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A vida e seu ofício

Absolutamente extraordinária a reportagem de Marcelo Ferla sobre o jovem Vinícius Gageiro Marques, o Yoñlu, na última revista Rolling Stone (número 18, março). Quem não leu, leia. Na melhor tradição do jornalismo investigativo que não abre mão da qualidade literária - da qual Lillian Ross (“Filme”), Truman Capote (“A Sangue Frio”), Norman Mailer (“A Luta”) e Gay Talese (“A mulher do próximo”) são expoentes – Ferla traça um retrato ao mesmo tempo sóbrio, carinhoso e emocionante do jovem artista portoalegrense, morto antes de completar 17 anos. Mais que isso: Ferla nos conduz pelo mundo ainda surpreendente da internet e suas relações virtuais, capazes de dissolver ou cristalizar casulos, de revelar maravilhas ou aberrações, uma rede que nos remete ao mesmo tempo ao paraíso da biblioteca infinita de Borges e ao inferno do saber sem alma de Fausto.

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Ainda não ouvi as músicas deixadas por Yoñlu, mas os desenhos e os fragmentos de texto que ilustram a reportagem de Ferla dão conta de um talento raro em qualquer idade, raríssimo aos 16 anos. A morte prematura de Vinícius, uma perda irreparável para os pais e amigos, parece ter sido também uma grande perda para nós, que nunca saberemos o tamanho do artista que ele poderia vir a ser. Mesmo que isso não sirva de consolo, Vinícius nos lembra o destino de grandes poetas que brilharam muito intensamente e, talvez também por isso, partiram muito rápido, como Mário Sá Carneiro, Ana Cristina Cesar e Sierguéi Iessiênin. Se a razão não explica, vale a poesia que Fernando Pessoa gravou, nas suas Palavras de Pórtico: “Não conto gozar a minha vida nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade, ainda que para isso tenha de a perder como minha”.

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O começo da reportagem de Marcelo Ferna na Rolling Stone pode ser lido aqui.

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A decisão de tirar a própria vida, sempre comovente, não deveria ser romantizada. E muito menos incentivada. Sobre o assunto, a ótima entrevista do psicanalista de Vinícius, Mario Corso, na revista Época, que pode ser lida aqui.

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Em 28 de dezembro de 1925 o poeta Sierguéi Iessiênin enforcou-se num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Tinha 30 anos. Seu último verso, deixado ao amigo Vladimir Maiakóvski, terminava assim:

Adeus, amigo, sem mãos nem palavras
Não faça um sobrolho pensativo
Se morrer, nesta vida não é novo
Tampouco há novidade em estar vivo.

A resposta de Maiakóvski veio em forma de um poema, “A Sierguêi Iessiênin”, traduzido por Haroldo de Campos, que terminava assim:

Por enquanto há escória de sobra.
O tempo é escasso - mãos à obra.
Primeiro é preciso transformar a vida,
para cantá-la - em seguida.
Os tempos estão duros para o artista:
Mas, dizei-me, anêmicos e anões,
os grandes, onde, em que ocasião,
escolheram uma estrada batida?
General da força humana - Verbo - marche!
Que o tempo cuspa balas para trás,
e o vento no passado só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo o planeta está imaturo.
É preciso arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida morrer não é difícil.
O difícil é a vida e seu ofício.

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