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Veneno Remédio

"Dentro da corola ainda criança desta florzinha mínima o veneno encontrou abrigo, e a medicina encontrou poder. Ao ser cheirada,  esta partezinha traz euforia a cada parte do corpo; ao ser provada, mata todos os sentidos e ainda o coração. Acampam-se, de sentinela, a graça e a desgraça, dentro do homem e das plantas, defendendo reis tão rivais." Frei Lourenço, Romeu e Julieta, II,3, W. Shakespeare.

O Grêmio Futebol Porto-Alegrense (RS), que no momento (25/06/08) divide a liderança do campeonato brasileiro com o Flamengo e o Cruzeiro, é citado duas vezes no dicionário Houaiss e o colorado só uma, e está escrito errado. O nome do atual 15º. colocado do campeonato brasileiro, segundo o site oficial do clube (1), é Sport Club Internacional, e no Houaiss está Esporte Clube Internacional, deve ser outro.

Veneno Remédio, O Futebol e o Brasil
Veneno Remédio, O Futebol e o Brasil

A palavra "gremista" tem duas acepções no Houaiss, as duas sobre o primeiro colocado no ranking oficial (2) dos times brasileiros:

1. relativo ao Grêmio Futebol Porto-Alegrense (RS)

2. que ou aquele que é membro, torcedor ou jogador do Grêmio Futebol Porto-Alegrense (RS)

Já palavra "colorado" tem quatro acepções e o atual 8º. colocado do ranking da CBF só vai aparecer lá na quarta entrada. Na quinta acepção a equipe de redatores do Houaiss, por algum bom motivo que eu desconheço, muda de critério: enquanto os gremistas são membros, os colorados são apenas associados e o nome do time não aparece outra vez.

1. que tem ou recebeu cor; colorido, corado

2. que apresenta, natural ou artificialmente, cor mais ou menos vermelha

3. relativo a certo partido político do Uruguai ou membro desse partido

4. relativo ao Esporte Clube Internacional (RS)

5.que ou quem é seu associado, jogador ou torcedor

Ou seja: quando dizem que alguém é colorado primeiro você deve supor que se trata de um uruguaio e só depois pensar na hipótese de ser um torcedor do Esporte Clube Internacional, um time que eu não sei qual é mas que nem acento tem!

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O Grenal se aproxima e o discurso que divide o mundo em dois fica mais divertido, pelo menos quando o assunto é futebol. Ninguém vai morrer de fome ou perder o emprego (suponho) com a vitória de um time ou outro. Na política, na ciência, nas artes, o discurso que divide o mundo em dois é quase sempre uma péssima idéia.

Gostar ou não gostar do Lula, atual divisão brasileira, não é um bom critério para resolver coisas como "investimentos em biocombustíveis x preservação da amazônia". Sermos ou não descendentes de macacos não depende do fato de acreditarmos ou não na existência de Deus, seja lá o que esta palavra signifique. Gostar dos Rolling Stones ou de Robert Crumb não impede que você possa se divertir lendo Montaigne ou Shakespeare, ao contrário.

A radicalização do discurso é uma desagradável mistura de burrice com vontade de aparecer. Quem grita e ofende aparece mais e vive disso. A parte da burrice é que a conseqüência do discurso político é a política e, por causa da nossa política tacanha, fruto de um discurso tacanho, mais gente morre, perde o emprego ou não consegue vaga no hospital. O dinheiro roubado dos hospitais é o mesmo que falta para contratar médicos ou comprar remédios. O dinheiro que não existe para a cultura é o mesmo que é roubado do Detran. Imagine quantos livros, filmes, peças ou exposições poderiam ser feitas com 50 milhões de reais. Há tanta roubalheira que parece que só há roubalheira, e não é verdade. As críticas ao serviço público que surgem quando maracutaias são reveladas por operações da Polícia Federal ignoram que a Polícia Federal é pública e faz um bom serviço, parece.

Felizmente estamos numa democracia e a imprensa pode noticiar o que realmente acontece, embora nem sempre faça isso. No discurso binário o contraponto à grande imprensa são os blogs. Alguns radicais governistas tendem ao exagero da ofensa, misturam comentários pessoais com crítica política. Paro de ler blogs que publicam críticas à aparência dos políticos, seus hábitos pessoais, cabelos ou defeitos físicos. No extremo oposto está a elite que quer voltar ao poder e comanda a grande imprensa. Os exemplos de descalabro são muitos, diários. Clovis Rossi, da Folha SP, aposentou o índice de Gini afirmando que os ricos escondem parte de sua receita e, portanto, os dados da desigualdade social não valem, sugerindo talvez que este surto de desonestidade tenha iniciado no governo Lula. Merval Pereira, da Globo News, transformou  o necrológico da Doutora Ruth Cardoso (3) numa crítica ao Lula, ultrapassando os limites do mau jornalismo e entrando no terreno do mau gosto. Lucia Hipolito, da Rádio CBN, culpou o Lula pelo desempenho da seleção do Dunga. Segundo ela, Lula fez mal ao país ao sugerir que "alguém que nunca fez nada" pode ser presidente da república. Graças a esse mau exemplo, Dilma Russef , que também "nunca fez nada", quer ser presidente e Dunga quer ser técnico. E isso é o de menos, se lembrarmos da imputação de assassinato ao presidente feita ao vivo na tevê com as chamas do avião da TAM ao fundo.

A tristeza dessa gente para dar boas notícias na televisão só se compara com a sua evidente felicidade na desgraça. A redução da desigualdade social brasileira tem, na grande imprensa, 0,1% do espaço destinado às inconfidências da concubina do senador. A repórter que ontem anunciou a diminuição em 7% da desigualdade social no Brasil durante o governo Lula tinha expressão mais triste do que a repórter que, em plantão de 24 horas na frente da casa de pais acusados - e julgados e condenados - de matar a própria filha, anunciava que "nada de novo aconteceu por aqui".

Na lógica da mídia, 120 milhões em gastos do governo de um estado, São Paulo, é muito menos que 80 milhões de gastos do governo de um país, o Brasil. Descobertas de petróleo que podem mudar nosso destino econômico feitas pela Petrobrás (a ex-futura Petrobrax) são anunciadas na tevê com expressões fúnebres, enquanto oito reais gastos numa tapioca rendem meses de manchetes e cadernos especiais, mas só enquanto isso vende jornais. Nunca mais saberemos quem escreveu "uiscão" (e onde escreveu e quem leu) no tal "dossiê", palavra agora criminalizada. A atual onda de falta de critério jornalístico produziu pérolas para o nosso já vasto anedotário, como as "bailarinas do JB", as "supostas (por quem?) contas do Lula no exterior" na capa da Veja, o "Picasso do INSS" da Folha e do Estadão.

Acho que é a gritante parcialidade da grande imprensa pró-Serra - que menospreza, a ponto de parecer puro preconceito, a importância da diminuição da desigualdade social no Brasil e os bons resultados do governo Lula - a principal responsável pela antipatia que o governador de São Paulo provoca. Com proteção tão deslavada, acho possível afirmar hoje (25/06/08) que Serra, o atual líder das pesquisas de opinião para a sucessão de Lula, tem pouca ou nenhuma chance de ser eleito presidente, o que talvez seja uma injustiça. Serra é inteligente, parece um sujeito decente e foi um bom ministro da saúde. A proibição da propaganda de cigarros, em sua gestão, foi um importante avanço no país e ajudou muita gente a parar de fumar, inclusive eu. A elite paulista é tão grosseiramente cega na defesa de Serra que passa ao país a sensação de que não é um bom negócio fazê-lo presidente.

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Não tinha amigos (só um) que votou no Collor, mas tenho muitos amigos que não gostam do Lula ou do governo do Lula e seus motivos até podem ser razoáveis, mas a artilharia da grande imprensa contra o governo é tão intensa que provoca a reação de defendê-lo, talvez mais do que mereça. Não importa. Nossa democracia não parou de melhorar e, seja quem for o futuro presidente, acho que vai continuar melhorando.

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O discurso sobre o futebol também não precisa ser binário. Há muitos livros (e filmes) nas bancas que só interessam metade do mundo, a metade gremista ou colorada. Mas está nas boas casas do ramo o livro de José Miguel Wisnik "Veneno Remédio: o futebol e o Brasil", uma das mais profundas, divertidas e originais visões do Brasil que eu já li. Torcedores de qualquer time vão entender melhor seu país, e os que detestam ou ignoram futebol vão entender melhor os torcedores de qualquer time, o futebol como exercício dramático. E eu só não elogio mais o livro por que vai começar Fluminense e LDU e eu ainda nem vi os gols de Alemanha e Turquia.

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Na farmacologia e na política, o equilíbrio é o segredo entre o veneno e o remédio. Quanto ao Grenal, o Grêmio ganhando não me importa que o colorado perca. (4)

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(1) Site oficial do clube

(2) Ranking da CBF na Wikipédia

(3) Há dois anos, durante um seminário promovido pela TV Futura em São Paulo, tive o prazer de passar um dia com Dona Ruth, por quem já tinha grande admiração. Extremamente inteligente, preparada e muito bem-humorada, Dona Ruth era uma rara unanimidade nacional. Votaria nela para qualquer cargo ao qual se candidatasse, e pouco recomenda nossa democracia o fato dela nunca ter sido candidata a coisa alguma.

(4) Não sei de quem é a brilhante frase original, "nós ganhando, não me importa que eles percam!" Se alguém tiver a fonte, por favor informe.

(5) Mais sobre o livro, no site da editora

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