SEXO & BEETHOVEN - O REENCONTRO roteiro de Carlos Gerbase, fevereiro de 1997 produção: Casa de Cinema de Porto Alegre ******************************************************************* CENA 1 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA Uma sala de um apartamento pequeno. No fundo, uma escada em espiral sugere uma cobertura. Dois posters de filme nas paredes: "Laranja Mecânica" e "Possessão". Num canto, uma mesinha com um telefone. Alguns livros e revistas espalhados pelo chão. Peter, 35 anos, de óculos, um pouco barrigudo, está sentado num banco de fusca preto encostado na parede que abriga o poster da "Laranja Mecânica". Está de olhos fechados. PETER (abrindo os olhos) É uma pena que nós não sejamos homossexuais. Essas putas não sabem entender o nosso "wit". Tigrão, 35 anos, porte atlético, sotaque levemente nordestino, entra na sala com um prato com um pouco doce de leite numa mão e uma colher na outra. TIGRÃO (comendo) Não seja por isso... Eu adoro homens inexperientes. Tenho vaselina e tudo. PETER Eu retiro o "nós". Tu pode ser o que quiser, aliás, hoje tu tá excepcionalmente veado. Mas eu, meu filho, sou muito homem. Desde pequenininho só gosto de buceta e de cu de mulher. TIGRÃO E qual é a diferença de cu de homem e de mulher? PETER O que tem ali perto. TIGRÃO Então não se trata de uma diferença intrínseca. Trata-se de periferias, regiões adjacentes, coisas vagas... PETER Cu de homem é cabeludo. TIGRÃO O meu não é. E conheço uns cus de mulher que têm tanto mato que, pra enfiar, tem que abrir caminho com um facão. PETER Pára. Chega de cu. Que papo pra depois do almoço... TIGRÃO Foi tu que começou. PETER Eu só disse que as putas não nos entendem. Eu tava a fim de me divertir um pouco. As tardes de sábado sempre são um saco. Mas... TIGRÃO Tu tem medo do encontro... E do confronto. PETER Não começa com as tuas citações imbecis. TIGRÃO (terminando de comer) Títulos não são citados. São lembrados. PETER (pegando o telefone) Ligo ou não ligo? Me disseram que a Tiffany tá com duas meninas novas. TIGRÃO Liga aí. (lambe a colher) Manda vir as duas. PETER As duas? (começa a discar) TIGRÃO Claro. Hoje eu tô me sentindo excepcionalmente correntão. Tô a fim de enfiar numa rachada. PETER Que grosseria, Tigrão. (termina de discar) Quando eu te conheci, só falava coisas elegantes, citava Shakespeare em inglês... Alô, é a Tiffany? Tudo bem, gatinha? E os negócios? E o amor? Não... Hoje... (tapando o bocal com a mão) Ela tá a fim de vir aqui! Fui falar de amor... (voltando a falar ao telefone) É que hoje tá meio complicado. TIGRÃO A velha? Nem pensar. Da última vez, fiquei com um gosto ruim na boca. PETER Olha, é que hoje tá aqui comigo esse meu amigo, que é empresário japonês... Pode ficar meio chato. Eu prefiro uma coisa bem profissional. Eu ouvi falar que tu tá com duas garotas novas... Pô, Tiffany, não precisa ficar braba. (tapando outra vez o bocal com a mão) Ficou puta. TIGRÃO Isso ela já era. PETER Ô, Tiffany, não faz drama. (tapa o bocal) Cem paus cada uma. TIGRÃO Nem pensar. PETER Tiffany, é que esse amigo meu... esse empresário japonês...é um presente meu pra ele, uma gentileza minha. (ouve um pouco, depois volta a tapar o bocal) As duas por cento e cinqüenta. E aí, Tigrão? TIGRÃO Cheque-ouro é pra essas coisas. PETER Tudo certo, Tiffany. Eu te amo, viu? (desliga o telefone) Elas já vem. TIGRÃO (saindo da sala) Eu vou tomar uma ducha. PETER Vê se não encharca todo o banheiro... E não usa a minha toalha. CENA 2 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA E BANHEIRO Montagem paralela entre a sala (Peter) e o banheiro (Tigrão). TIGRÃO (ligando a água do chuveiro e entrando no box) Que frescura. Tu é capaz de dividir uma buceta, mas não quer repartir uma toalha. PETER É completamente diferente. TIGRÃO (debaixo dþágua) É a mesma coisa. Depois de usadas, tanto a toalha quanto a buceta ficam molhadas e cheirando a homem. PETER Vai te fuder! Não usa a minha toalha! TIGRÃO (trágico) Sinto que hoje é um dia de revelações. PETER Virou Oráculo de Delfos, Tigrão? E faz favor de não grudar mais fotos bagaceiras nos azulejos. A banheira entupiu porque a tua colagem caiu no ralo. Agora não dá pra trepar dentro d'água. TIGRÃO (desligando a água) "Perdemos a orgia, mas no seu lugar temos a arte". PETER Eu conheço isso... Já vou lembrar. TIGRÃO (sai do box e pega uma toalha) Duvido. A tua memória é tão fraquinha... PETER (concentrado) Eu vou me lembrar. Eu tô lembrando... TIGRÃO (secando-se) Havelock Ellis. PETER Porra, por quê tu falou? É o cara que escreveu aquele livro censurado... TIGRÃO (enrolando a toalha na cintura) "Studies in the Psychology of sex". O Freud era mesmo um cara-de-pau. Plagiou Ellis, depois roubou Sófocles... Tigrão entra na sala com a toalha enrolada na cintura. Traz uma garrafa de vinho vazia na mão, enquanto recita. TIGRÃO "E peço mais a ti, Deus inventor do vinho, Baco dos Evoés, a quem Tebas cultua: vem com a tua flama, com teu brilhante archote, pôr em fuga o inimigo da gente que te ama". Peter ri, mas depois nota a toalha e pula em cima de Tigrão. PETER Porra! Minha toalha. Dá aqui. TIGRÃO (esquivando-se) Será que o Édipo dividia a toalha com a mulher dele? Já pensou? Dividir a toalha com a própria mãe? É o cúmulo da promiscuidade. PETER Me dá essa porra. (e arranca a toalha. Neste instante, toca a campainha) TIGRÃO Chegaram. Eu já estou pronto pra elas. PETER Vai te vestir, ô atorzinho sem papel. (empurra Tigrão para fora da sala) Sai daqui... Te manda. CENA 3 - INT/DIA - APARTAMENTO: SAGUÃO E SALA Peter abre a porta. Dora e Ivete sorriem profissionalmente. Vestem-se com discrição e a maquilagem é suave. Nem parecem putas. Ambas são atraentes. Dora tem cabelos loiros oxigenados, é um pouco mais velha e parece ter certa ascendência sobre Ivete, morena de olhos bem escuros. À medida em que acontece o diálogo, elas entram na sala e sentam. Olham para o ambiente, curiosas. PETER Boa tarde. Eu sou o Peter. Vamos entrando. DORA Prazer. Eu sou a Dora. Essa aqui é a Ivete. IVETE Prazer. PETER Por favor, sentem-se. Desculpem a bagunça. DORA A Tiffany falou que eram dois clientes. PETER O meu amigo está se vestindo. IVETE Eu nunca trabalhei com estrangeiros. Estou um pouco nervosa. DORA Eu já te disse que é tudo a mesma coisa, Ivete. TIGRÃO (off, gritando) Peter, have you already chosen your whore? IVETE Ele só fala japonês? PETER Não. Ele tá só brincando. TIGRÃO (entrando, vestido elegantemente, com certa sofisticação artificial) Boa tarde, meninas. Prazer. Eu sou Tigrão, o empresário japonês. (beija as mãos das duas garotas) IVETE (surpresa) Tu é japonês? TIGRÃO Minha mãe é cearense, e o meu pai é paraibano, mas eu nasci em Tóquio. PETER Empresário, ele é de verdade. DORA E qual é o ramo da sua empresa? TIGRÃO Exportação de couro de jacaré. IVETE Couro de jacaré? Mas isso não é totalmente anti-ecológico? TIGRÃO De modo algum. Só trabalhamos com couro falsificado, feito de plástico, em Cubatão. Alta tecnologia. IVETE Que interessante. TIGRÃO Os japoneses adoram. Agora estou organizando uma excursão para o Pantanal. Eles estão loucos pra ver como são os bichos de verdade. DORA Vocês são amigos há tempo? TIGRÃO (abraçando Peter) Há séculos. E somos muito chegados, não é, Peter? DORA (maliciosa) Muito chegados? Mesmo? TIGRÃO Notei certa malícia na tua pergunta, Dora. DORA Não... Imagina... TIGRÃO Eu vou buscar um licor. Volto num instante. (sai da sala) PETER (insinuando-se) Olha, Dora, eu adorei vocês, falando sério. DORA E eu gostei de ti. PETER Ivete, tu gostou do Tigrão? IVETE Gostei. Ele parece ser muito educado. PETER Estudou na França e tudo. Além de exportar jacaré, é professor de Literatura. IVETE E tu? O que tu faz? PETER Eu sou dublê de filósofo e numismata. TIGRÃO (voltando com o licor e servindo a todos) Ele é vagabundo mesmo. Só sabe ler porcaria e escrever coisas inúteis. PETER Ele morre de inveja dos meus diálogos socráticos. TIGRÃO "Sorbonae nullum ius in parnasso". IVETE Que bonito. Tu sabe mesmo japonês? PETER Ele falou em latim, Ivete. Péssimo latim. IVETE Por favor, traduz pra mim, Tigrão. TIGRÃO "A Filosofia não só não tem poder algum sobre a poesia, que nasce sem ela e antes dela, como, quando dela se aproxima, ao invés de dar-lhe nascimento ou infundir-lhe vida, traz-lhe a morte, pois a morte do mundo da poesia é justamente a sua transladação para o mundo da crítica e da realidade". IVETE Tudo isso? TIGRÃO Os latinos tinham grande poder de síntese. PETER Tigrão, elas não estão interessadas em poesia. Elas querem diversão. Elas querem sentimento real. E não cópias fudidas sobre papel. TIGRÃO Quanta ignorância. "A poesia não pode copiar ou imitar o sentimento, porque este, que tem forma por si mesmo, em sua esfera, não tem forma diante dela. É apenas caos, é movimento negativo, é o nada". PETER Viva a entropia, viva a desordem, viva o movimento negativo. E abaixo os poetas, que me enganaram tanto tempo. TIGRÃO Não acreditem nele, meninas. Se faz de niilista, mas no fundo é um poeta. E quando os poetas não estão trabalhando, sempre falam bobagem. "O poeta não é nada mais que a sua poesia". PETER A poesia cansa, Tigrão! Vou levar a Dora pra conhecer o resto do apê. (para Dora) Vamos? Dora dá um adeusinho para Ivete e sai da sala com Peter. IVETE (tomando coragem) Eu leio poesia, quando tenho um tempo livre. TIGRÃO É mesmo? E quem é o teu autor favorito? IVETE É a Bruna Lombardi. TIGRÃO E por quê tu gosta do que ela escreve? IVETE (insegura) Eu... Sei lá. Dá pra sentir que ela escreve com o coração. TIGRÃO Taí um juízo crítico perfeito. O meu amigo Crocce diria que a Bruna é a expressão sentimental em pessoa. IVETE É mesmo? Que bonito. (meio lânguida) Mas, sabe, às vezes eu leio uns versos tão tristes que me dá vontade de chorar. TIGRÃO (acariciando Ivete) "Um véu de tristeza parece envolver a beleza, e no entanto não é um véu, mas a própria face da beleza". IVETE Que lindo... Conta mais coisas sobre poesia. TIGRÃO Não. Agora chega. Tu pode ter uma indigestão. IVETE Por favor. (acaricia Tigrão) Os homens nunca conversam assim comigo. (maliciosa) Depois, eu faço tudo que tu quiser. TIGRÃO Quer ouvir mais uma do Crocce sobre poesia? IVETE (entusiasmada) Quero. Quero mesmo. CENA 4 - INT/DIA - APARTAMENTO: COBERTURA Peter e Dora chegam à cobertura do apartamento. Peter não perde tempo e começa a acariciar o corpo de Dora. Ela deita-se na cama. Peter vai pra cima. Ficam um tempo se beijando. Peter arranca as roupas de Dora. Passa a mão entre as pernas de Dora. Acompanhamos a mão de Dora à procura do membro de Peter. DORA Deixa eu chupar. PETER (irritado) Não. DORA Olha... Tu tá perdendo uma oportunidade... PETER (grosseiro) Não enche. Não tô a fim. DORA Não precisa ser grosso. PETER Eu gosto das preliminares. Gosto de beijos, abraços, carinhos. DORA (conciliadora) Tudo bem... Eu também gosto. CENA 5 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA TIGRÃO "Por mais alta e nobre que seja a sua origem, a poesia se move, necessariamente, na unilateralidade da paixão, na antinomia do bem e do mal, na ânsia de gozar e sofrer; vincula o universal ao particular, e acolhe, superando-os ambos, a dor e o prazer". IVETE Lindo. Eu gostaria de saber falar assim.TIGRÃO Eu também. (aproxima-se de Ivete e tira a parte de cima do seu vestido, descobrindo os seios) São lindos, Ivete. (Ivete sorri, orgulhosa) CENA 6 - INT/DIA - APARTAMENTO: COBERTURA Os dois estão deitados na cama. Dora, semi-nua, dá beijos, lambidas e pequenas mordidas em Peter, que parece entediado. PETER Olha, eu vou dar uma descida e beber alguma coisa. Tu vai querer também? DORA (nada satisfeita com a situação) Um uísque, faz favor. Mas só se for "scotch" de verdade. Uísque falsificado me dá dor de barriga. PETER (expondo com os dedos a raiz escura dos cabelos de Dora) Mas o mundo está tão cheio de falsidades... Dora percebe a sacanagem e fica furiosa. CENA 7 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA Tigrão morde o bico de um dos seios de Ivete. TIGRÃO É uma pena que eu não tenha belas palavras para descrever os teus seios. IVETE (sorrindo) Não tem belas palavras? Claro que tem... TIGRÃO (pensativo) O Crocce descobriu que quase não existem formas de qualificar o belo. Já o feio... é mole. IVETE Não... É muito mais fácil elogiar que criticar. TIGRÃO Então vamos fazer um teste. Eu digo alguma coisa elogiosa sobre os teus seios. E tu diz outra, logo depois, e assim por diante, sem repetir. Entendeu? IVETE Entendi. TIGRÃO Lindos. IVETE Bonitos. TIGRÃO Harmoniosos.IVETE (insegura, pensa um pouco, concentra-se e, finalmente, acha) Formosos. TIGRÃO Graciosos. IVETE Vale gíria? TIGRÃO Vale tudo pra definir o belo. IVETE Chocantes. TIGRÃO Encantadores. IVETE (concentra-se muito, esforça-se, mas em vão) Não consigo lembrar... TIGRÃO É que realmente não existem muitas outras palavras. Eu ainda lembro de "sublimes", "delicados"... Mas agora vamos falar mal. Feios. IVETE Horríveis. TIGRÃO Desajeitados. IVETE Horrorosos. TIGRÃO Repelentes. IVETE Asquerosos. TIGRÃO Vulgares. IVETE Indecentes. TIGRÃO (cada vez mais alto) Disformes, desagradáveis, hediondos, vergonhosos, vulgares, banais, indecentes, desajeitados, afetados, rudes, desarmoniosos... (volta a baixar o tom da voz) Isso tudo sem usar gíria, que aí já é covardia. IVETE Eu nunca tinha notado isso... Então, isso quer dizer que...TIGRÃO Isso não quer dizer nada, Ivete, porque o que interessa são os teus seios. Só os maus poetas usam tantos adjetivos. (inclina-se para beijar os seios de Ivete, mas é interrompido pelo grito de Peter) CENA 8 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA PETER (off) Ô, Tigrão, vocês estão decentes? TIGRÃO Mais ou menos. PETER (entrando na sala, só de calça. Dora vem atrás, evidentemente insatisfeita. Ivete cobre os seios) Ainda tem aquele vinho, Tigrão? TIGRÃO Acabou. PETER Que merda. Vou pegar um uísque. TIGRÃO Também acabou. PETER (irritado) Porra. Não dá pra guardar nada nessa merda de apartamento. Foram os teus amiguinhos de ontem, não é? (fala baixo, mas com volume suficiente para ser ouvido por todos) É o que dá... Dividir apartamento com veado é foda. DORA (rindo, maliciosa) É verdade. É foda garantida. PETER (furioso) Como é que é?, sua puta... Tigrão rapidamente se mete entre os dois para evitar o conflito e, num gesto teatral, tapa os olhos de Peter. TIGRÃO (com ares trágicos) "Concidadãos de Tebas, pátria nossa, olhai bem: Édipo, decifrador de intrincados enigmas, entre os homens o de maior poder, aí está. Quem, no país, não lhe invejava a sorte? E agora, vede em que mar de tormento ele se afunda." (destapa os olhos de Peter) IVETE Não é esse Édipo que matou o pai e transava com a mãe? Eu vi na novela. TIGRÃO Exatamente. Mas ele não sabia nada disso. O Édipo não sabia que tinha complexo de Édipo. E esta é a origem de todas as tragédia: ignorância. DORA (ainda provocadora) Ouvi falar que esses gregos eram todos veados. TIGRÃO Dora, não é bem assim... Cuidado, que o Peter é muito sensível. (sacana) Mas que tem cu no meio dessa historia, isso tem. PETER (ainda irritado) Não inventa, Tigrão. O Édipo não gostava de homem. TIGRÃO Ele não. Mas o pai do Édipo gostava. O velho desencaminhou um guri, quer dizer, comeu o cu do guri. Aí o pai do guri descobriu e criou a tal maldição, de que o Édipo mataria o próprio pai e transaria com a mãe. PETER Isso não tá na peça. TIGRÃO Mas na Grécia todo mundo sabia dessa lama. IVETE Agora fiquei curiosa. Quero saber o resto da história. TIGRÃO É muito comprida, Ivete. E vocês não estão aqui para decifrar os enigmas de Édipo. A esfinge vai continuar sem resposta. PETER (abraçando Ivete) Decifra-me, ou te devoro. Lá em cima eu tenho uma edição ilustrada das obras de Sófocles. Não quer dar uma olhada? Ivete sorri. Peter pega a sua mão e a conduz para fora da sala. TIGRÃO (para Dora) Sabia que tu tem o físico perfeito pra interpretar a mãe do Édipo, a Jocasta? DORA Eu? Tu me acha parecida com a Vera Fischer? TIGRÃO Não... (tirando a camisa) É uma coisa mais sutil. Tu tem aquele jeito de quem sabe tudo, mas acha que não vale a pena se incomodar. DORA (olhando o peito cabeludo de Tigrão) Adoro homens bem cabeludos. TIGRÃO (abaixa-se e enfia-se por baixo do vestido de Dora, começando a chupar) Eu adoro tornozelos finos. DORA Ai, isso... Que gostoso. Eu logo vi que tu era homem de verdade... Esse teu amigo... Ficou conversando bobagem, não queria que eu chupasse... TIGRÃO Tu usa Phebo Patchouly. DORA É. Tá bom o cheiro? TIGRÃO Tá. DORA Então chupa mais. TIGRÃO (saindo de baixo) Agora eu quero os peitinhos. (e começa a tirar o vestido de Dora) IVETE (entrando na sala, inesperadamente) Dora, tu trouxe camisinha? DORA (irritada) Mas assim não é possível. Tá lá na bolsa. IVETE Desculpa... É que o Peter pediu pra mim buscar. CENA 9 - INT/DIA - APARTAMENTO: COBERTURA Peter está masturbando-se freneticamente, de pé, perto da escada. Quando ouve os passos de Ivete subindo, diminui o ritmo. Parece muito excitado. IVETE (terminando de subir a escada) Ainda bem que a Dora tinha. (olha para o pau de Peter e fica surpresa) Peter, o que aconteceu? PETER Nada, meu amor. A pergunta certa é: o que vai acontecer agora? IVETE (mostrando uma caixa de preservativos) Vamos botar a camisinha? PETER Camisinha merda nenhuma. Eu detesto camisinha. Eu vou te comer, putinha. IVETE Assim, direto? PETER (empurrando Ivete para a cama, enquanto vai arrancando as roupas dela) Direto. Que nem macho. Fica de quatro. Peter atira Ivete na cama e enfia instantaneamente. Ivete reclama, mas Peter não tá nem aí. A trepada dura menos de quinze segundos. Depois que se acaba, Peter pega um livro e começa a folhear. Ivete veste-se, confusa. Peter pára a leitura por um momento para gritar: PETER Tigrão, tu já acabou? CENA 10 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA Lá em baixo, Dora está por cima. E parece estar gostando. PETER (off, gritando) É bom não exagerar. Ainda tem aquela festa, hoje de noite. DORA (enquanto trepa) Esse teu amigo é um chato. TIGRÃO Não liga. Ele tá em crise. (e grita:) Só preciso mais umas duas horas, Peter. CENA 11 - INT/DIA - APARTAMENTO: COBERTURA Na cama. PETER Ele é veado, Ivete. Totalmente veado. Só transa com mulher pra se mostrar pra mim. IVETE Que estranho... Isso não é normal, né? PETER A humanidade perdeu a noção do que é normal. Tudo se confunde. Mataram Deus, acabaram com o pecado, e só restou a ansiedade do corpo. Ivete não entende direito, mas parece assustada. CENA 12 - INT/DIA - APARTAMENTO: SALA No andar de baixo, Dora está se vestindo, apressada. Ivete e Peter entram. TIGRÃO Ivete, ele te tratou direito? IVETE Claro. (aproxima-se e dá um beijo no rosto de Peter) Ele é um anjo. DORA Podemos acertar agora? TIGRÃO (pegando o talão de cheques no bolso da calça, que está atirada no chão) Claro. Faço nominal ou ao portador? DORA Pode ser nominal, pra Tiffany, quer dizer, bota Maria da Conceição Cruz. TIGRÃO (terminando de assinar e entregando o cheque para Dora) Foi um prazer. DORA Igualmente. Vamos, Ivete? Os quatro trocam beijinhos de despedida. Sempre três. As duas prostitutas saem rapidamente. Peter senta ao lado de Tigrão, que continua pelado. TIGRÃO Putas quase sempre são gente fina. Gostei das duas. PETER Me diz uma coisa. Aquela hora que eu entrei, quando tu tava chupando os peitos da Ivete, tu não tinha enfiado ainda? TIGRÃO Não, por quê? PETER Nada. Eu só tava curioso. TIGRÃO Infelizmente, não dividimos bucetas. Só a tua toalha. PETER (com ar nostálgico) Achei as duas tão frias, tão profissionais. Dez anos atrás, tudo era diferente. Lembro que, uma vez, uma puta me mostrou uma foto do noivo, e o nome do noivo era J. Gomes. Depois de trepar, a gente tomou champanhe, e ela me disse que estava apaixonada por mim. TIGRÃO Tem certeza que isso aconteceu? Não é algum conto do Rubem Fonseca? PETER Não. Foi verdade. O mundo todo era mais romântico. As pessoas acreditavam mais umas nas outras. Agora, tudo virou comércio sujo. TIGRÃO (muito sério) Tu é um grande reacionário, Peter. PETER Sou. Acho que sempre fui. Mas só agora eu percebo isso. TIGRÃO As pessoas têm que evoluir muito, pra perceber o quanto estão atrasadas. PETER Às vezes, eu penso que, no fundo, eu sou um cara legal, que eu não tenho culpa de nada... TIGRÃO Ninguém tem culpa de nada. O Édipo não tinha culpa. Nem os deuses tinham culpa. O destino é mais forte que homens e deuses. "Sic erat in fatis". PETER Eu posso ser reacionário, mas tu bate todos os recordes de citações bagaceiras. TIGRÃO Prefiro citar que repetir minhas próprias palavras eternamente. Falando nisso, adivinha quem é o autor favorito da Ivete? PETER Ela tem jeito de quem lê... Paulo Coelho. TIGRÃO Quase. Bruna Lombardi. PETER Bruna Lombardi? Tá brincando... TIGRÃO Não. Sério. Ela disse que a Bruna escreve com o coração. Começa a música final, que vai crescendo até abafar completamente o diálogo de Peter e Tigrão, cada vez mais animados. PETER Eu vou pedir ela em casamento... TIGRÃO Acho que era bom pra ti. Casar, ter filhos... CRÉDITOS FINAIS FIM ******************************************************************* (c) Carlos Gerbase, 1997 Casa de Cinema de Porto Alegre http://www.casacinepoa.com.br