Meu amigo Alvaro Magalhães, gestor público e ex-coordenador de música da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, me envia um interessante comentário sobre ideologia e distorções de imagens. Como já falei sobre esse assunto aqui mesmo dois anos atrás (por coincidência, no dia do aniversário do Alvaro), de um ponto de vista mais técnico e menos político, segue o debate.
Samba do crioulo doido II
(por Alvaro Magalhães)
Preferência pela distorção é preferência distorcida? Ou, é errado preferir o distorcido?
Em "A Ideologia Alemã", Marx declara sua descoberta de que os seres humanos "mortais" vivem no mundo da ilusão, não enxergam a realidade pois imersos em um conjunto de crenças, falsos-conceitos. Ele usa a imagem da realidade "invertida", de cabeça para baixo, seja pelas crenças religiosas quanto por proposições ideológicas, como a ideologia liberal, tão em voga depois da Queda da Bastilha, pela qual os homens seriam igualmente cidadãos, não importando a classe a qual pertenciam. A visão "correta" do real seria dada pelo socialismo científico, pela ciência do materialismo histórico. A partir da revelação da história como a história da luta de classes, da dominação do "homem pelo homem" a maior parte dos seres humanos iria dar preferência ao socialismo, a uma visão não distorcida do real.
Os explorados se identificariam com a proposta revolucionária, pois o capitalismo além de injusto seria insustentável, gerando crises e seu colapso, que levaria os explorados unidos à revolução. Haveria também uma parcela dos dominantes (ou de setores da pequena burguesia) que se identificaria com a iluminação socialista e iria compor a vanguarda revolucionária, necessária para despertar as massas do sono, do mundo das ilusões, da distorção. Ao contrário da previsão marxista, grande parte dos explorados preferiu aderir às promessas capitalistas e liberais, pela busca da ascensão social, que hoje poderia tomar a forma de carro, casa, churrasquinho,etc. No condomínio ou na laje. No Brasil do início do séc XXI um ex-operário é aclamado justamente por promover a ascensão social e não a revolução. Quem diria? Seria uma preferência pela distorção? Quem vai dizer que o povão está errado ao preferir a ex-revolucionária Dilma, ou seja, manifestar -se mais uma vez a preferência pela distorção.
Outra escolha distorcida seria a preferência pela televisão sobre outras formas e manifestações da cultura. Acabo de descobrir algo trivial para os profissionais da área do audiovisual: a maioria das emissões de televisão são distorcidas. Ou alargam as imagens originais ou ocultam parte de uma foto ou de um filme, para ocupar todo o espaço da telinha. Mesmo as modernas televisões, que oferecem opções de tamanho de tela, provavelmente não são "corrigidas" para emitirem as proporções corretas da imagem captada. Eu imagino que a maioria das pessoas não saiba, como não sabia até ontem, que há imagens que deveriam ser vistas em 4:3 ou "em 1,33" ou em 16:9, ou "em 1,77", no jargão do pessoal do meio do cinema. Isto para ficar nos dois formatos mais comuns. O tamanho desta informação nas embalagens de DVD é uma pista que minha desconfiança procede.
Imaginemos que o Ministério da Cultura tivesse como objetivo que todos as televisões deveriam projetar imagens com as proporções reais, sem a distorção causada pelas diferenças de formato. Todas as televisões deveriam ter recursos para adaptar as telas aos formatos originais. É claro, sei agora, que os filmes feitos em 16:9 deveriam aparecer com duas faixas, acima e abaixo nas televisões mais quadradas. E, nos casos em que o formato da imagem fosse mais próximo ao quadrado, haveria perdas nas laterais das telas mais retangulares. Os brasileiros seriam educados na escola a corrigirem as distorções. Mas, se mesmo esclarecidos, os indivíduos teimassem com o governo e preferissem utilizar toda a tela, mesmo vendo imagens distorcidas, como acontece hoje? Quem iria condenar a preferência pela distorção???
Até o marxismo se encaixa perfeitamente nas tvs de alta definição - é só espichar um pouquinho.