Nas últimas duas semanas, recebi pelo menos 20 e-mails pedindo que eu assinasse uma petição a favor do tal "Projeto da Ficha Limpa" que seria votado no Congresso anteontem. Agora que a votação foi adiada, os e-mails que chegam são para convocar um "panelaço" ou outras manifestações a favor do tal projeto.
Acredito que a maioria das pessoas que me contataram são bem intencionadas, mas acho que estão todas equivocadas. Não assinei a petição, não vou ao panelaço, tou fora dessa campanha. Sou contra o "Projeto da Ficha Limpa".
Em primeiro lugar, porque as "cruzadas moralizadoras" em política sempre acabam em vitórias da direita - e mais corrupção. Me assusta muito essa mobilização "pela moral". A última que deu certo eu ainda era criança, mas lembro bem que resultou em 20 anos de ditadura.
Segundo, porque acho que é inconstitucional impedir alguém de fazer qualquer coisa só porque foi condenado em primeira instância. O projeto original era ainda pior: queria impedir qualquer candidato que tivesse sido processado! Não existe nada mais fácil do que processar alguém, um inimigo político por exemplo - basta ter dinheiro pra contratar um advogado. Uma das muitas versões do projeto que chegou a entrar na pauta de votação era de uma confusão inacreditável: basta ser ou ter sido acusado de "crime grave" para o sujeito se tornar inelegível. Crime grave! Já pensou a quantidade de emendas necessárias pra definir isso?
Terceiro, porque, se não for inconstitucional, deveria ser: ninguém pode ser considerado culpado de qualquer coisa antes da condenação final. Isso é democracia. Passar por cima desse princípio é a negação da democracia. Em nome do combate à corrupção? Tou tentando me lembrar de uma ditadura que não tenha sido instaurada em nome do combate à corrupção. E que não tenha sido ainda mais corrupta que o regime anterior.
Quarto e último, por causa da recente declaração, bastante esclarecedora, do Deputado Paulo Maluf: "Ninguém nesse país tem uma ficha mais limpa que eu". Pois é. Não acho que seja bravata, não: acho que ele e seus 40 advogados conseguem provar isso no Supremo e desmoralizar as intenções moralizadoras do "Projeto Ficha Limpa".
Em vez do apoio ao projeto, não proponho campanha nenhuma. Apenas um exercício: você lembra em quem votou pra Deputado Federal?
Eu lembro. Votei no Eloar Guazzelli em 1978, no Hermes Zanetti em 1982, no Tarso Genro em 1986, no Clóvis Ilgenfritz em 1990, na Esther Grossi em 1994 e 1998, no Marcos Rolim em 2002, na Maria do Rosário em 2006. Empatei: quatro se elegeram, quatro não. Segui pela imprensa o mandato dos que foram pra Brasília, acompanhei mais ou menos de longe a vida pública de todos. Nem sempre concordei com o que cada um deles fez depois do meu voto, pra que partido foi, que cargo assumiu e em que circunstância, que posição tomou em tal crise ou em tal votação. Mas nenhum deles me deu qualquer motivo pra eu me arrepender de ter votado.
Mas a verdadeira questão ainda não é essa. Eu poderia ter me arrependido, e isso também seria da vida, do mundo, da democracia. A verdadeira questão é qual mesmo?
Sinceramente, não sei. Mas aposto que não é a "ficha limpa".
Quem tem ficha limpa levanta a mão!
TEM MAIS
Projeto da Ficha Limpa iniciou como uma emenda popular, entregue ao Congresso em setembro do ano passado, com 1,3 milhão de assinaturas.
Uma das poucas matérias equilibradas sobre o assunto, do jornalista Edgar Lisboa.
Custei, mas encontrei na internet alguém que também é contra: o Márcio Leal, do blog "Terra Papagalli".