SANEAMENTO BÁSICO, O FILME 

Coletiva de imprensa


COLETIVA DE IMPRENSA
SANEAMENTO BÁSICO, O FILME

Em coletiva realizada no dia 05 de agosto no hotel Dall'Onder em Bento Gonçalves, o diretor Jorge Furtado e boa parte do elenco de Saneamento Básico, O Filme falaram para uma platéia de jornalistas de veículos da Serra Gaúcha e da Capital. Com previsão de lançamento para o primeiro semestre de 2007, o filme tem prêmios da Petrobras, do BNDES e investimento da Columbia.

Confira abaixo o conteúdo na íntegra da entrevista.

Marcus Mello / Revista Aplauso: Jorge, tudo indica que esse é o teu filme mais pessoal. Pela tua experiência em campanhas políticas, diante de toda a crise ética, foi realmente um ano difícil. Gostaria de saber até que ponto isso interferiu na criação do roteiro desse filme e se definitivamente é o teu projeto mais pessoal?

Jorge Furtado: Acho que não é o meu projeto mais pessoal. Todo filme nasce de uma ansiedade de compartilhar coisas que te agradam ou desagradam. Nesse sentido todos são pessoais. Esse filme é muito diferente dos outros, uma diferença que eu realmente me impus. Eu fiz três filmes narrados por um personagem protagonista masculino que tinha como objetivo conquistar a mulher amada, talvez seguindo um impulso de escritor, saía escrevendo na primeira pessoa. Quando percebi, era quase uma trilogia. A partir daí busquei fazer um filme que não tenha protagonista principal e sim vários protagonistas e sem locuções off. Escrevi na parede: sem off. Comecei a estudar a Commedia Del´arte, fiquei muito tempo encanado com Shakespeare, onde os personagens têm sempre uma vida interior muito rica, e busquei algo que veio antes de Shakespeare, o teatro contado pelos seus múltiplos possíveis arquétipos na Commedia Del'arte. O teatro sobreviveu alguns séculos contando todas as histórias com oito ou dez personagens.

Certo dia eu estava no Festival de Santa Maria e foi lançado um concurso de produção de vídeo para cidades de até 20 mil habitantes. O pessoal de Santa Maria, loucos para fazer cinema, falaram que se mudariam para Faxinal de Soturno, pois Santa Maria tem quase 200 mil habitantes. Essa questão me pareceu interessante: uma cidadezinha mínima que tem dinheiro para fazer um vídeo. Comecei a escrever essa história já faz três anos, certamente muito antes dos recentes acontecimentos políticos, que infelizmente não tem nada de recentes. A história de mau uso e desvio do dinheiro público no Brasil é muito antiga.

Escrevi essa história especialmente para esses atores. Me agendei muito cedo para conseguir juntar esse grupo de atores. Para vocês terem uma idéia, essa é a primeira vez que estamos todos juntos. Nesse sentido é o meu filme menos pessoal, porque é um filme mais coletivo. O meu primeiro filme, o Anchietanos (1997), era uma história muito política, sobre política. Nesse, a política é um dos assuntos. Cada um dos personagens tem um objetivo diferente no final, e todos lutam por seus ideais. É uma rede dos desejos de cada um.

Naira Hofmeister / Jornal Já: Tenho a impressão que todos os teus filmes, com exceção do primeiro, tinham, além de uma abordagem um pouco política, uma temática mais ingênua. É uma escolha bater na questão política de forma mais direta?

Jorge Furtado: Eu acredito muito em uma frase do Borges, que eu me permito citar: "o autor não deve interferir excessivamente em sua própria obra". Parece ser uma coisa estranha, mas é a doutrina clássica. Borges diz: "os hebreus chamaram a isso de alma, e a nossa moderna psicologia, que não sofre de excessiva beleza, de inconsciente coletivo". Então eu não sei sinceramente por que comecei a escrever essa história, quando eu começo e acredito na história eu continuo, mas às vezes acho algumas coisas muito estranhas. Depois, nas leituras e nos ensaios, algumas coisas mudam, mas no primeiro impulso eu tento não julgar moralmente os personagens, não me policiar muito.

A política sempre foi uma preocupação minha. Eu acho que o filme não pode ter uma tese, precisa-se de muitas idéias para fazer um filme, muitas camadas. Mas se esse filme pode ser resumido em uma tese, é um pouco o conflito, o paradoxo entre o registrar e o fazer. A arte, o registro, ou a transformação real? Fazer cinema ou o construir uma fossa? Um país onde metade da população não tem saneamento básico têm direito de produzir literatura, cinema, outras formas de arte? A tese do filme é que sim. Os personagens partem de uma necessidade básica que é o saneamento e são seduzidos pela beleza. O filme tem uma frase do Dostoievski: "a beleza salvará o mundo". Eu acho que a poesia está muito acima da política e o Brasil sempre teve péssimos políticos e sempre teve grandes artistas. Mesmo nos piores momentos. No filme eles têm que escolher entre comprar tijolos ou uma música da Billie Holiday. Eu compraria a música da Billie Holiday, acho a música mais importante que tijolos. Alguns personagens acham que não, outros acham que sim. Essa é a riqueza de uma dramaturgia múltipla, os personagens discordam de muitas coisas, brigam. O filme não responde, ele pergunta. Esse é o sentido dele.

Mauren Motta / Zeppellin: Cada um de vocês pode falar sobre o seu personagem?

Fernanda Torres: Meu personagem é a Marina. Ela é a mais concreta. Ela quer tapar a fossa, pois tem um problema de micose na família. Não sabe se é porque o marido pulou a cerca ou em função do esgoto. Esse é o grande problema dela. Dizem que ela tem que fazer um filme para tapar a fossa e a partir daí ela vai ficando responsável por tirar o dinheiro da fossa e colocar no filme. É um personagem maravilhoso. Também fiquei bastante emocionada esses dias. É a experiência desse elenco que o Jorge disse que tirou da Commedia Del´arte. Os meus pais se debruçaram a vida inteira na Commedia Del´arte e eu achava que nunca faria. Na verdade, não sabia por onde fazer. A Commedia Del´arte te permite ter personagens de todas as idades, um elenco riquíssimo, Paulo, Tonico, e todos os outros. Minha mãe estava grávida de mim fazendo Commedia Del´arte e isso me emociona.

Bruno Garcia: Eu faço o Fabrício, um sujeito que tem uma pousada, a única pousada da cidade. Ele namora a Silene, que é a personagem da Camila, e na verdade não está muito interessado na fossa. Ele quer ser prefeito e acha que pode seguir uma carreira política. Ele tem uma câmera. É o cara que tem um equipamento e torna possível fazer o filme. A namorada pede emprestada a câmera e ele fala não em um primeiro momento. Na verdade, ele concorda em fazer a filmagem só para proteger seu equipamento. Mas como os outros, também é seduzido pela situação. Ele é chamado para atuar e concorda, mesmo sendo péssimo ator. Ele acredita que aquilo pode gerar visibilidade para carreira política.

É sempre muito gostoso trabalhar com a Casa de Cinema. É uma maravilha trabalhar com o Jorge e com a Nora. O elenco é sensacional e as mesas de leituras são deliciosas. Não é a toa que o Jorge se inspirou na Commedia Del´arte, pois muitas vezes a gente se vê como um ator de teatro, os arquétipos nos levam a isso, nossa estrada nos proporciona esse tipo de companheirismo e essa entrega para o trabalho e é emocionante dar vida a essas pessoas porque elas são muito interessantes, puras. Mesmo com os problemas, defeitos e diferentes aspirações são humanos. Por isso são deliciosos.

Tonico Pereira: Eu faço o Antônio. Estou tendo um prazer imenso de trabalhar com o Paulo José, pois ele me marcou muito ao longo de sua carreira. É um grande ator, um trabalhador de arte que sempre me incentivou. Estou muito feliz de trabalhar com Jorge, Paulo e todo o elenco.

Paulo José: O personagem que eu faço é o Otaviano, um velho desiludido que foi prefeito. É um velho veneziano de uma família nobre e decadente. Teve educação, ouve ópera, lê muito, mas não tem dinheiro e está descendo na escala social. Ele se dedica ao trabalho, é viúvo e tem duas filhas. Sobre o filme, considero que na cidade do Jorge política é muito presente. Saneamento básico é fundamental e não existe a preocupação por parte dos governos. É uma obra que não se enxerga, você realiza e depois tapa. Fica embaixo da terra, não dá ibope. Diferente de um sambódromo, que pode consagrar um político. Temos problemas muito sérios de saúde pública em nosso país que devem ser resolvidos.

Camila Pitanga: Sempre me emociono ouvindo o Paulo José falar. É um presente ter ele com a gente no elenco porque ele inspira coisas belas. Me emociono também de estar com esse grupo, um orgulho fazer parte desse time que eu admiro de verdade. Cada um pelo seu trabalho e pela pessoa que é. Acredito que todo trabalho é coletivo, você dá e recebe. O tom da interpretação nasce através da presença de cada um do grupo. As cenas coletivas me ajudaram a encontrar o tom cômico que o filme tem, não é uma comédia rasgada, é muitas vezes áspera. Ao contrário da irmã Marina que é idealista e empreendedora, a Silene, meu personagem, é também empreendedora, mas para ela mesma. Ele pensa apenas no sucesso dela. A Silene é aquele turbilhão que quer sair dali. Ela não está preocupada em cuidar daquela cidade nem da fossa. Ela enxerga a possibilidade de fazer o filme como um impulso para ir mais longe, éuma sonhadora. Gosta de ler revistas, ver novela, e se projeta no mundo das celebridades. É um personagem delicioso. Todos são muito bobos e rabugentos, apesar dos momentos afetivos. Silene é uma alienígena naquela cidade. Ela também se veste diferente, mas na verdade, tem uma ousadia ingênua. Durante o filme ela percebe que tem um talento. Até então trabalhava na movelaria, provavelmente na contabilidade e não tinha muitos horizontes. Trabalhava com o pai e a irmã e vivia uma vidinha tranqüila. O sonho se materializa, podendo ser uma coisa palpável. Ela se apaixona pelo que está fazendo e leva muito a sério. Tem o ridículo e o patético de ela acreditar no que não sabe e uma grande bossa vai ser ver esses patetas acreditando que estão fazendo o filme. A gente se diverte muito nos bastidores também. O filme é bacana porque ele não debocha dessas pessoas. É bom rir da gente mesmo. Ao mesmo tempo em que o filme tem um tom crítico, uma dimensão política e pertinente ao que a gente ta vivendo, é divertidíssimo, uma linda comédia. Atinge todas as idades, não se fecha somente a reflexão intelectual, que é importante de fazer.

Paulo José: Esqueci de falar que esse elenco é maravilhoso. São muito bons mesmo, os melhores atores da sua geração. É muito fácil trabalhar com eles, são espontâneos e o Jorge sabe conduzir.

Janaína Kramer: Minha personagem é a Marcela. Ela é a primeira secretária da sub-prefeitura. Ela é mais ou menos a dona da cidade. Os prefeitos vão trocando e a Marcela permanece porque ela é concursada. Ela faz questão que isso fique sempre muito claro. Uma característica da personagem é que ela tem horror de devolver dinheiro para Brasília. Ela sabe todos os trâmites para o devido uso do dinheiro público, consequentemente para realização do filme. Seu pânico é ter que devolver os 10 mil reais destinados ao filme. Quando chega o casal Marina e Joaquim querendo resolver o problema da fossa, ela fala da verba do vídeo e acaba abraçando a idéia junto com o casal. Ao longo da história, alguns momentos se justificam para ela pelo bem da comunidade. Também estou muito feliz de fazer esse trabalho, como sempre fico com Nora e Jorge, além de todo elenco. É um orgulho, grande prazer.

Wagner Moura: Eu faço o Joaquim. Uma boa definição para ele é ser o marido da Marina. O que eu acho bonito no filme é que são vidas transformadas pela arte. Todos os personagens, de uma maneira ou outra, mudam depois do contato com o filme que eles querem fazer. O que ele quer é viver em paz com a mulher, apesar de começar o filme as turras em função do problema da micose. Ele entra na história do filme para ajudar sua mulher a concretizar o projeto. Ele termina se mostrando um homem necessário, que quer ter filhos, viver em paz e concretizar sonhos.

Jorge Furtado: Na segunda semana o Wagner me perguntou se o filme estava saindo com eu tinha imaginado. Felizmente não. Para isso teria feito um livro. Num filme, cada um inventa um pouco.

Lázaro Ramos: Vou me atrever a falar uma coisa. Você, Jorge, falou que esse filme era sobre o que não era dito. Eu acho que quando eu entro no filme, é justamente o personagem que diz. Pela primeira vez, ou mais claramente, ele diz para as pessoas que o que elas estão fazendo é uma coisa boa. Diz para Silene que ela é uma estrela, diz para o Joaquim que ele pode ser o monstro. Eu acho que ele representa aquele que acredita. É um cara dono de uma produtora na cidade vizinha. Acho que a experiência dele tinha sido somente com casamentos e batizados, coisas pequenas. Levava sua vidinha, sempre com desejo de fazer cinema. Tem uma frase incrível dele no final, quando eles realizam o filme. "Esse filme é para provar que um cidadão pode ser artista e para exercitar sua arte não precisa ir para Porto Alegre". Ele crê que pode fazer lá e se apaixona pelo projeto. Para ele a fossa não é tão importante quanto contar a história através do filme.

Marcus Mello / Revista Aplauso: O filme parece ser bastante ácido. Vai ser possível passar no cineminha do Lula caso ele continue presidente?

Fernanda Torres: Não é anti-Lula. Não é o PT, o Lula. É muito maior. Tem um livro, A História da Vida Íntima, onde um dos capítulos é sobre o amor. O livro fala que o amor é última revolução que resta fazer, porque a crença na política acabou e também na religião. Eu acho que o filme também é sobre o amor. Sobre o amor a arte.

Marcus Mello / Revista Aplauso: Jorge, sobre a tua afirmação que esse filme não tem off e também pelo fato de você estar trabalhando com outro diretor de fotografia, esse filme vai ser visualmente muito diferente dos outros? Como está sendo a concepção de imagem do filme?

Jorge Furtado: Trabalhar com o Jacob Solitrenick está sendo um prazer incrível. Só o conhecia de outros filmes. Assisti recentemente o Antônia, um belo filme da Tata Amaral com direção de fotografia dele. Além de ser uma figura ótima, é um excelente fotógrafo, muito ágil, um grande câmera. Esse filme é diferente dos outros. É muito mais solto, feito quase todo em 16mm, apenas os planos mais abertos em 35mm, todo em locação. Foi também uma opção, eu disse que não queria fazer em estúdio, afinal a locação é um personagem, para qualquer lado que você olha tem um quadro que não imaginou. Os atores são muito mais livres para andar e a gente vai atrás. E esse cenário é muito bonito, muito interessante, muito diferente. A gente está na serra, com vinhedos secos (não está na época de florescer), cenas de estradas incríveis. Estou adorando trabalhar com o Jacob, estou vendo o material produzido e algumas coisas já montadas. O formato do filme está ficando muito bonito.

A trilha também é muito boa. Com exceção da Billie Holliday e uma música do Zé Flávio, o resto é só músicas italianas de várias épocas, dos anos 60 até agora. Eu gostaria de ressaltar também o trabalho de vários outros atores, que fazem importantes participações no filme. O Sérgio Lulkin que faz o prefeito, a Irene Brietzke, que faz uma pedagoga em uma cena chave do filme. A Sandra Possani, Marcelo Aquino, Felipe de Paula, Margarida Peixoto, Milene Zardo. Tem ainda as participações especiais de Zeu Brito e Lúcio Mauro Filho.

Camila Pitanga: Sobre a fotografia, eu nunca pensei que uma mulher de paetê vermelho, com um monstro, no meio da mata poderia virar uma imagem linda. As folhas secas no chão. Ficou especialmente lindo. Situação improvável de ficar lindo, ficou.

Paulo José: A contribuição do Fiapo e da Rô são definitivas. Uma cenografia invisível. Dá a impressão de ter encontrado tudo naturalmente.

Jorge Furtado: Várias pessoas perguntaram onde vocês encontraram essa movelaria? Isso não é uma movelaria.

Lázaro Ramos: O cenário tem a cara que tem que ter. Não tem sobra. Está muito bem materializado.

Fernanda Torres: E a Rô. Ela é uma figurinista maravilhosa. Figurino interfere muito com o ator. Ela te veste e fica perfeito.

Tonico Pereira: Além do humor maravilhoso ela tem a humildade da camareira.

Paulo José: Ela é aristocrata e cantora. Canta belissimamente bem.

Fernanda Torres: E é casada com Fiapo.



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