JOGOS DO AMOR E DO ACASO episódio da série CONTOS DE INVERNO roteiro de Jorge Furtado, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil colaboração de Luis Fernando Verissimo versão 3 - 10/03/2001 livremente inspirado na peça de Pierre Marivaux "Le jeu de l'amour et du hasard" produção: Casa de Cinema de Porto Alegre para RBS TV ******************************************************************* CENA 1 - ESCRITÓRIO DA EMPRESA - INTERIOR/FIM DE TARDE Uma paisagem invernal européia: casas estilo bávaro-gramadense, neve na calçada, flocos de neve caindo de uma forma um tanto artificial. Vozes ao fundo. DANILO (OFF) Então, vamos embora? BERNARDO (OFF) É... eu acho que eu não vou. DANILO (OFF) Como é que é? BERNARDO (OFF) É, eu não vou. Tá... tá muito frio. Aos poucos, vamos percebendo que a paisagem na verdade é um protetor de tela, num computador sobre uma mesa de trabalho. DANILO (OFF) Deixa de bobagem, Bernardo. Te dou carona, vamos lá. O pessoal já deve estar chegando na quadra. BERNARDO (OFF) Não, sabe o que é, seu Danilo? É que eu tenho... O computador sobre a mesa de trabalho está entre outras mesas e outros computadores, mas é o único que permanece ligado. A sala está com poucas luzes. A última claridade do dia entra pelas janelas com persianas. Os dois homens estão de pé, ao lado da porta. DANILO Bernardo, por favor, não me chame de senhor. Não faça essa crueldade comigo. BERNARDO É... desculpe... Danilo. DANILO, 43 anos, de óculos, está tentando colocar o seu casaco por cima do pulôver. BERNARDO, 28 anos, ar atlético, está com o seu casaco na mão, um pouco atrapalhado. DANILO E quer dizer que você vai deixar o time dos solteiros desfalcado? BERNARDO (sem jeito) É... A idéia é mais ou menos essa. De repente, Danilo interrompe o que está fazendo. DANILO Ah, entendi... Marcou um encontro? BERNARDO É... DANILO (conformado) Time dos solteiros é assim mesmo. Tá sempre perdendo os seus melhores atletas pro adversário. Ainda mais no inverno. (terminando de vestir o casaco) Bom, boa sorte. Quer uma carona, posso te deixar em algum lugar? BERNARDO Não. É que o encontro é... (apontando pros computadores) na Internet. Danilo vira-se para Bernardo, interessado. CENA 2 - ESCRITÓRIO DA EMPRESA þ INTERIOR / NOITE A paisagem invernal de repente se dissolve. Por trás dela, aparece uma tela de computador, com vários ícones. O ponteiro do mouse clica no ícone "Bate-papo". Bernardo está sentado à frente do computador, Danilo está de pé, inclinado, ao seu lado. DANILO Bernardo, você fica usando o computador das empresa para falar na Internet? BERNARDO Só depois do expediente. DANILO (lendo algo na tela, escandalizado) "Gostaria muito que você..." Mas o que é isso? BERNARDO Não te falei? Elas escrevem cada coisa que você não acredita. Isso é pinto. DANILO É, eu imaginei. Ela disse que tem dezesseis anos? Deve ser mentira. Não tem foto? Na tela, a frase: SOLTINHA 28 ENTRA NA SALA. BERNARDO Nessa sala aqui não, só texto. (alegrando-se) Olha ela aí! DANILO Onde? Quem? BERNARDO Essa. Soltinha, vinte e oito. Eu falei com ela ontem. Marcamos de nos encontrar hoje e ela veio. O que é que eu digo? CENA 3 - QUARTO DE ALÍCIA þ INTERIOR / NOITE Um quarto de mulher, espaçoso e rico, com cama de casal, penteadeira e mesa de trabalho. ALÍCIA, 30 anos, de roupão de banho, está sentada em frente ao computador, as mãos erguidas e os dedos abertos de quem espera que lhe seque o esmalte nas unhas. Aos seus pés, escarafunchando-lhe um minguinho, CÍNTIA, quase 30, a manicure. ALÍCIA (alegrando-se) Cíntia, olha! Ele entrou! CÍNTIA Uuui! Cíntia ergue-se e fica ao lado de Alícia. CÍNTIA Poeta? Iiiiihh... ALÍCIA (lendo) "Boa noite. Que bom que você veio". Não é muito original. CÍNTIA Pelo menos é educado. Responde, Alícia! ALÍCIA O que é que eu digo? CENAS 2/3 - ESCRITÓRIO DA EMPRESA / QUARTO DE ALÍCIA (INTERCALADOS) - INTERIOR / NOITE (2) Danilo já puxou uma cadeira, está sentado ao lado de Bernardo. BERNARDO (lendo) "Eu não costumo faltar aos meus compromissos". Deve ser uma chata. DANILO Pergunta como ela é. BERNARDO Fisicamente? DANILO Bom, não precisa ser tão direto. (3) Cíntia está sentada ao lado de Alícia. ALÍCIA (lendo) "Fale-me de você, quero te conhecer melhor". CÍNTIA Diga que você é solteira, muito rica, tem um corpo perfeito e os seios fartos. ALÍCIA Tá louca, Cíntia! CÍNTIA Homem adora isso, Alícia! Vai por mim! ALÍCIA Calma!! Tenho vinte e oito anos, sou morena... (2) BERNARDO (lendo) ... um metro e setenta. E você?" Ela vai me achar muito jovem. (para Danilo) Que idade você tem? DANILO Quarenta e três. Por quê? (3) ALÍCIA "Tenho um metro e oitenta e três..." CÍNTIA Uii! ALÍCIA Cabelos castanhos claros. Quarenta e três anos." Quarenta e três? Ele é muito velho! CÍNTIA É perfeito! Mas deve ser casado. Divorciado. Poeta, duro, ex-mulher, quatro filhos, sua vida vai ser um inferno. Desligue esse computador, já! (2) DANILO (lendo) "Você é casado?" Não, responde que não. BERNARDO Ela vai achar que eu tenho algum problema. Quantos homens de 43 anos você conhece que não são casados? DANILO Eu, por exemplo. Bernardo examina Danilo, desconfiado. DANILO Tá bom. Diz que é viúvo. (3) CÍNTIA Viúvo? Iih... Acho melhor eu terminar a tua unha. Cíntia volta a fazer os pés de Alícia. ALÍCIA E agora? CÍNTIA Não sei por que você não entra na sala com imagens. Eu vi um negócio na casa da Guidinha... Sem brincadeira... Cíntia retira da bolsa um tubo de spray, em seguida outro maior, e um terceiro maior ainda, sem se decidir. CÍNTIA Era um negócio... Deixa eu ver... ALÍCIA Tamanho não é documento, Cíntia! CÍNTIA Quem gosta de documento é brigadiano. (com o spray maior na mão) Eu fico com o tamanho. ALÍCIA O que é que eu digo? CÍNTIA Pergunta do que foi que a mulher dele morreu. ALÍCIA Ai, Cíntia! CÍNTIA O cara pode ter alguma doença contagiosa, sei lá. ALÍCIA Que horror! CÍNTIA Pergunta então há quanto tempo ele é viúvo. (2) DANILO Cinco anos. BERNARDO E se ela perguntar de quê a minha mulher morreu? DANILO Ela não vai perguntar isso. BERNARDO E se ela perguntar? DANILO Aí você desliga o computador. Pronto. Ou inventa alguma coisa. BERNARDO Alguma coisa o quê? (3) CÍNTIA (lendo na tela) Morte natural? (2) DANILO Morte natural? Você já mandou isso? BERNARDO Mandei. Qual o problema? (3) ALÍCIA A mulher dele morreu de morte natural há cinco anos e ele tem quarenta e três... CÍNTIA Chutando por baixo ele deve ter uns oitenta anos, vai por mim. (pra tela) Velho tarado! (2) DANILO (ditando) Toda morte é natural. Como a vida. "A morte é uma curva da estrada. Morrer é só não ser visto" (3) ALÍCIA Que lindo... (2) DANILO Não falei? Essa é mortal! Tem um cigarro aí? BERNARDO No bolso do meu casaco. Danilo sai para buscar o cigarro. (3) ALÍCIA Ele escreve muito bem. (2) BERNARDO (escrevendo) Obrigado. DANILO (voltando com o cigarro) E aí? BERNARDO Ela disse que eu escrevo muito bem. DANILO Ela tem bom gosto. É do Fernando Pessoa. BERNARDO Eu disse que era meu. DANILO Você é louco! E se ela descobre? BERNARDO Não tem erro. Vou perguntar a profissão dela. (3) CÍNTIA Herdeira. Põe aí! ALÍCIA Não. CÍNTIA Mas é verdade, Alícia! Põe! Ah, se fosse eu... ALÍCIA Ele pode querer se aproveitar. CÍNTIA A idéia é essa. ALÍCIA Vou dizer que eu sou telefonista. (2) DANILO Espero que o seu sinal não esteja ocupado para mim. BERNARDO Não, isso é horrível. Vou dizer que eu sou executivo de uma multinacional. (3) ALÍCIA Vou perguntar se ele fuma. (2) BERNARDO (apagando o cigarro) Não. Vou perguntar se ela se acha bonita. Só para tirar a temperatura. (3) CÍNTIA Põe aí: tenho um corpo perfeito e os seios fartos. ALÍCIA Cíntia... CÍNTIA Alícia, vai por mim. Você não entende nada de homem. Você é praticamente virgem. ALÍCIA Cíntia, eu fui casada dois anos. CÍNTIA Marido não vale. Escreve isso que eu aposto que ele vai querer marcar um encontro com você na hora. Ele vai adorar. ALÍCIA Tem certeza? CÍNTIA Quer apostar? (2) DANILO (animado) Marque um encontro com ela! BERNARDO Um encontro real? Já? DANILO Claro, ela é perfeita! (3) CÍNTIA Eu não disse? Homem e cabelo tingido eu conheço de longe. ALÍCIA Ele quer marcar um encontro... O que é que eu faço? CÍNTIA O que você quiser. Este já está na sua mão. ALÍCIA E se ele for um assassino, um maníaco homicida? CÍNTIA (concordando) Ou, pior, um baixinho careca? Melhor falar por telefone. Pede o número dele. Se ele der é porque não é casado. (2) BERNARDO Dou o número daqui? DANILO Melhor não. Dá o meu celular. (3) CÍNTIA Celular. Deve ser casado. Liga que eu descubro. ALÍCIA Como tu vai saber se ele é casado por telefone? CÍNTIA Quer apostar? Descubro até se ele é careca. Liga. ALÍCIA Não tenho coragem. (2) Toca o celular de Danilo. DANILO É ela. Atende. BERNARDO E a minha voz? Ela vai ver que eu não sou... que eu não tenho quarenta e três. DANILO Faz voz de velho. Bernardo atende. BERNARDO (voz de velho muito velho) Alôoo.. (3) CÍNTIA (ao telefone) Alô? Poeta? (para Alícia) É um velho caquético. (ao telefone) Bom ouvir sua voz. (2) Bernardo tapa o celular e entrega para Danilo. BERNARDO Não vou conseguir, fala você! Danilo pega o telefone. Fica alguns segundos sem saber o que fazer. Fala ao telefone. DANILO Alô? (3) CÍNTIA Oi? Pensei que tinha caído. (2) DANILO Desculpe. Eu estava um pouco gripado, tapei o telefone para tossir. Não queria tossir no nosso primeiro encontro. (3) CÍNTIA Não é nosso primeiro encontro. Eu sei tudo de você. Lembra? (2) DANILO Claro. É que a gente exagera um pouco na internet. Não sou exatamente o que eu disse que era. (3) CÍNTIA Tudo bem, eu não me importo que você seja casado. Até acho um pouco excitante, sabia? (2) DANILO Casado? Não, eu não sou casado. (3) CÍNTIA Não? Que pena... (para Alícia) Não é casado. (ao telefone) Então o que foi que você mentiu? (2) DANILO Aquele verso, "A morte é uma curva da estrada...". Bem, aquilo é do Fernando Pessoa. Eu não sou poeta, não de verdade. (3) CÍNTIA Para mim, é. Eu também não contei toda a verdade. (2) DANILO Já sei. Você é casada. (3) CÍNTIA Deus me livre. Não. Eu sou completamente desimpedida, tenho um corpo perfeito e os seios (olha para os de Alícia) mais ou menos fartos... e sou herdeira de uma grande empresa. ALÍCIA (desesperada) Cíntia! (2) Danilo tapa o telefone e fala com Bernardo. DANILO Ela é rica! Que sorte! (ao telefone) Para mim isso não interessa. Melhor você saber que eu não quero seu dinheiro. Gostei de você. (3) CÍNTIA Eu também gostei de você, não me importa se você é pobre ou careca. (2) DANILO Eu não sou careca. (olha para Bernardo) Também não sou tão velho como disse que era. Só tenho esta voz de velho. Tenho vinte e seis. BERNARDO Vinte e oito! DANILO Vinte e oito! Estes dois últimos anos passaram tão rápido... (olha para Bernardo) Sou atleta, jogo futebol de salão. Mal. BERNARDO Marca um encontro! (3) ALÍCIA Quando? Onde? (2) DANILO Quando e onde? BERNARDO Tem um barzinho em Petrópolis, aconchegante... (3) CÍNTIA Eu conheço esse bar. É o máximo! Quando? ALÍCIA (soprando) Amanhã. CÍNTIA Hoje. ALÍCIA Hoje? CÍNTIA (para Alícia) Amanhã tem futebol na tv, seleção, aposto que amanhã ele ia dizer que não pode. (2) BERNARDO Hoje! Melhor, amanhã tem futebol. (3) CÍNTIA (para Alícia) Não falei?! (ao telefone) Que horas? CENA 4 - FRENTE DO PRÉDIO DE ALÍCIA - EXTERIOR / NOITE Alícia e Cíntia, já vestidas para a noite, roupas pesadas por causa do frio, descem apressadas a escadaria na frente de um prédio luxuoso, em direção a um táxi parado em frente. ALÍCIA Você chamou táxi, Cíntia? Mas eu tenho dois carros na garagem! CÍNTIA Nunca vá de carro no primeiro encontro! Se não, como é que ele vai te levar em casa depois? Ai, você não vê novela, Alícia? Entram no táxi. ALÍCIA Não, desde "Saramandaia". Por isso que eu preciso que você vá junto. Eu vou te apresentar como uma amiga. CÍNTIA Prima. Assim eu também viro herdeira. (pro motorista) Sempre em frente, moço. O táxi parte. CENA 5 - FRENTE DO BAR / PRAÇA þ EXTERIOR / NOITE Um carro estaciona na frente de um bar, junto a uma praça. Danilo, na direção, desliga o carro, tira a chave e entrega para Bernardo, nervoso, no banco ao lado. DANILO É aqui. BERNARDO E você? Como vai voltar pra casa? DANILO Eu pego um táxi. Não esqueça do Vinícius, daquela poesia da falena e da forma de chamar o garçom. BERNARDO (fazendo o gesto, compenetrado) ...sem estalar o dedo... Os dois vão saindo do carro. Danilo bate a porta. DANILO E, principalmente, Bernardo, seja você mesmo. BERNARDO (apavorado) Não, isso não vai dar certo. DANILO (sorrindo) Tchau, Bernardo. Danilo vira as costas e sai caminhando pela praça. Bernardo vai atrás dele. BERNARDO Você fica, depois eu te levo em casa. DANILO Bernardo, deixa de ser criança. BERNARDO Ela vai me pedir para dizer uma poesia. E eu não consigo decorar nem letra de axé. Você vem comigo. Só para... me apresentar. Você diz que é meu amigo. Meu colega de trabalho. Danilo olha pra ele e suspira. BERNARDO (Pensa.) Não! Me dá um cigarro. DANILO (acendendo o cigarro) Mas você disse pra ela que não fuma. BERNARDO É verdade. Toma. Bernardo entrega o cigarro aceso para Danilo que não sabe o que fazer com ele. Na frente do bar, Alícia está chegando, sozinha. BERNARDO É ela! DANILO Onde? BERNARDO A Soltinha vinte e oito. Ali! Meu deus, ela é linda! DANILO Onde? Alícia entra no bar. BERNARDO Entrou no bar. Me dá o cigarro. DANILO Como sabe que é ela? BERNARDO (fumando, nervoso) Sozinha, cara de rica, cabelo de rica... Ela vai achar que eu sou um garoto. Ela vai perceber que eu sou um duro. (atrapalhado) Danilo, você precisa me fazer um favor... DANILO O quê? BERNARDO Você entra no meu lugar... Você diz que é o Poeta... E depois, depois... Depois você me apresenta. Os dois vão chegando na entrada do bar. CENA 6 - BAR - INTERIOR / NOITE Bernardo e Danilo vêm entrando pelo bar. DANILO (sacudindo a cabeça) Eu disse que você era atleta, vinte e oito anos. BERNARDO Não, você disse que VOCÊ era atleta, vinte e oito anos. Bernardo pega uma bandeja de garçom que estava sobre uma das mesas e vai embora com ela. DANILO Bernardo, vem cá! Enquanto ele está tentando chamar Bernardo de volta, ouve uma voz às suas costas. CÍNTIA (OFF) Desculpe. Danilo se vira e vê Cíntia. CÍNTIA Você é o Poeta? (estende a mão) Claro que é. Tá na cara. DANILO Soltinha, vinte e oito? CÍNTIA ... mas pode me chamar de Cíntia. Prazer. Danilo olha para Cíntia, maravilhado. DANILO Prazer, Danilo. Muito prazer. FIM DO PRIMEIRO BLOCO CENA 7 - BAR þ INTERIOR / NOITE Danilo e Cíntia sentados à mesa do bar, de frente um pro outro, se olhando, meio sem graça. Danilo procura algo pra dizer. DANILO Eu... sei o que você tá pensando. CÍNTIA Ah, sabe? DANILO Você deve estar achando... que eu não tenho vinte e oito anos. CÍNTIA Ainda bem. Gosto de homens mais assim... que nem você, não de franguinhos. E você corre oito quilômetros por dia mesmo ou...? DANILO Sete, sete e meio. Você não parece ser uma herdeira de uma grande empresa. CÍNTIA (ofendida) Por que não? DANILO Não, é que... a gente imagina sempre que uma herdeira seja sempre feia e chata, para compensar. Mas você... é muito bonita. CÍNTIA Obrigado. DANILO Como você disse que era. Até mais. CÍNTIA Você também é uma gracinha. E aquelas poesias, hein? DANILO Não são minhas. Eu leio muito, gosto de ler... CÍNTIA Diz uma para mim. DANILO Uma poesia? CÍNTIA É. DANILO Bom... Deixa ver... (recitando) Cabelos da cor morena, teus olhos, luz do luar; quero ser uma falena, para em teus lábios pousar... CÍNTIA Que bonito. Falena é o quê? DANILO Uma borboleta. Neste momento, Alícia chega, ficando de pé ao lado de Danilo. CÍNTIA Alícia! Você por aqui... (para Danilo) Esta é a Alícia, minha manicure. Ela mora... aqui perto, eu acho. ALÍCIA É, pertinho. CÍNTIA É. Este é o Poeta, quer dizer, o Danilo. Danilo levanta-se para cumprimentá-la. DANILO Prazer. (atrapalhado) Quer sentar? Mas, antes que eles sentem, agora é Bernardo quem chega, ficando entre Cíntia e Alícia, e cumprimentando Danilo como se não o visse há algum tempo. BERNARDO Danilo! DANILO Oi! Chegou bem na hora! (para as moças) Esse é o meu grande amigo... o ... BERNARDO Bernardo. DANILO Bernardo, claro. (apresentando) Cíntia, Alícia. BERNARDO (sentando) Prazer. DANILO O Bernardo é... BERNARDO Dono da empresa onde ele trabalha. DANILO Dono da empresa onde ele trabalha. (corrigindo) Onde eu trabalho. BERNARDO O Danilo é um dos melhores funcionários de uma das minhas muitas empresas. DANILO É, o Bernardo... é um ótimo patrão. BERNARDO Patrão, empregado... Isso a gente não escolhe. Faz parte da herança. ALÍCIA É, eu sei. BERNARDO (interessado) Você também é herdeira? ALÍCIA Não. Sou manicure. (apontando Cíntia) Ela é que é herdeira. CÍNTIA Sou. Herdeiríssima. BERNARDO (para Cíntia) Dinheiro é só ilusão. (para Alícia) A verdade está na poesia. DANILO Não exagera, Bernardo. Bernardo vai dizer alguma coisa para Alícia, mas muda de idéia e recita para Cíntia. BERNARDO Cabelos da cor morena, teus olhos, luz do luar; quero ser uma... uma... CÍNTIA Falena. ALÍCIA Falena? CÍNTIA É uma borboleta. Alícia, você não tá com fome? ALÍCIA Eu não. (para Bernardo) Você é poeta mesmo? BERNARDO Nem tanto. Eu estou com fome. Hã... (para Cíntia) Quer jantar? DANILO Grande idéia! Vocês... empresários... vão jantar e nós... trabalhadores manuais... vamos nos divertir. (para Alícia) O que você gosta de fazer? ALÍCIA Como assim? DANILO Para se divertir. ALÍCIA Ah. Gosto de novela. De ler revista. De pagode, essas coisas. DANILO Pagode, é? (sorrindo amarelo) Que interessante... CENA 10 - RESTAURANTE LUXUOSO þ INTERIOR / NOITE Bernardo e Cíntia entram num restaurante elegante. Chegam até uma mesa vazia. Um garçom puxa a cadeira para Cíntia sentar. Bernardo se confunde e puxa a cadeira para outro garçom sentar. Depois se dá conta e senta. O garçom empurra a cadeira e Bernardo pula, assustado, como se tivesse sido atacado por trás. Se dá conta do que foi e senta. GARÇOM Madame deseja um kir? BERNARDO (para Cíntia) Você quer um kir? CÍNTIA (disfarçando) O que é um kir? BERNARDO Kir é um espécie de.. de... (para o garçom) Ela não quer o kir. GARÇOM E o cavalheiro? Alguma coisa do bar? BERNARDO Tem kir? GARÇOM Kir? BERNARDO Quero. O garçom deixa os cardápios e se afasta. BERNARDO (para as costas do garçom) Obrigado, Jarbas! CÍNTIA Você vem sempre aqui? BERNARDO Tá brincando? Eles até têm um prato com meu nome. CÍNTIA (examinando o cardápio) Qual? BERNARDO (examinando o seu) Este. Peixe a Belle Meunière. CÍNTIA "Belmenier" é você? BERNARDO Um apelido. CENA 11 - BOTECO þ INTERIOR / NOITE Alícia e Danilo entram em um boteco popular. Alguns casais dançam um pagode animado entre as mesas. Danilo olha em volta, contrariado. Alícia, assustada, olha em direção ao balcão. O balcão está apinhado de gente mal-encarada, de pé, bebendo. Alícia hesita por um instante. Mas em seguida toma uma decisão, respira fundo e vai em frente, conduzindo Danilo. ALÍCIA (como se conhecesse todo mundo) Oi, galera! Faz-se um silêncio enquanto todos examinam os recém-chegados. Depois recomeça a zoeira típica de boteco cheio. Alícia e Danilo não conseguem chegar até o balcão. Têm que fazer o pedido de longe. ALÍCIA (para o dono do boteco atrás do balcão) Ó, amizade! Todos ficam em silêncio de novo e se viram para eles. Alícia precisa fazer seu pedido para uma platéia atenta. ALÍCIA Ceva uma salta! (corrige-se) Salta uma ceva! E dois copos! Como o vexame já é total e todas as atenções continuam nela, ela não pára. Vai numa espécie de crescendo suicida: ALÍCIA E um peixinho frito! E dois ovos duros! E um pastel! Sem barata dentro! (tomada de pânico) E uma cachacinha pra rebatê! Há um instante de silêncio absoluto. Ninguém se mexe. Depois recomeça a zoeira e Alícia pode relaxar. ALÍCIA (para Danilo) Isto aqui é o meu chão. A expressão na cara de Danilo é de repulsa disfarçada. CENA 12 - RESTAURANTE - INTERIOR / NOITE No restaurante chique, a comida já foi servida. Bernardo e Cíntia olham para os pratos à sua frente. CÍNTIA Eu nunca sei. O certo é cortar com a faca na mão direita, depois passar a faca para a outra mão e usar o garfo com a direita, ou continuar com a faca na direita e usar o garfo com a esquerda? BERNARDO Depende. CÍNTIA Depende de quê? BERNARDO Varia de país para país. Nos países que não têm "r" no nome, tem que trocar de mão. Mas, aqui no Brasil... CÍNTIA (fingindo entender) Ah. CENA 13 - BOTECO - INTERIOR / NOITE Alícia e Danilo conseguiram chegar até o balcão. Alícia está acabando de comer o peixe frito, sob o olhar incrédulo de Danilo. ALÍCIA (para o dono do boteco) Ó amizade, tem um palito aí? O dono tira o palito de trás da orelha e entrega a Alícia. ALÍCIA (para Danilo) Você não comeu o peixe. DANILO Não, é que, muita fritura, eu realmente... ALÍCIA Então come um ovo. Danilo examina o garrafão com os ovos boiando na água. Pega um ovo. DANILO Será que eles trocam essa água? ALÍCIA Claro. Todo ano. Cara de nojo de Danilo comendo o ovo. CENA 14 - RESTAURANTE - INTERIOR / NOITE Bernardo recebe a conta do garçom, que se afasta. BERNARDO Obrigado, Jarbas. CÍNTIA Jarbas não era o outro? BERNARDO Os dois são Jarbas. São irmãos. Bernardo examina a conta e tenta disfarçar seu pavor. BERNARDO Hmmm. Certo, certo. (chamando o "jarbas") Por favor... (mostrando) Isto aqui é o... GARÇOM O vinho, senhor. BERNARDO Ah, o vinho. Pensei que mil novecentos e oitenta e dois fosse o ano... Tudo bem. Está razoável. Que cartões de crédito vocês aceitam? GARÇOM Todos, senhor. BERNARDO Todos. Justamente o que eu não tenho. (tirando do bolso o talão de cheques) Vou fazer um cheque. GARÇOM Aceitamos seu cheque com prazer, senhor. BERNARDO Não sei se o banco vai dizer o mesmo. Rá, rá. Brincadeira... Bernardo começa a preencher o cheque. CENA 15 - BOTECO - INTERIOR / NOITE Danilo está suando frio, seca a testa com a toalha da mesa. ALÍCIA Toma um licor de ovo. DANILO Nem pensar. ALÍCIA Ajuda a digestão. DANILO Prefiro a indigestão. ALÍCIA (para o dono) Ó, amizade. Vê aí a horrorosa. Silêncio. ALÍCIA A pavorosa? A vergonhosa? DANILO A dolorosa? ALÍCIA (batendo com a palma da mão no balcão) Acertou na mosca. (depois, examinando a palma) E eu também. CENA 16 - ESCRITÓRIO DA EMPRESA - INTERIOR / FIM DE TARDE De novo a paisagem invernal européia, os flocos de neve, etc. Vozes ao fundo. DANILO (OFF) Então, vamos embora? BERNARDO (OFF) É... eu acho que eu não vou. DANILO (OFF) Como é que é? BERNARDO (OFF) É, eu não vou. Tá... tá muito frio. A paisagem, como já sabemos, é um protetor de tela, num computador sobre uma mesa de trabalho. DANILO (OFF) Deixa de bobagem, Bernardo. Nós marcamos com as duas, às oito horas, na minha casa. Quer dizer, na "tua casa". Tá certo que a noite de ontem não foi lá muito animadora... O computador com o protetor de tela da neve é o único ligado no escritório, que está com poucas luzes. A última claridade do dia entra pelas janelas com persianas. Danilo e Bernardo estão de pé, ao lado da porta. BERNARDO Foi um fracasso. DANILO É... Eu estou sentindo o gosto daquele ovo até agora. BERNARDO O restaurante onde eu fui era tão caro que o cardápio tinha índice e bibliografia. DANILO Bom, mas... tudo pode melhorar. Ontem você desistiu do time dos solteiros. Agora vai desistir de casar pela Internet? BERNARDO (OFF) Não, sabe o que é, Danilo? É que... DANILO Bernardo, eu não acredito. Você marcou outro encontro? Com quem? BERNARDO (sorrindo) Enfermeira do Funk. Dezenove anos. CENA 17 - FRENTE DO PRÉDIO DE DANILO - EXTERIOR / NOITE Um táxi pára na frente de um prédio de classe média. Dentro do carro, além do motorista, estão Cíntia e Alícia. ALÍCIA Eu vou seguir, moço. Ela desce e eu volto pra casa. CÍNTIA Na-na-ni-na-não! Você que inventou essa coisa de namorar pela Internet. Não vai dar pra trás agora. ALÍCIA Mas deu tudo errado... CÍNTIA Mas pode melhorar. (pro motorista) Só um pouquinho, moço, que a gente já vai resolver isso aqui. (pra Alícia) O Danilo não deve ter dinheiro, mas você não precisa disso. E, vou te dizer: ele é um gato! ALÍCIA Mas que gato, Cíntia? Ele comeu aquele ovo cozido! Só de lembrar, me dá enxaqueca. Já o teu Bernardo pelo menos é um sujeito educado. CÍNTIA Ih! Metido a besta! Todo cheio de nove-horas... Tem razão. (pro motorista) Moço, ela fica e eu volto pra casa. CENA 18 - SALA DE DANILO þ INTERIOR / NOITE Na sala de classe média, decorada com bom gosto, Danilo está terminando de arrumar alguma coisa sobre a mesa quando ouve-se a campainha. DANILO São elas. O jantar fica pronto em quinze minutos. Bernardo levanta do sofá, fecha o livro que tem na mão. Os dois vão se dirigindo à porta. BERNARDO Não vai dar certo, Danilo. A Cíntia não vai acreditar que um empresário como eu mora nessa casa. DANILO Não tem problema. É só "um empresário como você" levá-la pra conhecer o teu jota-ká no Passo da Areia. BERNARDO Muito engraçado. DANILO Vou abrir. Disfarça. Danilo abre a porta. Alícia e Cíntia, bastante sérias, olham para Danilo e Bernardo, que começam a rir, disfarçando. BERNARDO (rindo, exagerado) Ah, ah, ah! Boa essa, hein? DANILO O Bernardo sabe umas piadas ótimas. Cíntia praticamente empurra Alícia pra cima de Danilo. CÍNTIA A Alícia também. DANILO Eu não sei contar piada. CÍNTIA Nem eu. DANILO Não consigo me lembrar do fim, conto tudo errado. CÍNTIA A Alícia não esquece uma piada. DANILO O Bernardo também não. Os quatro chegam à sala, Danilo indica os sofás. Cíntia senta ao lado de Bernardo, emburrado. Alícia senta ao lado de Danilo. CÍNTIA Sabe o que é enorme, verde e terrível, vive embaixo da terra e come pedra? DANILO Não. CÍNTIA O enorme, verde e terrível monstro subterrâneo comedor de pedra. DANILO (rindo) Muito boa. CÍNTIA Foi a Alícia que me contou. DANILO O Bernardo sabe todas aquelas piadas de elefante. CÍNTIA Tem outra: se a gente fizer um buraco no Brasil que atravesse toda a terra, jogar um cascalho dentro, onde é que ele vai cair? DANILO Não sei. BERNARDO No Japão? CÍNTIA Não, na boca do enorme, verde e terrível monstro subterrâneo comedor de pedra. DANILO (rindo muito) Ah, ah, ah! Não posso me esquecer dessa. ALÍCIA Conhece aquela do português que botou um olho mágico na geladeira para ver se a luz apagava mesmo? Ninguém ri. BERNARDO Qual? ALíCIA É... só isso. O cara botou um olho mágico na geladeira. Para ver se a luz apagava quando a porta fecha. Ele era português, entende? DANILO (pegando uma garrafa de vinho) Ah, entendi. CÍNTIA Muito boa essa. BERNARDO (levantando-se) Com licença. Eu preciso ir no escritório, já volto. Bernardo, impulsivamente, sai da sala. Cíntia acompanha-o com o olhar, contrariada. Danilo terminou de abrir a garrafa de vinho e está com ela na mão. CÍNTIA Metido esse teu amigo, hein? DANILO Não, imagina! Ele é uma pessoa muito sensível. É que os empresários... bom, você sabe melhor que eu. CÍNTIA Sei. DANILO Cíntia, você não quer... conhecer o escritório do Bernardo? CÍNTIA Não. Quero vinho. DANILO Claro. (oferecendo o vinho) Alícia? ALÍCIA Eu quero. Alícia se levanta e sai da sala, pelo mesmo lado por onde saiu Bernardo. CENA 19 - ESCRITÓRIO DE DANILO þ INTERIOR / NOITE Bernardo está sentado em frente a um computador, digitando alguma coisa, apressado. O escritório não é muito grande, com livros por todas as paredes, a mesa com o computador, um velho sofá e uma poltrona grande. De repente, a porta do escritório se abre. Bernardo leva um susto e põe-se de pé. ALÍCIA (olhando em volta) Você tem muitos livros aqui. BERNARDO (atrapalhado) É... Os computadores e a internet vão acabar com os livros. ALÍCIA Será? Não consigo pensar em ir para a cama com um bom computador. BERNARDO (precipitado) E comigo? ALÍCIA Como? BERNARDO (disfarçando) Comigo... é a mesma coisa. Não tem nada melhor que um bom livro. Tá frio aqui, não é? ALÍCIA É. A Cíntia está esperando por você, lá na sala. BERNARDO É, eu já vou. (olhando pra ela) Daqui a pouco. CENAS 18/19 - SALA / ESCRITÓRIO DE DANILO - INTERIOR / NOITE (18) Cíntia toma um gole de vinho e termina o seu cálice. Ergue-o em direção a Danilo, pedindo mais. Danilo aproxima-se para servir. DANILO Achei que vocês iam se dar bem. CÍNTIA Quem? DANILO Você e o Bernardo. Têm tudo a ver. Gostam de poesia. São... herdeiros. CÍNTIA Pois é. (toma outro gole) Mas também é bom variar um pouco. DANILO Como assim? CÍNTIA Namoro, ora! Amigo a gente acaba escolhendo porque é parecido. Mas namorado... pode ser bem diferente. Danilo fica um tempo olhando pra Cíntia, extasiado. DANILO Mas amizade também é importante. CÍNTIA Claro. Amigo para mim é sagrado. DANILO Tem gente que quando se apaixona esquece os amigos. CÍNTIA Acho horrível isso. DANILO Eu seria incapaz de trair uma amizade por causa de uma paixão. CÍNTIA Eu também. Completamente incapaz. De repente, sem que se possa dizer quem tomou a iniciativa, Cíntia e Danilo se beijam, se agarram. (19) No escritório, Alícia e Bernardo estão se beijando, se agarrando. Mas em seguida separam-se. ALÍCIA Eu preciso te contar uma coisa. BERNARDO Eu também. ALÍCIA Eu marquei um encontro na internet. BERNARDO Eu sei. Eu marquei dois. ALÍCIA Para encontrar com outra pessoa. BERNARDO Eu também. ALÍCIA Essa outra pessoa era o Danilo. BERNARDO Eu também! ALÍCIA Como? BERNARDO Quero dizer, a minha outra pessoa é a Cíntia. Era a Cíntia. ALÍCIA A Cíntia? BERNARDO É. Eu marquei com a Soltinha vinte e oito. Naquele bar. ALÍCIA A Soltinha vinte e oito sou eu. Você é o Poeta? BERNARDO Sou! Quero dizer, eu não sou poeta. Poeta mesmo é o Danilo. ALÍCIA Nem eu sou soltinha. Por isso pedi para Cíntia ir no meu lugar. (18) CÍNTIA E eu fui. DANILO O Bernardo pediu pra eu ir, eu fui. O que a gente não faz pelos amigos? CÍNTIA E pelas amigas... DANILO Na verdade, eu não sou atleta. CÍNTIA Eu também não sou herdeira. Não que eu saiba. DANILO E este apartamento não é do Bernardo. (19) BERNARDO É do Danilo. O meu é um jota-ká no Passo da Areia. E não tá pago. ALÍCIA Eu pago. Te compro um novo. Te levo pra morar comigo. Bernardo e Alícia voltam a se beijar. Depois se separam de novo. BERNARDO Será que a gente conta pra eles? ALÍCIA Não! A Cíntia vai ficar chateada. (18) CÍNTIA Hoje não! A Alícia vai ficar arrasada. DANILO Talvez ela e o Bernardo se entendam. Afinal, foram eles que se encontraram na internet. CÍNTIA Não. Ela não gostou dele, desde o princípio. Essa eu conheço, é complicada... DANILO Mas então por que eles tão há tanto tempo no escritório? (19) ALÍCIA O que você vai dizer? BERNARDO A verdade. Que eu acho ela uma pessoa muito bacana... ALÍCIA Não, isso é horrível! Diga que ela é linda. BERNARDO Certo. Ela é uma pessoa genial, fantástica, linda e muito sensível, mas... ALÍCIA Ela vai ficar arrasada. Neste momento, Cíntia e Danilo entram no escritório. Alícia e Bernardo se afastam, tentando disfarçar. ALÍCIA Cíntia, a gente estava falando de você. O Bernardo estava justamente dizendo que... BERNARDO ... que você é uma pessoa fantástica, incrível, extraordinária, hã... ALÍCIA (soprando) Linda. BERNARDO Linda, claro. Mas Cíntia está sorrindo, olhando pros rostos de Bernardo e Alícia e percebendo tudo. CÍNTIA Já sei. Então quer dizer que vocês...? ALÍCIA (protestando) Nós? DANILO (pra Cíntia) Eles? Também? BERNARDO Como, "também"? Então vocês...? CÍNTIA Também. DANILO E vocês já sabem? ALÍCIA Sabemos. BERNARDO E quando vocês... souberam? CÍNTIA Acabamos de saber. BERNARDO Tou sabendo. Alícia beija Bernardo. Cíntia beija Danilo. Os dois casais se beijam e se agarram, no escritório. Sobe a música e, com ela, começam a subir os créditos. Até que Cíntia se afasta, interrompendo. CÍNTIA Mas tem uma coisa que eu quero saber. Antes do jantar. Os outros olham pra ela, na expectativa. CÍNTIA (para Bernardo) Você descobriu o que é kir? ALÍCIA Kir? É um coquetel com licor de cassis e vinho branco. DANILO E tem o kir royal. (abre o champanhe) Com champanhe. BERNARDO Desculpe, mas o que é licor de cassis? DANILO Licor de origem francesa, feito de uma pequena fruta silvestre, muito apreciado na região de Dijon. CÍNTIA Este homem é praticamente uma Barsa. Pois eu não faço questão nenhuma do licor de cassis. Os dois casais voltam a se beijar, a música a subir, os créditos também. Até que Alícia interrompe. Pergunta para Bernardo, em voz baixa. ALÍCIA Você não tinha mais alguma coisa pra me contar? BERNARDO Eu? ALÍCIA Você não disse que tinha marcado dois encontros na Internet? Qual foi o outro? BERNARDO Ah, uma bobagem. Você não precisa levar a sério tudo o que eu digo. E, mais uma vez, voltam a se beijar apaixonadamente. Ao fundo, Cíntia e Bernardo nem chegaram a interromper o seu idílio. Ao lado deles, o computador permanece ligado, na sala de bate-papo. Na tela, em letras enormes, a frase: ENFERMEIRA DO FUNK SAIU DA SALA. PRA SEMPRE. Em seguida, entra o protetor de tela, com a mesma imagem lá do início. E, por cima dele, agora sim, os créditos finais. FIM ******************************************************************* (c) Jorge Furtado, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, 2001 Casa de Cinema de Porto Alegre http://www.casacinepoa.com.br