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Acabou o futebol?

Beira-Rio, 31 de outubro de 2019. Inter 1x1 Athlético. Acabou o futebol. (Talvez eu me arrependa de escrever isso, mas é um risco que sempre se corre.) Esse é o meu relato, pessoal e intransferível, mas real.

Lindoso fez 1x0 aos 11 minutos, um golaço, encobrindo o goleiro depois de um lançamento do Guerrero. Mas o bandeirinha ficou em dúvida e marcou impedimento, como a Fifa recomenda, então não deu pra vibrar. O VAR levou 4 longos minutos pra validar o gol, e depois disso quem é que tem ânimo pra gritar um gol que já tava quase esquecido? A gente fica satisfeito, afinal foi gol, estamos ganhando. Mas vibrar, não vibra. Passou o momento do gol, aquele que não volta.

O Athlético empatou em seguida, numa falha absurda do Zeca, que primeiro deu espaço pro atacante adversário e, quando se aproximou pra marcar, tropeçou nas próprias pernas. Eu não vaiei, por príncipio não vaio jogador do meu time, mas a maior parte da torcida não pensa assim.

O jogo seguiu mais ou menos parelho, o Inter com muitas falhas (Patrick jogou mal, d'Alessandro errou mais passes do que a sua média, todo o time nervoso com a falha e as vaias), atacando mais que o Athlético mas se expondo a contra-ataques, pelo menos o Moledo voltou muito bem.

Aos 19 do segundo tempo, d'Alessandro ia fazer outro golaço, encobrindo o goleiro, de longe, mas a bola bateu no travessão.

Aos 32, num chute do Nico López (que tinha acabado de entrar), um athleticano se jogou na frente e tocou com a mão na bola, mas o VAR levou talvez 5 ou 6 enormes, longuíssimos minutos pra chamar o juiz, que afinal marcou o pênalti. Já eram 40 minutos do segundo tempo quando Guerrero cobrou, o excelente goleiro Santos foi no canto e defendeu. No escanteio, Nico chutou no poste, Guerrero pegou o rebote e fez o que seria o gol da vitória. A sequência desses 4 elementos - pênalti, erro, trave, gol - seria suficiente pra transformar esse num jogo histórico, ou pelo menos num grande momento de vibração. Mas essa possibilidade não existe mais.

Em vez disso: vibra, não vibra? Bandeirinha corre sem sinalizar nada, juiz faz sinal de gol, jogadores se abraçam, bola no centro. Acho que dá pra vibrar, um pouco, como é que se vibra um pouco?

Mas aí, depois do que me pareceram ser 90 minutos de espera, 22 jogadores parados em campo e um marionete de preto com a mão no ouvido, em volta deles mais 20 mil pessoas no estádio e sei lá quantas nos rádios e tevês, todos esperando por mais uma decisão que estava sendo tomada em algum confim do céu católico, depois desse tempo interminável e sem grito de gol, Sua Majestade o VAR de Orleans e Bragança manda anular.

Imagino que a anulação foi tecnicamente correta, não sei, não revi o lance e não pretendo rever. Não se trata disso. Como se dizia nos anos 70, deu pra mim.

Pela primeira vez em 53 anos de futebol, saí do estádio antes do fim do jogo, deixando Antônio, Teresa e amigas a testemunharem o futebol que coube à geração dele e delas. Não sei quanto deram de acréscimo, não sei o que aconteceu depois. Pedi pro taxista desligar o rádio. O jogo ainda estava em andamento, mas o que tinha acabado era outra coisa.

Cheguei em casa e não conseguia ter sono. Fiquei no computador, abrindo e fechando mensagens e textos antigos, lendo sem ler, madrugada adentro.

Minha frustração passa pelo resultado negativo do meu time, claro (acabou 1x1, espiei no UOL depois de um tempo), mas é muito mais profunda do que isso. No jogo contra o Palmeiras pela Copa do Brasil, quando o VAR anulou o gol do Cuesta que seria o da classificação mas nós terminamos ganhando nos pênaltis, o sentimento foi exatamente o mesmo, só que ainda não era definitivo.

Me sinto velho, muito velho, ultrapassado mesmo, fora do tempo. O futebol de que eu aprendi a gostar, indo com meu pai e meu irmão ainda no estádio dos Eucaliptos, ou ouvindo no rádio com a minha mãe, não existe mais. Então pra que fingir que eu ainda me divirto com isso?
 

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