Não lembro exatamente como aconteceu, sei que o trabalho atrasou e eu fiquei preso no Rio por falta de vôo, já tinha fechado a conta no hotel e não tinha onde dormir. O Guel estava fora e me ofereceu o apartamento para passar a noite. Raramente me hospedo em casa de amigos, não quero incomodar, tenho hábitos estranhos - nem todos são tolerantes com o hóquei indoor - só em último caso... Era último caso, havia algum encontro gigante na cidade, hotéis lotados. E tinha mais um detalhe: o Guel não estava lá mas a tia dele sim, também ia pegar um vôo na manhã seguinte.
Ficar hospedado na casa de um amigo sem o amigo é estranho. Ficar hospedado na casa de um amigo sem o amigo mas com a tia do amigo é mais estranho ainda. Talvez no hotel do aeroporto... Lotado. E foi assim, em minha ignorância e juventude, que conheci Violeta Arraes, a tia do Guel.
A inteligência e a simpatia de Violeta eram tão evidentes que despertavam imediatamente a vontade de ser da sua turma, sair para jantar e jogar conversa fora até de manhã. Só depois fiquei sabendo de sua vida incrível, dividida entre Paris e o sertão brasileiro. Militante política, socióloga, escritora, companheira de trabalho de Dom Hélder Câmara e de Paulo Freire, secretária de cultura, embaixadora dos exilados brasileiros na França, reitora da Universidade do Cariri, Violeta tem um currículo grande demais para ser resumido aqui, leiam os jornais de hoje.
Ficamos conversando até bem tarde, aquela conversa espichada que vai pulando de assunto, volta para trás e vai para frente, driblando o sono. Nos encontramos mais algumas vezes, era sempre um prazer ouvi-la, era uma inteligência feliz e generosa, movida por uma energia adolescente.
Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau morreu ontem aos 82 anos. Deixa saudade, uma obra de grande valor e um exemplo de sabedoria e fraternidade. O que mais se pode esperar da vida?
Violeta Arraes, Foto FSP
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