A HORA DA ESTRELA

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               A HORA DA ESTRELA
               episódio da série
               CENA ABERTA

               baseado na novela de
               Clarice Lispector

               roteiro de Jorge Furtado
               e Guel Arraes
               versão de 13/08/2003

               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
               para TV Globo

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CENA 1 - CASA DA CARTOMANTE

Sala da casa da cartomante. Câmera sempre em ponto de vista de
Macabéa, que nunca aparece. A Cartomante é representada pela
Regina. Câmera segue a Cartomante pela casa até sua mesa de
trabalho.

Créditos.

               CARTOMANTE
               O meu guia já tinha me avisado que você vinha me
               ver, minha queridinha. Você é Macabéa, não é? É um
               nome muito lindo. Entre, meu benzinho. Aceita um
               cafezinho, minha florzinha? Não tenha medo de mim,
               sua coisinha engraçadinha. Porque quem está ao meu
               lado está ao mesmo tempo ao lado de Jesus. Eu sou
               fã de Jesus. Sou doidinha por ele. Ele sempre me
               ajudou. Corte. As cartas, separe as cartas.

Enquanto fala a Cartomante vai botando as cartas a mesa.

               CARTOMANTE
               (vendo as cartas) Mas, Macabeazinha, que vida
               horrível a sua! Que meu amigo Jesus tenha dó de
               você, filhinha! Mas que horror! Quanto ao
               presente, queridinha, está horrível também. Você
               vai perder o emprego e já perdeu o namorado,
               coitadinha de vocezinha. Senão puder, não me pague
               a consulta, que eu tenho recursos. Macabéa! Tenho
               grandes notícias para lhe dar! É coisa muito séria
               e muito alegre: sua vida vai mudar completamente!
               E digo mais: vai mudar a partir do momento em que
               você sair da minha casa! Você vai se sentir outra.
               Fique sabendo, minha florzinha, que até o seu
               namorado vai voltar e propor casamento, ele está
               arrependido! E seu chefe vai lhe avisar que pensou
               melhor e não vai mais lhe despedir! Você vai
               conhecer um estrangeiro. Ele é alourado e tem os
               olhos azuis ou verdes. E se não fosse porque você
               gosta de seu ex-namorado, esse gringo ia namorar
               você. Se não me engano, e nunca me engano, ele vai
               lhe dar muito amor e você, minha enjeitadinha,
               você vai se vestir com veludo e cetim e até casaco
               de pele vai ganhar. Faz tempo que não boto cartas
               tão boas. E sou sempre sincera. Eu sou obrigada
               por Jesus a lhe cobrar porque todo o dinheiro que
               eu recebo das cartas eu dou para um asilo de
               crianças. Mas se não puder não pague, só venha me
               pagar quando tudo acontecer. E agora você vai
               embora para encontrar o seu maravilhoso destino.

CENA 2 - RUA

Macabéa sai na rua, feliz. Vai atravessar a rua, vê um gringo
entrando num carro. Se distrai e é atropelada.

Cena toda feita em câmera subjetiva. O acidente é visto em plano
geral sem que vejamos o rosto da atriz que faz o papel.

CENA 3 - RUA

Cena típica de depois do acidente, populares carro de polícia
corpo coberto com plástico, vela.

               REGINA
               (pra câmera) Esta é a cena final de A Hora da
               Estrela (mostra a capa de um livro com o título:
               "A Hora da Estrela" e o nome da autora: Clarice
               Lispector), romance escrito por Clarice Lispector.
               É também a cena que dá o título a história, já que
               "A Hora da Estrela " é a hora da morte da
               personagem principal, Macabéa.

A câmera acompanha Regina que vai se afastando da cena do
atropelamento de maneira que vamos vendo o set de filmagem ao
fundo com sua parafernália típica de refletores, caminhões,
equipamento (talvez uma chuva artificial).

               REGINA
               (lê) "Ninguém lhe ensinaria um dia a morrer, assim
               como não se ensina cachorro a abanar o rabo e nem
               a pessoa a sentir fome: nasce-se e fica-se logo
               sabendo. Morreria um dia como se antes tivesse
               estudado de cor a representação do papel de
               estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna
               brilhante estrela de cinema, é o instante de
               glória de cada um..."

As luzes do set vão apagando, o equipamento sendo recolhido (se
houver chuva artificial ela vai parando) etc.

               REGINA
               (fechando o livro) Na história de Clarice, Macabéa
               morre no fim. Mas como este fim já passou no
               início, quem sabe agora a gente vai poder terminar
               no meio, que é mais alegre... Em todo caso, é
               melhor começar do começo.

CENA 4 - ESTÚDIO

Câmera documenta a movimentação de meninas que vieram fazer teste
de atriz. Regina está por ali.

               REGINA
               Bem no começo a gente abriu um teste de atriz para
               encontrar uma moça com cara de 19 anos,
               nordestina, franzina, que pudesse fazer o papel de
               Macabéa. (Vai mostrando a quantidade de meninas,
               dando dados, etc.)

Regina entrevista as candidatas sobre tv, se assistem, se gostam,
atrizes preferidas. Já pensou em ser atriz? Por quê? Por que não?
Para as que sonham com o glamour do negócio explica que Macabéa é
o contrário disso, ela é uma anti-estrela. É mais fácil uma
tímida fazer uma tímida ou uma extrovertida fazer uma tímida?
(***fazer pesquisa e pauta)

               REGINA
               Dessa primeira batelada de entrevistas a gente
               escolheu quatro meninas que são as, digamos,
               finalistas. Elas vão fazer o teste para a
               personagem participando daqui pra frente de
               algumas cenas da história até a gente se decidir
               quem vai ficar como Macabéa até o fim. (abre o
               livro e começa a ler) Tudo no mundo começou com um
               sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e
               nasceu a vida.

CENA 5 - BAR

Moça 1 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
mão dela. Ela pede desculpas.

Moça 2 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
mão dela. Ela pede desculpas.

Moça 3 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
mão dela. Ela pede desculpas.

Moça 4 num bar, no balcão. O Garçon serve um café com leite. Ela
pega o açucareiro, enche de açúcar. O Garçon tira o açucareiro da
mão dela. Ela pede desculpas.

               REGINA (OFF)
               Como esta nordestina há milhares de moças
               espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto,
               atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não
               notam sequer que são facilmente substituíveis e
               que tanto existiriam como não existiriam. Macabéa
               não sabia que ela era o que era, assim como um
               cachorro não sabe que é um cachorro. Daí não se
               sentir infeliz. A única coisa que queria era
               viver. Não sabia para quê, não se indagava.

CENA 6 - DEPOIMENTOS

Os depoimentos das moças serão meio documentais meio encenados,
seja trechos do livro como indicado abaixo seja respostas
espontâneas a perguntas tipo: Você é feliz? se você não fosse
feliz teria vergonha de dizer? Você conhece alguém que é muito
feliz? E esta pessoa se acha feliz? E infeliz? As falas podem ser
repetidas por mais de uma moça, em tons diferentes.

               MOÇA 1
               A pessoa tem obrigação de ser feliz. Por isso, eu
               sou.

               MOÇA 2
               Eu acho que tem uma gloriazinha em viver.

               MOÇA 3
               Eu acho bom ficar triste.

               MOÇA 4
               Tristeza é coisa de rico, é pra quem pode, pra
               quem não tem o que fazer. Tristeza é luxo.

CENA 7 - PENSÃO

Moça 1 pega a bolsa, apaga a luz e sai do quarto. Moça 2 fecha a
porta do quarto da pensão. Moça 3 entrega a chave para a dona da
pensão. Moça 4 sai na rua. Cruza com duas Garotas de Vida Fácil,
na calçada.

               REGINA (OFF)
               Sei que há moças que vendem o corpo, única posse
               real, em troca de um bom jantar em vez de um
               sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem
               falarei mal tem corpo pra vender, ninguém a quer,
               ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém.
               Ela era incompetente para a vida. Faltava-lhe o
               jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava
               conhecimento da espécie de ausência que tinha de
               si em si mesma.

CENA 8 - DEPOIMENTOS

(***fazer pauta de perguntas para obter respostas sobre esse
tema)

               MOÇA 4
               O mundo é fora de mim. Eu sou fora de mim.

               MOÇA 1
               A vida é assim: uma dia a gente aperta o botão e
               ela acende. Mas tem que descobrir onde fica o
               botão de acender.

               MOÇA 2
               Antes de nascer a pessoa é o que? Uma idéia? A
               pessoa está morta?

CENA 9 - RODOVIÁRIA

Moça 1 desce do ônibus. Câmera acompanha até encontrar Moça 2 que
está pegando sua bagagem no ônibus. Ela sai com mala, câmera
acompanha até encontrar Moça 3, dormindo num banco. Moça 4 cruza
a cena, câmera a acompanha. Ela larga a mala no chão. Um Homem se
aproxima, oferece ajuda, pega a mala dela e sai correndo. Ela sai
atrás. Câmera acompanha até perdê-la num plano geral com a cidade
ao fundo.

               REGINA (OFF)
               Quando ela era pequena, como não tinha a quem
               beijar, beijava a parede.   Com dois anos de idade
               lhe haviam morrido os pais de febres ruins no
               sertão de Alagoas. Muito depois fora para Maceió
               com a tia beata, única parenta sua no mundo.
               Depois - ignora-se por que - tinha vindo para o
               Rio, o inacreditável Rio de Janeiro.

CENA 10 - ESCRITÓRIO

O chefe, seu Silveira, examina um documento digitado por Macabéa,
representada pela Moça 1.

               SEU SILVEIRA
               Você digita muito devagar, não acerta a formatação
               e parece que tem raiva de duas consoantes juntas.
               (mostra no papel) Desi-gui-nar, i-gui-nição. E
               ainda quer que eu, A-gui-naldo Silveira, assine
               isso. Você é muito i-gui-norante Macabéa.

               MACABÉA
               Sou um pouco fraca de estudo, seu Silveira.

               SEU SILVEIRA
               Você erra demais. Desse jeito só vou poder manter
               Glória no emprego.

               MACABÉA
               Me desculpe o aborrecimento.

               SEU SILVEIRA
               (se arrependendo, com pena) Bem, a despedida pode
               não ser pra já, é capaz até de demorar um pouco.

Seu Silveira sai. Macabéa dirige-se a uma moça de cabelos
oxigenados que trabalha de costas numa mesa em frente da dela.

               MACABÉA
               Glória, você me arruma uma aspirina?

               GLÓRIA
               (se vira, a personagem é feita por Regina) Por que
               é que você me pede tanta aspirina? Não estou
               reclamando, mas isso custa dinheiro.

               MACABÉA
               É para eu não me doer.

               GLÓRIA
               Como é que é? Hein? Você se dói?

               MACABÉA
               Eu me dôo o tempo todo.

               GLÓRIA
               Aonde?

               MACABÉA
               Dentro. Não sei explicar.

Macabéa toma a pílula a seco.

               GLÓRIA
               Você fica tomando pílula sem água, um dia ela te
               cola na parede da garganta que nem galinha de
               pescoço meio cortado, correndo por aí.

CENA 11 - ESTÚDIO

Trechos de Regina passando esta mesma cena com as 4 moças, dando
as deixas de Glória, dirigindo as Macabéas, as intruções de
Regina vão obtendo tons variados, por exemplo:

               Sou um pouco fraca de estudo, seu Silveira. (se
               desculpando, envergonhada, ou protestando,
               irritada).

               Glória, você me arruma uma aspirina? (com vergonha
               por estar pedindo pela décima vez, ou como quem
               pede pela primeira vez.

               Eu me dôo o tempo todo (com simplicidade e
               ingenuidade ou mais coitadinha. Ou com certo
               orgulho.)

Regina dá as várias falas de várias maneiras.

CENA 12 - ESCRITÓRIO

Outro dia. Macabéa agora representada por Moça 2.

               GLÓRIA
               Oh mulher, não tens cara?

               MACABÉA
               Tenho sim. É porque sou achatada do nariz, sou
               alagoana.

               GLÓRIA
               Me desculpe eu perguntar: ser feia dói?

               MACABÉA
               Nunca pensei nisso, acho que dói um pouquinho. Mas
               eu lhe pergunto se você que é feia sente dor.

               GLÓRIA
               Eu não sou feia!

CENA 13 - LOJA DE DEPARTAMENTO

As quatro moças e Glória numa loja de departamentos

               REGINA OFF
               Vez por outra Macabéa ia para a Zona Sul e ficava
               olhando as vitrines faiscantes de jóias e roupas
               acetinadas - só para se mortificar um pouco. É que
               ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e
               sofrer um pouco é um encontro.

CENA 14 - DEPOIMENTOS

               MOÇA 3
               Ouço galo cantar a vida na cidade, me lembro do
               sertão.

               MOÇA 4
               Nunca recebi um presente. Nem carta...

               MOÇA 2
               Às vezes eu sinto assim uma saudade do futuro.

               MOÇA 1
               Nunca comi num restaurante. Só em pé, no balcão.

CENA 15 - LOJA DE DEPARTAMENTOS

Macabéa (Moça 3) e Glória na frente de uma balcão cheio de
cosméticos.

               MACABÉA
               (comentando um cartaz com pote de creme
               hidratante) É tão bonito, chega dá vontade de
               comer.

               GLÓRIA
               Você é doida. Experimenta esse batom aqui.

               MACABÉA
               Não paga, não?

               GLÓRIA
               É amostra, pra pessoa ver se quer comprar.

               MACABÉA
               Querer eu quero, mas com que dinheiro?

               GLÓRIA
               (vai passando) Experimenta, criatura.

CENA 16 - BOTEQUIM

Macabéa está olhando seu reflexo num talher. Começa com reflexo
do close de sua boca pintada com batom da loja. Quando abre o
plano vemos que a personagem passou a ser representada pela Moça
4. Ela e Glória estão sentadas numa mesa

               GLÓRIA
               Está parecendo uma mulher de soldado.

               MACABÉA
               Eu sou doida por um soldado. Quando vejo um sinto
               um friozinho na barriga de medo de ele me matar.

               GLÓRIA
               Isso não é medo, é vontade.

Garçon põe sanduíche pra Glória e cafezinho pra Macabéa.

               GLÓRIA
               Você faz regime pra emagrecer, é?

               MACABÉA
               Eu tenho enjôo pra comer. Quando eu era pequena
               descobri que tinha comido gato frito.

CENA 17 - RUA DO CENTRO

Sob a marquise de um grande prédio, Olímpico acompanha o caminhar
de Macabéa por trás de uma série de colunas. As quatro moças se
revezam no papel de Macabéa. Olímpico estranha, mas continua
seguindo Macabéa.

               REGINA (OFF)
               Que se há de fazer com a verdade que todo mundo é
               um pouco triste e um pouco só Pergunto eu:
               conheceria ela do amor o seu adeus? Conheceria
               algum dia do amor os seus desmaios? A nordestina
               se perdia na multidão. Até que num desses finais
               de tarde encontrou a primeira espécie de namorado
               de sua vida, o coração batendo como se ela tivesse
               engolido um passarinho esvoaçante e preso.

Olímpico corta o caminho de Macabéa (não vemos por qual das moças
ela é representada) e fala:

               OLÍMPICO
               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
               passear?

CENA 18 - SALA DE ENSAIO

Regina, o ator que faz Olímpico e as moças estão no estúdio.

               REGINA
               (lendo) O rapaz e ela se olharam e se reconheceram
               como dois nordestinos, bicho da mesma espécie que
               se farejam.

Regina e o ator vão dirigindo o ensaio com as moças. Montagem de
algumas réplicas da cena a seguir, com as várias moças e algumas
instruções de entonação (e/ou marca) dadas pela Regina e pelo
ator.

               ATOR
               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
               passear?

               MOÇA 1
               (feliz, respondendo imediatamente) Sim.

               MOÇA 2
               (tímida) Sim.

               REGINA
               Assustada, com medo.

               MOÇA 3
               (vacilante) Sim.

               ATOR
               Meu nome é Olímpico Jesus, e se me permite qual é
               mesmo a sua graça?

               MOÇA 4
               Macabéa.

Regina interrompe: "fala isso meio baixinho, com vergonha do
nome, por isso que ele não entende direito". Sugere baixar um
pouco a cabeça ao dizer o nome. A moça repete com a marca e a
entonação, o ator faz ela levantar o olhar pegando no queixo e
perguntando "Maca o que? " etc

               ATOR
               Maca o quê?

               MOÇA 4
               Béa.

               MOÇA 1
               (rindo) Eu não entendo o seu nome. Olímpico?

               MOÇA 2
               (tímida) Eu não entendo o seu nome. Olímpico?

               MOÇA 3
               (curiosa) Eu não entendo o seu nome. Olímpico?

Regina conversa com as moças (as quatro "finalistas" e também as
primeiras candidatas) sobre namoro, amor, etc.

CENA 19 - RUA

Voltamos a cena do encontro de Macabéa com Olímpico. A cena agora
passa inteira mas trocando a cada réplica a atriz que faz
Macabéa.

               OLÍMPICO
               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
               passear?

               MACABÉA (MOÇA 1)
               Sim.

               OLÍMPICO
               Meu nome é Olímpico Jesus, e se me permite qual é
               mesmo a sua graça?

               MACABÉA (MOÇA 2)
               (Baixando a cabeça) Macabéa.

               OLÍMPICO
               (levantando o queixo dela) Maca o quê?

               MACABÉA (MOÇA 3)
               Béa.

               OLÍMPICO
               Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.

               MACABÉA (MOÇA 4)
               Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele
               por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu
               vingasse. Pois como o senhor vê eu vinguei... Pois
               é...

               OLÍMPICO
               Também no Sertão da Paraíba promessa é questão de
               grande dívida de honra.

               MACABÉA (MOÇA 1)
               Eu não entendo o seu nome. Olímpico?

               OLÍMPICO
               Eu sei mas não quero dizer.

               MACABÉA (MOÇA 2)
               Não faz mal, não faz mal... A gente não precisa
               entender o nome.

Eles passeiam pelas ruas (planos dele com cada moça
sucessivamente, repetindo a mesma ação).

               REGINA (OFF)
               Ele a olhara enxugando o rosto molhado com as
               mãos. E a moça, bastou vê-lo para torna-lo
               imediatamente sua goiabada com queijo. Nesta tarde
               de dia sete o êxtase inesperado para seu tamanho
               pequeno corpo.

CENA 20 - SALA DE ENSAIO

               REGINA
               (lendo) Maio, mês das borboletas noivas flutuando
               em brancos véus. Contarei agora a história da
               história". (Fecha o livro) A "história da
               história" é o romance de Macabéa com Olímpico.
               Aqui começa a história propriamente dita e chegou
               a hora de escolher qual de vocês vai passar a
               representar sozinha a Macabéa nessa história. Mas
               quem não for escolhida não vá ficar muito triste
               não, porque de toda maneira cada uma já é um pouco
               Macabéa, já viveu pedacinhos da história dela.

FIM DO PRIMEIRO BLOCO

SEGUNDO BLOCO

CENA 21 - FEIRA DE SÃO CRISTÓVÃO

Olga Borelli com Regina na feira de S. Cristóvão.

               REGINA
               A Olga Borelli era a secretária e também uma
               grande amiga da Clarice Lispector.

               OLGA
               Aos domingos nós saíamos, sem destino. Algumas
               vezes íamos à Floresta da Tijuca, outras ao
               zoológico, outras vínhamos aqui, na feira de São
               Cristóvão. Andávamos nas barracas, comíamos algum
               prato típico. Foi num desses dias que a Clarice
               começou a escrever A Hora da Estrela. Sentamos num
               banco, ela observando as pessoas...

Câmera abandona Regina e Olga, passeia pelas mesas até encontrar
Macabéa. (a atriz escolhida para o papel)

               OLGA (OFF)
               ... ela começou a fazer anotações e aí foi
               surgindo a Macabéa.

CENA 21 - RUAS

Olímpico e Macabéa passeando.

               REGINA (OFF)
               Da segunda vez que se encontraram caía uma chuva
               fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se
               darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de
               Macabéa parecia lágrima escorrendo.

Outro dia, os dois passeando.

               REGINA (OFF)
               Da terceira vez que se encontraram - pois não é
               que estava chovendo?

               OLÍMPICO
               Você só sabe mesmo é chover...

               MACABÉA
               Desculpe.

CENA 22 - SALA DE ENSAIO

Regina, o ator e a moça que faz Macabéa estão lendo o texto.

               REGINA
               (lendo) "Eles não sabiam como se passeia. Pararam
               diante da vitrine de uma loja de ferragem onde
               estavam expostos atrás do vidro canos, latas,
               parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo
               que o silêncio já significasse uma ruptura disse
               ao recém namorado":

               MOÇA
               Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?

Regina comenta a dificuldade de se arrumar assunto no início de
um namoro. Para agradar o outro a pessoa quer dizer coisas
originais mas como não sabe ainda o que o outro pensa tem medo
que suas opiniões desagradem e passa a falar banalidades que não
comprometam muito e a conversa fica sem graça.

CENA 23 - RUA

Os dois sentados num banco de praça.

               OLÍMPICO
               Pois é.

               MACABÉA
               Pois é o quê?

               OLÍMPICO
               Eu só disse pois é.

               MACABÉA
               Mas "pois é" o quê?

               OLÍMPICO
               Melhor mudar de conversa porque você não me
               entende.

               MACABÉA
               Entender o que?

               OLÍMPICO
               Santa Virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto já!

               MACABÉA
               Falar então de que?

               OLÍMPICO
               Por exemplo, de você.

               MACABÉA
               Eu?!

               OLÍMPICO
               Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala
               de gente.

               MACABÉA
               Desculpe mas não acho que sou muito gente.

               OLÍMPICO
               Mas todo mundo é gente, meu Deus!

               MACABÉA
               É que não me habituei.

               OLÍMPICO
               Não se habituou com quê?

               MACABÉA
               Ah, não sei explicar.

               OLÍMPICO
               E então?

               MACABÉA
               Então o quê?

               OLÍMPICO
               Olhe, eu vou embora porque você é impossível!

               MACABÉA
               É que só sei ser impossível, não sei mais nada.
               Que é que eu faço para conseguir ser possível?

               OLÍMPICO
               Pare de falar porque você só diz besteira! Diga o
               que é do teu agrado.

               MACABÉA
               Acho que não sei dizer.

               OLÍMPICO
               Não sabe o que?

               MACABÉA
               Hein?

               OLÍMPICO
               Olhe, até estou suspirando de agonia. Vamos não
               falar em nada, está bem?

               MACABÉA
               Sim, está bem, como você quiser.

               OLÍMPICO
               É, você não tem solução.

CENA 24 - QUARTO

Macabéa liga e sintoniza o rádio

               LOCUTOR
               Rádio relógio, hora certa e cultura. Você sabia
               que o cavalo é o único animal que não cruza com
               filho?

               MACABÉA
               Isso é indecência, moço.

               LOCUTOR
               São 18 horas, dez minutos e trinta segundos. Você
               sabia que Lewis Carrol, autor do clássico "Alice
               no País das Maravilhas" foi também um grande
               Matemático, tendo formulado várias leis da
               álgebra?

CENA 25 - RUA

Os dois no banco de praça

               MACABÉA
               O que é álgebra?

               OLÍMPICO
               Saber disso é coisa de fresco... Desculpe a
               palavra de eu ter dito fresco porque isso é
               palavrão para moça direita.

CENA 26 - QUARTO

Macabéa ouvindo o rádio.

               LOCUTOR
               Rádio Relógio, hora certa e cultura.

CENA 27 - RUA

Os dois no banco de praça

               MACABÉA
               O que é cultura?

               OLÍMPICO
               Cultura é cultura. Você também vive me encostando
               na parede.

               MACABÉA
               É que muita coisa na Rádio relógio eu não entendo
               bem.

               OLÍMPICO
               Eu não preciso de hora certa porque tenho relógio.

               MACABÉA
               Sabe que na minha rua tem um galo que canta?

               OLÍMPICO
               Por que é que você mente tanto?

               MACABÉA
               É verdade.

               OLÍMPICO
               Pois não acredito.

               MACABÉA
               Juro. Quero ver minha mãe cair morta se não é
               verdade.

               OLÍMPICO
               Mas sua mãe já não morreu?

               MACABÉA
               É mesmo.

               OLÍMPICO
               Você está fingindo que é idiota ou é idiota mesmo?

               MACABÉA
               Não sei bem o que sou.

               OLÍMPICO
               Olhe Macabéa...

               MACABÉA
               Olhe o que?

               OLÍMPICO
               Não meu Deus, não é olhe de ver é olhe como quando
               se quer que uma pessoa escute. Está me escutando

               MACABÉA
               Tou, Tudinho.

               OLÍMPICO
               Tudinho o que, meu Deus, se eu ainda não falei!
               Pois olhe, vou lhe pagar um café no botequim.
               Quer?

               MACABÉA
               Pode ser pingado com leite?

               OLÍMPICO
               Pode, é o mesmo preço, se for mais o resto você
               paga.

               MACABÉA
               Você telefona um dia pra mim lá no escritório?

               OLÍMPICO
               Telefonar pra ouvir tuas besteiras?

               MACABÉA
               O telefone do escritório só chama Glória e seu
               Silveira.

               OLÍMPICO
               Quem é Glória?

CENA 28 - SALA DE ENSAIOS

Regina e Moças.

               REGINA
               A Glória é quase o contrário da Macabéa. (lendo):
               "Glória possuía no sangue um bom vinho português e
               também era amaneirada no bamboleio do caminhar por
               causa do sangue africano escondido.

CENA 29 - DOCUMENTÁRIO

Meninas de subúrbio, referências de Glória, produzidas, andando
na rua, no cabeleireiro.

               REGINA (OFF)
               Apesar de branca tinha em si a força da mulatice.
               Oxigenava em amarelo-ovo os cabelos crespos cujas
               raízes estavam sempre pretas. Tinha uma pintinha
               marcada junto da boca, só para dar uma gostosura,
               e um buço forte que ela oxigenava. Sua boca era
               loura. Parecia até um bigode. Oxigenava os pêlos
               das pernas cabeludas e das axilas que ela não
               raspava."

CENA 30 - SALA DE ENSAIO

Regina conversa com as meninas, as quatro finalistas e as
primeiras candidatas sobre oxigenar cabelo, papo de cabelereiro,
vaidade etc. Pergunta pras meninas se elas acham o jeito dela,
Regina, parecido com Glória. Processo de escolha do figurino:
pagode, funk, surfista, tendências novas de moda no subúrbio.
(pesquisar)

               REGINA
               (voltando a ler no livro) "Glória era toda
               contente consigo mesma. Dava-se grande valor. Era
               uma safadinha esperta mas tinha força de coração!
               Penalizava-se com Macabéa mas ela que se
               arranjasse, quem mandava ser tola? Tinha o
               traseiro alegre e fumava cigarro mentolado para
               manter um hálito bom. O fato de ser carioca
               tornava-a pertencente ao ambicionado clã do sul do
               país. Glória era um estardalhaço de existir".

               MACABÉA
               (lendo) O telefone do escritório só chama Glória e
               seu Silveira.

               OLÍMPICO
               (lendo) Quem é Glória?

CENA 31 - ESCRITÓRIO - RUA

Telefone toca no escritório, Macabéa olha esperançosa, mão de
Glória atende.

               GLÓRIA
               Sou eu, quem é?

Olímpico no orelhão

               OLÍMPICO
               Olímpico Jesus para servi-la. Obtive informações
               de sua pessoa por intermédio de uma amiga.

               GLÓRIA
               Sei, e daí?

               OLÍMPICO
               E daí que se me permite a senhorinha, gostaria de
               lhe convidar a passear.

               GLÓRIA
               A troco?

               OLÍMPICO
               Simpatia.

               GLÓRIA
               Sem me conhecer?

               OLÍMPICO
               Imagine conhecendo.

               GLÓRIA
               E quem lhe disse que eu quero lhe conhecer?

               OLÍMPICO
               Como é que você sabe que não quer me conhecer se
               você não me conhece?

               GLÓRIA
               Posso não ir com sua cara.

               OLÍMPICO
               A senhorinha pode olhar agora mesmo uma fotografia
               minha.

               GLÓRIA
               Por que, você saiu no jornal?

               OLÍMPICO
               Não, mas sua colega aí do escritório tem uma foto
               minha na carteira.

               GLÓRIA
               Então vocês estão namorando!

               OLÍMPICO
               Ela que pensa, coitada. Você acha que alguém vai
               namorar Macabéa?

CENA 32 - CABINE AUTOMÁTICA DE FOTOS 3x4

Aqueles flashs de fotografia 3x4 no rosto de Glória. A tirinha de
fotos saindo, mão de Glória pegando.

CENA 33 - ESCRITÓRIO

Detalhe daquela tirinha de fotos 3x4 sendo de Glória sendo
cortada por uma tesoura. Glória pega uma foto.

               GLÓRIA
               Maca, você acha que eu sou sua amiga?

               MACABÉA
               Acho. Muito.

               GLÓRIA
               Pois eu fiz essa foto pra você.

Macabéa sorri, estende a mão. Glória se adianta e pega a bolsa
dela.

               GLÓRIA
               Deixa eu botar na sua carteira.

Glória abre a carteira e vê a foto de Olímpico.

               GLÓRIA
               Você, hein?! Diz que é minha amiga mas nem pra me
               contar que está de namorado!

Glória põe sua foto do lado da foto de Olímpico.

CENA 34 - CABINE AUTOMÁTICA DE FOTOS 3x4

Aqueles flashs de fotografia 3x4 no rosto de Olímpico e Glória
juntos. Numa delas Glória levanta de brincadeira, deixando só os
peitos em quadro ao lado do close de Olímpico. A tirinha de fotos
saindo, mão de Olímpico pegando.

               OLÍMPICO
               Glória e Olímpico, o nome da gente é cheio de
               grandezas.

               GLÓRIA
               Você trabalha?

               OLÍMPICO
               Sou metalúrgico, graças a Deus.

Glória toma da mão dele e tira a foto em que aparecem seus
peitos.

               GLÓRIA
               Essa aqui você não vai levar não, meu filho.

               OLÍMPICO
               Não precisa. A cara é mais importante do que o
               corpo porque a cara mostra o que a pessoa está
               sentindo.

               GLÓRIA
               Você com esse jeitinho sério de Paraíba é muito do
               enrolão, sabia?

               OLÍMPICO
               Eu?

               GLÓRIA
               Você, mesmo. Parece deputado nordestino prometendo
               acabar com a seca.

               OLÍMPICO
               O que é que eu fiz?

               GLÓRIA
               Nada, santinho do pau oco. Você não sabe que
               Macabéa é doida por você?

               OLÍMPICO
               Glória, tudo quem faz é o destino. Foi o destino
               que botou você no meu caminho.

               GLÓRIA
               E quem botou sua mão na minha coxa?

CENA 35 - CABINE DE FOTOS

Aqueles flashs de fotografia 3x4 no rosto de Macabéa toda
arrumadinha. A tirinha de fotos saindo, mão de Macabéa pegando.

CENA 36 - RUA

               MACABÉA
               (entregando a foto pra Olímpico) Toma. É colorida.

               OLÍMPICO
               (olhando) Não sei pra quÊ! Você tem cor de suja.

               MACABÉA
               Gostou não?

               OLÍMPICO
               Boazinha. Vou guardar como lembrança de nossa
               amizade.

               MACABÉA
               Ontem eu ouvi no rádio uma música linda.

               OLÍMPICO
               Era samba?

               MACABÉA
               Acho que era. Chamava-se "Uma Furtiva Lacrima".
               Não sei por que eles não disseram "lágrima". A voz
               era tão macia que até doía ouvir. Até me deu
               vontade de chorar.

               OLÍMPICO
               E por que não chorou de uma vez?

               MACABÉA
               Não vinha lágrima. Nunca que chorei direito.

               OLÍMPICO
               É, deste mato não sai coelho.

               MACABÉA
               Como é que atriz de novela faz pra chorar?

               OLÍMPICO
               Pra que você quer saber? Você não tem rosto nem
               corpo pra ser atriz.

CENA 37 - QUARTO DA PENSÃO

Macabéa, na frente de um espelho, examina o rosto e o corpo. O
rádio toca "Una Furtiva Lácrima" (som ruim).

               REGINA (OFF)
               "Uma Furtiva Lacrima" fora a única coisa belíssima
               na sua vida. Quando ouviu teve vontade de chorar.
               Não por causa da vida que levava: porque, não
               tendo conhecido outros modos de viver, aceitava
               que com ela era "assim".

CENA 38 - SALA DE ENSAIO

Regina lendo.

               REGINA
               Acho que teve vontade de chorar porque, através da
               música, adivinhava talvez que havia outros modos
               de sentir, havia existências mais delicadas e até
               com um certo luxo de alma".

Regina diz que na cena seguinte a atriz vai ter que chorar. Ela
consegue? Falam sobre isso.

CENA 39 - DEPOIMENTOS

Atrizes e atores explicam sua "técnica" de chorar. Usam colírio,
choram de verdade?

CENA 40 - PARQUE

Olímpico e Macabéa no parque.

               MACABÉA
               Você sabe se a gente pode comprar um buraco?

               OLÍMPICO
               Olhe, você não reparou até agora, não desconfiou,
               que você só faz pergunta sem resposta?

               MACABÉA
               Cuidado com suas preocupações, dizem que dá ferida
               no estômago.

               OLÍMPICO
               Preocupação coisa nenhuma, pois eu sei no certo
               que eu vou vencer.

               MACABÉA
               Não será somente visão?

               OLÍMPICO
               Vá para o inferno, você só sabe desconfiar. Eu só
               não digo palavrões grossos porque você é moça
               donzela.

               MACABÉA
               Desculpe.

               OLÍMPICO
               Você tem sempre essa cara de quem comeu e não
               gostou, não aprecio cara triste, vê se muda de
               expressão.

               MACABÉA
               Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara
               que sou triste, por dentro sou até alegre. É tão
               bom viver, não é?

               OLÍMPICO
               Claro! Mas viver é coisa de privilegiado. Eu sou
               um e você me vê magro e pequeno mas sou forte, eu
               com um braço posso levantar você do chão. Quer
               ver?

               MACABÉA
               Não, não, os outros vão maldar!

               OLÍMPICO
               Magricela esquisita ninguém olha.

Olímpico e Macabéa ficam de pé. Ele a segura pela cintura e a
ergue no ar. Ela abre os braços. Ele a gira no ar.

               MACABÉA
               Deve ser assim viajar de avião!

Ele se desequilibra e ela cai.

Ela se ergue rapidamente.

               MACABÉA
               Não se incomode, foi uma queda pequena.

Ela ergue a saia para limpar o nariz, sangrando.

               MACABÉA
               Você não olhe enquanto eu estiver me limpando, por
               favor, porque é proibido levantar a saia.

Sentam. Ele fica emburrado.

               MACABÉA
               Eu vou ter saudade de mim quando morrer.

               OLÍMPICO
               Besteira, morre-se e morre-se de uma vez.

               MACABÉA
               Não foi o que a minha tia me ensinou.

               OLÍMPICO
               A tua tia que se dane.

               MACABÉA
               Você sabia que a mosca voa tão depressa que se
               voasse em linha reta ela ia passar pelo mundo todo
               em 28 dias?

               OLÍMPICO
               Isso é mentira!

               MACABÉA
               Juro pela minha alma pura que aprendi isso na
               rádio relógio.

               OLÍMPICO
               Você não vai entender mas eu vou lhe dizer uma
               coisa: não vou gastar mais nada com você, está
               bem?

               MACABÉA
               Está bem.

               OLÍMPICO
               Você, Macabéa, é um cabelo na sopa. Não dá vontade
               de comer.

Pausa. Começa a tocar "Una Furtiva Lácrima".

               OLÍMPICO
               Você está ofendida?

               MACABÉA
               Não, não, não.

               OLÍMPICO
               Me desculpe se eu lhe ofendi.

               MACABÉA
               Ah, por favor, quero ir embora.

               OLÍMPICO
               Eu sou sincero.

               MACABÉA
               Por favor, me diga logo adeus.

               OLÍMPICO
               Então adeus.

Ele sai.

Toca uma Furtiva Lacrima. Macabéa chora. Closes de atrizes
chorando. (pesquisa)

CENA 41 - ESCRITÓRIO

Macabéa comendo um lanche no escritório. Macabéa está triste,
Glória oferece um sanduíche.

               GLÓRIA
               Come mais um pouco, você não come nada?

               MACABÉA
               Às vezes eu como sanduíche de mortadela.

               GLÓRIA
               Você bebe leite?

               MACABÉA
               Só café e refrigerante.

Pausa.

               GLÓRIA
               Olímpico é meu, mas na certa você arranja outro
               namorado. Eu digo que ele é meu porque foi o que
               minha cartomante me disse. Eu não quero
               desobedecer porque ela é médium e nunca erra. Por
               que você não paga uma consulta e pede para ela te
               por as cartas?

               MACABÉA
               É muito caro?

CENA 42 - SALA DE ENSAIO

Regina e as meninas falam sobre cartomantes.

CENA 43 - DOCUMENTÁRIO

Pesquisa sobre "trago seu amor de volta em 3 dias".

CENA 44 - CARTOMANTE

Casa da Cartomante. Semelhante à Cena 1, mas agora a câmera
acompanha Macabéa.

               CARTOMANTE
               O meu guia já tinha me avisado que você vinha me
               ver, minha queridinha. Como é mesmo o seu nome?

               MACABÉA
               Macabéa.

               CARTOMANTE
               É muito lindo. Entre, meu benzinho. Aceita um
               cafezinho, minha florzinha? Não tenha medo de mim,
               sua coisinha engraçadinha. Porque quem está ao meu
               lado está ao mesmo tempo ao lado de Jesus. Eu sou
               fã de Jesus. Sou doidinha por ele. Ele sempre me
               ajudou. Corte.

CENA 45 - RUA

Macabéa sai da casa da Cartomante, feliz da vida. Caminha pela
calçada.

               CARTOMANTE (OFF)
               Sua vida vai mudar completamente! E digo mais: vai
               mudar a partir do momento em que você sair da
               minha casa! Você vai se sentir outra. Fique
               sabendo, minha florzinha, que até o seu namorado
               vai voltar e propor casamento, ele está
               arrependido! E seu chefe vai lhe avisar que pensou
               melhor e não vai mais lhe despedir! Você conhece
               algum estrangeiro?

Vê, do outro lado da rua, um GRINGO, loiro e de olhos azuis,
caminhando na direção dela.

               CARTOMANTE (OFF)
               Ele é alourado e tem os olhos azuis ou verdes. E
               se não fosse porque você gosta de seu ex-namorado,
               esse gringo ia namorar você. Se não me engano, e
               nunca me engano, ele vai lhe dar muito amor e
               você, minha enjeitadinha, você vai se vestir com
               veludo e cetim e até casaco de pele vai ganhar.
               Faz tempo que não boto cartas tão boas.

Ela vai atravessar a rua. Um carro se aproxima. Ela põe o pé no
meio da rua.

               REGINA (OFF)
               Corta!

Plano geral revelando bastidores da gravação.

               REGINA
               Cena do atropelamento, cadê o dublê?

Dublê, homem vestido com o mesmo figurino de Macabéa, se aproxima
botando a peruca.

               REGINA
               (para Macabéa) Pode sentar para descansar um
               pouco. Quer uma água?

Macabéa senta, pega uma água. O Gringo senta ao seu lado, sorri
para Macabéa. Ela sorri, um pouco constrangida.

               REGINA
               (ao fundo) Aparece o Gringo na cena? Cadê o
               Gringo?

               OLÍMPICO
               Estão chamando você lá.

O Gringo levanta e sai para fazer a cena. Olímpico senta na
cadeira ao lado de Macabéa.

               OLÍMPICO
               E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a
               passear?

               MACABÉA
               Sim.

Macabéa e Olímpico levantam-se, saem caminhando, câmera
acompanha.

               MACABÉA
               Eu sabia que você ia voltar. A cartomante me disse
               e ela não erra nunca.

               OLÍMPICO
               E ela me disse se eu vou ser deputado e se o mundo
               inteiro vai saber de mim?

               MACABÉA
               Não.

               OLÍMPICO
               Pois eu estou lhe dizendo. Você não acredita?

               MACABÉA
               Acredito sim. Eu não quero lhe ofender.

               MACABÉA
               E a Glória?

               OLÍMPICO
               Ela usa muita água de colônia. E pinta o cabelo. E
               me deu um fora.

               MACABÉA
               Você sabia que o imperador Carlos Magno era
               chamado de "Carolus"?

Ao fundo, a equipe e o dublê fazem a cena do atropelamento.

FIM

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(c) Jorge Furtado e Guel Arraes, 2003
Casa de Cinema de Porto Alegre, TV Globo
http://www.casacinepoa.com.br

18/11/2003

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