EM FRENTE DA LEI TEM UM GUARDA

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               EM FRENTE DA LEI TEM UM GUARDA

               roteiro de montagem
               de Ana Luiza Azevedo
               julho de 2000

               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre

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Desenhos ilustram o texto como HQ.

               LOCUTOR
               Em frente da Lei tem um guarda. Uma mulher vinda
               do campo pede para entrar. O guarda diz que, de
               momento, não pode lhe permitir a entrada. A mulher
               pergunta se poderá entrar mais tarde. "É
               possível", responde o guarda.

Rápido clip de fotos de guardas, portas imponentes com guardas na
frente, exército.

HQ continua contando a história.

               LOCUTOR
               A mulher inclina-se para olhar através da entrada.
               "Não tente entrar sem a minha autorização", diz o
               guarda. "Repare que sou muito forte, e a cada
               sala, a cada porta encontrará um guarda mais
               possante que o anterior." A mulher vinda do campo
               não podia entender, devendo a lei, segundo ela,
               ser acessível a todos em qualquer altura.

Fotos de filas, pessoas esperando sentadas na calçada, esperando
para entrar em algum lugar. HQ continua contando a história. No
final, em movimento, a porta se fecha.

               LOCUTOR
               O guarda dá-lhe um banco e deixa-a ficar sentada
               ao lado da porta. Ali se conserva à espera durante
               dias e anos. Finalmente, já quase sem enxergar,
               percebe o brilho que jorra da porta da Lei. Antes
               de morrer, chama o guarda com um gesto. O guarda
               curva-se para ouvi-la. "Que é que deseja saber
               agora", pergunta o guarda. "Todos procuram
               alcançar a lei", responde a mulher; "como se
               explica, portanto, que, durante todos estes anos,
               ninguém, a não ser eu, tenha procurado o acesso a
               ela? " O guarda lhe segreda ao ouvido: "Ninguém,
               exceto você, pode entrar por esta porta, pois esta
               porta foi-lhe destinada. Agora vou fechá-la."
               Kafka - "O Processo"

               TARCÍSIO TOLEDO DA SILVA
               Se eu tivesse que procurar a justiça?

               ELSON DA CRUZ
               Eu não tenho nem idéia de como se faz.

               TARCÍSIO TOLEDO DA SILVA
               Não sei.

               SILVANA
               Eu tive que procurar, fui no Foro, no Foro me
               mandaram em outro lugar, até achar, daí eu tive
               que conseguir uma advogada pra me dar as
               informações. Porque eu não sabia.

               LUÍS EDUARDO FLORES
               Pra pobre, a lei não existe.

               SILVANA
               Porque tu vai muitas vezes no mesmo lugar e eles
               te falam "ah, traz isso", aí tu leva e falta mais
               isso, falta mais aquilo, sempre falta alguma
               coisa.

               IARA
               Porque a justiça realmente é muito demorada.

               SILVANA
               Demorou um ano pra sair a curatela, dois anos pra
               me dar a resposta, daí eu vou ter que aguardar
               mais dois meses pra pegar um documento, pra depois
               então dar entrada de novo e esperar quanto tempo
               mais eles me darem um OK?

               ADILSON EUGÊNIO PINTO
               A Justiça que funciona é só a justiça divina.

Câmara entrando numa vila.

Câmara se aproxima de uma mulher com chimarrão na mão.

               PERGUNTA OFF
               A senhora sabe onde mora a Jane?

Mulher aponta. Chicote para a direita.

Câmara se aproxima de Homem fazendo churrasco.

               PERGUNTA OFF
               O senhor sabe onde mora a Jane?

               HOMEM
               Lá no fim da rua.

Chicote.

               SEU WALMOR
               É a segunda quadra. Passando a avenida aqui, né,
               que tem uma vila com a avenida principal que sai
               no barro vermelho, né, que é asfaltada, é a
               segunda quadra é a dela.

Chicote.
Gurizinho da rua da Jane.

               PERGUNTA OFF
               Tu nos leva na casa dela?

Gurizinho acena positivamente com a cabeça.

Tela dividida, à esquerda câmara seguindo gurizinho enquanto no
outro Ivone dá depoimento.

               IVONE
               Um dia ele confessou que tinha ciúme até da minha
               sombra. Daí, bah, aquilo eu adorava, mas por outro
               lado me sufocava. / Daí, agora por último ele
               extrapolou comigo a ponto de dizer que ia me
               matar, me jogou um prato no rosto, eu saí fora,
               não chegou a pegar.

Câmara se aproxima de rapazes sentados.

               PERGUNTA OFF
               Vocês sabem onde mora a Maria Salete?

               RAPAZES
               Lá no final da rua onde tá aquela criança.

Chicote.

Tela dividida, à esquerda câmara seguindo gurizinho e seu Walmor,
enquanto no outro Jurema dá depoimento.

               JUREMA
               Então eu já sei que, eu mesmo indico. As vezes as
               pessoas me perguntam: O que é que eu tenho que
               fazer? " Eu digo: "Olha, vai lá na Lena, vai lá na
               promotora que elas vão resolver prá ti. Lá elas
               vão te ajudar".

Câmara seguindo Seu Walmor.

               SEU WALMOR
               Agora entramos à esquerda aqui e já logo em
               seguida já é a casa da Carmem.

Gurizinho chega na frente da casa de Jane e grita.

               GURIZINHO
               Jane!

               IONE
               E eu insistia, a trouxa, né, pensando que filho ia
               mudar. Não, quem sabe mais uma filha, né. Daí
               resumo: eu tenho uma, que ele me conheceu eu já
               tinha, e três dele. São quatro filhas no total.
               Daí quando eu procurei a Salete eu coloquei tudo
               pra ela, né,

Câmara chegando na casa da Salete

               PERGUNTA OFF
               Oi, tudo bom? A gente tá procurando a Salete?

               LIZ ÂNGELA (FILHA DA SALETE)
               Tu encontra ela lá no SIM ou na feira.

Ione chegando com a filha no SIM e falando com a Salete.

               IONE (OFF)
               "eu disse: "Olha, Salete, não dá, eu quero
               separação, só que ele não sai de dentro de casa,
               fica me ameaçando. " Daí a Salete: "Não Ione,
               vamos providenciar. " Naquele mesmo dia, ela tava
               quase encerrando aqui, ela disse, eu vim aqui no
               SIM mulher, daí ela disse: "Ione, eu vou te dar um
               papel, tu vai ali na delegacia, registra a
               violência, daí com o registro dali, tu vai lá no
               Fórum, fala com a doutora Maria da Graça e que ela
               vai te atender ainda hoje. Se ela não te atender,
               daí tu volta aqui. Porque ela faz atender, né. Daí
               fui lá e fui muito bem atendida. Daí a doutora já
               resolveu, já passou pro juiz. Não levou quatro
               dias, já teve separação de corpos. Ele saiu de
               dentro de casa, tudo.

Na frente da casa da Salete.

               ANA
               E ela não volta pra casa agora, então?

               LIZ ÂNGELA (FILHA DA SALETE)
               Não, provavelmente só de noite, porque elas vão
               fazer uma passeata, vão passear na feira lá, eu
               não sei te dizer o horário.

Câmara seguindo Seu Walmor.

               SEU WALMOR
               Psiu! (se dirigindo às promotoras que estão saindo
               da casa da Carmem) Não precisa se enfeitar que
               vocês são feia assim mesmo. Não precisa se
               enfeitar. (Nós não tamo se enfeitando...) Não, tão
               toda ó, ó... não precisa. (Ai, coitado...) (Pelo
               menos um dia na semana a gente tem um direito de
               passar um batom.) Não sei, a gente veio pegar
               vocês tudo no fragrante! (risos) A Carmem já tava
               preparada e se pintou toda.

               CARMEM
               Sim, pelo menos, né. Pena que eu não sabia que ia
               ser aqui senão tinha mandado pintar a casa! (fala
               enquanto dá beijinhos no Valmor)

Carmem entrando na casa.

               CARMEM (OFF)
               Essa é minha mansão, Alfredo.

Equipe chegando na casa da Jane Pinheiro. Jane convida para
entrar.

Na frente da Casa da Salete.

               LIZ ÂNGELA (FILHA DA SALETE)
               E tu é quem?

               ANA (OFF)
               Eu tô fazendo um trabalho sobre as promotoras
               legais populares.

Promotoras sendo preparadas para dar entrevista. Making of: Alex
colocando microfone em Carmem, Alfredo preenchendo ficha do
marido da Salete, Lourdes saindo de casa e cumprimentando Ana...

               CARMEM
               Sou de uma família de pai, mãe, quator... nove
               irmãos vivos, sou a décima quarta filha desse
               casamento, tive uma boa educação com meus pais, me
               casei e passei a ser esposa e logo em seguida mãe
               e era isso, apenas isso.

               D. ELVIRA
               Eu sempre fui líder comunitária,

               SALETE
               Eu era faxineira, né, fazia faxina sete dias por
               semana, né.

               JANE
               eu antes de fazer o curso eu era... era e ainda
               sou, né, funcionária pública. Eu trabalhava aqui
               no conselho tutelar.

Tela dividida de um lado Maria Helena, de outro ela em afazeres
domésticos.

               MARIA HELENA
               Eu era uma pessoa, assim, só dentro de casa, né,
               pro marido, pros filhos, né, e depois eu separei,
               né. Porque eu achava que eu tava muito, sendo
               muito, como é que eu vou te dizer... escravizada
               por ele, né, que tinha que ficar só dentro de casa
               e tudo.

Câmara passando por fotos das promotoras em situações domésticas,
fotos de casamento, amamentando, festa de aniversário de criança,
primeira comunhão,...

               SALETE
               Aí... surgiu o convite, né. Pra que... Tinham
               aberto, algumas mulheres, algumas advogadas tavam
               fazendo um projeto pra formar Promotoras Legais
               dentro das comunidades e que seriam mulheres que
               tivessem algum trabalho com a comunidade, que
               fossem lideranças, que tivessem...

               IARA
               Aí aonde a dona Elvira, ela tem uma creche
               comunitária aqui na vila, aí ela falou sobre esse
               curso, né. Que estava abrindo um curso de
               Promotoras Legais Populares que era pra trabalhar
               com mulheres vítimas de violência. Daí, eu digo:
               "Ah, então essa é pra mim mesmo, porque eu sou
               vítima de violência. "

Fotos de mulheres vítimas de violência com manchetes e notícias
de jornal, com dados sobre a violência sofrida pela mulher hoje.

               SALETE
               Como eu, naquela época, devido a quantidade de
               filhos que eu tenho, né, que eu tenho oito filhos,
               é... eu vivia muito dentro dos conselhos
               escolares... E eu era muito lutadora né, nessa
               questão da educação, aí fui convidada pra fazer o
               curso de promotoras legais populares

Edição de fotos dos cursos da Restinga, Partenon, Norte,...
mostrando as coordenadoras e as promotoras.

               LOURDES
               O primeiro dia veio a Denise, a Márcia e a Lelê,
               explicar como é que seria o curso, tá.

               JANE
               Como as gurias disseram assim que elas iam nos dar
               o curso básico, né, os direitos básicos, não era
               uma coisa assim de dizer que nós ia sermos
               advogadas... Mas aí a gente começou a se empenhar,
               se empenhar...

               LOURDES
               Era todos os sábados, a gente tinha, se reunia das
               duas da tarde as cinco da tarde, na Escola Fátima.

Sobre uma foto de uma das aulas, imagens em vídeo que
documentaram os cursos, como juiz dando aula. Mão escrevendo num
quadro negro palavras e frases que dêem uma idéia do que é o
curso: VIOLÊNCIA,...

               MARLI
               Nós tínhamos oficina de auto-estima, nós tínhamos
               oficina de planejamento familiar, nós tínhamos
               diversas coisas, né.

               MARIA FAVORINA BORGES
               Olha eu fiquei sabendo de leis que eu não sabia,
               eu aprendi a lidar com a minha comunidade, quando
               eles vêm me procurar pra socorrer, pra dar alguma
               orientação, eu aprendi a orientar elas.

               JANAÍNA
               A gente aprende direitos, né... tudo sobre o
               código penal a gente aprende também um pouco, né.
               Coisa que nem era do meu ramo de saber, eu fiquei
               aprendendo.

               LOURDES
               ... como encaminhar um Habeas Corpus, como
               orientar as mulher sobre a pensão alimentícia,
               caso de violência, que a gente tinha que orientar
               elas, o que elas tinham que fazer.

               MARLI
               Uma mulher, por exemplo, que ia denunciar o
               marido, algum tipo de violência, duas vezes na
               semana, o próprio cara, não sei como a gente
               chama, o cara da delegacia, o escrivão lá, que
               dizia, ele já desrespeitava a mulher, dizia:
               "olha, tu já esteve aqui e eu não vou ficar
               gastando papel contigo, porque tu já vai vir de
               novo, tu vive se queixando do fulano, mas tu tá
               sempre lá, tu gosta mesmo, tu gosta, tu é sem-
               vergonha, tu é vagabunda! "

HQ conta a mesma história com alguma diferença, guarda a atende e
manda de volta para casa.

               LOCUTOR
               Em frente da Lei tem um guarda. Uma mulher vinda
               do campo pede para entrar. O guarda diz que, de
               momento, não pode lhe permitir a entrada. A mulher
               pergunta se poderá entrar mais tarde. "É
               possível", responde o guarda. A mulher inclina-se
               para olhar através da entrada. "Não tente entrar
               sem a minha autorização", diz o guarda.

               LENA
               E acabava ficando nisso mesmo, assim, quando a
               gente descobriu que não, que a gente descobriu que
               não, que eles tinham a obrigação de registrar, de
               mandar pro IML, né, e tudo, e a gente começou a
               apertar eles, eu acho que eles meio que se
               assustaram um pouco, mas...

Tela divida em dois, enquanto Lourdes fala de como era quando
chegavam na delegacia, no outro Maria Favorina mostra o crachá.

               LOURDES
               Ah, a gente chegava na delegacia e tinha muita
               resistência do pessoal: "Ah, que Promotoras Legais
               populares. Quem são essas Promotoras Legais
               Populares?

               LENA
               ... eles começaram a descobrir que a gente
               conhecia a lei e sabia, né. Porque, claro, teve
               aquela coisa, "não tá no artigo tal, diz que vocês
               tem que fazer", né. Mesmo que... "Ah, mas ela vai,
               daqui a quinze dias ela vai voltar pro marido, tu
               ainda vai te incomodar! " "Não, mas eu quero que
               tu registre". Então essas coisas assim.

               MARIA FAVORINA BORGES
               Olha, antes a pessoa me procurava e eu digo vamos
               dar parte, e eu ia numa delegacia com elas e
               deixava elas lá e voltava, porque aí eu não
               entendia nada, né. Porque eu ficava com medo de
               falar e a polícia ainda vir contra mim, não é. E
               agora não, agora eu sei que eu tenho o meu
               direito, posso falar como cidadã brasileira eu
               posso defender qualquer semelhante meu.

HQ continua contando a história. Mulher acompanhada pela
promotora.

               LOCUTOR
               Em frente da Lei tem um guarda. Uma mulher vinda
               do campo pede para entrar. O guarda diz que, de
               momento, não pode lhe permitir a entrada. A mulher
               pergunta se poderá entrar mais tarde. "É
               possível", responde o guarda.

               LENA
               E uma coisa interessante, que a gente descobriu,
               assim ó, dependendo do caso, eles nos ligam, né,
               assim, todos eles tem, aqui da décima quinta, eles
               tem o telefone da gente, e eles nos ligam: "Olha,
               não dá pra encaminhar pra aí, não dá pra
               encaminhar pro Partenon? ", que é mais perto pra
               eles, né. "A gente tem uma mulher que sofreu um
               caso de violência, tá precisando de assistência",
               então, isso é muito bacana, assim, né.

Mutirão - Grupo de Promotoras entram em uma delegacia e se
apresentam para a delegada.

Tela dividida, de um lado Lourdes, do outro Lena e Lourdes
caminhando pela vila.

               LOURDES
               ... Aí nós fomos pra... conversamos com a
               coordenação do Themis e começamos: "Nós temos que
               ter um lugar pra atender, nós precisamos atender
               essas mulheres. " Aí foi, surgiu a idéia do SIM,
               Serviço de Informação a Mulher.

Câmara acompanha Lena e Lourdes chegando no SIM

               LENA
               Esse é o SIM, só não tá mais organizado porque a
               sala não é mais só nossa,

               LOURDES
               Aí, na época, o primeiro SIM foi a Restinga, o
               Leste e o Partenon. Aí depois foram criados os
               outros, outros três.

Maria Salete atende Ione no SIM e diz o que ela deve levar para o
Forum

               LENA
               Esse aqui é o nosso guia de atendimento.
               (mostrando) Desde 96. Nós fazemos plantão todas as
               segundas-feiras (?). O ano passado a gente
               atendeu... (procura)... 537 mulheres foram
               atendidas.

Detalhe do dedo de Lourdes procurando um caso no livro.

Imagem de atendimento no SIM.

Grupo de promotoras entram num posto de saúde, falam com o médico
e reagem quando o médico diz que "em POA não tem delegacia da
mulher".

               MARLI NAVEGANTES
               a promotora legal popular é aquela pessoa
               qualificada pela Themis, que fez o curso e que se
               recicla sempre, através de palestras, de aulas, de
               seminários, que está sempre a par das novas leis,

               CARMEM
               O que as promotoras têm, é esse conhecimento da
               constituição. É assim, ó, é saber pegar o artigo
               lá da constituição, ler o artigo e entender em que
               situação esse artigo está encaixado naquele
               problema.

JANE do Partenon dá um exemplo mostrando um artigo da
constituição.

               MARIDO SALETE
               Elas tem que falar a linguagem da comunidade. Que
               não adianta vir uma advogada lá do centro aqui na
               Restinga, bem bonitinha, bem embecada, se não
               falar a língua das mulheres daqui.

               LENA
               Nós já fazia um trabalho comunitário. A gente
               sempre fez, eu sempre fiquei mais envolvida com os
               adolescentes, a Lourdes com as mulher, a Clélia
               com os idoso... e a... o que a Themis nos fez foi
               nos lapidar, né. Nos ensinar mais, a como chegar
               nos órgãos públicos, essas coisas assim.

               IONE
               e olha eu não sabia que existia um atendimento tão
               bom aqui dentro da Restinga, porque vários lugares
               eu procurei aqui, mas nenhum eu fui tão bem
               atendida, assim tratada como um ser humano, sabe,
               a pessoa dizer, "não eu to entendendo o teu
               problema, eu to sentindo o teu problema".

               MARIDO SALETE
               Hoje não, elas tem essas promotoras legais que
               conversam e se abrem e elas sabem como vão chegar
               nas autoridades e levarem aqueles casos. Então a
               função delas é essa. Essa é a função delas. E os
               marido em casa ficam de mãe e pai.

               MARLI NAVEGANTES
               Então esta pessoa tem que estar pré-disposta a
               doar um período do seu tempo em favor deste
               trabalho

Câmara acompanha Maria Favorina entrado no Fórum.

Juiz dá uma sentença incompreensível, câmara corrige para Maria
Favorina que traduz a sentença do juiz.

               CARMEM
               Na verdade, o trabalho que as promotoras fazem é
               uma ponte entre a mulher da comunidade e o Poder
               Judiciário, né. E a única coisa que as promotoras
               não tem é o curso de Direito.

               MARIA GUANECI
               Pergunta: E tu já falava assim, antes? Eu sempre
               fui faladeira porque eu sou catequista, né, e eu
               trabalho muito na liturgia das missas e tu sabe
               que lá na frente lendo aquelas palavras difícil do
               evangelho, com o microfone na mão, tu aprende a
               falar, né.

               MARLI
               Hoje mesmo eu tava lá conversando com o advogado
               da Justiça do Trabalho e eu comecei e ele foi lá a
               perguntou assim: "Dona Marli, a senhora me
               desculpa fazer uma pergunta, mas até que ano a
               senhora estudou? " Aí eu disse: "Olha eu não tirei
               o ginásio" na época era o ginásio "Eu não
               completei o ginásio", aí ele disse: "Ah, mas a
               senhora tem, a senhora fala como se a senhora
               tivesse tido um grau superior, né. "

               MARIA GUANECI
               Agora eu tenho segurança no falar, né, agora eu
               sei o que eu tô falando, né. E é interessante
               porque quando a gente fez o curso e começou a se
               apresentar nos lugares... quando a Themis nos
               convidava pra ir nos seminários com juizes,
               promotores... eu pensava assim: "Bah, mas ter que
               falar no meio de juiz, promotor... " Aí montava a
               mesa lá: "Doutor fulano, promotor fulano, juiz de
               tal... Promotora Legal da Restinga... " Aí eu
               pensei um dia assim: "Olha, tsc, eu vou falar do
               meu jeito porque eles são formados, eles têm a
               técnica. Eu não tenho estudo e eu tenho a
               vivência, porque eu tô com o pé no barro, lá na
               vila.

               MARLI
               Essas grandes conferencistas que vem e falam, né
               eu tive o prazer de me encontrar com uma delas em
               Caxias do Sul e ela começou a relatar a
               estatística, só que na estatística de violência,
               de estupro, darara, de não sei o que, tá lá,
               esbarra num determinado ano que termina, e aí elas
               lêem o livro, né, mas sô eu quem sei que foi a
               minha vizinha que foi ontem a noite foi estuprada,
               hoje de manhã eu tava correndo com ela pro IML,
               então aquele número já não é mais o mesmo, se eu
               demorar muito aqui falando contigo, os número tão
               mudando a cada momento.

               MARIA GUANECI
               A gente fala aquilo que a gente vive, né, a nossa
               realidade. Então, fica mais fácil. Aí eu não tenho
               medo de falar perto do juiz, do promotor... Apesar
               que o meu sonho ainda era Direito... é Direito,
               né. Poder me formar, vestir uma toga, subir num
               tribunal, aí, fazer justiça. (risos)

Sobre uma imagem de uma sala de júri, trechos do júri simulado
(curso da Cruzeiro). Angelina e Jane fazendo a defesa.

               JANE
               Quando eu tava fazendo o curso, ele dizia: "Ah,
               agora tu tá metida a advogada... " E ficava
               furioso quando eu me envolvia nessas situações...
               "Tu não tem que se meter na vida das pessoas, não
               sei o que... " Porque, nos traziam essa cultura da
               família dele: "Ah, fulano tá batendo na fulana,
               deixa, é marido dela, ninguém tem que se meter. "
               E eu não admitia isso.

               RUBEM PEÑA (Marido de Carmem)
               ... é uma lógica, né, que se acabou aquela de eu
               te bato e vale tudo, né, hoje em dia ela me bate
               e... Deus me livre, né?... A dificuldade tá é no
               homem entender que a mulher tem seu direito,

               MARLI
               Era assim, eu era freqüentemente violentada nos
               meus direitos, só que eu não sabia que eu tinha
               direitos. Eu achava que o que o meu marido dizia
               era o certo: "Lugar de mulher é em casa, tu tem
               que ficar... que que é isso, tu vive só dentro das
               reuniões, tu não tem mais hora pra chegar, não tem
               hora pra sair,

               RUBEM
               Então quer dizer, só se ela tá, né. Antes não, eu
               chegava às 11... do boteco, né. Eu chegava às 11,
               e ela tava em casa. (Carmem: O boteco tinha forma
               de mulher.) E ela tava em casa, né. Agora eu não
               vou mais no boteco, então ela chega às 11 e eu
               chego as 7, entendeu. (Carmem: O boteco tinha
               forma de mulher.) Aí existe a mudança. Só que a
               gente se adapta, a gente se... tem que se... se
               evoluir. Entendeu?

               CARMEM
               A partir do curso das promotoras eu aprendi que,
               como mulher, eu tenho o meu valor e que, se eu não
               sirvo pra uma determinada pessoa, tem outras
               pessoas que vão me valorizar e que vão me receber
               muito bem.

               MARLI
               eu comecei a me enxergar, o meu 1m52cm passou a
               ter 1m80cm, a minha pele escura passou a ter um
               brilho que antes não tinha, né, a minha visão foi
               ampliada e eu comecei a me enxergar como mulher,
               como,... me separei, em seguida tive um namorado
               maravilhoso, lindo assim.

               JANE
               Porque tu descobre que tu pode bancar algumas
               coisas, entendeu? Claro, eu nunca tive medo de
               dizer: "Olha, disso eu não gosto e aquilo eu não
               quero... " Eu sempre disse, mas não funciona.
               Porque tu não tem firmeza daquilo que tu tá
               dizendo.

Tela dividida, de um lado Rubem, de outro Carmem saindo de casa,
Carmem no Mutirão.

               RUBEM, MARIDO DE CARMEM
               né, nunca fui um menina moça, sempre fui meio
               bandido, mas é que não entendia o fator que agora
               me prende a minha família o que não me prendia
               antes. O que agora me faz lutar por ela, pensar
               nela, entender as coisas como são realmente... eu
               sempre tentei ajudar, sempre tentei ajudar mas não
               entendia o motivo. E agora eu entendo o motivo, a
               luta dela. Eu não entendia, eu ajudava, mas sempre
               por fora. Entendeu?

Salete chegando numa casa de família.

               MARIDO DA SALETE
               ... às vezes eu acho até que ela faz demais. Né,
               que ela se ocupa demais em defesa da mulher, sabe.
               Às vezes esquece a casa pra abranger outras
               áreas... Às vez que "pá, tu esquece a nossa casa e
               vai ajudar... ", tanto que a gente também às vezes
               precisa, a gente... a gente acha falta dela aqui.
               Nós temos cinco filha mulher e três homem, temo
               quatro neto. Não é fácil, ontem, você vê, ontem
               ela chegou meia noite. Ela oito hora da manhã ela
               tava na escola, reunião de pais e mestres, né. E
               agora foi lá pro SIM, lá em cima, fazer uma
               campanha contra a violência da mulher. E amanhã de
               novo, e segunda feira de novo, e assim vai.

               SALETE
               Às vezes eu sentava e, de noite assim, depois que
               todas as crianças tinham ido dormir, eu dizia
               assim: "Pô, essa é a vida que eu vou levar até o
               final! " (risos) "É o futuro que me espera, né? "
               Mas... hoje não. Hoje, uma coisa eu tenho certeza,
               né?

Detalhes de Mulheres se pintando

               JANE (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Ah, e depois do curso a gente mudou, abriu assim,
               como é que eu vou te dizer, como se uma luz,
               assim, no fundo do túnel.

               MARLI (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Quando a gente descobre, né e passa a saber dos
               nossos direitos, parece que o mundo todo se abre,
               né.

               D. ELVIRA (pintada e fantasiada para o carnaval)
               ... antes a gente era discriminado e ficava na
               tua, né, deixava a pessoa passar por cima

               LOURDES (pintada e fantasiada para o carnaval)
               ,... cada dia a gente fica mais, assim,
               desinibida, cada vez a gente desinibe mais.

               MARIA HELENA (pintada e fantasiada para o
               carnaval)
Eu mudei, eu mudei o jeito de falar, o jeito de ser, o jeito de
tratar meus filhos, tudo eu mudei.

               LOURDES (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Primeiro a gente começa, né, não tem coragem nem
               de falar com ninguém, né, depois a gente vai
               acostumando, vai indo, vai indo.

               D. ELVIRA (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Hoje em dia eu bato perna e exijo meus direitos e
               grito e não adianta. Enquanto eu não tiver os meus
               direitos eu tô gritando sempre... protestando
               sempre.

               LOURDES (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Agora eu tô aqui na avenida.

Imagens do bloco. Imagens de carnaval.

               D. ELVIRA (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Pergunta: A senhora já tinha saído no carnaval? Eu
               saio há vinte anos no carnaval.

               JANE (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Já, eu saí cinco anos na Imperador. Depois parei.

               LOURDES (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Ai, é a primeira vez na minha vida! Adorei!

               MARLI (pintada e fantasiada para o carnaval)
               é a primeira vez. Eu saí porque eu sou outra
               mulher, hoje, né. Porque antes eu era toda
               fechada, toda tímida. Quando que eu ia sair assim,
               toda pelada, né.

               LOURDES (pintada e fantasiada para o carnaval)
               Meu marido tá lá na arquibancada, puto da cara: "o
               que que tu me inventa! " Digo: "agora meu filho,
               já era, tô lá. (risos)

Música e imagens das promotoras no carnaval. Close das promotoras
no carnaval.

               LOCUTOR
               Lena, Carmem, Maria Salete, Angelina, Lourdes,
               Marli, Jane, Dona Elvira, Maria Guanacy, Iara...
               Em Porto Alegre são cento e cinqüenta Promotoras
               Legais Populares. São cento e cinqüenta mulheres
               tentando exigir que a justiça seja um direito de
               todos.

HQ continua contando a história, Mulher com promotora na frente
do Juiz.

               LOCUTOR
               Em frente da Lei tem um guarda. Uma mulher vinda
               do campo pede para entrar.

FADE OUT

CARTÃO DE ENCERRAMENTO: O PROGRAMA FORMAÇÃO DE PROMOTORAS LEGAIS
POPULARES FOI CRIADO PELA THEMIS ASSESSORIA JURÍDICA EM 1993 E JÁ
ESTÁ SENDO IMPLANTADO EM ... CIDADES BRASILEIRAS.

PORTO ALEGRE, JUNHO DE 2000.

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(c) Ana Luiza Azevedo, 2000
Casa de Cinema de Porto Alegre
http://www.casacinepoa.com.br

01/07/2000

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