Giba Assis Brasil
Melo é uma cidade uruguaia de 50 mil habitantes, a 60 quilômetros da fronteira com o Rio Grande do sul, e que no início do século 19 chegou a fazer parte do Brasil. É a capital do departamento de Cerro Largo, a região mais fria do Uruguai, onde já foram registradas temperaturas de 11 graus centígrados negativos.
A economia se baseia na criação de vacas e na plantação de arroz. Isso para quem tem terra, é claro. Já nos anos 1980, seguindo o empobrecimento geral do país, a maior parte da população da cidade não tinha muita opção a não ser viver do comércio, legal ou ilegal, que passa pela fronteira. É o caso de Beto (Cesar Troncoso), protagonista do belo filme "O Banheiro do Papa", co-produção brasileiro-uruguaia com roteiro e direção de César Charlone e Enrique Fernández.
A diferença de Beto para com os seus conterrâneos é que ele tem idéias. Que quase nunca são concretizadas, mas ele não se importa muito com isso. É a imaginação criativa de Beto que azeita sua relação com a esposa Carmen (Virginia Méndez), bem mais centrada e pragmática. E é o que dá humor às suas conversas com os poucos amigos, como o vizinho e compadre Valvulina (Mario Silva). Em geral conversas de bar, regadas por bebida barata - como quando ele é expulso do estabelecimento e reclama de seu dono: "Se não gosta de bêbados, por que não abre uma farmácia?". Ou então no próprio vaivém do trabalho diário, de bicicleta até a fronteira e de volta com as mercadorias encomendadas.
São as idéias que fazem com que Beto nunca desista de seu grande e singelo sonho de consumo - uma moto, para poder desempenhar melhor sua função de muambeiro, com mais velocidade e capacidade de transporte. Enquanto isso, ele tenta convencer a filha adolescente a acompanhá-lo no trabalho, para aumentar a produção familiar e apressar a compra da moto. Mas Sílvia (Virginia Ruiz) já deixou de acreditar nas idéias do pai; seu sonho é ir para Montevidéu, trabalhar como repórter de televisão. Pois, como toda boa história, "O Banheiro do Papa" é também uma história de pais e de filhos.
No dia 8 de maio de 1988, o Papa viajante João Paulo II, em sua segunda visita à América do Sul, sabe-se lá por quê, rezaria uma missa em Melo. Este fato histórico é que desencadeia a virada na vida de Beto e dos demais personagens da ficção. Em meio à falta geral de perspectivas, a cidade toda acredita que a passagem do Papa será uma oportunidade de mudança. E Carmem, e mesmo Sílvia, chegam a acreditar que, desta vez, a idéia de Beto vai dar certo.
Mas é claro que não dá.
Uma das grandes sacadas do filme é o fato de ele ter dois finais: o primeiro, tradicional, belo, emocionante, pai e filha seguindo a vida, a pé, pela estrada que leva para a fronteira, referência quase explícita ao "Ladrões de bicicleta", até pela ausência do veículo perdido no dia da missa; e o segundo, já no meio dos créditos, a volta ao tema do banheiro e a repetição do "tive uma idéia", uruguaio até a raiz dos cabelos, aquela necessidade de rir da própria miséria e ao mesmo tempo insistir na importância do sonho, do desejo utópico, mesmo que sem nenhuma possibilidade concreta de acontecer.
César Troncoso em "O Banheiro do Papa"
TEM MAIS
Fotos da cidade de Melo no Yahoo Travel.
Vídeo-entrevista com César Charlone no UOL.
Alessandro Benedetti era o nome do guarda do Vaticano que se matou no banheiro do Papa em setembro de 2007.
Giba: O filme é maravilhoso e emocionante. mas o teu comentário não fico devendo nada. Muito bom, senti verdadeiro orgulho de ser desse pais de loucos sonhadores. abraços!!
Valeu, Laura. Sentimos a falta de uma uruguaia aqui na Casa. Volte sempre.
Concordo. Grande filme. Simples, sem frescuras, sem personagens ricos, carrões ou efeitos especiais. É a prova que que um belo filme só precisa de uma boa história. Mas a propósito, onde foi parar a moto do carinha?... já que no final ele transporta a privada de bike?.... será que não entendi alguma parte do filme ou minha questão é coerente?
André, na minha leitura do filme a moto nunca existiu, era delírio dele. Abraço.