agora?

               PAULO
               Acho que eu vou dar uma caminhada...

               MARIANA 2
               Eu também! Tu não quer caminhar comigo?

Paulo olha para Mariana 2 e não responde.

               MARIANA 2
               É... tu deve tá querendo ficar sozinho...

CENA 12 - PRÉDIO - EXT/DIA

Os dois se despedem. Mariana vai para um lado; Paulo vai para o
outro. Em pouco tempo, ele dá meia volta e passa seguir a menina.

CENA 13 - BAR - INT/NOITE

Paulo e Júlio conversam no bar.

               PAULO
               Acaso... (bebe um gole, sobe o tom da voz) O acaso
               não tem nada a ver com isso...

               JÚLIO
               Tu não encontrou a guria no corredor, assim
               (sorri), por acaso?

               PAULO
               Os vizinhos se encontram e nem por isso o mundo é
               cheio de escritores... EU senti que EU tinha que
               ir atrás dela... a coisa partiu de MIM...

               JÚLIO
               Ah! Vai te catar. Dá na mesma.

CENA 14 - RUA - EXT/DIA

Mariana 2 caminha pelas ruas. Paulo, se escondendo, segue Mariana
2. Mariana 2 dobra uma rua. Paulo também. De repente, ele olha
para a placa que indica a rua: "13 de setembro". Mariana 2 entra
em uma casa.

CENA 15 - BAR - INT/NOITE

Paulo e Júlio conversam.

               JÚLIO
               Vai dizer que a casa era no número setenta e
               cinco?

               PAULO
               Eu nem vi o número... eu também não me lembrava se
               eu tinha escrito 13 de setembro, 24 de outubro, 4
               de julho, eu não tinha nem lido o que eu tinha
               escrito...

               JÚLIO
               Então tu não sabe a casa em que a guria entrou?

               PAULO
               Eu olhei bem, mas eu saí correndo dali num
               toque... cheguei em casa, o computador tava
               desligado, eu acho que eu não desligava há anos...

CENA 16 - RUA - EXT/DIA

Paulo corre pelas ruas.

               PAULO (over)
               Tu sabe o que é sentir que tu entende a realidade?

CENA 17 - SALA DO APARTAMENTO - INT/DIA

Paulo liga o PC. Acessa o arquivo. Vai até o fim do texto. Ali
está a frase: "Me encontre na 13 de setembro, 75":

               PAULO (continuando o over)
               ... tu não sabe o que é saber que tu pode ver uma
               coisa que tá acontecendo com os outros...

CENA 18 - BAR - INT/NOITE

Paulo e Júlio conversam.

               PAULO (continuando o over)
               ... é a prova de que sou escritor mesmo. Agora eu
               vou acabar esse livro, vou escrever mais um
               monte...

               JÚLIO (interrompendo)
               Tá, tá, sossega... (termina o seu chopp)

Paulo desvia o olhar de Júlio. Fixa o olhar em um ponto acima e
atrás de Júlio.

               JÚLIO
               Que foi?

Júlio se vira para trás e vê Mariana 1 aparecer na TV do bar, que
está muda. Mariana 1 está com um conjunto de saia e blazer lilás,
cabelo arrumado, maquiada, na frente de um mapa do Rio Grande do
Sul computadorizado, indicando pontos com as mãos.

               PAULO
               Essa TV sem som... É o meu relacionamento com a
               Mariana. Ela falava, falava e eu não ouvia nada...
               Ela queria ajudar, mas só atrapalhava... eu achava
               que ela era culpada...

Montagem com CENA 2.

               PAULO (VS)
               Eu me via dentro de uma camisa de força, sonhava
               que ela me matava... ela me matava com uma
               tesoura...

               JÚLIO
               Mas agora a inspiração voltou!

O jornal da TV prossegue com notícias normais.

               JÚLIO
               Olha ali, a Mariana já não tá mais na TV...
               Esquece. Passou. Não interessa mais. (levanta o
               braço, mostrando os dedos indicador e médio) Mais
               dois!

               PAULO
               Não é bem assim...

               JÚLIO
               Vâmo mudar de Mariana... só me diz uma coisa....
               essa guria, essa vizinha, essa Mariana, é
               gostosinha ou não é?

               PAULO
               Porra, Júlio!

               JÚLIO
               Vai, me fala... É ou não é?

               PAULO
               É... ela é uma gracinha.

GARÇOM, vinte e poucos anos, camiseta amarela com o nome do bar,
traz os dois chopps e deixa os copos sobre o balcão. Recolhe os
copos vazios e se afasta.

               JÚLIO
               Então agora, por favor, se me permite, um brinde à
               nova musa do Paulo... (os dois brindam). Se ela te
               faz escrever é melhor tu não perder ela de
               vista...

CENA 19 - CORREDOR DO PRÉDIO - INT/NOITE

Paulo sai bêbado do elevador. Passa pela porta do apartamento de
Mariana.

               JÚLIO (over, continuando)
               Se eu fosse tu, Paulo, se eu fosse tu... procurava
               ela ainda hoje...

Paulo vai até a porta do apartamento de Mariana. Chega bem perto.
Põe o ouvido na porta. Toca na campainha. Toca de novo. Bate na
porta. Bate de novo.

               PAULO
               (batendo na porta) Mariana!

Paulo continua batendo na porta. A ZELADORA, cinqüenta anos, saia
preta, camisa de manga comprida, xale e pantufas, sai do
elevador.

               ZELADORA
               Que barulheira é essa, seu Paulo?

               PAULO
               (naquele estadinho) Eu tenho que dar um recado pra
               Mariana...

               ZELADORA
               Nem adianta bater...

               PAULO
               Quê que houve?

               ZELADORA
               O senhor tá muito cansado...

               PAULO
               (levantando a voz) Quê que houve?

               ZELADORA
               Eu vi essa guria sair com uma mala...

               PAULO
               Pra onde? Alguém veio pegar ela?

               ZELADORA
               Eu não vi nada, não senhor... (volta para o
               elevador) depois ficam dizendo que a gente é
               fofoqueira...

               PAULO
               (segurando a porta do elevador) A senhora...

               ZELADORA
               Boa noite, seu Paulo, boa noite... já é quase
               meia-noite...

A Zeladora fecha a porta do elevador. Paulo fica pensativo.

CENA 20 - TÁXI (EM MOVIMENTO) - INT/EXT NOITE

TAXISTA, cinqüenta anos, careca, gordinho, camisa azul-calcinha,
dirige um táxi de quatro portas. Paulo está sentado no banco de
trás. O rádio-táxi do carro está ligado, emitindo uma chiadeira
de vozes imcompreensíveis.

Montagem entre cara de Paulo e várias cenas em que Mariana 2
aparece:

cena 22a: ela leva um tapa na cara de um homem.

cena 22b: ela se despe para um homem que está sentado em um
cadeira

cena 22c: ela chora

cena 22d: ela berra por ajuda

Nessas cenas, o espaço é totalmente abstraído, e vemos apenas a
sombra dos homens citados. Enquanto a montagem aumenta a
velocidade, o som do rádio-táxi vai ficando cada vez mais alto.

CENA 21 - TÁXI (EM MOVIMENTO) - INT-EXT/NOITE

               PAULO
               (inclinando-se para a frente) O senhor podia
               baixar o volume do rádio, faz favor?

               TAXISTA
               A gente anda sempre sozinho, pega tanta pessoa mau
               humorada...

               PAULO
               Mas dá pra baixar o volume?

               TAXISTA
               (desliga o rádio) Tu tá com cara de quem quer
               conversar com alguém... é o primeiro em um mês que
               manda baixar o rádio...

               PAULO
               (se encosta no banco) O que o senhor acharia,
               assim, de uma pessoa que sem mais nem menos some
               do mapa?

               TAXISTA
               Depende... homem?, mulher?, moça?, velha?

               PAULO
               É uma menina, uns dezoito, no máximo vinte anos...

               TAXISTA
               E essa guria... é bonitinha? (olha para Paulo no
               retrovisor) Pela sua cara, ela é bem bonitinha...

               PAULO
               Vamos dizer que ela é, sim, bem bonitinha...

               TAXISTA
               Boa coisa não é...

               PAULO
               (indiferente) De dia, tu encontra a garota, ela
               mora perto da tua casa, é tua amiga. Aí de noite
               ela some, se mudou, não disse nada, não avisou
               ninguém...

               TAXISTA
               Mas tu sabe que isso aí hoje é o que mais dá... é
               o que mais acontece... essa sua amiga, ela pode tá
               prenha de algum safado... alguém pode ter ameaçado
               ela... ela pode ter fugido... sei lá, até, bom,
               deixa pra lá.. tudo gira em torno da grana, sabe
               comé, da grana...

               PAULO
               Mas também pode não ter acontecido nada...

               TAXISTA
               E o senhor taria assim tão nervoso?

CENA 24 - TÁXI (EM MOVIMENTO) - EXT-INT/NOITE

O táxi entra na rua 13 de setembro

               TAXISTA
               Onde é que é, moço?

               PAULO
               O senhor vai indo devagarinho, eu acho que o
               número é 75...

CENA 25 - RUA - EXT/NOITE

De uma casa, saem Mariana 2, GAROTA 1 e GAROTA 2, todas
produzidas para sair. O táxi se aproxima. As três entram num
carro.

CENA 26 - TÁXI (QUASE PARADO) - INT/NOITE

               PAULO
               (vendo Mariana 2 e as garotas entrarem no carro)
               Segue aquele carro!

               TAXISTA
               (profissionalmente falando) Olha, isso de seguir é
               outra tabela.

               PAULO
               (olha incrédulo para o motorista) Tá, vai, segue
               elas!

               TAXISTA
               (manobrando e mudando a bandeira do taxímetro)
               Vâmo lá, moço!

CENA 27 - RUAS - EXT/NOITE

Vários takes do táxi perseguindo o carro das garotas. O carro das
garotas estaciona em uma rua estreita e arborizada, de mão única,
carros estacionados nas duas calçadas, em frente a um prédio de
três andares. O prédio tem uma bilheteria e uma escada que leva
ao segundo andar. Fica na esquina da rua e de uma larga avenida
com corredor de ônibus e palmeiras, que dá de frente para um
parque.

CENA 28 - TÁXI PARADO INT/EXT NOITE

Paulo de dentro do carro observa Mariana 2, Garota 1 e Garota 2
saírem do carro. Elas passam na bilheteria, depois sobem a escada
e entram à direita no segundo andar do prédio.

               TAXISTA (VS)
               Com a chamada dá vinte e oito e cinqüenta, é uns
               trinta pila

Paulo vai tira três notas de dez reais do bolso. Entrega para o
Taxista.

               PAULO
               (extende a mão com dinheiro para o Taxista) Então,
               tá... até a próxima...

               TAXISTA
               (pega o dinheiro) Sempre que tiver uma corrida
               dessas pode me ligar que...

               PAULO
               Tá bom... (abre a porta e sai do carro)

               TAXISTA
               (de dentro do carro, berrando pela janela aberta)
               Moço!

               PAULO
               (na rua) Quê que foi ?

               TAXISTA
               Olha... Fora a morte, tudo tem solução.

Paulo observa o táxi ir. Caminha em direção ao prédio onde as
três gurias entraram. A música ruidosa vasa para a rua.

CENA 29 - BAR - INT/NOITE

Paulo entra no bar. Está rolando um show do WANDER WILDNER
(indescritível), que executa a música "Minha Vizinha". Várias
pessoas dançam perto do palco; outras ficam no balcão. Sem dar
muita atenção ao show, Paulo pede uma cerveja. Começa a prestar
atenção na música, quando ouve o primeiro refrão "É a minha
vizinha/ É a minha vizinha". O garçom traz a cerveja (enquanto
rola a parte instrumental entre o refrão e a segunda estrofe).
Paulo observa as pessoas atentamente enquanto bebe a cerveja.
Quando entra a segunda estrofe da música, ele pega o copo na mão
e começa a caminhar no meio do povo.

CENA 30 - BAR/DELÍRIO DE PAULO - INT DIA/NOITE

               WANDER (VS)
               (canta) Eu quero ficar preso contigo no elevador /
               No escuro te provar todo o meu amor/ Eu te amo
               através dessa parede / Vem de pressa saciar toda a
               minha sede

Durante esse trecho, a montagem une o caminhar de Paulo no bar
com as seguintes cenas:

cena 30a: no elevador, Paulo aparece ao lado da musa como na cena
11. De repente, o elevador pára e ele abraça Mariana 2.

cena 30b: no corredor, Paulo bate na porta de Mariana 2 como na

cena 19. Depois de um tempo, se agarra na porta como se estivesse
abraçando a garota.

CENA 31 - BAR - INT/NOITE

Paulo caminha. Não acha Mariana. Pede mais uma cerveja no balcão.
Um homem BÊBADO, trinta anos, um pouco mais mal vestido, bêbado,
se aproxima de Paulo.

               BÊBADO
               Me dá um gole?

               PAULO
               Ah, não enche o saco.

               BÊBADO
               Se tu me dé um gole, eu faço uma coisa pra ti.

               PAULO
               (entrega a cerveja para o homem) Tá, eu te dô a
               minha ceva... leva...

               BÊBADO
               E é prþeu fazê o quê?

               PAULO
               Nada, não precisa fazer nada não...

               BÊBADO
               Tem certeza?

Silêncio.

               PAULO
               Sabe o quê que eu queria que tu fizesse? Quando
               acabar essa música, tu dá um berro a todo volume
               chamando Mariana.

               BÊBADO
               Comé que é?

               PAULO
               É, vai ali prþaquele canto. Quando a música acabar
               tu dá um berro: Mariana! E aí tá paga a cerveja.

               BÊBADO
               O senhor é que manda.

               PAULO
               Vai indo, vai indo.

O Bêbado se afasta. A música "Minha Vizinha" acaba. Ouve-se o
berro do Bêbado (Mariana!). Mariana 2 se vira para o fundo do
bar. Paulo percebe onde ela está. Vai se aproximando. A música
recomeça. As pessoas voltam a dançar e afastam Paulo de Mariana
2. De repente, ela se vira para trás, como se ainda procurasse a
pessoa que berrou o seu nome. Ela vê Paulo. Abana para ele. Paulo
tenta chegar perto, mas não consegue. Desanimado, ele volta para
o balcão. Depois de algum tempo, a música acaba e o show também.
As pessoas vão se dispersando. Ele avista Mariana 2 e vai atrás.

CENA 32 - ENTRADA DO BAR - INT/NOITE

Mariana 2 vai subindo a escada que dá para o mezanino do bar.

               PAULO
               Mariana!

               MARIANA 2
               Paulo! Que surpresa! Não foi tu que berrou meu
               nome, né?

               PAULO
               Não, mas eu preciso falar contigo... eu preciso
               muito...

Descendo a escada surge o NAMORADO de Mariana 2. Ele é forte,
alto, veste uma camisa "No Stress". Paulo se afasta um pouco.

               NAMORADO
               (para Mariana) Vâmo lá para cima! O Sid tá botando
               som. Tá toda a galera lá.

               MARIANA 2
               Eu já vou, só um pouquinho...

               NAMORADO
               (apontando para Paulo) Foi esse palhaço que berrou
               o teu nome?

               MARIANA 2
               Não viaja! É um contato, porra... deixa eu falar
               com ele rapidinho...

               NAMORADO
               Eu vou indo ali em cima... se tu demorar, eu
               quebro o pescoço desse idiota.

               MARIANA 2
               (beija o Namorado) Tá... tá... já vou...

Mariana 2 se aproxima de Paulo.

               MARIANA 2
               Eu tenho que ir...

               PAULO
               (surpreso) Tu gosta desse cara?

               MARIANA 2
               Mais ou menos... ei, eu mal te conheço...

               PAULO
               Mas eu te conheço...

               MARIANA 2
               A gente se encontrou por acaso...

               PAULO
               Eu preciso te dizer uma coisa... tu vai pra casa?

               MARIANA 2
               (achando graça) Não ouviu? Quer apanhar? Ele vai
               vir aqui te dar um pau...

               PAULO
               Vem embora comigo... é só a gente sair por aquela
               porta...

               MARIANA 2
               Não posso.

               PAULO
               (segurando a mão de Mariana) Vem, vâmo! Vâmo
               nessa, eu vou te contar uma coisa que tu nunca
               ouviu...

Os dois se olham.

CENA 33 - RUA - EXT/NOITE

Paulo e Mariana 2 caminham pela rua. A rua está deserta. Parece
tarde. Enquanto eles conversam, um carro ou outro passa pelos
dois.

               MARIANA 2
               Como é que tu não me avisou que tu tava sem carro,
               pô?

               PAULO
               Eu preciso muito falar contigo...

               MARIANA 2
               Eu não quero ouvir! Eu quero ir pra casa...

               PAULO
               Tu te mudou lá do prédio?

               MARIANA 2
               Ai, que inferno! Eu não te devo satisfação!

               PAULO
               Pô, Mariana... eu te amo...

               MARIANA 2
               (didática) Cara, a gente mal se conhece... (olha
               para a rua) Não passa um táxi!

               PAULO
               Mariana... eu queria te dizer uma coisa que
               aconteceu hoje, por favor, me escuta...

               MARIANA 2
               É importante?

               PAULO
               Claro que é importante.

               MARIANA 2
               Então tu não acha que é melhor ir prum lugar legal
               pra falar essa coisa importante pra guria que tu
               diz que ama? Eu quero ir pra qualquer lugar, eu
               quero sair daqui!

Mariana vai para o meio da rua. Começa a acenar para um carro que
se aproxima. O carro dá luz alta, buzina e passa.

               MARIANA 2
               (indignada) Óóóóóóóóódio. (abaixa a cabeça,
               pressiona o indicador e o polegar da mão direita
               contra a parte de cima do nariz) Eu tô caindo...
               (levanta a cabeça) faz uma coisa por mim...
               arranja um carro, eu vou me encostar naquele
               muro...

Mariana 2 caminha meio trôpega até um muro. Se encosta, põe a
cabeça pra trás e fecha os olhos. Paulo olha com ternura para
Mariana 2. Ela dorme. Paulo pede carona. O carro pára. Ele se
alegra, faz sinal para que o motorista espere. Paulo vai até
Mariana 2. Ela está desacordada. Paulo ampara ela até o carro.
Ela quase não abre os olhos. Paulo coloca Mariana 2 no banco de
trás. Nesse movimento, vê que quem dirige é Mariana 1. Paulo olha
para ela constrangido.

CENA 34 - CARRO DE MARIANA 1 (EM MOVIMENTO) - INT-EXT/NOITE

Mariana 2 dorme no banco de trás.

               MARIANA 1
               Desde quando tu anda com essa aí?

               PAULO
               Eu encontrei ela no bar.

               MARIANA 1
               Mas tu é baixo, hein Paulo? A gente não pode
               confiar em ninguém mesmo. Ela é nossa vizinha, tu
               sabia?

               PAULO (braço sobre o vão da porta com o vidro
               aberto): Minha vizinha.

Mariana 1 faz menção de dizer alguma coisa mas se cala.

               PAULO
               Acho que ela bebeu demais.

               MARIANA 1
               Te olha no espelho...

               PAULO
               Ela é uma adolescente... E eu...

               MARIANA 1
               Tu vai pra casa?

               PAULO
               Já é tarde... eu quero ver se eu acordo cedo para
               trabalhar amanhã...

               MARIANA 1
               Hoje já é amanhã... E já é cedo também.

               PAULO
               Tu não qué tomar um café em algum lugar?

               MARIANA 1
               Temos que deixar a adolescente lá no nosso
               prédio... Antes que tu diga: no TEU prédio.

               PAULO
               Não! Ela se mudou hoje... é na rua 13 de
               setembro...

               MARIANA 1
               (surpresa) Quem te disse?

               PAULO
               Ela me contou...

               MARIANA 1
               Pelo jeito ela te contou a vida na saída da
               festa...

               PAULO
               Quer parar de fazer cena? Aconteceu uma coisa
               hoje, Mariana. Eu voltei a escrever... dobra a
               direita na próxima... eu escrevi uma coisa e
               aconteceu...

CENA 35 - RUA EXT DIA

O carro de Mariana 1 pára na frente da casa da 13 de setembro.
Paulo sai do carro com Mariana 2, que ainda está um pouco
desacordada. Os dois se afastam um pouco do carro. Mariana 1 liga
o carro e sai lentamente.

               PAULO
               (para Mariana 1) Onde é que tu vai? A gente ia
               tomar café! Eu preciso ir pra casa!

               MARIANA 1
               Pega carona na kombi escolar dela!

Ponto de vista de Paulo: o carro de Mariana 1 desaparece na
calçada.

               PAULO
               (gritando para o carro) Depois sou eu que sei
               acabar com as coisas!

               MARIANA 2
               (abrindo os olhos) Onde é que a gente tá?

               PAULO
               (sorrindo de orelha a orelha) Te trouxe em casa.

               MARIANA 2
               Eu não moro aqui...

               PAULO
               Não?

               MARIANA 2
               Claro que não!

               PAULO
               Tu não veio aqui de tarde?

               MARIANA 2
               Tu andou me seguindo?

               PAULO
               E as malas?

               MARIANA 2
               Quéisso cara!

               PAULO
               Desculpa, desculpa... vâmo pro nosso prédio!

               MARIANA 2
               Eu vou a pé, eu não quero mais ficar perto de
               ti... Lôco!

Mariana 2 começa a caminhar. Paulo vai atrás.

               PAULO
               Me explica uma coisa... Me explica uma coisa
               (agarra ela pelo braço) tu não saiu cheia de malas
               da tua casa? (não há resposta) Tu não quer falar,
               por quê?

               MARIANA
               (soltando o braço da mão de Paulo) Eu não quero te
               falar nada.

               PAULO
               Tu não saiu com as malas? Responde!

               MARIANA 2
               Tá bom, tu qué ouvi, eu vou falar... eu saí de
               tarde pra outro lugar. Aqui é a casa de uma amiga,
               só!, a casa de uma amiga, as malas é outra
               história...

               PAULO
               Tu não saiu com as malas da tua casa? Quê que tá
               acontecendo? Me fala!

               MARIANA 2
               Como tu é burro! As malas, as malas que eu levei,
               as malas que eu tirei do prédio... (pausa) eram da
               tua ex-mulher! Eu saí da tua casa com as malas
               dela, ô idiota...

CENA 36 - APARTAMENTO DA AMIGA DE MARIANA 1 - INT/DIA

Mulher, trinta anos, blusinha de lã vermelha, pulseiras e
relógio, está ao telefone. Ao lado, Mariana 1 chora.

               MULHER
               (ao telefone) É o seguinte, moço... qual o seu
               nome, moço?

               PAULO (VS)
               Paulo...

               MULHER
               (ao telefone) É que eu tô há horas tentando falar
               com a Mariana...

               PAULO (VS)
               (interrompendo) A Mariana não mora mais aqui!

               MULHER 1
               Não, moço, desculpe... eu tô querendo falar com a
               Mariana, aquela que é tua vizinha...

Repetição de partes da cena 34.

               PAULO
               Conheci ela na festa.

               MARIANA 1
               A gente não pode confiar em ninguém mesmo.

CENA 38 - RUA - EXT/DIA

Mariana 2 e Paulo estão na calçada.

               MARIANA 2
               Ela só queria um favor, eu fiz... eu fiquei com
               pena de ti, porque pelo bilhete parecia que ela
               gostava de ti, ... eu tenho pena dela também,
ela se mudou e tu não tá nem aí.

               PAULO
               É que eu passei o dia envolvido com a tua história
               e...

               MARIANA 2
               (interrompendo) Tu não é normal. Não me olha mais!
               Doido!, psicopata!

Mariana 2 vai se afastando. Paulo vai atrás.

               MARIANA 2
               (vendo que está sendo perseguida) Deixa eu ir
               embora! Louco!

Mariana 2 sai correndo. Paulo sai correndo atrás. Logo desiste.
Pára em um orelhão. Disca.

CENA 39 - PADARIA - INT/DIA

Amanhece. Uma padaria vazia. Uma ou outra pessoa entra para
comprar pão.

               JÚLIO
               (bocejando) Eu já te falei, foi só uma
               coincidência, isso acontece... eu não tô dizendo
               que isso não pode ser bom pra tu escrever, que
               bom, então, mas não pira demais... tu escreveu
               treze de setembro e ela foi na rua com o mesmo
               nome que tu escreveu... só isso...

               PAULO
               (olhando pro nada) Por um instante pareceu que eu
               era diferente, que eu fazia parte do esquema. Era
               como se eu estivesse montando o quebra-cabeça.
               (para Júlio) Mas eu sou só uma peça, Júlio. Pior,
               uma peça que não se encaixa.

               JÚLIO
               (deixando dinheiro em cima da mesa e se levanta)
               Vem, vâmo embora. Eu te deixo em casa, tu
               descansa...

CENA 41 - APARTAMENTO DE PAULO - INT/DIA

Paulo entra em casa. Vai até a janela. Olha para a rua
desconsolado.

               JÚLIO
               (voz over, continuação da fala da cena
               anterior)... aí acorda bem disposto pra terminar
               esse maldito livro. Enredo é o que não falta...

Paulo vai até o PC. Ali está escrito "Me encontre na 13 de
Setembro, 75". Ele seleciona a frase e apaga.

FIM

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(c) Fabiano de Souza e Emiliano Urbim, 2001
Casa de Cinema de Porto Alegre
http://www.casacinepoa.com.br

14/07/2001

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