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               A HORA DA ESTRELA
	               episódio da série
	               CENA ABERTA
	               baseado na novela de
	               Clarice Lispector
	               roteiro de Jorge Furtado
	               e Guel Arraes
	               versão de 13/08/2003
	               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
	               para TV Globo
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CENA 1 - CASA DA CARTOMANTE
	Sala da casa da cartomante. Câmera sempre em ponto de vista de
	Macabéa, que nunca aparece. A Cartomante é representada pela
	Regina. Câmera segue a Cartomante pela casa até sua mesa de
	trabalho.
Créditos.
	               CARTOMANTE
	               O meu guia já tinha me avisado que você vinha me
	               ver, minha queridinha. Você é Macabéa, não é? É um
	               nome muito lindo. Entre, meu benzinho. Aceita um
	               cafezinho, minha florzinha? Não tenha medo de mim,
	               sua coisinha engraçadinha. Porque quem está ao meu
	               lado está ao mesmo tempo ao lado de Jesus. Eu sou
	               fã de Jesus. Sou doidinha por ele. Ele sempre me
	               ajudou. Corte. As cartas, separe as cartas.
Enquanto fala a Cartomante vai botando as cartas a mesa.
	               CARTOMANTE
	               (vendo as cartas) Mas, Macabeazinha, que vida
	               horrível a sua! Que meu amigo Jesus tenha dó de
	               você, filhinha! Mas que horror! Quanto ao
	               presente, queridinha, está horrível também. Você
	               vai perder o emprego e já perdeu o namorado,
	               coitadinha de vocezinha. Senão puder, não me pague
	               a consulta, que eu tenho recursos. Macabéa! Tenho
	               grandes notícias para lhe dar! É coisa muito séria
	               e muito alegre: sua vida vai mudar completamente!
	               E digo mais: vai mudar a partir do momento em que
	               você sair da minha casa! Você vai se sentir outra.
	               Fique sabendo, minha florzinha, que até o seu
	               namorado vai voltar e propor casamento, ele está
	               arrependido! E seu chefe vai lhe avisar que pensou
	               melhor e não vai mais lhe despedir! Você vai
	               conhecer um estrangeiro. Ele é alourado e tem os
	               olhos azuis ou verdes. E se não fosse porque você
	               gosta de seu ex-namorado, esse gringo ia namorar
	               você. Se não me engano, e nunca me engano, ele vai
	               lhe dar muito amor e você, minha enjeitadinha,
	               você vai se vestir com veludo e cetim e até casaco
	               de pele vai ganhar. Faz tempo que não boto cartas
	               tão boas. E sou sempre sincera. Eu sou obrigada
	               por Jesus a lhe cobrar porque todo o dinheiro que
	               eu recebo das cartas eu dou para um asilo de
	               crianças. Mas se não puder não pague, só venha me
	               pagar quando tudo acontecer. E agora você vai
	               embora para encontrar o seu maravilhoso destino.
CENA 2 - RUA
	Macabéa sai na rua, feliz. Vai atravessar a rua, vê um gringo
	entrando num carro. Se distrai e é atropelada.
	Cena toda feita em câmera subjetiva. O acidente é visto em plano
	geral sem que vejamos o rosto da atriz que faz o papel.
CENA 3 - RUA
	Cena típica de depois do acidente, populares carro de polícia
	corpo coberto com plástico, vela.
	               REGINA
	               (pra câmera) Esta é a cena final de A Hora da
	               Estrela (mostra a capa de um livro com o título:
	               "A Hora da Estrela" e o nome da autora: Clarice
	               Lispector), romance escrito por Clarice Lispector.
	               É também a cena que dá o título a história, já que
	               "A Hora da Estrela " é a hora da morte da
	               personagem principal, Macabéa.
	A câmera acompanha Regina que vai se afastando da cena do
	atropelamento de maneira que vamos vendo o set de filmagem ao
	fundo com sua parafernália típica de refletores, caminhões,
	equipamento (talvez uma chuva artificial).
	               REGINA
	               (lê) "Ninguém lhe ensinaria um dia a morrer, assim
	               como não se ensina cachorro a abanar o rabo e nem
	               a pessoa a sentir fome: nasce-se e fica-se logo
	               sabendo. Morreria um dia como se antes tivesse
	               estudado de cor a representação do papel de
	               estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna
	               brilhante estrela de cinema, é o instante de
	               glória de cada um..."
	As luzes do set vão apagando, o equipamento sendo recolhido (se
	houver chuva artificial ela vai parando) etc.
	               REGINA
	               (fechando o livro) Na história de Clarice, Macabéa
	               morre no fim. Mas como este fim já passou no
	               início, quem sabe agora a gente vai poder terminar
	               no meio, que é mais alegre... Em todo caso, é
	               melhor começar do começo.
CENA 4 - ESTÚDIO
	Câmera documenta a movimentação de meninas que vieram fazer teste
	de atriz. Regina está por ali.
	               REGINA
	               Bem no começo a gente abriu um teste de atriz para
	               encontrar uma moça com cara de 19 anos,
	               nordestina, franzina, que pudesse fazer o papel de
	               Macabéa. (Vai mostrando a quantidade de meninas,
	               dando dados, etc.)
	Regina entrevista as candidatas sobre tv, se assistem, se gostam,
	atrizes preferidas. Já pensou em ser atriz? Por quê? Por que não?
	Para as que sonham com o glamour do negócio explica que Macabéa é
	o contrário disso, ela é uma anti-estrela. É mais fácil uma
	tímida fazer uma tímida ou uma extrovertida fazer uma tímida?
	(***fazer pesquisa e pauta)
	               REGINA
	               Dessa primeira batelada de entrevistas a gente
	               escolheu quatro meninas que são as, digamos,
	               finalistas. Elas vão fazer o teste para a
	               personagem participando daqui pra frente de
	               algumas cenas da história até a gente se decidir
	               quem vai ficar como Macabéa até o fim. (abre o
	               livro e começa a ler) Tudo no mundo começou com um
	               sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e
	               nasceu a vida.
CENA 5 - BAR
	Moça 1 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
	pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
	mão dela. Ela pede desculpas.
	Moça 2 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
	pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
	mão dela. Ela pede desculpas.
	Moça 3 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
	pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
	mão dela. Ela pede desculpas.
	Moça 4 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
	pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
	mão dela. Ela pede desculpas.
	               REGINA (OFF)
	               Como esta nordestina há milhares de moças
	               espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto,
	               atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não
	               notam sequer que são facilmente substituíveis e
	               que tanto existiriam como não existiriam. Macabéa
	               não sabia que ela era o que era, assim como um
	               cachorro não sabe que é um cachorro. Daí não se
	               sentir infeliz. A única coisa que queria era
	               viver. Não sabia para quê, não se indagava.
CENA 6 - DEPOIMENTOS
	Os depoimentos das moças serão meio documentais meio encenados,
	seja trechos do livro como indicado abaixo seja respostas
	espontâneas a perguntas tipo: Você é feliz? se você não fosse
	feliz teria vergonha de dizer? Você conhece alguém que é muito
	feliz? E esta pessoa se acha feliz? E infeliz? As falas podem ser
	repetidas por mais de uma moça, em tons diferentes.
	               MOÇA 1
	               A pessoa tem obrigação de ser feliz. Por isso, eu
	               sou.
	               MOÇA 2
	               Eu acho que tem uma gloriazinha em viver.
	               MOÇA 3
	               Eu acho bom ficar triste.
	               MOÇA 4
	               Tristeza é coisa de rico, é pra quem pode, pra
	               quem não tem o que fazer. Tristeza é luxo.
CENA 7 - PENSÃO
	Moça 1 pega a bolsa, apaga a luz e sai do quarto. Moça 2 fecha a
	porta do quarto da pensão. Moça 3 entrega a chave para a dona da
	pensão. Moça 4 sai na rua. Cruza com duas Garotas de Vida Fácil,
	na calçada.
	               REGINA (OFF)
	               Sei que há moças que vendem o corpo, única posse
	               real, em troca de um bom jantar em vez de um
	               sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem
	               falarei mal tem corpo pra vender, ninguém a quer,
	               ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém.
	               Ela era incompetente para a vida. Faltava-lhe o
	               jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava
	               conhecimento da espécie de ausência que tinha de
	               si em si mesma.
CENA 8 - DEPOIMENTOS
	(***fazer pauta de perguntas para obter respostas sobre esse
	tema)
	               MOÇA 4
	               O mundo é fora de mim. Eu sou fora de mim.
	               MOÇA 1
	               A vida é assim: uma dia a gente aperta o botão e
	               ela acende. Mas tem que descobrir onde fica o
	               botão de acender.
	               MOÇA 2
	               Antes de nascer a pessoa é o que? Uma idéia? A
	               pessoa está morta?
CENA 9 - RODOVIÁRIA
	Moça 1 desce do ônibus. Câmera acompanha até encontrar Moça 2 que
	está pegando sua bagagem no ônibus. Ela sai com mala, câmera
	acompanha até encontrar Moça 3, dormindo num banco. Moça 4 cruza
	a cena, câmera a acompanha. Ela larga a mala no chão. Um Homem se
	aproxima, oferece ajuda, pega a mala dela e sai correndo. Ela sai
	atrás. Câmera acompanha até perdê-la num plano geral com a cidade
	ao fundo.
	               REGINA (OFF)
	               Quando ela era pequena, como não tinha a quem
	               beijar, beijava a parede.   Com dois anos de idade
	               lhe haviam morrido os pais de febres ruins no
	               sertão de Alagoas. Muito depois fora para Maceió
	               com a tia beata, única parenta sua no mundo.
	               Depois - ignora-se por que - tinha vindo para o
	               Rio, o inacreditável Rio de Janeiro.
CENA 10 - ESCRITÓRIO
	O chefe, seu Silveira, examina um documento digitado por Macabéa,
	representada pela Moça 1.
	               SEU SILVEIRA
	               Você digita muito devagar, não acerta a formatação
	               e parece que tem raiva de duas consoantes juntas.
	               (mostra no papel) Desi-gui-nar, i-gui-nição. E
	               ainda quer que eu, A-gui-naldo Silveira, assine
	               isso. Você é muito i-gui-norante Macabéa.
	               MACABÉA
	               Sou um pouco fraca de estudo, seu Silveira.
	               SEU SILVEIRA
	               Você erra demais. Desse jeito só vou poder manter
	               Glória no emprego.
	               MACABÉA
	               Me desculpe o aborrecimento.
	               SEU SILVEIRA
	               (se arrependendo, com pena) Bem, a despedida pode
	               não ser pra já, é capaz até de demorar um pouco.
	Seu Silveira sai. Macabéa dirige-se a uma moça de cabelos
	oxigenados que trabalha de costas numa mesa em frente da dela.
	               MACABÉA
	               Glória, você me arruma uma aspirina?
	               GLÓRIA
	               (se vira, a personagem é feita por Regina) Por que
	               é que você me pede tanta aspirina? Não estou
	               reclamando, mas isso custa dinheiro.
	               MACABÉA
	               É para eu não me doer.
	               GLÓRIA
	               Como é que é? Hein? Você se dói?
	               MACABÉA
	               Eu me dôo o tempo todo.
	               GLÓRIA
	               Aonde?
	               MACABÉA
	               Dentro. Não sei explicar.
Macabéa toma a pílula a seco.
	               GLÓRIA
	               Você fica tomando pílula sem água, um dia ela te
	               cola na parede da garganta que nem galinha de
	               pescoço meio cortado, correndo por aí.
CENA 11 - ESTÚDIO
	Trechos de Regina passando esta mesma cena com as 4 moças, dando
	as deixas de Glória, dirigindo as Macabéas, as intruções de
	Regina vão obtendo tons variados, por exemplo:
	               Sou um pouco fraca de estudo, seu Silveira. (se
	               desculpando, envergonhada, ou protestando,
	               irritada).
	               Glória, você me arruma uma aspirina? (com vergonha
	               por estar pedindo pela décima vez, ou como quem
	               pede pela primeira vez.
	               Eu me dôo o tempo todo (com simplicidade e
	               ingenuidade ou mais coitadinha. Ou com certo
	               orgulho.)
Regina dá as várias falas de várias maneiras.
CENA 12 - ESCRITÓRIO
Outro dia. Macabéa agora representada por Moça 2.
	               GLÓRIA
	               Oh mulher, não tens cara?
	               MACABÉA
	               Tenho sim. É porque sou achatada do nariz, sou
	               alagoana.
	               GLÓRIA
	               Me desculpe eu perguntar: ser feia dói?
	               MACABÉA
	               Nunca pensei nisso, acho que dói um pouquinho. Mas
	               eu lhe pergunto se você que é feia sente dor.
	               GLÓRIA
	               Eu não sou feia!
CENA 13 - LOJA DE DEPARTAMENTO
As quatro moças e Glória numa loja de departamentos
	               REGINA OFF
	               Vez por outra Macabéa ia para a Zona Sul e ficava
	               olhando as vitrines faiscantes de jóias e roupas
	               acetinadas - só para se mortificar um pouco. É que
	               ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e
	               sofrer um pouco é um encontro.
CENA 14 - DEPOIMENTOS
	               MOÇA 3
	               Ouço galo cantar a vida na cidade, me lembro do
	               sertão.
	               MOÇA 4
	               Nunca recebi um presente. Nem carta...
	               MOÇA 2
	               Às vezes eu sinto assim uma saudade do futuro.
	               MOÇA 1
	               Nunca comi num restaurante. Só em pé, no balcão.
CENA 15 - LOJA DE DEPARTAMENTOS
	Macabéa (Moça 3) e Glória na frente de uma balcão cheio de
	cosméticos.
	               MACABÉA
	               (comentando um cartaz com pote de creme
	               hidratante) É tão bonito, chega dá vontade de
	               comer.
	               GLÓRIA
	               Você é doida. Experimenta esse batom aqui.
	               MACABÉA
	               Não paga, não?
	               GLÓRIA
	               É amostra, pra pessoa ver se quer comprar.
	               MACABÉA
	               Querer eu quero, mas com que dinheiro?
	               GLÓRIA
	               (vai passando) Experimenta, criatura.
CENA 16 - BOTEQUIM
	Macabéa está olhando seu reflexo num talher. Começa com reflexo
	do close de sua boca pintada com batom da loja. Quando abre o
	plano vemos que a personagem passou a ser representada pela Moça
	4. Ela e Glória estão sentadas numa mesa
	               GLÓRIA
	               Está parecendo uma mulher de soldado.
	               MACABÉA
	               Eu sou doida por um soldado. Quando vejo um sinto
	               um friozinho na barriga de medo de ele me matar.
	               GLÓRIA
	               Isso não é medo, é vontade.
Garçon põe sanduíche pra Glória e cafezinho pra Macabéa.
	               GLÓRIA
	               Você faz regime pra emagrecer, é?
	               MACABÉA
	               Eu tenho enjôo pra comer. Quando eu era pequena
	               descobri que tinha comido gato frito.
CENA 17 - RUA DO CENTRO
	Sob a marquise de um grande prédio, Olímpico acompanha o caminhar
	de Macabéa por trás de uma série de colunas. As quatro moças se
	revezam no papel de Macabéa. Olímpico estranha, mas continua
	seguindo Macabéa.
	               REGINA (OFF)
	               Que se há de fazer com a verdade que todo mundo é
	               um pouco triste e um pouco só Pergunto eu:
	               conheceria ela do amor o seu adeus? Conheceria
	               algum dia do amor os seus desmaios? A nordestina
	               se perdia na multidão. Até que num desses finais
	               de tarde encontrou a primeira espécie de namorado
	               de sua vida, o coração batendo como se ela tivesse
	               engolido um passarinho esvoaçante e preso.
	Olímpico corta o caminho de Macabéa (não vemos por qual das moças
	ela é representada) e fala:
	               OLÍMPICO
	               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
	               passear?
CENA 18 - SALA DE ENSAIO
Regina, o ator que faz Olímpico e as moças estão no estúdio.
	               REGINA
	               (lendo) O rapaz e ela se olharam e se reconheceram
	               como dois nordestinos, bicho da mesma espécie que
	               se farejam.
	Regina e o ator vão dirigindo o ensaio com as moças. Montagem de
	algumas réplicas da cena a seguir, com as várias moças e algumas
	instruções de entonação (e/ou marca) dadas pela Regina e pelo
	ator.
	               ATOR
	               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
	               passear?
	               MOÇA 1
	               (feliz, respondendo imediatamente) Sim.
	               MOÇA 2
	               (tímida) Sim.
	               REGINA
	               Assustada, com medo.
	               MOÇA 3
	               (vacilante) Sim.
	               ATOR
	               Meu nome é Olímpico Jesus, e se me permite qual é
	               mesmo a sua graça?
	               MOÇA 4
	               Macabéa.
	Regina interrompe: "fala isso meio baixinho, com vergonha do
	nome, por isso que ele não entende direito". Sugere baixar um
	pouco a cabeça ao dizer o nome. A moça repete com a marca e a
	entonação, o ator faz ela levantar o olhar pegando no queixo e
	perguntando "Maca o que? " etc
	               ATOR
	               Maca o quê?
	               MOÇA 4
	               Béa.
	               MOÇA 1
	               (rindo) Eu não entendo o seu nome. Olímpico?
	               MOÇA 2
	               (tímida) Eu não entendo o seu nome. Olímpico?
	               MOÇA 3
	               (curiosa) Eu não entendo o seu nome. Olímpico?
	Regina conversa com as moças (as quatro "finalistas" e também as
	primeiras candidatas) sobre namoro, amor, etc.
CENA 19 - RUA
	Voltamos a cena do encontro de Macabéa com Olímpico. A cena agora
	passa inteira mas trocando a cada réplica a atriz que faz
	Macabéa.
	               OLÍMPICO
	               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
	               passear?
	               MACABÉA (MOÇA 1)
	               Sim.
	               OLÍMPICO
	               Meu nome é Olímpico Jesus, e se me permite qual é
	               mesmo a sua graça?
	               MACABÉA (MOÇA 2)
	               (Baixando a cabeça) Macabéa.
	               OLÍMPICO
	               (levantando o queixo dela) Maca o quê?
	               MACABÉA (MOÇA 3)
	               Béa.
	               OLÍMPICO
	               Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.
	               MACABÉA (MOÇA 4)
	               Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele
	               por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu
	               vingasse. Pois como o senhor vê eu vinguei... Pois
	               é...
	               OLÍMPICO
	               Também no Sertão da Paraíba promessa é questão de
	               grande dívida de honra.
	               MACABÉA (MOÇA 1)
	               Eu não entendo o seu nome. Olímpico?
	               OLÍMPICO
	               Eu sei mas não quero dizer.
	               MACABÉA (MOÇA 2)
	               Não faz mal, não faz mal... A gente não precisa
	               entender o nome.
	Eles passeiam pelas ruas (planos dele com cada moça
	sucessivamente, repetindo a mesma ação).
	               REGINA (OFF)
	               Ele a olhara enxugando o rosto molhado com as
	               mãos. E a moça, bastou vê-lo para torna-lo
	               imediatamente sua goiabada com queijo. Nesta tarde
	               de dia sete o êxtase inesperado para seu tamanho
	               pequeno corpo.
CENA 20 - SALA DE ENSAIO
	               REGINA
	               (lendo) Maio, mês das borboletas noivas flutuando
	               em brancos véus. Contarei agora a história da
	               história". (Fecha o livro) A "história da
	               história" é o romance de Macabéa com Olímpico.
	               Aqui começa a história propriamente dita e chegou
	               a hora de escolher qual de vocês vai passar a
	               representar sozinha a Macabéa nessa história. Mas
	               quem não for escolhida não vá ficar muito triste
	               não, porque de toda maneira cada uma já é um pouco
	               Macabéa, já viveu pedacinhos da história dela.
FIM DO PRIMEIRO BLOCO
SEGUNDO BLOCO
CENA 21 - FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO
Olga Borelli com Regina na feira de S. Cristóvão.
	               REGINA
	               A Olga Borelli era a secretária e também uma
	               grande amiga da Clarice Lispector.
	               OLGA
	               Aos domingos nós saíamos, sem destino. Algumas
	               vezes íamos à Floresta da Tijuca, outras ao
	               zoológico, outras vínhamos aqui, na feira de São
	               Cristóvão. Andávamos nas barracas, comíamos algum
	               prato típico. Foi num desses dias que a Clarice
	               começou a escrever A Hora da Estrela. Sentamos num
	               banco, ela observando as pessoas...
	Câmera abandona Regina e Olga, passeia pelas mesas até encontrar
	Macabéa. (a atriz escolhida para o papel)
	               OLGA (OFF)
	               ... ela começou a fazer anotações e aí foi
	               surgindo a Macabéa.
CENA 21 - RUAS
Olímpico e Macabéa passeando.
	               REGINA (OFF)
	               Da segunda vez que se encontraram caía uma chuva
	               fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se
	               darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de
	               Macabéa parecia lágrima escorrendo.
Outro dia, os dois passeando.
	               REGINA (OFF)
	               Da terceira vez que se encontraram - pois não é
	               que estava chovendo?
	               OLÍMPICO
	               Você só sabe mesmo é chover...
	               MACABÉA
	               Desculpe.
CENA 22 - SALA DE ENSAIO
Regina, o ator e a moça que faz Macabéa estão lendo o texto.
	               REGINA
	               (lendo) "Eles não sabiam como se passeia. Pararam
	               diante da vitrine de uma loja de ferragem onde
	               estavam expostos atrás do vidro canos, latas,
	               parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo
	               que o silêncio já significasse uma ruptura disse
	               ao recém namorado":
	               MOÇA
	               Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?
	Regina comenta a dificuldade de se arrumar assunto no início de
	um namoro. Para agradar o outro a pessoa quer dizer coisas
	originais mas como não sabe ainda o que o outro pensa tem medo
	que suas opiniões desagradem e passa a falar banalidades que não
	comprometam muito e a conversa fica sem graça.
CENA 23 - RUA
Os dois sentados num banco de praça.
	               OLÍMPICO
	               Pois é.
	               MACABÉA
	               Pois é o quê?
	               OLÍMPICO
	               Eu só disse pois é.
	               MACABÉA
	               Mas "pois é" o quê?
	               OLÍMPICO
	               Melhor mudar de conversa porque você não me
	               entende.
	               MACABÉA
	               Entender o que?
	               OLÍMPICO
	               Santa Virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto já!
	               MACABÉA
	               Falar então de que?
	               OLÍMPICO
	               Por exemplo, de você.
	               MACABÉA
	               Eu?!
	               OLÍMPICO
	               Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala
	               de gente.
	               MACABÉA
	               Desculpe mas não acho que sou muito gente.
	               OLÍMPICO
	               Mas todo mundo é gente, meu Deus!
	               MACABÉA
	               É que não me habituei.
	               OLÍMPICO
	               Não se habituou com quê?
	               MACABÉA
	               Ah, não sei explicar.
	               OLÍMPICO
	               E então?
	               MACABÉA
	               Então o quê?
	               OLÍMPICO
	               Olhe, eu vou embora porque você é impossível!
	               MACABÉA
	               É que só sei ser impossível, não sei mais nada.
	               Que é que eu faço para conseguir ser possível?
	               OLÍMPICO
	               Pare de falar porque você só diz besteira! Diga o
	               que é do teu agrado.
	               MACABÉA
	               Acho que não sei dizer.
	               OLÍMPICO
	               Não sabe o que?
	               MACABÉA
	               Hein?
	               OLÍMPICO
	               Olhe, até estou suspirando de agonia. Vamos não
	               falar em nada, está bem?
	               MACABÉA
	               Sim, está bem, como você quiser.
	               OLÍMPICO
	               É, você não tem solução.
CENA 24 - QUARTO
Macabéa liga e sintoniza o rádio
	               LOCUTOR
	               Rádio relógio, hora certa e cultura. Você sabia
	               que o cavalo é o único animal que não cruza com
	               filho?
	               MACABÉA
	               Isso é indecência, moço.
	               LOCUTOR
	               São 18 horas, dez minutos e trinta segundos. Você
	               sabia que Lewis Carrol, autor do clássico "Alice
	               no País das Maravilhas" foi também um grande
	               Matemático, tendo formulado várias leis da
	               álgebra?
CENA 25 - RUA
Os dois no banco de praça
	               MACABÉA
	               O que é álgebra?
	               OLÍMPICO
	               Saber disso é coisa de fresco... Desculpe a
	               palavra de eu ter dito fresco porque isso é
	               palavrão para moça direita.
CENA 26 - QUARTO
Macabéa ouvindo o rádio.
	               LOCUTOR
	               Rádio Relógio, hora certa e cultura.
CENA 27 - RUA
Os dois no banco de praça
	               MACABÉA
	               O que é cultura?
	               OLÍMPICO
	               Cultura é cultura. Você também vive me encostando
	               na parede.
	               MACABÉA
	               É que muita coisa na Rádio relógio eu não entendo
	               bem.
	               OLÍMPICO
	               Eu não preciso de hora certa porque tenho relógio.
	               MACABÉA
	               Sabe que na minha rua tem um galo que canta?
	               OLÍMPICO
	               Por que é que você mente tanto?
	               MACABÉA
	               É verdade.
	               OLÍMPICO
	               Pois não acredito.
	               MACABÉA
	               Juro. Quero ver minha mãe cair morta se não é
	               verdade.
	               OLÍMPICO
	               Mas sua mãe já não morreu?
	               MACABÉA
	               É mesmo.
	               OLÍMPICO
	               Você está fingindo que é idiota ou é idiota mesmo?
	               MACABÉA
	               Não sei bem o que sou.
	               OLÍMPICO
	               Olhe Macabéa...
	               MACABÉA
	               Olhe o que?
	               OLÍMPICO
	               Não meu Deus, não é olhe de ver é olhe como quando
	               se quer que uma pessoa escute. Está me escutando
	               MACABÉA
	               Tou, Tudinho.
	               OLÍMPICO
	               Tudinho o que, meu Deus, se eu ainda não falei!
	               Pois olhe, vou lhe pagar um café no botequim.
	               Quer?
	               MACABÉA
	               Pode ser pingado com leite?
	               OLÍMPICO
	               Pode, é o mesmo preço, se for mais o resto você
	               paga.
	               MACABÉA
	               Você telefona um dia pra mim lá no escritório?
	               OLÍMPICO
	               Telefonar pra ouvir tuas besteiras?
	               MACABÉA
	               O telefone do escritório só chama Glória e seu
	               Silveira.
	               OLÍMPICO
	               Quem é Glória?
CENA 28 - SALA DE ENSAIOS
Regina e Moças.
	               REGINA
	               A Glória é quase o contrário da Macabéa. (lendo):
	               "Glória possuía no sangue um bom vinho português e
	               também era amaneirada no bamboleio do caminhar por
	               causa do sangue africano escondido.
CENA 29 - DOCUMENTÁRIO
	Meninas de subúrbio, referências de Glória, produzidas, andando
	na rua, no cabeleireiro.
	               REGINA (OFF)
	               Apesar de branca tinha em si a força da mulatice.
	               Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos crespos cujas
	               raízes estavam sempre pretas. Tinha uma pintinha
	               marcada junto da boca, só para dar uma gostosura,
	               e um buço forte que ela oxigenava. Sua boca era
	               loura. Parecia até um bigode. Oxigenava os pêlos
	               das pernas cabeludas e das axilas que ela não
	               raspava."
CENA 30 - SALA DE ENSAIO
	Regina conversa com as meninas, as quatro finalistas e as
	primeiras candidatas sobre oxigenar cabelo, papo de cabelereiro,
	vaidade etc. Pergunta pras meninas se elas acham o jeito dela,
	Regina, parecido com Glória. Processo de escolha do figurino:
	pagode, funk, surfista, tendências novas de moda no subúrbio.
	(pesquisar)
	               REGINA
	               (voltando a ler no livro) "Glória era toda
	               contente consigo mesma. Dava-se grande valor. Era
	               uma safadinha esperta mas tinha força de coração!
	               Penalizava-se com Macabéa mas ela que se
	               arranjasse, quem mandava ser tola? Tinha o
	               traseiro alegre e fumava cigarro mentolado para
	               manter um hálito bom. O fato de ser carioca
	               tornava-a pertencente ao ambicionado clã do sul do
	               país. Glória era um estardalhaço de existir".
	               MACABÉA
	               (lendo) O telefone do escritório só chama Glória e
	               seu Silveira.
	               OLÍMPICO
	               (lendo) Quem é Glória?
CENA 31 - ESCRITÓRIO - RUA
	Telefone toca no escritório, Macabéa olha esperançosa, mão de
	Glória atende.
	               GLÓRIA
	               Sou eu, quem é?
Olímpico no orelhão
	               OLÍMPICO
	               Olímpico Jesus para servi-la. Obtive informações
	               de sua pessoa por intermédio de uma amiga.
	               GLÓRIA
	               Sei, e daí?
	               OLÍMPICO
	               E daí que se me permite a senhorinha, gostaria de
	               lhe convidar a passear.
	               GLÓRIA
	               A troco?
	               OLÍMPICO
	               Simpatia.
	               GLÓRIA
	               Sem me conhecer?
	               OLÍMPICO
	               Imagine conhecendo.
	               GLÓRIA
	               E quem lhe disse que eu quero lhe conhecer?
	               OLÍMPICO
	               Como é que você sabe que não quer me conhecer se
	               você não me conhece?
	               GLÓRIA
	               Posso não ir com sua cara.
	               OLÍMPICO
	               A senhorinha pode olhar agora mesmo uma fotografia
	               minha.
	               GLÓRIA
	               Por que, você saiu no jornal?
	               OLÍMPICO
	               Não, mas sua colega aí do escritório tem uma foto
	               minha na carteira.
	               GLÓRIA
	               Então vocês estão namorando!
	               OLÍMPICO
	               Ela que pensa, coitada. Você acha que alguém vai
	               namorar Macabéa?
CENA 32 - CABINE AUTOMÁTICA DE FOTOS 3x4
	Aqueles flashs de fotografia 3x4 no rosto de Glória. A tirinha de
	fotos saindo, mão de Glória pegando.
CENA 33 - ESCRITÓRIO
	Detalhe daquela tirinha de fotos 3x4 sendo de Glória sendo
	cortada por uma tesoura. Glória pega uma foto.
	               GLÓRIA
	               Maca, você acha que eu sou sua amiga?
	               MACABÉA
	               Acho. Muito.
	               GLÓRIA
	               Pois eu fiz essa foto pra você.
	Macabéa sorri, estende a mão. Glória se adianta e pega a bolsa
	dela.
	               GLÓRIA
	               Deixa eu botar na sua carteira.
Glória abre a carteira e vê a foto de Olímpico.
	               GLÓRIA
	               Você, hein?! Diz que é minha amiga mas nem pra me
	               contar que está de namorado!
Glória põe sua foto do lado da foto de Olímpico.
CENA 34 - CABINE AUTOMÁTICA DE FOTOS 3x4
	Aqueles flashs de fotografia 3x4 no rosto de Olímpico e Glória
	juntos. Numa delas Glória levanta de brincadeira, deixando só os
	peitos em quadro ao lado do close de Olímpico. A tirinha de fotos
	saindo, mão de Olímpico pegando.
	               OLÍMPICO
	               Glória e Olímpico, o nome da gente é cheio de
	               grandezas.
	               GLÓRIA
	               Você trabalha?
	               OLÍMPICO
	               Sou metalúrgico, graças a Deus.
	Glória toma da mão dele e tira a foto em que aparecem seus
	peitos.
	               GLÓRIA
	               Essa aqui você não vai levar não, meu filho.
	               OLÍMPICO
	               Não precisa. A cara é mais importante do que o
	               corpo porque a cara mostra o que a pessoa está
	               sentindo.
	               GLÓRIA
	               Você com esse jeitinho sério de Paraíba é muito do
	               enrolão, sabia?
	               OLÍMPICO
	               Eu?
	               GLÓRIA
	               Você, mesmo. Parece deputado nordestino prometendo
	               acabar com a seca.
	               OLÍMPICO
	               O que é que eu fiz?
	               GLÓRIA
	               Nada, santinho do pau oco. Você não sabe que
	               Macabéa é doida por você?
	               OLÍMPICO
	               Glória, tudo quem faz é o destino. Foi o destino
	               que botou você no meu caminho.
	               GLÓRIA
	               E quem botou sua mão na minha coxa?
CENA 35 - CABINE DE FOTOS
	Aqueles flashs de fotografia 3x4 no rosto de Macabéa toda
	arrumadinha. A tirinha de fotos saindo, mão de Macabéa pegando.
CENA 36 - RUA
	               MACABÉA
	               (entregando a foto pra Olímpico) Toma. É colorida.
	               OLÍMPICO
	               (olhando) Não sei pra quÊ! Você tem cor de suja.
	               MACABÉA
	               Gostou não?
	               OLÍMPICO
	               Boazinha. Vou guardar como lembrança de nossa
	               amizade.
	               MACABÉA
	               Ontem eu ouvi no rádio uma música linda.
	               OLÍMPICO
	               Era samba?
	               MACABÉA
	               Acho que era. Chamava-se "Uma Furtiva Lacrima".
	               Não sei por que eles não disseram "lágrima". A voz
	               era tão macia que até doía ouvir. Até me deu
	               vontade de chorar.
	               OLÍMPICO
	               E por que não chorou de uma vez?
	               MACABÉA
	               Não vinha lágrima. Nunca que chorei direito.
	               OLÍMPICO
	               É, deste mato não sai coelho.
	               MACABÉA
	               Como é que atriz de novela faz pra chorar?
	               OLÍMPICO
	               Pra que você quer saber? Você não tem rosto nem
	               corpo pra ser atriz.
CENA 37 - QUARTO DA PENSÃO
	Macabéa, na frente de um espelho, examina o rosto e o corpo. O
	rádio toca "Una Furtiva Lácrima" (som ruim).
	               REGINA (OFF)
	               "Uma Furtiva Lacrima" fora a única coisa belíssima
	               na sua vida. Quando ouviu teve vontade de chorar.
	               Não por causa da vida que levava: porque, não
	               tendo conhecido outros modos de viver, aceitava
	               que com ela era "assim".
CENA 38 - SALA DE ENSAIO
Regina lendo.
	               REGINA
	               Acho que teve vontade de chorar porque, através da
	               música, adivinhava talvez que havia outros modos
	               de sentir, havia existências mais delicadas e até
	               com um certo luxo de alma".
	Regina diz que na cena seguinte a atriz vai ter que chorar. Ela
	consegue? Falam sobre isso.
CENA 39 - DEPOIMENTOS
	Atrizes e atores explicam sua "técnica" de chorar. Usam colírio,
	choram de verdade?
CENA 40 - PARQUE
Olímpico e Macabéa no parque.
	               MACABÉA
	               Você sabe se a gente pode comprar um buraco?
	               OLÍMPICO
	               Olhe, você não reparou até agora, não desconfiou,
	               que você só faz pergunta sem resposta?
	               MACABÉA
	               Cuidado com suas preocupações, dizem que dá ferida
	               no estômago.
	               OLÍMPICO
	               Preocupação coisa nenhuma, pois eu sei no certo
	               que eu vou vencer.
	               MACABÉA
	               Não será somente visão?
	               OLÍMPICO
	               Vá para o inferno, você só sabe desconfiar. Eu só
	               não digo palavrões grossos porque você é moça
	               donzela.
	               MACABÉA
	               Desculpe.
	               OLÍMPICO
	               Você tem sempre essa cara de quem comeu e não
	               gostou, não aprecio cara triste, vê se muda de
	               expressão.
	               MACABÉA
	               Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara
	               que sou triste, por dentro sou até alegre. É tão
	               bom viver, não é?
	               OLÍMPICO
	               Claro! Mas viver é coisa de privilegiado. Eu sou
	               um e você me vê magro e pequeno mas sou forte, eu
	               com um braço posso levantar você do chão. Quer
	               ver?
	               MACABÉA
	               Não, não, os outros vão maldar!
	               OLÍMPICO
	               Magricela esquisita ninguém olha.
	Olímpico e Macabéa ficam de pé. Ele a segura pela cintura e a
	ergue no ar. Ela abre os braços. Ele a gira no ar.
	               MACABÉA
	               Deve ser assim viajar de avião!
Ele se desequilibra e ela cai.
Ela se ergue rapidamente.
	               MACABÉA
	               Não se incomode, foi uma queda pequena.
Ela ergue a saia para limpar o nariz, sangrando.
	               MACABÉA
	               Você não olhe enquanto eu estiver me limpando, por
	               favor, porque é proibido levantar a saia.
Sentam. Ele fica emburrado.
	               MACABÉA
	               Eu vou ter saudade de mim quando morrer.
	               OLÍMPICO
	               Besteira, morre-se e morre-se de uma vez.
	               MACABÉA
	               Não foi o que a minha tia me ensinou.
	               OLÍMPICO
	               A tua tia que se dane.
	               MACABÉA
	               Você sabia que a mosca voa tão depressa que se
	               voasse em linha reta ela ia passar pelo mundo todo
	               em 28 dias?
	               OLÍMPICO
	               Isso é mentira!
	               MACABÉA
	               Juro pela minha alma pura que aprendi isso na
	               rádio relógio.
	               OLÍMPICO
	               Você não vai entender mas eu vou lhe dizer uma
	               coisa: não vou gastar mais nada com você, está
	               bem?
	               MACABÉA
	               Está bem.
	               OLÍMPICO
	               Você, Macabéa, é um cabelo na sopa. Não dá vontade
	               de comer.
Pausa. Começa a tocar "Una Furtiva Lácrima".
	               OLÍMPICO
	               Você está ofendida?
	               MACABÉA
	               Não, não, não.
	               OLÍMPICO
	               Me desculpe se eu lhe ofendi.
	               MACABÉA
	               Ah, por favor, quero ir embora.
	               OLÍMPICO
	               Eu sou sincero.
	               MACABÉA
	               Por favor, me diga logo adeus.
	               OLÍMPICO
	               Então adeus.
Ele sai.
	Toca uma Furtiva Lacrima. Macabéa chora. Closes de atrizes
	chorando. (pesquisa)
CENA 41 - ESCRITÓRIO
	Macabéa comendo um lanche no escritório. Macabéa está triste,
	Glória oferece um sanduíche.
	               GLÓRIA
	               Come mais um pouco, você não come nada?
	               MACABÉA
	               Às vezes eu como sanduíche de mortadela.
	               GLÓRIA
	               Você bebe leite?
	               MACABÉA
	               Só café e refrigerante.
Pausa.
	               GLÓRIA
	               Olímpico é meu, mas na certa você arranja outro
	               namorado. Eu digo que ele é meu porque foi o que
	               minha cartomante me disse. Eu não quero
	               desobedecer porque ela é médium e nunca erra. Por
	               que você não paga uma consulta e pede para ela te
	               por as cartas?
	               MACABÉA
	               É muito caro?
CENA 42 - SALA DE ENSAIO
Regina e as meninas falam sobre cartomantes.
CENA 43 - DOCUMENTÁRIO
Pesquisa sobre "trago seu amor de volta em 3 dias".
CENA 44 - CARTOMANTE
	Casa da Cartomante. Semelhante à Cena 1, mas agora a câmera
	acompanha Macabéa.
	               CARTOMANTE
	               O meu guia já tinha me avisado que você vinha me
	               ver, minha queridinha. Como é mesmo o seu nome?
	               MACABÉA
	               Macabéa.
	               CARTOMANTE
	               É muito lindo. Entre, meu benzinho. Aceita um
	               cafezinho, minha florzinha? Não tenha medo de mim,
	               sua coisinha engraçadinha. Porque quem está ao meu
	               lado está ao mesmo tempo ao lado de Jesus. Eu sou
	               fã de Jesus. Sou doidinha por ele. Ele sempre me
	               ajudou. Corte.
CENA 45 - RUA
	Macabéa sai da casa da Cartomante, feliz da vida. Caminha pela
	calçada.
	               CARTOMANTE (OFF)
	               Sua vida vai mudar completamente! E digo mais: vai
	               mudar a partir do momento em que você sair da
	               minha casa! Você vai se sentir outra. Fique
	               sabendo, minha florzinha, que até o seu namorado
	               vai voltar e propor casamento, ele está
	               arrependido! E seu chefe vai lhe avisar que pensou
	               melhor e não vai mais lhe despedir! Você conhece
	               algum estrangeiro?
	Vê, do outro lado da rua, um GRINGO, loiro e de olhos azuis,
	caminhando na direção dela.
	               CARTOMANTE (OFF)
	               Ele é alourado e tem os olhos azuis ou verdes. E
	               se não fosse porque você gosta de seu ex-namorado,
	               esse gringo ia namorar você. Se não me engano, e
	               nunca me engano, ele vai lhe dar muito amor e
	               você, minha enjeitadinha, você vai se vestir com
	               veludo e cetim e até casaco de pele vai ganhar.
	               Faz tempo que não boto cartas tão boas.
	Ela vai atravessar a rua. Um carro se aproxima. Ela põe o pé no
	meio da rua.
	               REGINA (OFF)
	               Corta!
Plano geral revelando bastidores da gravação.
	               REGINA
	               Cena do atropelamento, cadê o dublê?
	Dublê, homem vestido com o mesmo figurino de Macabéa, se aproxima
	botando a peruca.
	               REGINA
	               (para Macabéa) Pode sentar para descansar um
	               pouco. Quer uma água?
	Macabéa senta, pega uma água. O Gringo senta ao seu lado, sorri
	para Macabéa. Ela sorri, um pouco constrangida.
	               REGINA
	               (ao fundo) Aparece o Gringo na cena? Cadê o
	               Gringo?
	               OLÍMPICO
	               Estão chamando você lá.
	O Gringo levanta e sai para fazer a cena. Olímpico senta na
	cadeira ao lado de Macabéa.
	               OLÍMPICO
	               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
	               passear?
	               MACABÉA
	               Sim.
	Macabéa e Olímpico levantam-se, saem caminhando, câmera
	acompanha.
	               MACABÉA
	               Eu sabia que você ia voltar. A cartomante me disse
	               e ela não erra nunca.
	               OLÍMPICO
	               E ela me disse se eu vou ser deputado e se o mundo
	               inteiro vai saber de mim?
	               MACABÉA
	               Não.
	               OLÍMPICO
	               Pois eu estou lhe dizendo. Você não acredita?
	               MACABÉA
	               Acredito sim. Eu não quero lhe ofender.
	               MACABÉA
	               E a Glória?
	               OLÍMPICO
	               Ela usa muita água de colônia. E pinta o cabelo. E
	               me deu um fora.
	               MACABÉA
	               Você sabia que o imperador Carlos Magno era
	               chamado de "Carolus"?
Ao fundo, a equipe e o dublê fazem a cena do atropelamento.
FIM
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	(c) Jorge Furtado e Guel Arraes, 2003
	Casa de Cinema de Porto Alegre, TV Globo
	http://www.casacinepoa.com.br
18/11/2003
| Anexo | Tamanho | 
|---|---|
| horaestr.txt | 45.53 KB |