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                    DIA DE VISITA
	                    episódio da série
	                    BRAVA GENTE
	                    roteiro de Jorge Furtado
	                    e Giba Assis Brasil
4º tratamento - 29/05/2001
	                    produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
	                    para TV Globo
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CENA 1 - EXT/NOITE - ESTRADA
	Uma estrada de terra pouco iluminada, à noite. Em volta, árvores,
	zona rural. Ao longe vem vindo um carro, que se aproxima e passa
	em alta velocidade.
CENA 2 - INT/NOITE - CARRO
	Dentro do carro estão FREDERICO, o motorista, 25 anos, nervoso,
	olhos atentos na estrada; ao seu lado, ISIDORO, 35 anos, revólver
	na mão, olhando o tempo todo para trás; no banco de trás, PAULO,
	17 anos, examinando algo dentro de uma sacola de couro.
	                    FREDERICO
	                    (sorrindo) Enganamos eles de novo.
	                    ISIDORO
	                    Muita sorte. Aquela patrulhinha não veio
	                    atrás de nós.
	                    PAULO
	                    Isidoro, tem muita grana aqui.
	                    FREDERICO
	                    (para trás) Não mexe nesse dinheiro, garoto.
	                    ISIDORO
	                    Deixa ele.
O carro faz uma curva arriscada e entra numa estrada lateral.
	                    ISIDORO
	                    Por que você entrou aqui?
	                    PAULO
	                    Acho que tem mais de quinhentos mil.
	                    FREDERICO
	                    Fica na tua, Mané. Eu que sabia da boate, eu
	                    que sei pra onde a gente vai.
	                    ISIDORO
	                    (mostrando a arma) Ninguém é Mané aqui, meu.
	                    O Paulo quer saber, e eu também. Que boate é
	                    essa que tem quinhentos mil no caixa?
	                    FREDERICO
	                    (sorrindo) Carnaval... (tom) Isidoro.
CENA 3 - EXT/NOITE - LOCAL DA EMBOSCADA
	O carro pára numa clareira bastante iluminada. Frederico e
	Isidoro descem, armas na mão. Isidoro olha em volta, Frederico
	sai andando.
	                    ISIDORO
	                    Não tou gostando disso, Fred. Isso não é
	                    mocó. Quem tá armando?
	                    FREDERICO
	                    Calma. É o combinado. Eu que sei.
Paulo também desce, com a sacola. Os dois vão atrás de Frederico.
	                    ISIDORO
	                    Sabe nada! Por que não falou que a boate era
	                    ponto de droga?
	                    FREDERICO
	                    Quem falou em droga?
	                    ISIDORO
	                    Ninguém falou. Aqui é tudo Mané. E eles
	                    venderam quinhentos mil de confete. Grande
	                    noite!
	                    FREDERICO
	                    Cala a boca e ajuda o garoto com a sacola.
	                    Tem um mocó ali adiante.
	Isidoro, ainda contrariado, vira-se para Paulo, que ainda está ao
	lado do carro. Neste momento, um tiro, vindo não se sabe de onde,
	atinge Paulo no peito.
	                    ISIDORO
	                    Que é isso?
	Isidoro vira-se e vê, em cima de uma espécie de torre, alguém com
	um rifle, atirando neles. Vira-se para Frederico, que agora está
	com a arma apontada para ele.
	                    ISIDORO
	                    Desgraçado!
	Isidoro não chega a atirar em Frederico, mas este é atingido
	pelas costas e cai. Isidoro volta a olhar para a torre. Em
	seguida, joga-se no chão, num salto acrobático, fugindo da mira
	do atirador.
	Isidoro atira em direção à torre. Olha para Frederico, no chão,
	agonizante, com cara de quem não está entendendo nada.
	                    ISIDORO
	                    Você que sabe, né?
	                    PAULO (OFF)
	                    (com dificuldade) Isidoro...
	Isidoro corre para Paulo, que está ajoelhado ao lado do carro,
	segura-o.
	                    ISIDORO
	                    Paulo. Tá bem?
	Um segundo tiro atinge Paulo no ombro. Isidoro responde fogo e
	empurra Paulo para dentro do carro. Fecha a porta e corre para o
	outro lado. Um tiro atinge o vidro da frente do carro.
	Paulo consegue contornar o carro e entrar pela outra porta.
	Começa a manobrar, apressado, enquanto fala com Paulo.
	                    ISIDORO
	                    Paulo, tá inteiro?
	                    PAULO
	                    Quase...
	Isidoro volta a olhar para a torre e percebe que o atirador
	desceu, e se aproxima correndo, rifle na mão.
	                    ISIDORO
	                    Nós vamos escapar dessa, Paulinho. Vamos
	                    enganar eles de novo.
	O carro já está terminando a manobra. Isidoro olha para o espelho
	retrovisor lateral, exatamente quando este é estraçalhado por um
	tiro.
	Na clareira, o carro foge em velocidade, enquanto o atirador
	continua, com o rifle na mão, a atirar em sua direção.
FADE OUT
FADE IN
CENA 4 - INT/NOITE - APARTAMENTO: SALA, COZINHA, QUARTO
	Sala de um apartamento. Um sofá, mesa de centro, duas poltronas,
	um aparelho de televisão, um armário com copos e pratos, uma
	mesa, quatro cadeiras. Uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes na
	parede. Ao fundo, uma janela com grades, cortina de voile aberta.
	Na rua, a copa de uma árvore, a luz acesa de um poste e os
	prédios do outro lado da rua. Na direita, a porta que dá para a
	rua. Ao lado da porta da cozinha, a porta que dá para o interior
	do apartamento.
	DELOURDES, saia e casaco, entra da rua carregando a bolsa, um
	saco de supermercado e um abajur enrolado em papel. Ela acende a
	luz junto à porta, fecha a porta. Larga a bolsa e o embrulho do
	abajur na mesa e, enquanto tira do saco uma garrafa de leite,
	caminha até a cozinha.
	Delourdes acende a luz da cozinha, abre a geladeira, guarda o
	leite, apaga a luz da cozinha e volta para a sala com uma lâmpada
	e uma caixa de sabonete. Liga a televisão, larga o sabonete junto
	à televisão, tira o som da TV.
Na TV, está passando o Fantástico, sem som.
	Delourdes larga a lâmpada sobre a mesa e abre o embrulho do
	abajur, de latão antigo, com uma bola de vidro fosco. Ela retira
	cuidadosamente a bola de vidro do abajur e coloca a lâmpada.
	Na televisão, notícia sobre fuga do presídio: apresentador
	falando sem som, a palavra FUGA em destaque, imagens do presídio,
	um policial mostrando por onde o prisioneiro fugiu.
	Delourdes põe a lâmpada no abajur e, com o cotovelo, derruba a
	bola de vidro da mesa. A bola rola pelo chão e se revela de
	plástico.
	Delourdes pega a bola no chão e põe no abajur. Procura pela sala
	o melhor lugar para colocar o abajur. Experimenta ao lado da TV.
	Não gosta. Experimenta numa mesinha ao lado do sofá, perto da
	janela. Gosta.
	Delourdes tira da mesinha uma revista, coloca ao lado da TV. Liga
	o abajur na tomada, acende e fica apreciando o resultado da luz
	na sala. Apaga a luz junto à porta da rua. Parada, ao lado da
	porta, Delourdes observa a sala.
	Na televisão surge a foto de um homem. (ISIDORO). Delourdes corre
	para a televisão, aumenta o som.
	                    LOCUTOR
	                    ... duzentos mil reais de uma boate em
	                    noventa e oito. A polícia federal está
	                    realizando buscas em todo o estado. (tom)
	                    Virada de mesa no campeonato brasileiro...
	Delourdes, perturbada com o que acabou de assistir, desliga a
	televisão. Corre até a porta, acende a luz e passa a correntinha
	na porta.
	Vai até a porta do quarto, abre a porta e acende a luz do quarto,
	sem entrar. Olha para dentro do quarto.
O telefone toca.
	Delourdes caminha para o telefone, deixa tocar duas vezes. Atende
	mas não diz nada. Respira aliviada. Caminha até a janela com o
	telefone. Olha para fora, para os dois lados da rua, para baixo,
	tanto quanto lhe permite a grade.
	                    DELOURDES
	                    Oi, é você. (...) É, eu vi na tevê. (...) Vi
	                    só o final, mas achei que era isso. Fugiu
	                    quando? (...) Não, ele vai tentar sair do
	                    país. Eu acho. (...) Cheguei há pouco, tava
	                    trabalhando. (...) Tranquei. Tranquei. (...)
	                    Tá bom, mas não vem muito tarde, tenho que
	                    acordar cedo amanhã. (...) Não vou sair, sair
	                    para onde? (...) Tá bom. (...) Eu também.
	                    (...) Beijo.
	Delourdes desliga o telefone. Olha outra vez pela janela. Fecha a
	cortina. Vai até a porta outra vez, confere a chave e a
	correntinha. Apaga a luz junto à porta. Vem até a porta do
	quarto, acende a luz do quarto. Vai até o abajur e dá uma última
	olhada na sala antes de apagá-lo.
	Do lado de fora da janela, agarrado às grades, revelado pela
	súbita transparência da cortina, em silhueta, está ISIDORO.
	Delourdes, agora de costas para a janela, não o vê.
	Ela começa a tirar a roupa enquanto caminha na direção do quarto.
	Ela entra no quarto e encosta a porta. Som de rádio vindo do
	quarto, uma música romântica.
	Isidoro, pendurado na grade, tenta abrir a janela com um pedaço
	de lata. Consegue. Corre lentamente o vidro da janela, abrindo
	uma fresta.
	Isidoro puxa uma corda de nylon vermelha amarrada em sua cintura
	e, na ponta da corda, surge a ponta de um galho. Desamarra o
	galho. Com cuidado, Isidoro mete o galho pela janela, na direção
	da correntinha da porta.
	Isidoro leva algum tempo para conseguir tocar na correntinha.
	Depois de algumas tentativas, consegue empurrar a correntinha,
	que se solta, fazendo algum barulho. O som do rádio desaparece. A
	corrente fica balançando. Isidoro fica imóvel, segurando o galho
	pela janela da sala.
	A música do rádio recomeça. Isidoro recolhe lentamente o galho.
	Amarra outra vez o galho na corda. Fecha cuidadosamente o vidro.
	Delourdes, agora de camisola, entra na sala, acendendo a luz.
	(Iluminada por dentro, a cortina perde a transparência e Isidoro
	desaparece).
	Delourdes procura algo pela sala. Chega junto à porta, bem perto
	da correntinha. Vê o que procura do outro lado da sala. Atravessa
	a sala, pega a caixa de sabonete. Vai até a janela e abre a
	cortina.
	Na rua, a copa de uma árvore, a luz acesa de um poste e os
	prédios do outro lado da rua. Delourdes olha para a rua, para os
	dois lados. Fecha a cortina e volta para o quarto.
	Delourdes passa pelo quarto, onde há uma cama de casal com dois
	travesseiros do mesmo lado, e entra no banheiro. Abre a caixa de
	sabonete. Pára. Volta para a sala.
	Delourdes fica paralisada olhando para a correntinha da porta,
	agora aberta.
Delourdes atravessa a sala lentamente, aproximando-se da porta.
Delourdes corre e fecha a correntinha. Olha para a sala.
	Vai até a janela, olha para a rua, vê se a janela está bem
	fechada. Apaga a luz junto à porta, atravessa a sala e entra no
	quarto.
	Isidoro está sentado na cama. Tem uma arma na mão. Delourdes fica
	parada, olhando-o, sem reação.
	                    ISIDORO
	                    Por que a surpresa? Hoje não é dia de visita?
Isidoro recosta-se, põe os pés sobre a cama.
	                    DELOURDES
	                    Tira os pés da minha colcha.
	Isidoro sorri e tira os pés da colcha. Levanta, aproxima-se de
	Delourdes apontando a arma.
	                    DELOURDES
	                    Tu é muito otário de aparecer aqui.
	                    ISIDORO
	                    Por quê? Tá esperando alguém?
	                    DELOURDES
	                    Estou. E ele é da polícia.
	                    ISIDORO
	                    Velho ou moço?
	                    DELOURDES
	                    Mais moço que você. E mais bonito.
Isidoro ri, abaixa a arma, abraça Delourdes
	                    ISIDORO
	                    Você não sabe mentir, Delourdes.
Beijam-se. Delourdes empurra Isidoro.
	                    ISIDORO
	                    Por que você não foi me visitar?
	                    DELOURDES
	                    Eu trabalhei hoje, Isidoro.
	                    ISIDORO
	                    E na semana passada? E na outra?
	                    DELOURDES
	                    A loja tá abrindo domingo. Eles pagam hora
	                    extra. Eu preciso arrumar a minha vida.
	                    ISIDORO
	                    Duas semanas. Três, contando hoje.
	                    DELOURDES
	                    Cansei de ir lá pra brigar.
	                    ISIDORO
	                    Você tá com alguém.
	                    DELOURDES
	                    Estou. Já te disse. E ele é da polícia. Tá
	                    chegando daqui a pouco.
	                    ISIDORO
	                    É mentira. Olha no meu olho e diz que não
	                    quer mais saber de mim. Diz e eu vou embora e
	                    nunca mais te procuro.
Delourdes dá as costas para Isidoro.
	                    DELOURDES
	                    Vai embora. Não quero tiro aqui em casa.
	Isidoro sorri, larga a arma sobre a mesa de cabeceira. Levanta os
	braços, como se estivesse ameaçado por uma arma.
	                    ISIDORO
	                    Tou desarmado.
	Delourdes, já próxima à parede, volta a olhar para Isidoro,
	séria. Ele se aproxima dela, mãos levantadas, mas também sério.
	Ela fecha os olhos e fala baixo, quase sussurrando.
	                    DELOURDES
	                    Vai embora, Isidoro.
	Ele continua se aproximando. O rosto dele já está quase colado ao
	dela. Ela continua de olhos fechados. Lentamente, ele baixa os
	braços e, com a mão, toca de leve no rosto dela.
	Ela reage soqueando as costas dele, depois abraçando-o, em
	seguida soqueando-o de novo, agarrando com força o tecido da
	camisa dele.
	Os dois estão de pé, ela encostada na parede e abraçada nele, ele
	inclinado sobre ela, num beijo apaixonado, com tesão e urgência.
	Ela volta a soquear as costas dele, sem parar de beijá-lo, e
	enlaça as pernas em torno da cintura dele.
	Então, sem interromper o beijo, ele a conduz em direção à cama.
	Atrás deles, na parede, o quadro de Nossa Senhora de Lourdes
	observa.
CENA 5 - INT/NOITE - APARTAMENTO: QUARTO, BANHEIRO
	A porta do armário se abre. Isidoro, agora sem camisa, olha para
	dentro do armário, procurando.
	                    ISIDORO
	                    Onde é que tá a minha roupa?
Delourdes, recostada na cama, termina de vestir sua blusa.
	                    DELOURDES
	                    Tem uma calça na gaveta de baixo.
Isidoro encontra uma calça na gaveta, pega-a.
	                    ISIDORO
	                    Camisa não?
	                    DELOURDES
	                    Não. Pega uma camiseta minha. E te manda
	                    logo.
	Isidoro escolhe camisetas, deixa duas sobre a cama. Delourdes
	pega a arma na mesinha de cabeceira.
	                    DELOURDES
	                    Você não ia esperar o natal? Não falou que
	                    podia sair este ano, se tivesse bom
	                    comportamento?
	                    ISIDORO
	                    Eu não sou comportado. E eu precisava te ver.
	Delourdes olha para Isidoro, que está olhando para ela, com
	sinceridade. Mas ela em seguida desvia o olhar.
	                    DELOURDES
	                    Como você conseguiu fugir?
	                    ISIDORO
	                    Lá dentro se consegue tudo.
	                    DELOURDES
	                    Se tiver dinheiro.
	Isidoro sorri. Sai, com a camiseta na mão, em direção ao
	banheiro.
	                    DELOURDES
	                    E esta arma?
Ele entra no banheiro, liga o chuveiro.
	                    ISIDORO
	                    Foi um presente. Vou deixar com você. Agora
	                    eu tenho outra.
Ela larga a arma na cama.
	                    DELOURDES
	                    Não quero arma na minha casa. Nunca mais.
Isidoro pega a arma, põe em cima do armário.
	                    ISIDORO
	                    Eu deixo em cima do armário. Você pode
	                    precisar.
Ele entra no chuveiro. Ela fica parada na porta do banheiro.
	                    DELOURDES
	                    Onde é que você vai?
	                    ISIDORO
	                    Buscar o dinheiro.
	                    DELOURDES
	                    Você sabe onde está o Paulo?
	                    ISIDORO
	                    Sei.
	                    DELOURDES
	                    Onde?
	                    ISIDORO
	                    Para que você quer saber?
	                    DELOURDES
	                    Para que eu quero saber? O Paulo é meu irmão.
	                    É uma criança.
	                    ISIDORO
	                    Não é mais.
	                    DELOURDES
	                    Ele nunca tinha feito assalto, nada.
	                    ISIDORO
	                    Sempre tem uma primeira vez.
	                    DELOURDES
	                    Há três anos eu não vejo ele. Quero saber se
	                    ele está bem. Você falou com ele?
	                    ISIDORO
	                    Não. O dinheiro não tá com ele. Tá comigo.
	                    DELOURDES
	                    Como assim?
Isidoro desliga o chuveiro, pega uma toalha, começa a se secar.
	                    ISIDORO
	                    Tá comigo. Eu escondi.
	                    DELOURDES
	                    O dinheiro tá com você? O dinheiro do
	                    assalto?
	                    ISIDORO
	                    Tá.
	                    DELOURDES
	                    Onde?
	                    ISIDORO
	                    Para que você quer saber?
	                    DELOURDES
	                    Isidoro, você passou três anos dizendo que o
	                    Paulo tinha fugido com o dinheiro e agora diz
	                    que o dinheiro tá com você. Onde? Cadê o
	                    Paulo?
	Isidoro termina de se secar, vai indo em direção ao quarto.
	Delourdes vai atrás.
	                    ISIDORO
	                    Você não vai comigo?
	                    DELOURDES
	                    Para onde?
	                    ISIDORO
	                    Qualquer lugar. Com oitocentos mil você pode
	                    escolher. Você não sempre quis conhecer a
	                    Bahia?
	                    DELOURDES
	                    Oitocentos mil? Você nunca me falou que era
	                    tanto.
	Isidoro, já no quarto, começa a se vestir. Escolhe uma camiseta,
	deixa outra sobre a cama.
	                    ISIDORO
	                    É. Não falei.
	                    DELOURDES
	                    E o Paulo? Já pegou a parte dele?
	                    ISIDORO
	                    Não.
	                    DELOURDES
	                    Não quero viver fugindo.
Isidoro sai em direção à cozinha, Delourdes sempre atrás.
	                    ISIDORO
	                    Ninguém vai nos procurar lá. A gente some.
	                    Compra uma casa numa praia, uma cidade
	                    pequena. Eu posso trabalhar, abrir um
	                    negócio. Uma churrascaria.
	                    DELOURDES
	                    E o Paulo?
	                    ISIDORO
	                    Esquece o Paulo.
	Isidoro chega na cozinha, abre a geladeira. Delourdes, atrás
	dele, insiste.
	                    DELOURDES
	                    Como assim?
	                    ISIDORO
	                    Esquece.
	                    DELOURDES
	                    O que aconteceu, Isidoro? Por que você tá
	                    falando isso agora?
Isidoro pega uma panela na geladeira, abre a tampa, examina.
	                    ISIDORO
	                    Tem outras coisas que eu nunca te contei.
	                    DELOURDES
	                    Do assalto?
Isidoro prova o feijão da panela com uma colher.
	                    DELOURDES
	                    O que você não me contou, Isidoro?
	                    ISIDORO
	                    Do assalto. Da fuga.
	                    DELOURDES
	                    O que aconteceu?
	Isidoro volta para a sala, com a panela na mão. Delourdes o
	segue.
	                    ISIDORO
	                    Era uma cilada, o cara que planejou o assalto
	                    armou uma cilada.
	                    DELOURDES
	                    Que cara? O segurança da boate?
	                    ISIDORO
	                    Não, o Frederico morreu na fuga. O chefe
	                    dele. O cara que planejou o assalto. Nos
	                    recebeu à bala. Acertou o Paulo. Mas a gente
	                    fugiu. Com o dinheiro.
	                    DELOURDES
	                    Fugiu? E o Paulo?
	                    ISIDORO
	                    A gente se escondeu.
	                    DELOURDES
	                    Onde?
	                    ISIDORO
	                    Lembra onde o teu pai trabalhou um tempo,
	                    perto de Viamão?
	                    DELOURDES
	                    Lembro.
	                    ISIDORO
	                    O lugar tá abandonado há anos. Ficamos lá
	                    dois dias e os otários não nos acharam.
	                    DELOURDES
	                    Terminaram achando.
	                    ISIDORO
	                    Me acharam quando eu quis. Em outro lugar. E
	                    sem o dinheiro.
	                    DELOURDES
	                    E o Paulo?
	Toca a campainha. Isidoro rapidamente larga a panela de feijão
	sobre a mesa e vai para o quarto pegar sua arma. Delourdes o
	segue. Falam baixo.
	                    ISIDORO
	                    Quem é?
	                    DELOURDES
	                    É o João. Da polícia.
	                    ISIDORO
	                    Diz para ele entrar.
	                    DELOURDES
	                    Tá louco? Você tem que fugir.
	                    ISIDORO
	                    Diz para ele entrar. Eu mato esse cara. Mato
	                    vocês dois.
Ela liga o chuveiro e começa a tirar a roupa. Solta o cabelo.
	                    DELOURDES
	                    Sai daqui. Pela porta da cozinha. Depois você
	                    volta.
	                    ISIDORO
	                    Diz para ele entrar.
	                    DELOURDES
	                    Ele anda armado.
	                    ISIDORO
	                    Eu também.
	                    DELOURDES
	                    Você vai matar um policial e ser preso de
	                    novo? Quer morrer? Mando ele embora, você
	                    volta depois.
	Delourdes pega a panela de feijão sobre a mesa e empurra Isidoro
	de volta até a cozinha.
	                    DELOURDES
	                    Espera ele entrar e sai. Ele não vai demorar.
	                    Não faz barulho.
	Delourdes deixa a panela na cozinha, fecha a porta, corre no
	quarto e busca uma toalha. Isidoro abre a porta da cozinha.
	                    ISIDORO
	                    Quanto tempo?
	                    DELOURDES
	                    Sai!
Delourdes fecha a porta da cozinha.
	                    DELOURDES
	                    Já vou!
Delourdes enrola-se na toalha, abre a porta.
JOÃO, 30 anos, sorridente, pacote na mão, entra. Beijam-se.
	                    DELOURDES
	                    Desculpe, estava entrando no banho.
	                    JOÃO
	                    Ele não ligou?
	                    DELOURDES
	                    Não.
João fecha a correntinha.
	                    JOÃO
	                    Acho que você tem razão. Ele não vai ser
	                    louco de aparecer aqui. Você já jantou?
João vai na direção da cozinha.
	                    DELOURDES
	                    Já.
João abre a porta da cozinha. Entra. Delourdes vai atrás.
	                    DELOURDES
	                    Quer que eu esquente a comida?
	                    JOÃO
	                    Não, estou sem fome. Eu trouxe ambrosia.
	                    Quer?
	                    DELOURDES
	                    Depois.
João abre a geladeira, guarda o pacote.
	                    JOÃO
	                    Vai tomar teu banho. Eu espero.
	                    DELOURDES
	                    Tá bom.
	Delourdes sai. João pega um pedaço de pão sobre a mesa da
	cozinha. Vai até a sala, olha pela janela, para os dois lados.
	Fala alto, na direção do banheiro.
	                    JOÃO
	                    Como foi o dia? Valeu a pena trabalhar
	                    domingo?
	No banheiro, Delourdes, sentada no vaso, chora com o rosto
	escondido na toalha. O chuveiro está ligado. Ela disfarça e
	responde, alto, em direção à sala.
	                    DELOURDES
	                    Normal.
	João entra no quarto, a porta do banheiro está fechada. João pega
	uma camiseta de Delourdes sobre a cama. Com a camiseta na mão,
	procura algo sobre o armário. Pega a arma, examina. Tira as
	balas.
CENA 6 - EXT-INT/NOITE - OBRA / APARTAMENTO
	Isidoro, atrás do tapume de uma obra, observa a janela do
	apartamento. Vê João guardando a arma sobre o armário.
João acende um cigarro e fica observando a janela.
CENA 7 - INT/NOITE - APARTAMENTO: QUARTO
	João larga a camiseta na cama. O som do chuveiro pára. João tira
	o casaco.
	A porta do banheiro se abre, Delourdes surge enrolada numa
	toalha. João se aproxima dela. Abraça-a. Delourdes abaixa a
	cabeça. João segura e ergue o rosto dela. Ele sorri. Ela sorri.
	Beijam-se.
	                    DELOURDES
	                    É melhor você ir embora.
	                    JOÃO
	                    Por quê? Tá esperando alguém?
	                    DELOURDES
	                    Tenho que acordar cedo, você também.
	                    JOÃO
	                    Eu não quero que você fique sozinha hoje.
	                    DELOURDES
	                    Mas eu quero ficar sozinha.
	                    JOÃO
	                    Eu durmo na sala.
	                    DELOURDES
	                    Ele não vai aparecer aqui.
	                    JOÃO
	                    Não é só isso. Eu tenho que te contar uma
	                    coisa.
	                    DELOURDES
	                    Que coisa?
João senta ao lado dela.
	                    JOÃO
	                    A gente descobriu o cara que facilitou a fuga
	                    do Isidoro. Ele contou uma história, pode ser
	                    mentira.
	                    DELOURDES
	                    Que história?
	                    JOÃO
	                    Sobre o Paulo. Teu irmão.
Delourdes levanta, João a segue.
	                    DELOURDES
	                    O que foi?
	                    JOÃO
	                    Calma. Pode ser mentira.
	                    DELOURDES
	                    Fala.
	                    JOÃO
	                    O Isidoro ofereceu pro cara a parte do Paulo.
	                    Do dinheiro do assalto. Disse que era muito
	                    mais do que saiu no jornal. Oitocentos mil.
	                    DELOURDES
	                    E aí?
	                    JOÃO
	                    Ele disse que o Paulo está morto.
	                    DELOURDES
	                    Quem disse?
	                    JOÃO
	                    O Isidoro. Disse pro cara que o teu irmão
	                    está morto. Pode ser mentira. O Isidoro disse
	                    pro cara que ele matou o Paulo. Matou e
	                    enterrou. Pode ser mentira do cara, e também
	                    pode ser mentira do Isidoro.
	                    DELOURDES
	                    Ele disse onde?
	                    JOÃO
	                    Não. Disse que matou, enterrou e escondeu o
	                    dinheiro. Deve ser no lugar onde ele ficou
	                    escondido antes de ser preso.
Delourdes começa a calçar os sapatos.
	                    DELOURDES
	                    Ele matou o Paulo.
	                    JOÃO
	                    Pode ser mentira.
	                    DELOURDES
	                    Eu sei que é verdade.
	                    JOÃO
	                    Calma.
	                    DELOURDES
	                    Eu sei onde é.
	                    JOÃO
	                    O quê?
	                    DELOURDES
	                    Eu sei onde o Isidoro ficou escondido.
	                    JOÃO
	                    Você disse que não sabia.
	                    DELOURDES
	                    Mas agora eu sei.
	                    JOÃO
	                    Como?
	                    DELOURDES
	                    O Isidoro me disse.
	                    JOÃO
	                    Quando?
	                    DELOURDES
	                    Ele esteve aqui. Hoje.
	                    JOÃO
	                    Aqui? E onde ele foi?
	                    DELOURDES
	                    Deve estar aí fora.
João pega a sua arma.
	                    DELOURDES
	                    Ele não vai entrar. Tá esperando você sair
	                    pra voltar.
	                    JOÃO
	                    Como é que você sabe?
	                    DELOURDES
	                    Eu combinei com ele. Disse que ia te mandar
	                    embora.
João pega o telefone.
	                    DELOURDES
	                    O que você vai fazer?
	                    JOÃO
	                    Ligar pra central. Mandar reforço.
	                    DELOURDES
	                    Não. Ele está armado. Se a polícia chega aqui
	                    ele vai entrar atirando.
João desliga o telefone.
	                    JOÃO
	                    E a gente vai esperar ele entrar?
	                    
	                    DELOURDES
	                    Não. Você sai. Pega o carro e me espera no
	                    posto ali da esquina.
	                    JOÃO
	                    Como você vai sair?
	                    DELOURDES
	                    Eu dou um jeito. Vai.
João pega o casaco, confere sua arma.
João, arma na mão, abre a porta do apartamento. Espia o corredor.
CENA 8 - INT/NOITE - CORREDOR DO PRÉDIO
João desce as escadas, arma na mão. Delourdes pára na porta.
	                    JOÃO
	                    Se você não aparecer em dez minutos eu ligo
	                    para a central e volto.
	                    DELOURDES
	                    Tá bom. Guarda a arma.
	João guarda a arma, caminha pelo corredor, desce a escada.
	Delourdes espera ele se afastar e fecha a porta.
CENA 9 - EXT/NOITE - FRENTE DO PRÉDIO
	João sai do prédio de Delourdes, caminha pela calçada. Dá uma
	olhada rápida para a obra em frente. Chega até um carro
	estacionado, pega no bolso a chave para abri-lo.
CENA 10 - INT/NOITE - APARTAMENTO: QUARTO
	Delourdes, de volta ao seu quarto, sobe em uma banqueta, pega a
	arma sobre o armário. Desce da banqueta e coloca a arma na bolsa,
	com cuidado.
CENA 11 - EXT/NOITE - FRENTE DO PRÉDIO
	João, já dentro do carro, liga-o. O carro parte e se afasta. Por
	trás do tapume da obra em frente, surge Isidoro, atento,
	silencioso.
CENA 12 - INT/NOITE - CORREDOR DO EDIFÍCIO
	Isidoro, arma na mão, sobe as escadas do edifício. Pára em frente
	à porta do apartamento. Escuta. Pega a chave e abre a porta.
	Entra e fecha a porta. A luz do corredor se apaga.
	Delourdes está na escada, sentada, arma e sapatos na mão.
	Levanta-se e sai caminhando lentamente até a escada. Ao chegar à
	escada, acelera o passo, desce correndo.
CENA 13 - EXT/NOITE - FRENTE DO PRÉDIO
	Delourdes, já na calçada, pára. Rapidamente, calça os sapatos.
	Então corre, na mesma direção por onde saiu o carro de João.
CENA 14 - INT/NOITE - APARTAMENTO
	Isidoro, ainda com a arma na mão, entra no quarto, devagar,
	desconfiado. Abre a porta do banheiro. Vazio. Isidoro guarda a
	arma. Pára. Vai até o quarto.
	No quarto, passa a mão sobre o armário, no canto onde havia
	deixado a arma para Delourdes. Não encontra nada.
CENA 15 - EXT/NOITE - CARRO
Delourdes entra no carro de João. Bate a porta.
	                    DELOURDES
	                    Vamos embora!
	                    JOÃO
	                    Ele te viu?
	                    DELOURDES
	                    Não. Vai!
João parte com o carro. Sem parar de dirigir, pega o rádio.
	                    JOÃO
	                    Alô, central. Três-zero-oito chamando.
	                    RÁDIO (OFF)
	                    Pode falar, Três-zero-oito.
	                    JOÃO
	                    Tem um cento e cinqüenta aqui. O elemento
	                    está armado, parece perigoso. Vou passar o
	                    endereço.
CENA 16 - INT/NOITE - APARTAMENTO
	Isidoro revira o quarto: arreda a cama, levanta o colchão, vira a
	mesinha de cabeceira, procura algo.
CENA 17 - EXT/NOITE - CARRO
João dirige, Delourdes ao seu lado.
	                    DELOURDES
	                    Ele matou o Paulo.
	                    JOÃO
	                    Pode ser mentira.
	                    DELOURDES
	                    Eu quero ver o meu irmão.
	                    JOÃO
	                    Amanhã a gente vai lá, dá uma busca.
	                    DELOURDES
	                    Eu quero ver agora. Tenho que ter certeza. Se
	                    você não me levar, eu vou sozinha.
João dirige, olha para ela.
	                    JOÃO
	                    Onde é?
CENA 18 - INT/NOITE - APARTAMENTO
	Isidoro pára, vai até o telefone da sala. Examina o telefone. Não
	encontra nada. Olha para a santa. Isidoro examina a santa.
	Encontra algo escondido entre as flores de plástico: um pequeno
	microfone. Isidoro examina o microfone. Sai correndo.
CENA 19 - INT/NOITE - OLARIA ABANDONADA
	Delourdes e João entram numa olaria abandonada. João tem uma
	lanterna e está de arma na mão.
	João ilumina as paredes, encontra um interruptor de luz. Acende.
	Uma única lâmpada amarelada ilumina parcialmente o lugar. João
	faz uma busca por câmaras vazias.
Delourdes examina o chão.
	João entra numa das câmaras e, com a lanterna, ilumina o chão.
	Ali dentro há um fogão de pedra, latas vazias, tocos de vela,
	resto de duas camas improvisadas. A um canto, a lanterna de João
	ilumina algumas tábuas que obstruem um nicho na parede.
	João vai até o canto, afasta as tábuas. Ao contrário dos outros
	já vistos, este nicho está fechado por tijolos, colocados a mão,
	sem argamassa.
	João e Delourdes se olham. João entrega a lanterna para
	Delourdes. Ela segura a lanterna e ilumina o nicho. João vai até
	ali e começa a retirar os tijolos, um por um.
CENA 20 - EXT/NOITE - RUAS
	Na rua, Isidoro olha em volta, chega próximo a um carro
	estacionado, encosta-se nele. Sirene de polícia ao longe. Isidoro
	rapidamente força a janela do carro, abre a porta.
CENA 21 - INT/NOITE - OLARIA ABANDONADA
	Delourdes ilumina o interior do nicho, agora desobstruído. Lá
	dentro há um volume que não conseguimos identificar, envolto em
	pano e semicoberto por terra.
	João olha para Delourdes, abraça-a. Ela se desvencilha dele,
	ajoelha-se em frente ao buraco. Vira o rosto.
	João pega um pedaço de pau no chão, aproxima-se, inclina-se sobre
	o nicho. Mexe no volume lá dentro com seu pedaço de pau, observa.
	João pega alguma coisa no buraco.
	Na mão de João, sujo de terra, um escapulário com a imagem de
	Nossa Senhora de Lourdes. João olha para Delourdes.
	                    JOÃO
	                    Era do Paulo?
	Delourdes faz que sim com a cabeça. Seu rosto se contrai, num
	choro sem lágrimas. João a abraça.
	                    ISIDORO (OFF)
	                    Você tá dormindo com este cara?
	João afasta-se rapidamente de Delourdes. Isidoro está de pé,
	parado, a poucos metros de distância, apontando uma arma para
	eles. A expressão de Delourdes é de ódio.
	                    DELOURDES
	                    Eu vou te matar, Isidoro. Você matou o Paulo.
	                    Eu vou te matar.
	                    ISIDORO
	                    É com esse cara que você tá dormindo?
	                    DELOURDES
	                    É. E ele é muito melhor do que você.
	                    ISIDORO
	                    Mentira. Você não sabe mentir. Nunca soube.
	                    (para João) Cadê sua arma?
	                    
	João olha para o seu casaco, no chão entre os dois, onde se pode
	ver a arma. Isidoro se aproxima e pega a arma de João.
	                    JOÃO
	                    Imagino que o dinheiro esteja ali dentro
	                    também.
	                    ISIDORO
	                    Tá curioso?
Isidoro, com a arma, faz um sinal para João em direção ao nicho.
	                    ISIDORO
	                    Pega.
	João se vira e volta a se inclinar sobre o nicho. Delourdes olha
	para Isidoro, sem dizer nada. Isidoro, sempre apontando a arma
	para João, olha para ela.
	João retira do nicho a grande sacola de couro. Isidoro sorri.
	Delourdes olha para a sacola e de novo para Isidoro. João
	deposita a sacola no chão, em frente a Isidoro.
	                    JOÃO
	                    Você já tem o dinheiro. Não precisa matar
	                    mais ninguém.
Isidoro se aproxima de João, sempre apontando-lhe a arma.
	                    ISIDORO
	                    Eu não matei ninguém. Eu nunca matei ninguém.
	                    Mas pra tudo tem uma primeira vez.
	                    JOÃO
	                    Vai me matar? Tem que ser rápido, porque a
	                    patrulha vai chegar aqui em cinco minutos.
	                    ISIDORO
	                    (sorrindo) Chega, nada! Você não chamou
	                    patrulha nenhuma, pra poder ficar com o
	                    dinheiro.
	                    DELOURDES
	                    Você acha que todo mundo é que nem você?
	                    Mentiroso, assassino.
	Isidoro mexe com a mão esquerda no seu bolso, tira de dentro
	deste o pequeno microfone.
	                    ISIDORO
	                    Quer saber o que o teu namoradinho deixou na
	                    tua casa? Encontrei esse microfone na sala.
	                    Ele ouvia tudo que a gente conversava, sabia
	                    da arma em cima do armário.
Delourdes, desconfiada, olha para João.
	                    JOÃO
	                    Mentira, eu não sei de onde ele tirou isso.
	                    Ele passou três anos dizendo que o teu irmão
	                    tinha fugido com o dinheiro.
	                    DELOURDES
	                    Por que você nunca me contou, Isidoro?
	                    ISIDORO
	                    Eu não podia.
	                    JOÃO
	                    Claro que não. A polícia tinha que acreditar
	                    que o Paulo tava vivo. Assim ele podia
	                    cumprir a pena e depois pegar o dinheiro e se
	                    mandar.
	                    ISIDORO
	                    Foda-se o dinheiro! (para Delourdes) Eu achei
	                    que assim você ia esperar por mim.
	                    DELOURDES
	                    Ele era meu irmão.
	                    JOÃO
	                    Ele matou o teu irmão, Delourdes. Pelo
	                    dinheiro.
	                    ISIDORO
	                    Foda-se o dinheiro! Eu só tinha mais seis
	                    meses de pena e você me largou. Me trocou por
	                    esse cara.
	Delourdes tira o revólver de dentro da bolsa e aponta para
	Isidoro, agora em posição defensiva. A expressão de Delourdes é
	de dúvida, de quem não sabe em que acreditar.
	                    DELOURDES
	                    Você matou o Paulo, Isidoro?
	                    ISIDORO
	                    Não!
Rápido flash-back da cena 3: Paulo recebe o primeiro tiro e cai.
	                    ISIDORO
	                    Eu te falei: foi uma emboscada. A gente ia
	                    dividir o dinheiro em quatro, mas o cara nos
	                    recebeu a bala.
	                    JOÃO
	                    É mentira. Foram três que assaltaram a boate.
	                    Ele matou os dois pra ficar com todo o
	                    dinheiro.
	Delourdes continua apontando a arma para Isidoro, com as duas
	mãos. Isidoro está com a sua arma abaixada.
	                    DELOURDES
	                    Larga essa arma.
	                    ISIDORO
	                    Você não tem coragem de atirar. Não em mim.
	                    DELOURDES
	                    Você matou o meu irmão. Larga essa arma!
	                    ISIDORO
	                    Não fui eu!
	Rápido flash-back da cena 3: Frederico recebe um tiro e cai.
	Isidoro atira e segura Paulo.
	                    ISIDORO
	                    Eu tentei salvar o Paulo. Carreguei ele pra
	                    dentro do carro e consegui fugir.
	                    JOÃO
	                    Não foi essa história que ele contou na
	                    prisão. Não foi essa história que ele contou
	                    pra você.
	                    DELOURDES
	                    Por que o Paulo morreu? Por que você não me
	                    contou isso antes?
	Rápido flash-back da cena 3: Isidoro manobrando o carro para
	fugir, em meio a uma saraivada de tiros.
	                    ISIDORO
	                    Fiquei com o Paulo dois dias aqui. Ele não
	                    podia caminhar, tava perdendo muito sangue.
	                    JOÃO
	                    A prova é o dinheiro, Delourdes. Só ele sabia
	                    onde estava o dinheiro este tempo todo.
	Isidoro olha para a sacola de dinheiro à sua frente, empurra-a
	com o pé, na direção de João.
	                    ISIDORO
	                    Foda-se o dinheiro! Quem tá interessado no
	                    dinheiro é ele. Deixa o dinheiro com ele e
	                    vamos embora, nós dois.
	Delourdes abaixa a arma, vencida. Isidoro e Delourdes se olham,
	ofegantes, apaixonados.
	João leva a mão às costas e pega o revólver que tem escondido na
	parte de trás da cintura. Rapidamente, aponta para Isidoro e
	atira. Isidoro é atingido.
	                    ISIDORO
	                    Era ele.
	Rápido flash-back da cena 3: Isidoro, na fuga, olha pelo espelho
	retrovisor. Quem ele vê apontando o rifle é João. O espelho
	explode com um tiro.
	Delourdes aponta a sua arma para João e dispara: som seco, sem
	bala. Delourdes dispara outra vez. E outra. A arma está sem
	balas.
Isidoro cai, ferido na barriga.
	João se aproxima de Delourdes, que está atônita, ainda com a arma
	na mão, sem entender direito o que aconteceu.
	                    JOÃO
	                    Calma, meu amor. Você tá nervosa. É normal.
	João vai até a sacola de dinheiro, abre-a. Tira de dentro dela um
	maço de notas, dá uma conferida, joga-o de novo na sacola.
	                    JOÃO
	                    Aqui tem quase um milhão. Dá pra fazer uma
	                    vida. A gente pode sumir. Você não quis
	                    sempre ir pra Bahia?
	                    DELOURDES
	                    Como é que você sabe?
	João fica olhando para ela um segundo. Delourdes pega a faca
	quebrada e crava na barriga de João.
João larga a arma e cai.
	Delourdes se ajoelha ao lado de Isidoro. Ele se ergue com
	dificuldade.
	                    ISIDORO
	                    Você tem que fugir. Esconde o dinheiro.
Isidoro arranca a faca do peito de João.
	                    DELOURDES
	                    Vou chamar uma ambulância.
Isidoro limpa o cabo da faca com a camisa.
	                    ISIDORO
	                    Não. Esconde o dinheiro. Liga para a polícia
	                    e diz que eu estou aqui.
	                    DELOURDES
	                    Eu não vou te deixar sozinho.
	                    ISIDORO
	                    Você tem que chamar a polícia, eu vou morrer
	                    aqui. Vai, rápido. Esconde o dinheiro.
Delourdes olha para João.
	                    DELOURDES
	                    E ele?
	                    ISIDORO
	                    Para tudo tem uma primeira vez.
Isidoro segura o cabo da faca e crava em João. Isidoro cai.
	                    ISIDORO
	                    Vai, rápido.
Delourdes vai saindo, carregando a sacola.
	                    ISIDORO
	                    Espera.
Delourdes volta. Isidoro estende a ela o escapulário de Paulo.
	                    ISIDORO
	                    Leva isso.
	Delourdes pega o escapulário, coloca-o em Isidoro e sai. Isidoro
	fica no chão, ao lado do corpo de João e do nicho onde está o
	corpo de Paulo.
CENA 22 - INT/DIA - CELA
	Delourdes, de pé atrás das grades de uma cela, abotoa a camisa.
	Pega uma escova na bolsa e penteia os cabelos. De repente, ela
	parece se lembrar de algo.
	                    DELOURDES
	                    Comprei uma coisa pra você.
	Isidoro, recostado na cama da cela, sem camisa, com o escapulário
	de Paulo no peito e um curativo na barriga, sorri.
	                    ISIDORO
	                    Não tá gastando da nossa poupança?
	                    DELOURDES
	                    Claro que não.
	Delourdes abre a bolsa e tira de dentro dela uma caixinha.
	Entrega para Isidoro, que está terminando de acender um cigarro.
	Isidoro senta na cama, pega a caixinha, abre, divertido.
	Dentro da caixinha tem um daqueles motos-perpétuos de brinquedo.
	Isidoro olha para aquilo por um instante sem entender. Olha para
	Delourdes.
	Ela, divertida, pega o objeto e coloca em movimento as bolinhas,
	que a partir de então não param mais de ir e vir. Isidoro fuma e
	sorri para ela.
	                    ISIDORO
	                    O que é isso?
	                    DELOURDES
	                    Tem lá na loja. Quando não tem cliente eu
	                    fico olhando. Não pára nunca.
	Os dois acompanham um pouco as bolinhas indo e vindo e depois se
	olham, apaixonados, serenos. Delourdes volta a olhar para o
	brinquedo.
	                    DELOURDES
	                    Dá uma sensação de paz.
	                    ISIDORO
	                    É...
	Uma batida tripla do lado de fora da cela. Delourdes e Isidoro
	imediatamente reconhecem o sinal e preparam.
	Um agente carcerário abre a cela. Delourdes dá um beijo em
	Isidoro.
	                    ISIDORO
	                    Domingo você vem?
	                    DELOURDES
	                    Venho, claro.
	Delourdes sai. O agente fecha a cela. Isidoro fica olhando para o
	brinquedo, as bolinhas que vêm e vão.
Delourdes caminha pelas galerias do presídio.
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FIM
	(c) Jorge Furtado e Giba Assis Brasil, 2001
	Casa de Cinema de Porto Alegre
	http://www.casacinepoa.com.br
10/07/2001
| Anexo | Tamanho | 
|---|---|
| diavisit.txt | 46.44 KB |