ALGUMAS PALAVRAS DO DIRETOR

Quando descobri que, depois de quase três anos de captação de recursos, finalmente iríamos rodar o "Tolerância", me deu um frio na barriga. Eu nunca havia dirigido um projeto com essas dimensões, com orçamento de dois milhões de reais. A responsabilidade era muito grande. Mas aí, pouco a pouco, enquanto a Luli (Luciana Tomasi, produtora executiva) e a Nora (Nora Goulart, também produtora executiva) planejavam tudo, eu passei a encarar o filme da única maneira que um diretor pode encarar um filme sem enlouquecer: era apenas mais um filme.

Quem sabe mais importante, quem sabe mais desafiador, quem sabe mais complicado, mas, no limite, apenas mais uma história para contar com imagens em movimento e som sincronizado. Nada muito diferente do que eu - ou melhor, nós - não tivéssemos feito antes. Contando os filmes em super-8, "Tolerância" é o meu décimo-terceiro trabalho como diretor de cinema. Já fiz dois longas, "Inverno" (super-8) e "Verdes anos" (35mm), este em parceria com Giba Assis Brasil. Assim, ao mesmo tempo que dava um certo temor de enfrentar as sete semanas rodando, eu pensava: "Nada de muito diferente pode acontecer. Isso é apenas mais um filme." E, no final das contas, as sete semanas de filmagem, precedidas pelas duas semanas de ensaios e preparação, foram muito tranqüilas.

É claro que havia diferenças entre fazer "Tolerância", em 1999, com uma equipe de mais de 50 profissionais, e fazer "Meu primo", super-8 de 1978, com meus amigos Nelson Nadotti e Hélio Alvarez. Havia, principalmente, uma divisão de tarefas racional, me deixando mais tempo livre para pensar no filme em si, e não nos milhares de detalhes de produção que tornam o filme possível. Nesse sentido, o papel de Alex Sernambi (fotógrafo), Ana Luiza Azevedo (diretora assistente) e Fiapo Barth (foi fundamental). Eles decuparam todo o filme comigo, bem antes do início das filmagens, de modo que nós quatro sabíamos exatamente o que fazer quando a "pauleira" começou. Qualquer dúvida, era só consultar o "story-board".

Pouco antes de começarmos a rodar, eu disse para eles: "Nesse filme, eu gostaria de dividir meu tempo no set de um modo diferente - 70% com os atores e apenas 30% com a câmara". Foi o que fizemos. E só assim eu pude dar toda a atenção que queria para a interpretação. Eu tinha certeza que o êxito de "Tolerância" dependeria muito do elenco, e fiz o possível para que cada ator e atriz tivesse todo o apoio necessário. Acho que deu certo. Outro fator fundamental foi a integração fácil e generosa entre os artistas que vieram do Rio (Maitê, Bomtempo e Maria) e todos os atores e atrizes gaúchos.

Outro ponto importante de "Tolerância" é o esforço coletivo de sua realização. Acredito em autoria, e sou autor do filme, mas também acredito que a autoria em cinema pode (na verdade, deve) ser compartilhada. Acredito, por exemplo, que um roteiro precisa ser melhorado até o momento da filmagem. Nesse aspecto, o trabalho de Jorge Furtado foi decisivo. Ele pegou uma história estruturada como um drama intimista e - sem prejudicar a idéia central e a essência do que eu queria discutir - transformou-a num thriller cheio de ação, drama e humor. "Tolerância" também é dele. Assim como é de Álvaro Teixeira (que escreveu muitos diálogos) e Giba Assis Brasil (que fez a revisão final do roteiro e acrescentou "toques" estruturais importantes, como as narrações que começam e terminam o filme). Como também montou "Tolerância", Giba foi, mais uma vez, a garantia de que o público veria um produto com bom ritmo e sem "barrigas" dramáticas, cortando sem dó nem piedade tudo que não era essencial.

Uma última palavra sobre a trilha sonora. Desde que o projeto começou, eu tinha a idéia de usar muitas canções de bandas gaúchas, conhecidas ou não. A música urbana gaúcha, e principalmente o rock, é de excelente qualidade, e eu achava que ela daria uma boa ambientação para a minha história porto-alegrense. Ouvi dezenas de CDs, de muitos estilos (do punk-rock à música erudita de vanguarda), e selecionei alguns, que fui experimentando (com a ajuda do Flu e do 4Nazzo) sobre a imagem, logo que a montagem começou. Não bastava ser uma boa música: tinha que ser uma boa música adequada a uma determinada cena. No final do processo, ficaram doze músicas de bandas já gravadas, e três canções foram regravadas especialmente para o filme. Ao mesmo tempo, foram sendo criadas e arranjadas as mais de quarenta músicas incidentais. Acredito que a nossa trilha, em sua diversidade estética e, em alguns momentos, em sua radicalidade sonora, é algo bem diferente do que tem aparecido por aí no cinema brasileiro.

Agradeço a todos os que me ajudaram a fazer este filme. Foi um trabalho duro, mas, ao mesmo tempo, divertido. Doeu, mas também curou. Cansou, mas também renovou as esperanças de fazer do cinema a atividade principal de nossas vidas. Porque, enquanto a película roda dentro da câmara, registrando a luz capturada pela objetiva, e o som é captado pelo microfone, a própria vida pára em nossa volta. "Tolerância" é apenas mais um filme; contudo, como todo filme feito com emoção, é um depoimento audiovisual poderoso sobre a nossa estranha - e quase sempre inexplicável - passagem por esse planeta.
 


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