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Pedro Cardoso e a nudez

"Mentir é o ato mais distante possível da arte de representar".
Pedro Cardoso

Texto do Pedro Cardoso, originalmente publicado em Todo mundo tem problemas sexuais

Esse é o texto que eu li na primeira exibição do filme "Todo mundo tem problemas sexuais" no cinema Odeon no dia 08 de outubro de 2008.

Ah, eu sou o Pedro Cardoso. Espero que ele ajude a todos nós.Pedro Cardoso

Senhoras e senhores, nesta primeira exibição pública de "Todo Mundo Têm Problemas Sexuais", eu gostaria de, na qualidade de ator e produtor do filme, compartilhar com vocês algumas preocupações a respeito da pornografia que percebo presente na quase totalidade da produção audiovisual mundial, e na brasileira especialmente; e como esta invasão está aviltando a profissão de ator e de atriz; e gostaria de situar o filme no contexto desta questão.

A meu ver, as empresas que exploram a comunicação em massa (e as que dela fazem uso para divulgar seus produtos) apossaram-se de uma certa liberdade de costumes, obtida por parte da população nos anos 60 e 70, e fazem hoje um uso pervertido dessa liberdade.

Uma maior naturalidade quanto à nudez, que, naquela época, fora uma conquista contra os excessos da repressão à vida sexual de então, tornou-se agora, na mão dessas empresas, apenas um modo de atrair público. Com a conivência de escritores e diretores (alguns deles, em algum momento, verdadeiros artistas; outros, nunca!) temos visto cenas de nudez, ou semi-nudez, ou roupas sensuais, ou diálogos maliciosos, ou beijos intermináveis, em quase todos os minutos da programação das televisões e nos filmes para cinema, sem falar na publicidade. A constância com que essas cenas aparecem tem colocado em permanente exposição a nudez dos atores, especialmente das mulheres; é sobre as atrizes que a opressão da pornografia é exercida com maior violência, uma vez que ela atende, na imensa maioria das vezes, a um anseio sexual do homem. É raro o convite de trabalho, seja filme ou novela ou programa de humor, que não inclua cenas desse tipo para o elenco feminino.

No filme que assistiremos em breve, apesar do nome que tem, não há cenas de nudez. Embora o drama de todas as histórias aconteça nas imediações de atos sexuais, este filme não tem cenas de nudez. Esta foi uma sugestão minha que foi muito bem recebida pelo diretor, Domingos Oliveira, e por ele endossada. A minha tese é de que a nudez impede a comédia, e mesmo o próprio ato de representar. Quando estou nu sou sempre eu a estar nu, e nunca o personagem. Quando vemos alguém nu vemos sempre a pessoa que está nua. O personagem é justamente algo que o ator veste. Ao despir-se do figurino, o ator despe-se também do personagem, e resta ele mesmo, apenas ele e sua nudez pessoal e intransferível. Diante da irredutível realidade da nudez de seu corpo, o ator não consegue produzir a ilusão do personagem. O ator ou atriz que for representar um personagem que estiver nu, terá que vestir um figurino de nu (seja lá o que isto queira dizer!).

Fiz algumas poucas cenas de nudez muito parcial e eu me senti sempre muito mal, porque, despido, devia representar ainda, embora já sem personagem nenhum. Este absurdo causa grande desconforto ao ator ou a atriz porque nos obriga a mentir, e mentir é o ato mais distante possível da arte de representar.

Neste filme de hoje a vida íntima dos personagem é o ambiente onde seus dramas acontecem, apenas isso. Não há intenção de provocar excitação sexual, como há na pornografia. Acredito que a dramaturgia, que é arte de contar histórias, busca oferecer ao público um pensamento, e não uma sensação. Esta pertence a vida. É na vida que sentimos frio e fome; na arte, falamos do frio e da fome, se possível com alguma inspiração. A apresentação da nudez busca produzir uma sensação erótica, e não sugerir um pensamento sobre o erotismo. Neste filme, os atores estão vestidos para que os personagens possam estar desnudos. O estímulo ao anseio sexual está esquecido para que o pensamento possa ser provocado.

Fazer o filme assim é uma decisão política para mim. A pornografia está tão dissimulada em nossa cultura, que já não a reconhecemos como tal. Hoje, qualquer diretor ou autor de novela ou programa de televisão (medíocre ou não, mas medíocre também!), ou qualquer cineasta de primeiro filme, se acha no direito de determinar que uma atriz deve ficar pelada em tal cena, ou sumariamente vestida (já vem escrito no texto!), ou levando um malho, ou beijando calorosamente durante dez minutos um ator que ela acabou de conhecer (e já aconteceu de ser apresentado um prostituto para fazer uma cena de beijo com uma colega nossa). E, depois, é freqüente que esses cineastas de primeiro filme exibam para seus amigos, em sessões privê, as cenas ousadas que conseguiram arrancar de determinada atriz. (E quanto mais séria e profissional for a colega, maior terá sido o feito de tal cineasta de merda.)

E quando hesitamos diante de um diretor que nos pede a nudez, ele fica bravo, faz má-criação, como uma criança mimada, porque se considera no direito a ela. E, se a atriz for jovem, é bem capaz que ainda ouça uns desaforos.

Até quando nós, atores, ficaremos atendendo ao voyeurismo e à disfunção sexual de diretores e roteiristas que, instigados pelos apelos do mercado ou por si mesmos, nos impingem estas cenas macabras? Até quando nós, atores e sobretudo as atrizes, serão constrangidas a ficarem nuas em estúdios ou praias onde homens em profusão se aglomeram para dar uma olhadinha? Ou, pior: quando dissimulam o seu apetite sexual num respeito cerimonioso; respeito esse que é pura tática para não espantar a presa, a oferenda que vai ser imolada no altar do tesão alheio dos impotentes!

Um diretor não deveria pedir a uma atriz que faça algo que ele não pediria a uma filha sua. Assim como um homem não deve fazer a uma mulher algo que ele não quer que seja feito a uma filha sua. Eu não conheço outra dignidade além dessa.

Se essa gente quer nudez, que fiquem nus eles mesmos, e então conhecerão o uso pornográfico de suas próprias imagens e saberão onde dói! Além do que, seria uma doce vingança para nós conhecer a nudez dessas belíssimas pessoas, geralmente fora do peso!

Quem quer a nudez do outro é porque tem problemas com a sua própria.

Eu ambiciono o dia em que os atores e as atrizes saibam que podem e devem dizer "não" a cenas onde não se sintam confortáveis. O dia em que saibamos que não temos obrigação de tirar a roupa, que esta não é uma exigência do ofício de ator e sim da indústria pornográfica. O dia em que não nos deixaremos convencer por patéticos argumentos do tipo: "é fundamental para a história", "a luz vai ser linda", "você vai estar protegida", "é só de lado", "a gente vai negociar tudo", "se você não gostar, depois eu tiro na edição" e o pior argumento de todos, "vai ser de bom gosto". E a conclusão de sempre "confie em mim". E há também um argumento criminoso: "O programa é popular. Tem que ter calcinha e sutiã." Como se a gente brasileira fosse assim medíocre.

Claro que somos imperfeitos, pornografia talvez sempre haverá. Mas que ela não seja dominante e absoluta. E, principalmente, que ela não seja irreconhecível, disfarçada de obra dramatúrgica, de entretenimento inocente. Isto é uma perversão de conseqüências trágicas porque rouba à arte o seu lugar. E a arte, mesmo quando seja entretenimento inocente, é fundamental para a nossa saúde coletiva. E se a pornografia também o for, que ela o seja, mas como pornografia, e não querendo se passar pela nossa vida de todo dia, no ar na novela das sete, ou mesmo das seis, como se aquelas situações fossem a coisa mais normal do mundo. Criam-se cenas de estupro, de banho, de exibicionismo, de adultério, ambientadas em boates, prostíbulos, etc, tudo apenas para proporcionar cenas de nudez.

A quem diga que a nudez destas cenas é fundamental para a história, eu sugiro que assista a pelo menos dois filmes de François Truffaut, "Le Dernier Métro" e "La Femme à Coté", e aprendam alguma coisa sobre a narrativa da intimidade de personagens sem haver exposição da intimidade dos atores.

Um bom ator pode surgir em qualquer lugar, na escola, na rua ou mesmo no deserto hipócrita de um reality show. O fundamental aqui é fazer uma distinção, não quanto ao caráter de cada pessoa individualmente, mas quanto à natureza de cada coisa. O que é pornografia é pornografia, o que é arte é arte. Que os pornógrafos sejam os pornógrafos, e que os atores e atrizes sejam os atores e as atrizes. Hoje está tudo confuso e sendo tomado pelo mesmo. E nós, atores, que deveríamos estar servindo à dramaturgia de uma história, temos sido, constantemente, o veículo da pornografia, com maior ou menor consciência do que estamos fazendo.

Mas é bom lembrar que nunca é o ator que escreve para si mesmo a cena em que ele ficará nu. Nunca é uma escolha do ator. É sempre a escolha de um roterista e de um diretor e, certamente, do produtor.

Eu ambiciono o dia em que nós não teremos medo do YouTube ou das Sessões Nostalgia dos canais Brasil da vida, com suas retrospectivas do nosso cinema; o dia em que não teremos medo de os nossos filhos terem que responder perguntas constrangedoras a colegas na escola. Não é necessário ser assim. Os filhos de grandes atrizes, de um passado ainda muito recente, não passaram por esse constrangimento. Não há por que nós aceitarmos tamanho aviltamento. Saibamos dizer "não"! Nada acontecerá.

Claro que tudo isso nos é vendido como algo inofensivo, apenas uma crônica dos costumes do nosso tempo. Mas esse é o grande álibi para a disseminação da pornografia através do nosso trabalho. Há muito tempo estamos passando por esse constrangimento e fingimos que não. Temos mil desculpas esfarrapadas para nos enganar. Mas a verdade é que temos medo de ficar sem emprego. A pornografia é uma mercadoria muito fácil de vender, mas eu acredito que o público, por fim, a rejeita e se sente desrespeitado. Eu escrevi para televisão brasileira, em companhia de outros colegas, e para o teatro, obras que não tinham pornografia e que fizeram sucesso. Participo há oito anos de "A Grande Família", onde, se alguma pornografia houver, é muito pouca. Digo "se alguma houver" porque a pornografia tem tantos disfarces que nenhum de nós está livre de todo; então, faço eu mesmo a ressalva.

Onde há pornografia, não há liberdade. Há alguém ganhando dinheiro e alguém sofrendo para produzir o dinheiro que este outro está ganhando. Quem se vê submetido a cena pornográfica sempre sofre, mesmo apesar de seus possíveis comprometimentos subjetivos a tal submissão. O comprometimento eventual de alguns de nós não legitima o ato agressivo de quem propõe a pornografia.

A quem se afobe em me acusar de exagerado, eu só peço que assista aos filmes recentes e à televisão. Está tudo lá. É só ter liberdade para ver.

A quem se afobe em me acusar de moralista, peço antes que procure conhecer o meu trabalho em teatro e que assista ao filme desta noite. Nele, assim como algumas vezes no teatro, tratei, junto com meus colegas, de assuntos bem distantes da uma moralidade puritana. Quem for me acusar, tente primeiro perceber a diferença entre a liberdade para tratar de qualquer assunto e a intenção de usar qualquer assunto para difundir pornografia usando a liberdade de costumes para disfarçá-la de obra dramatúrgica.

Para que não digam que eu sou contra a nudez em si, dedico este texto à atriz Clarisse Niskier, que faz de sua nudez em "A Alma Imoral" um excelente instrumento para a narrativa do seu espetáculo e não um ato pornográfico. Na televisão não há cena de nudez que eu me lembre de ter considerado justificada, mas no cinema há pelo menos uma: Leila Diniz vestindo a nudez de sua personagem no filme "Todas as Mulheres do Mundo", enquanto o personagem de Paulo José diz um belíssimo poema de Domingos Oliveira.

E para que não digam que estou assim transtornado com este assunto porque agora estou namorando uma atriz, digo "logo eu!" De fato, nos dói mais a dor que dói em nós mesmos. Mas saibam que estas idéias, incômodos e preocupações já nos ocupavam, tanto a mim quanto a ela, muito antes do nosso encontro. Agora, ver a mulher que eu amo ter que diariamente se defender no trabalho contra a pornografia reinante tornou este assunto a primeira ordem do meu dia. Se antes era apenas por responsabilidade profissional que eu me opunha à pornografia, agora é também por amor. Se alguém conhecer um motivo melhor do que este para lutar por uma causa, me diga, porque eu não conheço. E ainda afirmo: o meu afeto não me nubla o discernimento. Ao contrário, acredito que ele me deixe mais lúcido porque mais determinado.

E se, ainda, alguém quiser me acusar de mais alguma coisa, acho que dificilmente serão atores e muito menos atrizes. As acusações virão certamente daqueles que sempre permanecem vestidos nos estúdios de televisão e nos sets de filmagem ou nem saem das salas de reuniões.

Aqui nesse filme também não houve amestradores de ator. Esse assunto parece nada ter a ver com a pornografia, mas tem sim. O haver agora no mercado esses amestradores de atores faz parte da desautorização do ator como autor do seu próprio trabalho. Quer dizer que nem o seu próprio trabalho é o ator que faz?! Há alguém que o faz fazer como deve ser feito. Isso acontece, na minha opinião, porque os cineastas confundem sua própria perplexidade diante da dramaturgia (que, por vezes, eles desconhecem) com uma suposta incompetência do ator, e resolvem o problema chamando um amestrador de ator. (Melhor fariam se estudassem teatro.) É nocivo para nós. Um ator desautorizado na autoria de seu próprio trabalho irá aceitar, com muito mais subserviência, a pornografia que lhe será exigida logo mais à frente. O que está escondido sob esta prática é a desautorização do ator como líder da arte de representar e senhor do seu ofício. Lembremo-nos de que só há realidade fílmica ou televisiva, e certamente teatral, se um ator a faz existir! Sem o ator não há nada. Este é um poder que podem nos impedir de exercer, mas não nos podem tirar.

Espero que o filme que vamos assistir explique os meus sentimentos e idéias a respeito desse assunto melhor do que estas minhas palavras.

Vamos ao filme.

Escrito por Pedro Cardoso

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acréscimos

Publico agora alguns parágrafos que eu não disse no Odeon com medo de me alongar demais, mas que completam a exposição das minhas inquietações sobre esse assunto.

1.

Quando eu tinha uns 20 anos, aceitei o convite de Ivan Cardoso para atuar num filme cuja história girava em torno da descoberta do sexo por jovens. Aceitei por ingenuidade. Um dia, fui ao set e encontrei a filmagem de cenas de sexo onde só o que não havia era ereção e penetração. No mais, tudo era igual a um filme pornográfico profissional. Eu disse a ele que não faria cenas daquela natureza, e de fato não fiz, apesar dos protestos do produtor, um tal de Anibal Massaini (parece que ele agora também é cineasta). Esse produtor colocou um dublê no meu lugar e rodou a continuação da cena de ato sexual que eu havia interrompido no primeiro beijo, ainda totalmente vestido. Diga-se, apenas por amor à verdade, que ele o fez sem o consentimento do próprio diretor. Desde que sofri essa afronta, ainda tão jovem, a questão da pornografia tem me agredido e interessado.

2.

O anseio sexual é constante no homem, não deve ser permanentemente atiçado. Sem o ser, ele já nos traz transtornos e alegrias suficientes. A arte e a cultura e o esporte e a amizade, entre outras coisas, devem nos descansar dele, e não nos levar de encontro a ele. Quando assistimos a um bom filme (ou peça de teatro ou capítulo de novela ou programa de auditório, ou comercial de televisão) ficamos felizes e temos vontade de viver, de encontrar pessoas e, quem sabe até, nos apaixonarmos por alguém. Quando assistimos à pornografia, somos induzidos à masturbação, ficamos solitários e depressivos. Enquanto a arte nos acalma, a pornografia nos angustia porque não temos defesa contra ela. Qualquer pessoa é suscetível à nudez. A visão da nudez desperta inevitavelmente o anseio sexual; que, uma vez desperto, só sossega quando consumado. E, como não o conseguimos consumar na velocidade em que ele pode ser estimulado, esta frustração nos irrita e acirra nossa violência. Daí o perigo de a pornografia ser difundida, sob o disfarce de obra dramatúrgica, com tanta freqüência pelos meios de comunicação em massa.

3.

As razões nos que levam a fazer, com tanta freqüência, cenas de nudez, à parte qualquer particularidade da psicologia de cada um, são razões de mercado de trabalho. O mercado impõe a nudez como um item de excelência aos atores. Nos dizem que é preciso ter uma boa voz, conhecer dramaturgia e ter disponibilidade para ficar pelado. Sendo que a disponibilidade para ficar pelado talvez seja o atributo mais importante, visto o número de profissionais que fazem carreira de sucesso sem ter nenhum dos outros. É só gente que sabe ficar pelada fingindo que está tudo bem. Chega-se hoje a um emprego de ator por dois caminhos: estudo e prática do teatro ou "reality shows" (aquela vida real estranha, onde se toma banho de biquini, todo mundo finge que é quem é, e no final se posa pelado para revistas).

4.

Quem na profissão não fez ao menos uma cena da qual não tenha se arrependido? Por que temos que achar isso normal? Não temos. Vamos dizer "não"! E os mais velhos têm que dizer "não" primeiro. Porque para uma jovem atriz de 20 anos é muito difícil enfrentar toda aquela estrutura montada para a oprimir. Nós, que somos mais velhos, próximos aos cinqüenta como eu, temos o dever de liderar uma oposição a esta pornografia, mesmo porque ela foi legitimada pela nossa geração. Por uma questão histórica, recaiu sobre nós o momento em que a pornografia buscou se oficializar nos meios de comunicação em massa. É nosso dever encontrar uma saída para essa armadilha.

5.

Quanto aos jornalistas que estão aqui presentes, aviso que não respondo perguntas sobre a minha vida pessoal, por várias razões, mas também porque a totalidade dos órgãos de imprensa que cobrem as atividades artísticas não têm parâmetros éticos confiáveis. Estas empresas não têm limite e impõem a vocês a mesma pornografia que está sendo imposta a todos nós. Quanto aos fotógrafos, aviso que não têm permissão de me fotografar quando estou vivendo a minha vida privada, mesmo que ela aconteça em lugares públicos. Hoje, aqui, estou num evento público. Mas quando estou andando na rua, estou vivendo a minha vida. E todos temos direito à privacidade. É um direito constitucional. Não está escrito na constituição que atores e atrizes são exceção. Advirto que eu irei lutar por esse direito meu, e tentarei cobrar dos senhores as indenizações que julgar justas.

Escrito por Pedro Cardoso

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Meus (Jorge Furtado) comentários:

Concordo com quase tudo que o Pedro escreve. Ele exagera um pouco, mas exagerar é da profissão do escritor. E seus motivos para exagerar são mais do que nobres.

O texto do Pedro tem observações brilhantes, como a que atenta para o fato de a nudez não combinar com a comédia. Acho que ele tem razão. Não consigo lembrar de cenas engraçadas com personagens inteiramente nus, no teatro ou no cinema. Mesmo quando não é erótica – e o que dá tesão não é engraçado - a nudez é sempre comovente e o que nos comove nos impede de rir.

Já a "quase nudez" pode ser hilária, como em "Um Peixe Chamado Wanda", espetacular comédia escrita por John Cleese e dirigida pelo veterano Charles Crichton. Há uma cena de quase-nudez de John Cleese, contracenando com Jamie Lee Curtis. No roteiro, a nudez era dela que, recém casada, recusou-se a fazer a cena e sugeriu, como recomenda o Pedro, que ele, Cleese, ficasse nu. Como John Cleese é um artista e não um oportunista, topou na hora. A nudez de alguém era essencial para a cena funcionar, muitas vezes é.

(No documentário que acompanha o filme no DVD, Cleese diz que contou ao produtor que o roteiro escrito por ele tinha uma cena de sexo com ele e Jamie Lee Curtis onde ele ficava nu. O produtor ficou muito feliz e deu a ele um milhão. De ienes.)

Pedro tem razão noutra coisa: muito raramente é fundamental para a cena que os atores apareçam nus no filme, quase todas as cenas de sexo e nudez são estratégias de marketing associada a alguma perversão, apelo fácil ao mínimo denominador comum que são nossos instintos de reprodução - e de morte, e por isso a violência compete com o sexo como atrativo da pior dramaturgia. Mas a surpresa, o deslumbramento, o pânico, o constrangimento, a atração, todos os efeitos que a nudez pode provocar sobre nós (e sobre os personagens), podem ser representadas pela dramaturgia. E, se podem, devem.

A humilhante nudez de Cybill Shepherd sobre o trampolim de "A Última sessão de cinema", a nudez caseira de Julianne Moore em "Short Cuts", fazem parte de cenas que estão longe de serem eróticas. E há também uma infinidade de grandes cenas eróticas não pornográficas, basta lembrar de "Último Tango em Paris", "Império dos Sentidos" ou dos filmes de Almodóvar.

Acho que o Pedro exagera também quando diz que "diante da irredutível realidade da nudez de seu corpo, o ator não consegue produzir a ilusão do personagem". Talvez alguns atores consigam. A câmera é capaz de perceber a alma do ator, a ilusão do personagem pode ser criada num big close. Lembrei da montagem de "Macunaíma" feita pelo Antunes Filho, uma das melhores peças que vi na vida, cheio de personagens feitos por atores nus. Lembrei da Regina Casé nua no Asdrúbal, do Mateus Nachtergaele nu no "Livro de Jó" ("Satisfeita, Iolanda?"), de montes de atores nus que criaram, pelo menos para mim, a ilusão de personagens.

Outra coisa: tem gente que não se importa nem um pouco em andar nu pelo estúdio ou pelas locações, gente que não se importa e até gosta de aparecer nu na internet, na televisão, no cinema e no teatro. Alguns são atores.

No que o Pedro tem mais razão é em reclamar da invasão, esta sim, sempre pornográfica, da vida privada dos atores e homens públicos. Revistas e jornais que perseguem pessoas pela rua para fotografá-las sem autorização, programas de televisão que expõem pessoas comuns à humilhação das pegadinhas mais cretinas com o único objetivo de ganhar alguns pontos de audiência e, com isso, alguns trocados, deveriam ser indiciados criminalmente, condenados a pagar tantas e tão vultosas indenizações que tornassem desvantajoso o modo de vida desta gente que, como se sabe, consiste em lucrar com a própria pobreza de espírito.

Jorge Furtado
Porto Alegre, 09.10.08

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