"O Vale Cultura tem o mérito de ir direto para o bolso do trabalhador, justamente quem mais precisa. (...) Vai usá-lo bem? (...) Há uma chance grande de boa parte do dinheiro do Vale Cultura ir para produtos e eventos de alto impacto popular, mas com baixo teor educativo - livros de autoajuda, filmes de comédia ou shows de música sertaneja ou pagode, por exemplo. Leitores devem estar considerando esse comentário elitista. Se é para lançar um programa dessa envergadura, deveríamos perguntar se o trabalhador irá a bons espetáculos, exposições ou concertos. Cada um faz o quiser com seu dinheiro. Mas recurso público não deveria sustentar livros de autoajuda, comédias românticas ou grupos de pagode."
Gilberto Dimenstein (O espetáculo eleitoral, 26/07/2009)
O comentário de Gilberto Dimenstein em seu blog é de um elitismo tão explícito, é tão grosseiramente pedante e equivocado que chega a ser constrangedor. A que ponto chegamos? Um intelectual sério é capaz de afirmar, por escrito, que um determinado gênero musical, o pagode, ou cinematográfico, o que ele chama de "filmes de comédia" (sic), tem "baixo teor educativo"? Dimenstein, num momento de luz, anota que seus leitores podem achar seu comentário "elitista". Podem e devem, é muito elitista, além de levemente bizarro.
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Atenção! O Comissário da Cultura informa: este espetáculo contém piadas, cuíca e agogô. Teor educativo: baixo, menos de 3,5 graus na escala Dimenstein.
Não sei como funciona o projeto do Vale Cultura, as poucas matérias que li a respeito se preocupavam muito - como virou a regra da antiga imprensa - em fazer insinuações maldosas, são cheias de comentários, ironias e piadas fracas, mas pouco informam.
Suponho que o trabalhador, de vale na mão, vá poder escolher que espetáculo ver, que livro comprar. Espero que os autores do projeto tenham resistido a tentações totalitárias, palpites de seres iluminados que querem obrigar pobres assalariados a assistir, depois de horas de trabalho duro, a espetáculos de "alto teor educativo".
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Já vi gente dizendo: não seria melhor aplicar este dinheiro, 50 reais por mês, em educação? Minha impressão é que não, não seria. Da parte que me cabe, apreendi mais com os livros, o cinema, a música e o teatro do que com a escola, a "cultura" foi e ainda é mais importante na minha formação do que a educação formal. Criar categorias estanques para alta e baixa cultura, separar educação e cultura de forma radical e estabelecer "teores educativos" para cada gênero artístico não são atitudes apenas elitistas e preconceituosas, são uma bobagem insustentável.
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"Um histrião bárbaro, sem a menor faísca de bom gosto. Não há nele qualquer arte, a baixeza aparece com a grandeza, as palhaçadas com o terrível.
"Suas peças são abomináveis. Eis que aparecem carregadores e coveiros, que têm conversas dignas deles; em seguida vêm príncipes e rainhas. Como pode esta excêntrica mistura de grandeza e baixeza, de bufonaria e de tragédia, comover e agradar?"
Declarações, respectivamente, de Voltaire e de Frederico, O Grande, dois sujeitos brilhantes, sobre as peças de William Shakespeare, que eles julgavam ter baixíssimo teor educativo.
Jorge Furtado
29.07.09
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texto completo de "O espetáculo eleitoral", artigo de Gilberto Dimenstein aqui.
para tentar entender como funciona o Vale Cultura.
Texto completo do projeto.