Em 2007, fui convidado pela Cinemateca Brasileira e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos para fazer a curadoria da segunda mostra "Cinema e Direitos Humanos na América do Sul". Aceitei, e graças a isso assisti a mais de 90 filmes sul-americanos recentes, a grande maioria documentários. Selecionei 37 - um filme para cada um dos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e mais alguns extras. A mostra aconteceu de 4 a 16 de dezembro em 8 capitais brasileiras. E é desse conjunto de filmes que eu apontaria, se fosse o caso, boa parte dos meus "melhores do ano".

Começando por "A Cidade dos fotógrafos", belo documentário de estréia do chileno Sebastián Moreno, que conta um lado pouco conhecido da resistência a Pinochet: a história dos fundadores e membros da AFI (Associação de Fotógrafos Independentes), um grupo de profissionais que souberam usar o seu instrumento de trabalho para mostrar ao mundo a verdadeira cara do regime. O
filme tem um narrador em primeira pessoa (o cineasta é filho de um dos fotógrafos retratados), uma primorosa pesquisa de imagens da época (tanto em fotos quanto em vídeo), um tom poético que evita o panfleto e a repetição, e acima de tudo um simples e genuíno espanto pelo poder da imagem.

Na seqüência final, tempo presente, os velhos fotógrafos se reúnem numa rua central de Santiago para homenagear um colega morto. Cada um carrega no peito, feito homem-sanduíche, uma ampliação de uma foto de tempos atrás. Na trilha, um violão, uma canção de Manuel Garcia:

"Un viejo que fuera comunista
Se sienta a fumar la tarde entera
Mientras buena lluvia cae afuera"

Um raro momento em que os conceitos de transitoriedade e permanência se tocam, nos tocam. Direitos Humanos se trata disso. E não é por outro motivo que vamos ao cinema.