O FUTURO DA TERRA roteiro de montagem Werner Schünemann setembro/1997 produção: Casa de Cinema de Porto Alegre para FISENGE / MST ******************************************************************* (1) INTRODUÇÃO SEM TEXTO - imagens do assentamento, ao amanhecer (2) ABERTURA LOCUTOR Charqueadas, Rio Grande do Sul. Este é o assentamento Trinta de Maio. Esta área de oitocentos e cinqüenta hectares estava destinada a ser colônia penal agrícola. Mas em 1990, quarenta famílias de agricultores sem-terra foram assentadas nela. Estas famílias enfrentaram as dificuldades iniciais formando uma cooperativa de produção. Não demarcaram os lotes. Em vez disso, passaram a trabalhar a terra de forma coletiva. Depois dos primeiros dois anos vivendo em barracos, sem água e sem luz, podem hoje orgulhar-se das excepcionais condições de vida que alcançaram. O que fica evidente quando vemos as crianças do assentamento. As maiores estudam até completar o segundo grau. As menores podem brincar à vontade. (3) BRINCADEIRAS - imagens de crianças brincando crianças OFF dizendo seus brinquedos preferidos - Eu gosto de brincar... - Dde boneca. - Andar de bicicleta. - De polícia. - E correr, assim, jogar aposta com os outros. - Mais é pescar. - Tomar banho. Lá na barragem. - Esconde-esconde. - Atrás das árvores, atrás das casas. - De casinha. - Jogar bola. - De pega. Um pega e os outros correm. (4) COTIDIANO ADRIANA 511 20:30 - Eu me acordo, daí eu vou no banheiro, me escovo os dentes, depois eu venho, tomo café e venho pra escola. CLAUDINÉIA 511 08:13 - Aí elas mandam a gente fazer fila pra entrar no colégio, aí a gente entra e começa a estudar. LUCIANE 258 16:13 - Eu fico em casa de manhã, eu fa, limpo a casa, faço qual, almoço, lavo roupa, as coisas de casa, assim, né? DELVIANE 258 08:04 - Eu trabalho de manhã, começo 10 pras 7, e vou até as 10 e meia. CRISTIANE 258 29:10 - Eu trabalho, trabalho na horta. Trabalho na parte da manhã, na parte da tarde eu estudo. ALEX 289 04:28 - Trabalho no setor de animal, que é, tirar leite, tratar os animais. Eu venho pra casa onze horas, almoço, vou pro colégio de tarde, e pratico esportes. (5) ÔNIBUS Adolescentes pegando ônibus para a escola. (6) NOITE EDILA 189 06:46 - O que eu fico esperando pra que chegue a hora é a noite. E quando bate a sineta pra vir embora do colégio. ALEX 289 05:25 - Diversão, dançar fim de semana, as maiorias tem uma festinha, tem jogo de futebol. EDILA 189 06:55 - Ah, porque à noite eu posso ir pro meu quarto, ficar ouvindo música, estudando, lendo... (7) LUGAR LEGAL JANAÍNA 473 02:30 - Ah, eu acho que esse lugar é muito legal, porque tem espaço pra tu brincar, pra correr. CRISTIANE 258 29:00 - Não há violência, não há nada dessas coisas, né? É bem calmo morar aqui. EDILA 189 08:05 - Uma das coisas mais boas também que eu tenho assim digamos, é que, como eu moro no campo, a liberdade que eu tenho de caminhar pelo campo, livre... (8) INÍCIO DO DIA (9) REUNIÃO LOCUTOR Todos os dias os encarregados dos grupos de trabalho se reúnem para planejar o dia seguinte. Coordenados pela secretaria geral, existe o grupo da horta, o dos suínos, o do leite e assim por diante. Após o café da manhã cada grupo se dirige à sua área para realizar as tarefas do dia. (10) TAREFAS (11) COLETIVO DIONEL 689 09:09 - Lá onde que nós tava lá no Alto Uruguai eu já trabalhava individualmente, né? CLEMI 689 27:10 - Então lá tu trabalhava, tu ia na roça, tu ia carpinar, tu carpinava só, tu pensava só pra ti. DIONEL 689 09:15 - Eu acho que é muito difícl um cara hoje se manter dentro num pe, em cima de um pedacinho de terra, aí, que são dezoito hectares, trabalhar individualmente, né? ALEX 289 06:16 - Juntos aqui nós conseguimos tudo, né, imagina: o quê que nós seríamos separados? Como nós ia pegar um projeto assim que nem pra comprar um trator, um implemento? DIONEL 689 09:25 - Que nem num grupo coletivo, né? Ter um monte de mão de obra pra poder ter várias linhas de produção pra adquirir recursos diariamente, né? CLEMI 689 26:34 - Temos arrendando em torno de sessenta hectares de terra do, do vizinho nosso, pra plantar, porque, a nossa nós conseguimos equipamento, mão-de-obra que temos, né, tá sobrando. Então temos que pegar terra de fora pra trabalhar, né? (12) ACAMPAMENTO - fotos do Sebastião Salgado LOCUTOR A estratégia de pressão política do movimento sem- terra é reunir famílias de agricultores em acampamentos à beira de estradas. Com os moradores do assentamento 30 de maio não foi diferente. Vivendo em más condições e acompanhadas de suas crianças pequenas, estas famílias passaram, em média, três anos acampadas à beira de várias estradas e mais dois anos no próprio assentamento, antes de construírem suas casas. Foi um período difícil que permanece vivo na lembrança de todos. (13) LEMBRANÇAS DO ACAMPAMENTO LUCIANE 258 11:02 - Eu lembro que meu pai e minha mãe, eles tinham pouca terra, né? [-] Aí meu pai começou a ir nas reuniões, aí foi que decidiram vir acampar, né? CRISTIANE 258 23:32 - Eu nasci no acampamento, se não me engano acho que foi na estrada. ALEX 289 00:35 - Passei pela Barra do Ribeiro, Capela de Santana, uns quatro ou cinco acampamentos, até chegarmos aqui, daí. CRISTIANE 258 24:23 - Por um lado era bom, mas por outro lado não era bom, porque a gente conhecia lugares diferentes, né? Mas pelo outro é que a gente perdia muito, o estudo, a gente perdia, a gente passava fome, frio. LUCIANE 258 12:10 - Eu pensava que eu tava perdendo, né, assim, de estudar, de poder ficar mais adiantada nos estudos. Mas eu acho que era por uma causa justa, né, era pra melhorar de vida e.. ALEX 289 02:08 - Eu não tenho boas lembranças do acampamento. O acampamento me traz a fome que eu passei, tinha doença. ODACIR 264 51:00 - Mas eu acho que valeu a pena porque hoje a gente tá aqui, tem a terra da gente, tá estudando, sei lá, pode pensar no futuro. ODACIR 264 51:20 - E eu acho que se eu precisasse de ir acampar eu acho que eu acamparia de novo, pra conseguir o que o meu pai conseguiu e a minha mãe. (14) ACAMPAMENTO SIMULADO - adolescentes armando barracas pro acampamento simulado LOCUTOR Este é o pátio da escola estadual de Itapuí, no Rio Grande do Sul. Onde, por iniciativa dos próprios alunos, é mantida viva a memória dos acampamentos. (15) APRENDIZADO JANAÍNA 473 03:08 - Bom, essa escola é diferente das outras porque é uma escola de assentamento. Então, como símbolo desse assentamento, a gente faz todo mês de outubro um acampamento no nosso campo ali da escola. EDILA 189 23:44 - E a gente quer passar um pouquinho pros outros alunos que, que não são acampados, os alunos, hã, de fora, né, o, como é o acampamento. CRISTIANE 264 56:40 - A gente faz barraca, faz comida, pra nós é uma diversão. Mas pra eles lá é uma coisa mais séria, né? EDILA 189 27:19 - E não podia ir pra casa. Já trazia de casa, porque no acampamento não podia sair do acampamento e ir pra casa, né? CRISTIANE 264 57:45 - E o que eu aprendi com eles foi a lutar por aquilo que eu quero. Acho que é a primeira coisa que eu lembro sempre: lutar por aquilo que eu quero, lutar pelo meu objetivo. Unido sempre com as pessoas que eu amo e que eu gosto. (16) FOGUEIRA - pessoal cantando em volta da fogueira, à noite. LOCUTOR Ao receberem seus lotes, as famílias sem-terra passaram a ter onde plantar. Mas isso não foi o fim dos tempos difíceis. (17) CHEGADA NELCI 448 12:00 - Eu pensava que a gente chegava aqui e tinha alguma coisa a mais, né, do que tivemos que passar, sem água, sem casa, sem luz. A gente morou um tempão embaixo dum, dumas árvores, de eucalito, né? CRISTIANE 258 25:38 - O que mais marcou e o que mais feriu foi o jeito que a gente era tratados. Porque nós era a bem dizer humilhados, né? NELCI 448 13:45 - Que são invasores, que são vagabundos, que só querem briga com o governo, né? Só que não é isso, a gente tá lutando prum direito nosso, né? ABRAHÃO 587 15:30 - Inclusive eu tenho uma irmã que dizia que não acreditava, né, no Movimento Sem Terra [-] que o pessoal vinha, conseguia a terra e depois, né, ahn, repassava, né, essa terra para outros, né, que não queriam trabalhar, essa coisa toda. ABRAHÃO 587 17:00 - Então eu cheguei e levei ela lá, né. Quê? Mas essa região que era assim antes, ficou agora com, produzindo, né, produzindo alface, o tomate, o arroz, o milho, né? E eu digo: é, isso aí que tu dizia, que esse povo, né, fazia. Então ela disse: é, anh, tu tinha razão. Ela chegava e dizia: tu tinha razão... (18) PRODUÇÃO AGRÍCOLA LOCUTOR Todo ano, as famílias assentadas de Charqueadas produzem 255 mil litros de leite, 530 toneladas de arroz, 120 toneladas de milho, além de verduras, ovos e mel. Em média, o assentamento responde por quase sessenta por cento de toda a produção agrícola e pecuária do município. (19) IMPACTO NA REGIÃO ROGÉRIO 587 09:12 - Sim, a alface, a qualidade é ótima, né? De ótima qualidade. Os outros produtos também que a gente trabalha com eles, tem também o aipim, tudo produto de qualidade. EDSON 448 01:10 - O pessoal do assentamento, né, então, nesses, há... sete anos, né, eles, a gente já trabalha com eles [-] Eles são um cliente assim de porte, né, de porte. Então que a gente pode dizer assim que realmente são bons clientes, né, dos melhores que a gente tem aqui na madeireira. ABRAHÃO 587 18:46 - E a nossa cidade, em cima disso aí, ela, ela começou a [-] a entender, né, aquilo que não entendia antes com relação ao Movimento Sem Terra. (20) MERCADO PRÓPRIO / CHARQUEADAS LOCUTOR Hoje, em vista do aumento da demanda, os assentados estão construindo seu próprio mercado, onde vão comercializar diretamente os produtos do assentamento. (21) LAZER DIONEL 689 11:50 - Nós temos discutindo agora pra, no nosso assentamento que nós temos de ter... umas áreas de lazer, né? Que tá faltando dentro do nosso assentamento. DIONEL 689 12:18 - Que já foi investido num campo de futebol, nós temos refeitório aí que serve pra diversões. Só que falta mais algumas coisas que não tá concluída, né? Que temos de, nos próximos anos nós temos de investir e construir algumas coisas diferentes, né? (22) INDIVÍDUO CLEMI 689 28:21 - Eu quando cheguei aqui eu me achava que não tinha condições de contribuir em nada, né, a não ser trabahar na lavoura. As primeiras vezes que eu ia nas reuniões, quando eu chegava na minha parte, na minha vez de falar, eu saía da reunião pra não conversar. CLEMI 689 29:16 - Mas hoje eu, eu me orgulho de ser o que eu sou e ter aonde eu tou, né? Com, mesmo com, enfrentando dificuldades, enfrentando os problemas, mas me acho com capacidade de, de ajudar e tocar isso aqui. Pra nós ter um futuro melhor, né? Garantir o futuro de nossos filhos. (23) CONCLUSÃO LOCUTOR De acorodo com o INCRA, já foram distribuídos 4 milhões 870 mil hectares, divididos entre 159.770 famílias de agricultores sem-terra. Ainda existem 520 milhões de hectares passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária. As experiências bem sucedidas de Charqueadas e Itapuí mostram do que homens e mulheres são capazes quando têm a oportunidade de trabalhar a terra, produzir alimentos e cuidar do futuro com as próprias mãos. Para as crianças destas famílias os tempos de privações e dificuldades terminaram. (24) FUTURO DELVIANE 258 09:29 - O meu futuro? JANAÍNA 473 10:42 - Ah, o meu sonho, sinceramente assim... ADRIANA 511 23:35 - Eu quando crescer eu quero ser professora. EDILA 189 11:38 - Eu tenho três sonhos, né, que eu gostaria de ser. CRISTIANE 258 29:23 - E o meu sonho é ser jogadora de vôlei. MARINA 473 11:22 - A minha profissão que eu, assim, que eu desejo, e que é o meu sonho, é ser médica. DELVIANE 258 09:40 - E sempre pensar na terra, né? Ter a terra sempre presente na vida da gente. EDILA 189 30:16 - Ah, no caso se eu tiver filhos eu quero assim... CARMEN 122 06:47 - (plano bonito, zoom no rosto na hora certa) Olha, eu quero que assim ele decida o que ele vai querer. EDILA 189 30:16 - Em primeiro lugar morar no campo, né, porque no campo, pra, pra se criar uma criança é muito melhor, né? ALEX 289 04:57 - Meus planos talvez meus estudos é eu me formar em técnico. E viver aqui dentro, trabalhar. Ter a minha vida aqui com os meus filhos. NELCI 448 17:18 - Quero que eles estudem bastante, que sejam alguém na vida, sem tanto sofrer que nem a gente, né? EDILA 189 30:25 - E com estudo e tudo. Eu quero assim que eles sejam assim super saudáveis, e que, que não passem pelo que eu passei. (25) FINAL ******************************************************************* (c) Werner Schünemann, 1997 Casa de Cinema de Porto Alegre http://www.casacinepoa.com.br