Roteiro em modo texto: [ Download ]
LUNA CALIENTE (CAP. 2)
microssérie em 4 capítulos
roteiro de Jorge Furtado,
Carlos Gerbase
e Giba Assis Brasil
a partir da novela homônima de
Mempo Giardinelli
versão de 11/08/1998
produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
para TV Globo
***********************************************************
PRIMEIRO BLOCO
CENA 60 - INT/DIA - CASA DE RAMIRO / QUARTO
Ramiro, sentado em sua cama, perturbado, fica olhando em
direção a Elisa, parada na porta do quarto. A franja oculta
parcialmente os olhos de Elisa. Ela está sorridente e parece
confiante.
ELISA
Oi.
Ramiro, ainda sentado na cama, não responde. Dona Maria
aproxima-se de Ramiro, com umas roupas na mão. Estende as
roupas para Ramiro, que demora um tempo para reagir.
MARIA
Vai te vestir, meu filho.
Ramiro finalmente pega as roupas e levanta da cama.
RAMIRO
Com licença.
Ramiro vai até o banheiro, passando perto de Elisa, que
continua sorridente. Elisa vira-se, acompanhando Ramiro com o
olhar.
MARIA
(para Elisa) Não liga, querida. Ele leva
uma meia hora pra acordar de verdade. Tem
que ver o suplício no tempo do colégio pra
tirar ele da cama...
Ramiro entra no banheiro e fecha a porta. Tem um acesso de
tosse.
MARIA (FQ)
Você está bem?
CENA 61 - INT/DIA - CASA DE RAMIRO / BANHEIRO
Ramiro termina de lavar o rosto com bastante água.
RAMIRO
Estou.
MARIA (FQ)
Eu vou servir um café. Venham logo.
RAMIRO
Tudo bem.
Ramiro coloca a calça e a camisa sem pressa. Vê a sacola de
nylon e pega. Olha-se no espelho e abre devagar a porta do
banheiro.
CENA 62 - INT/DIA - CASA DE RAMIRO / QUARTO
Elisa está sentada numa cadeira giratória, na escrivaninha de
Ramiro, examinando com curiosidade as fotos e coisas de Ramiro
sobre a escrivaninha. Ramiro entra. Da cozinha, ouvem-se o
ruídos de dona Maria lavando louça.
RAMIRO
Como você está?
ELISA
(sem olhar para ele) Bem.
RAMIRO
(inseguro) Não sei o que dizer, Elisa...
ELISA
Você não precisa dizer nada.
RAMIRO
Ontem à noite fiquei louco. Queria que me
desculpasse se fui bruto, entende? É uma
bobagem falar nisso agora, mas... (hesita
um pouco) Eu não queria machucar você.
Elisa se vira para Ramiro, girando a cadeira.
ELISA
(balançando a cabeça, sensual) Não
machucou.
Ramiro se mantém em silêncio por um momento e começa a falar
enquanto se dirige para a cama.
RAMIRO
Como você veio até aqui?
ELISA
Mamãe me trouxe.
RAMIRO
E ela, onde está?
ELISA
Procurando papai. Ele desapareceu.
RAMIRO
E não sabem onde ele está?
ELISA
Decerto se embebedou, como sempre. Deve
andar com algum amigo.
Pela primeira vez, Ramiro fica mais confiante.
RAMIRO
Ah... Me diz uma coisa...
Elisa levanta e dirige-se à janela.
RAMIRO
Você falou com sua mãe sobre o que
aconteceu ontem à noite?
Elisa sorri. Leva a mão ao peito e abre mais um botão da
blusa, revelando o início do contorno dos seios sob o sutiã.
ELISA
Como está quente...
Elisa vira-se para Ramiro. Ramiro olha por um instante para o
decote, mas logo recupera o autocontrole. Elisa aproxima-se de
Ramiro.
RAMIRO
Você contou pra ela?
ELISA
Como você pode pensar uma coisas dessas?
Elisa aproxima-se ainda mais de Ramiro. Ficam algum tempo em
silêncio. Ramiro parece não saber o que dizer.
ELISA
Me dá um beijo.
Elisa aproxima-se dele, olhos lânguidos, lábios entreabertos.
Ramiro parece não ter mais defesa. Elisa abraça Ramiro, que
está em transe.
ELISA
Eu gostei muito...
Vão se beijar, mas o grito de dona Maria os interrompe.
MARIA (FQ)
Ramiro, Elisa! O café está pronto!
Ramiro sai do transe e empurra Elisa. Ela sorri, diabólica.
CENA 63 - INT/DIA - CASA DE RAMIRO / COZINHA
Ramiro e Elisa estão sentados, frente a frente, numa mesa de
refeições na cozinha, que é bastante espaçosa.
Dona Maria, de avental, coloca dois bules na mesa, que já está
ocupada por uma jarra de suco. Serve uma travessa de pães,
queijo, presunto, etc. Elisa não desgruda os olhos de Ramiro.
MARIA
Que noite horrível. Mal consegui dormir.
Esse calor ainda vai nos matar.
RAMIRO
(olhando rápido para Elisa) O que vai nos
matar é outra coisa.
Elisa sorri.
MARIA (FQ)
O que você disse?
RAMIRO
Não liga, eu não estou me sentindo muito
bem.
MARIA
Quer um comprimido?
Maria aproxima-se da mesa.
RAMIRO
Não.
MARIA
Não liga, Elisa. Às vezes ele acorda assim.
(serve suco para Elisa) Como vai seu pai?
ELISA
Acho que está bem.
MARIA (FQ)
O seu pai e o meu marido eram muito amigos.
ELISA
Eu sei. O Ramiro me contou.
MARIA
(surpresa) Contou, é? Que novidade... O
Ramiro não é de muita conversa. Ele é tão
bicho-do-mato...
ELISA
(maliciosa) Não parece.
MARIA
Que bom. (tirando o avental e vindo sentar
ao lado de Ramiro). Bem que eu disse que
ele tinha que conversar um pouco. Eu tenho
que ir ao mercado. O que você quer comer no
almoço?
RAMIRO
Eu não sei se vou comer aqui. Não te
preocupa.
MARIA
(para Elisa) Depois de tantos anos longe,
não pára um minuto em casa. Eu compreendo,
claro, para isso existem as mães, para
compreender os filhos. Mas ele está
chegando tardíssimo todas as noites. Hoje
chegou eram quase quatro. Vai acabar se
consumindo. Diz pra ele, Elisa, talvez ele
te ouça.
ELISA
(divertida) Sua mãe tem razão, Ramiro.
Ramiro sorri. Parece aliviado.
RAMIRO
Você me faz sentir um adolescente.
MARIA
Vocês nem experimentaram meu bolo de
laranja! É uma receita nova. (parte o bolo
e dá uma fatia para cada um) Quando eu
voltar, vocês me dizem o que acharam.
Dona Maria beija Elisa e Ramiro. Sai da cozinha. Maria caminha
em direção à porta. Ramiro e Elisa ouvem o barulho da porta da
sala fechando. Comem o bolo.
Elisa limpa alguns farelos de bolo sobre a sua boca com um
guardanapo. Sorri para Ramiro. Pela primeira vez, ele sorri de
volta. Ramiro olha para Elisa.
RAMIRO
Por que você veio aqui?
ELISA
(voz baixa e sedutora) Precisava te ver.
RAMIRO
Eu não quis te machucar.
ELISA
Eu já disse que não me machucou. Eu gostei.
Quero de novo.
Elisa começa a brincar com os botões da blusa. Vai
desabotoando um por um. Os seios pequenos aparecem. Ramiro não
consegue desgrudar os olhos. A respiração de Elisa fica mais
agitada. Os seios sobem e descem sob o sutiã.
Elisa levanta. Dá a volta devagar na mesa. Tira o sutiã. Fica
nas costas de Ramiro, com a blusa aberta. Ramiro está imóvel,
indefeso.
ELISA
Me faz. Agora.
RAMIRO
(baixinho, sem a menor convicção) Não.
Elisa abre a calça de Ramiro. Ramiro vira a cadeira. Elisa vai
pra frente dele. Fica de costas pra câmera. Levanta o vestido
e tira a calcinha, sob o olhar deslumbrado de Ramiro. Elisa
senta no colo de Ramiro. Ele não resiste mais. Os dois se
beijam na boca, com fúria.
Transam em silêncio, rápidos, bruscos, mas com grande
intensidade. No início, Ramiro lança olhares nervosos em
volta, preocupado, mas depois fecha os olhos e entrega-se.
Ramiro coloca Elisa sobre a mesa. A mão de Elisa segura a
mesa. Um jarro com suco de laranja sacode. Elisa, para não
gritar, morde a própria mão.
Toca a campainha. Elisa começa a levantar. Ramiro olha em
direção à porta. Elisa abotoa a blusa e levanta.
Batidas fortes na porta da cozinha.
GOMULKA
(FQ, gritando) Ramiroooo!!!
Os dois olham para a porta.
RAMIRO
(alto) Já vai! (para Elisa, apontando uma
porta no fundo da cozinha) Ali. Vai.
Ramiro empurra Elisa para dentro da casa e fecha a porta atrás
dela. Ele volta e caminha na direção da sala, enquanto arruma
as próprias calças. Vê, no chão da cozinha, o sutiã de Elisa.
Ramiro abaixa-se e pega-o, vai até a porta por onde
desapareceu Elisa e joga o sutiã pra dentro. Ramiro abre a
porta da rua.
Na porta, Gomulka sorri para Ramiro.
RAMIRO
Olá, Gomulka.
GOMULKA
E aí, irmão? Tô precisando do carro. Eu não
vi aí na frente. Onde ele está?
Ramiro olha para Gomulka, nervoso.
FIM DO PRIMEIRO BLOCO
SEGUNDO BLOCO
CENA 64 - INT/DIA - CASA DE RAMIRO / COZINHA
Gomulka entra e se dirige à geladeira. Gomulka certifica-se de
que estão sós.
GOMULKA
Ramiro, eu tenho um programão para você
hoje à noite.
Ramiro se aproxima da pia. Traz da mesa algumas louças sujas.
Gomulka se encosta na ponta da pia tomando alguma coisa.
RAMIRO
Gomulka...
GOMULKA
Não, não vá você começar com aquela
conversa de que está cansado, que chegou de
viagem há pouco. Até parece que você veio a
pé. Chega de descansar.
Ramiro vê a calcinha de Elisa no chão, perto do pé de Gomulka.
GOMULKA
Escuta só: a Márcia Interessante está de
aniversário. Você não conhece. Mas você
conhece a Márcia Chata, que é a irmã do
Cardoso, que VOCÊ achou interessante,
lembra? Você viu a Márcia Chata na casa do
Cardoso e me disse que achou interessante.
Pois a Márcia Interessante ganhou este
apelido exatamente para diferenciar da
Márcia Chata. Acompanhou?
Ramiro abre a porta do armário debaixo da pia, abaixa-se, pega
a calcinha e guarda no bolso.
RAMIRO
Sim, mas é que...
GOMULKA
A Márcia Interessante está de aniversário,
vai dar uma festa e mandou convidar você.
"Leva aquele teu amigo francês... ". Ela tá
louquinha por você, meu filho, vai por mim.
Me dá logo a chave do carro. Eu tenho que
mandar lavar. Também tenho assuntos
importantes hoje à noite.
Ramiro olha para a louça.
RAMIRO
É que... esse é o problema.
Ramiro aproxima-se da mesa. Gomulka permanece ao fundo,
encostado na pia.
GOMULKA
Que problema?
RAMIRO
O carro.
Gomulka vem para perto da mesa.
GOMULKA
(preocupado) O que é que tem o carro? Cadê
o meu carro, Ramiro?
Ramiro se vira para Gomulka.
RAMIRO
Aconteceu... um problema.
GOMULKA
Fala, homem! O carro estragou? (assustado)
Não me diga que você bateu o meu carro?
RAMIRO
Não, não. É que ele não está comigo.
GOMULKA
(nervoso) Como é que é? Está com quem?
Ramiro vai para a pia, Gomulka vai atrás.
RAMIRO
Eu... emprestei.
GOMULKA
Emprestou? Emprestou MEU carro? Para quem?
RAMIRO
(falando baixo) Para o doutor Bráulio
Tennembaun.
Ramiro volta para a mesa. Gomulka segue atrás dele.
GOMULKA
(furioso, falando alto) O quê? Bráulio
Tennembaun? Que merda, como é que você foi
fazer uma coisa dessas? Você emprestou meu
Ford quarenta e sete, que eu levei oito
anos e meio restaurando, peça por peça,
para aquele velho bêbado e irresponsável?
Por que você fez isso, Ramiro?
Elisa surge na cozinha. Os dois olham para ela. Gomulka olha,
sem entender nada. Olha para Ramiro. Olha outra vez para
Elisa, já entendendo um pouco mais. Olha outra vez para
Ramiro.
Elisa entra.
ELISA
Minha mãe está aí.
RAMIRO
Gomulka, você conhece a Elisa, filha da
dona Carmem e do...
GOMULKA
Conheço. Tudo bem?
Maria entra, seguida por Carmem.
MARIA
(entrando) Elisa! Sua mãe está aí!
Carmem, com a aparência muito preocupada, entra e senta na
ponta da mesa.
CARMEM
Não o encontrei, minha filha. Não sei o que
pensar, estou desesperada.
GOMULKA
(para Ramiro) O que aconteceu?
Ramiro fica sem resposta.
MARIA
O doutor Bráulio.
CARMEM
Ele não voltou pra casa.
GOMULKA
Ele sumiu? Com o meu carro?
MARIA
Vamos, Carmem, ele anda por aí. Não é a
primeira vez.
GOMULKA
A senhora já foi à polícia?
CARMEM
Ainda não. Tenho medo de ir. Liguei para o
Braulito, ele disse que vem o mais rápido
possível. Homem eles respeitam mais. Vou
parecer ridícula dizendo para a polícia que
o meu marido fugiu.
CARMEM
O que vocês fizeram ontem à noite, Ramiro?
Elisa senta ao lado da mãe. Elisa olha para Ramiro.
GOMULKA
É, Ramiro: o que vocês fizeram ontem à
noite?
Maria serve um copo d'água para Carmem.
RAMIRO
Na verdade, nada. O doutor Bráulio me
convidou para tomar alguma coisa e... eu
não aceitei.
CARMEM
Você consertou o carro?
GOMULKA
O carro estragou?
RAMIRO
Estava apenas afogado, e ele me pediu que o
trouxesse para a cidade. Embarcou e... a
verdade é que não pude impedir.
CARMEM
Ele sempre foi assim. Quando mete uma coisa
na cabeça...
RAMIRO
Bem, nós chegamos na cidade e eu fiquei em
casa. Ele me pediu o carro e outra vez não
pude negar.
GOMULKA
(irritado) Pffu!
RAMIRO
Inclusive agora estou preocupado porque o
carro não é meu, a senhora sabe, é do meu
amigo Gomulka.
GOMULKA
(afastando-se) Ex-amigo.
CARMEM
Mas a que hora vocês saíram? Você já estava
deitado.
RAMIRO
Não sei, seriam mais ou menos... três da
manhã. Eu não podia dormir por causa do
calor.
Ramiro olha para Elisa. Elisa cruza as pernas, olha para
Ramiro.
RAMIRO
Decidi me levantar e vir embora. Encontrei
o doutor Bráulio fora da casa, muito...
CARMEM
Embriagado.
Ramiro olha para Carmem, faz um sinal afirmativo com a cabeça.
GOMULKA
Que merda, Ramiro!
Carmem apóia a mão na cabeça.
CARMEM
Que calvário, Deus meu...
Carmem se recompõe, ergue-se.
CARMEM
Bem, vamos embora.
Sai de braço com Elisa, em direção à porta. Ramiro segue as
duas.
CENA 65 - EXT/DIA - FRENTE DA CASA DE RAMIRO
Ramiro e Maria seguem Carmem e Elisa até a calçada. Carmem e
Maria passam pela frente do carro em direção à porta do
motorista. Ramiro e Elisa seguem para a porta do passageiro.
CARMEM
Vou continuar procurando, ainda me falta
passar na casa do Romero e no Freschini.
MARIA
Ele deve aparecer.
CARMEM
Dessa vez eu mato esse miserável!
MARIA
Calma. Me avise de qualquer coisa.
Elisa entra no carro, Ramiro segue-a e apóia-se na porta.
Elisa, sentando-se, coloca as pernas para dentro do carro,
ajeita o vestido e sorri para Ramiro.
ELISA
(para Ramiro) Depois você me devolve as
duas.
Ramiro fecha a porta, põe a mão no bolso. Ramiro olha para
Elisa, tenso.
CENA 66 - EXT/DIA - FUNDO DO RIO / FORD 47
Dentro do carro tomado pelas águas do rio, a calcinha rasgada
de Elisa dança suavemente, saindo do bolso de Bráulio.
CENA 67 - EXT/DIA - FRENTE DA CASA DE RAMIRO
Elisa abana para Ramiro enquanto o carro sai. Ramiro abana de
volta. Maria e Gomulka estão na calçada.
MARIA
Coitada!
Maria volta para dentro da casa. Gomulka aproxima-se de
Ramiro.
GOMULKA
Ramiro, isso que você fez...
RAMIRO
Me desculpe, Gomulka...
GOMULKA
Desculpar? Nem morto! Isso foi um abuso de
confiança.
RAMIRO
Eu lhe pago, juro.
GOMULKA
Não tem dinheiro no mundo que pague o meu
prejuízo moral. Aquele Ford... Eu conheço
cada parafuso daquele Ford, Ramiro. Cada
arruela. Os trincos das portas, Ramiro, eu
mandei cromar em Buenos Aires.
Gomulka vai saindo.
RAMIRO
Onde você vai?
GOMULKA
Onde eu vou? Vou chamar a polícia para
achar meu carro!
RAMIRO
Calma. Ele... deve ter dormido na casa de
alguém.
GOMULKA
Deve ter é caído dentro de uma garrafa de
cachaça. E com o meu carro junto.
RAMIRO
Tá bom. Vamos procurar o carro, eu vou com
você. Espera um pouco.
Ramiro sai, em direção a casa. Gomulka pára, irritado.
CENA 68 - ELIMINADA
CENA 69 - INT/DIA - CASA DE RAMIRO / QUARTO
Ramiro coloca a calcinha embaixo do colchão. Depois, pega o
cigarro e os documentos sobre a cama, acende um cigarro e sai.
MARIA (FQ)
Passem no La Estrella. Ele vive por lá.
RAMIRO
Deve ter sido o primeiro lugar onde Dona
Carmem procurou.
Maria aparece na porta.
MARIA
Mas ela é mulher dele, ninguém ia dizer
nada. Para vocês...
RAMIRO
Me empreste sua chave. Deixei a minha no
chaveiro do carro.
CENA 70 - EXT/DIA - FRENTE DA CASA DE RAMIRO
Gomulka está encostado no muro. Ramiro chega, vindo de dentro
da casa. Antes de Ramiro chegar ao seu lado, Gomulka sai
caminhando. Ramiro tenta alcançar Gomulka.
RAMIRO
Você está de carro?
GOMULKA
(muito irritado) Não, não estou.
RAMIRO
Sua irmã... será que ela não empresta o
carro?
GOMULKA
Para você, não!
RAMIRO
Vamos, Gomulka! Imagina se a polícia
encontra e reboca o seu carro. Você sabe o
que eles fazem com os carros nos depósitos
da polícia.
GOMULKA
Se aquele velho bêbado arranhou um cromado
do meu Ford, eu mato o desgraçado. Juro que
mato! E você junto!
FIM DO SEGUNDO BLOCO
TERCEIRO BLOCO
CENA 71 - EXT/DIA - FRENTE DA CASA DE GOMULKA
Rua suburbana, um pouco mais movimentada que a de Ramiro.
Ramiro está parado ao lado de um TL. Gomulka sai de uma casa,
em direção ao carro, com uma chave na mão. O carro está
estacionado na contra-mão. Gomulka senta no carro e abre a
porta do carona. Ramiro entra e bate a porta.
GOMULKA
Pra onde?
RAMIRO
Não sei... Pra estrada. Quem sabe ele
voltou pra casa?
GOMULKA
Se ele tivesse voltado pra casa, a dona
Carmem não andava por aí, desesperada.
RAMIRO
Vamos ao La Estrella, ao Panorama... Alguém
deve ter visto ele por lá.
Gomulka liga o carro e parte, afastando-se na rua.
CENA 72 - EXT/DIA - FRENTE DO LA ESTRELLA
La Estrella é um boteco de paredes gastas, com uma grande
estrela azul na fachada, no meio de uma rua de bastante
movimento. Uma FAXINEIRA passa o rodo na calçada em frente ao
bar. A água escorre pela calçada até a sarjeta.
Junto à calçada, o TL da irmã de Gomulka estaciona, pouco à
frente de um guincho. Dentro do carro, Ramiro apressa-se em
abrir a porta. Gomulka faz menção de desligar o carro, mas
Ramiro o impede com um gesto.
RAMIRO
Pra ganhar tempo, Gomulka, (aponta em
frente) você poderia ir perguntando no
Panorama. Daqui a cinco minutos eu te
encontro ali na praça.
GOMULKA
(concordando) A placa é nove, vinte e três,
dezoito.
RAMIRO
Eu não vou perguntar pelo carro, Gomulka. O
carro não entrou no bar.
Ramiro sai do carro e bate a porta. Inclina-se para falar com
Gomulka e sorri, amistoso.
RAMIRO
Pergunta pelo doutor Bráulio. Todo mundo
conhece ele por aqui.
Gomulka faz que sim com a cabeça e arranca. O carro sai.
Ramiro acompanha com o olhar, entra no bar, enquanto a
faxineira continua limpando a calçada.
CENA 73 - INT/DIA - BAR LA ESTRELLA
No balcão, o DONO DO BAR, 40 anos, magro e de olheiras
profundas, está fazendo contas, concentrado, com o auxílio de
uma antiga máquina de calcular, uma pilha de papéis à sua
frente.
Ramiro entra no bar e vai direto ao balcão. Fala com o dono do
bar.
RAMIRO
Bom dia! Eu estou procurando um amigo meu,
o doutor Bráulio Tennembaun, ele...
O dono do bar faz um gesto, pedindo que Ramiro espere um
pouco, e concentra-se ainda mais em suas contas.
RAMIRO
Desculpa, eu não queria interromper, eu só
queria saber se o doutor Bráulio...
O dono do bar visivelmente se perde nas contas, puxa com força
a manivela da máquina de calcular, joga o lápis sobre o balcão
e encara Ramiro, sério.
RAMIRO
... Se ele esteve aqui ontem à noite, o
senhor saberia me dizer?
DONO DO BAR
(seco) Não.
E vira-se de costas para Ramiro.
RAMIRO
(insistindo) Ele tem uns sessenta anos, é
um pouco gordo e...
DONO DO BAR
(sem se virar) Eu conheço o doutor Bráulio.
Mas ontem ele não esteve aqui. Eu já falei
isso pra esposa dele.
RAMIRO
Certo, mas ele me disse que viria aqui,
eram umas quatro da manhã. O senhor esteve
aqui a noite toda?
DONO DO BAR
Sim.
E volta a virar-se para o balcão, com um caderno na mão.
Coloca o caderno sobre o balcão e volta a encarar Ramiro.
RAMIRO
Será que alguém aqui não pode ter visto,
falado com ele? Pode ser que ele tenha
saído daqui pra um outro lugar...
DONO DO BAR
Pode ser. Se você quiser perguntar...
E indica o bar com a mão. Ramiro vira-se, olha em volta.
O movimento do bar é pequeno: apenas duas mesas ocupadas, as
outras com as cadeiras por cima. Pela porta, a faxineira vem
entrando, o rodo às costas.
DONO DO BAR
(para Ramiro) Quer uma cerveja?
RAMIRO
Não, obrigado. Quero um maço de cigarros.
Continental, sem filtro.
O dono do bar entrega-lhe o cigarro. Ramiro tira umas moedas
do bolso, conta-as e coloca-as sobre o balcão. O dono do bar
recolhe as moedas e volta às suas contas, bastante
concentrado. Ramiro pega o maço de cigarros e volta a se virar
para o bar.
Numa das mesas, dois sujeitos de bigode, um LOIRO e outro
MORENO, tomam cerveja, em silêncio, atirados sobre as
cadeiras, entorpecidos pelo calor. Ramiro aproxima-se deles,
meio sem jeito, enquanto abre o maço de cigarros.
RAMIRO
Bom dia!
O bigodudo moreno apenas olha para Ramiro, mas o outro
responde.
BIGODUDO LOIRO
Bom dia.
RAMIRO
Calorão, né?
Os dois bigodudos se olham, meio desconfiados.
BIGODUDO LOIRO
É. Tá quente.
Ramiro tira um cigarro do maço, coloca-o entre os lábios.
Aponta uma caixa de fósforos sobre a mesa.
RAMIRO
Me empresta o fogo?
O moreno alcança os fósforos a Ramiro. Ramiro abre a caixa,
tira um fósforo, acende o cigarro. Traga, solta uma baforada.
RAMIRO
Acho que hoje vai fazer mais calor que
ontem.
Os bigodudos começam a se divertir com a situação. Olham-se e
sorriem para Ramiro.
BIGODUDO LOIRO
É. É a lua.
BIGODUDO MORENO
A lua cheia.
RAMIRO
É verdade...
Ramiro balança a cabeça e tenta sorrir também, mas só consegue
fazer uma careta. Os dois bigodudos se olham e riem.
CENA 74 - EXT/DIA - PRAÇA
Na praça, o TL está estacionado. Gomulka, parado em pé ao lado
do carro, olha em volta, esperando. Olha para o carro e vê uma
sujeira no capô. Dá uma cuspidinha na manga da camisa e
esfrega-a no local.
Ramiro vem em direção a Gomulka.
Gomulka, inclinado sobre o carro, levanta o olhar e vê Ramiro.
GOMULKA
Ramiro! Nada no Panorama. E você?
RAMIRO
(aproximando-se) Ele esteve no La Estrella.
Mas saiu em seguida.
GOMULKA
E foi pra onde?
RAMIRO
Sabe o armazém do Raul, depois da ponte?
GOMULKA
Eu sabia! Que merda, Ramiro!
CENA 75 - EXT/DIA - ESTRADA ASFALTADA
O TL corre pela estrada. Dentro do carro, nervoso, Gomulka
dirige, sem parar de falar.
GOMULKA
Eu tenho certeza, Ramiro! Agora eu tenho
certeza. Esse velho de merda bateu com o
meu Ford.
RAMIRO
Como é que você pode saber?
GOMULKA
Lembra da dona Marciana, mãe do Perácio?
Ela tinha quatorze filhos, a velha. O mais
velho tinha trinta anos quando nasceu o
menor. Tinha filho espalhado por tudo
quanto é canto.
RAMIRO
(impaciente) Tá, e daí?
Ramiro olha para a estrada.
GOMULKA
Daí que qualquer um deles que se
machucasse, pegasse uma gripe ou uma
diarréia, a velha Marciana passava mal. Ela
sentia, entende?
RAMIRO
Gomulka, você não é mãe de um Ford quarenta
e sete. Carro você encontra em qualquer...
GOMULKA
(furioso) Não brinca com isso, Ramiro!
Ramiro fica quieto. Gomulka encara-o, sério, e em seguida
volta a olhar para a estrada.
GOMULKA
Eu sinto, o que é que eu posso fazer? Está
dentro de mim. Pra dizer a verdade eu
acordei hoje de manhã sentindo. Na verdade,
eu nunca devia ter te emprestado esse
carro...
CENA 75A - EXT/DIA þ PONTE
Ramiro pára de prestar atenção no discurso de Gomulka e olha
fixamente para a estrada. A ponte se aproxima.
Ramiro, de repente, interrompe Gomulka.
RAMIRO
(gritando) Pára o carro!
Gomulka freia. O carro pára a poucos metros depois da ponte.
Ramiro desce do carro e corre até a amurada. Olha para baixo.
Gomulka desce e o segue.
GOMULKA
(para si mesmo) Não!
O carro continua na mesma posição de antes, capotado, com as
duas rodas saindo para fora do rio.
Ramiro olha para Gomulka com o canto do olho.
RAMIRO
Achamos o teu carro.
FIM DO TERCEIRO BLOCO
QUARTO BLOCO
CENA 76 - EXT/DIA - MARGEM DO RIO
Ramiro e Gomulka descem, com alguma dificuldade, o barranco à
margem do rio. Param o mais perto possível do carro, que está
a uns cinco metros da margem, com as duas rodas para cima,
aflorando da água.
GOMULKA
Meu carro... Você acabou com o meu carro.
Ramiro tira a camisa, os sapatos e as meias.
RAMIRO
Talvez dê para consertar. Eu pago.
GOMULKA
(irritado) E você ainda vem me falar de
dinheiro? Você não entende nada de carros,
de responsabilidade, de porra nenhuma!
Nenhum dinheiro do mundo paga o que eu fiz
nesse Ford...
Ramiro começa a entrar no rio. Gomulka fica na margem.
RAMIRO
(cortando) Talvez tenha gente morta ali
dentro, e você só pensa no carro.
Ramiro entra na água, dá alguns passos, fica com água até a
cintura. Caminha devagar na direção do carro.
GOMULKA
Tô me lixando pro idiota que tá lá dentro.
Ramiro pára ao lado da janela do motorista, já com a água na
altura do peito.
RAMIRO
Eu vou dar uma olhada.
Ramiro toma fôlego e mergulha.
CENA 77 - EXT/DIA - FUNDO DO RIO (PISCINA)
O carro está bastante amassado, mas o capô agüentou
relativamente bem o impacto, de modo que é possível olhar para
dentro. Não há corpo algum no carro.
Ramiro fica observando por algum tempo, surpreso. Tenta abrir
a porta, mas não consegue. Com pouco ar, sacode os braços e
sobe à superfície.
CENA 78 - EXT/DIA - MARGEM DO RIO
Ramiro emerge, respira e olha para Gomulka.
RAMIRO
Não tem ninguém.
GOMULKA
Claro! Aquele velho bêbado se salvou. Só
eu, que não bebo, não fumo, não como
ninguém, me dei mal. É típico...
RAMIRO
(olhando rio abaixo) Dá uma olhada naquele
lado, talvez a correnteza tenha levado o
corpo.
GOMULKA
Não olho porra nenhuma. A lataria tá muito
amassada?
RAMIRO
Mais ou menos.
Ramiro volta a mergulhar. Gomulka tira os sapatos e a camisa.
Também entra na água, resmungando.
GOMULKA
Mais ou menos, mais ou menos...
CENA 79 - EXT/DIA - FUNDO DO RIO
Ramiro enfia-se pela janela do carona, que está menos
amassada, e olha para o banco de trás. Afasta a lama e a
sujeira, deixando a água mais escura. Nada. Olha para o painel
e vê o molho de chaves, ainda na ignição. Pega as chaves.
Volta a emergir.
CENA 80 - EXT/DIA - MARGEM DO RIO
Ramiro volta a aparecer na superfície do rio. Gomulka está do
outro lado do carro, desesperado. Enquanto os dois discutem,
descobrimos que três POLICIAIS, mais o inspetor MONTEIRO, 60
anos, estão de pé, olhando para eles.
GOMULKA
Olha só o que você fez...
RAMIRO
Não fui eu, Gomulka.
GOMULKA
(gritando) Claro que foi. Foi você que fez!
MONTEIRO
O que foi que ele fez?
Ramiro e Gomulka olham para a margem.
MONTEIRO
É melhor vocês virem até aqui.
Os dois caminham até a margem. Monteiro usa chapéu, uma calça
azul e uma camisa clara, com as mangas arregaçadas. A gravata
está com o nó frouxo. Aponta para a mão de Ramiro.
MONTEIRO
Eu fico com isso.
Ramiro fica olhando para Monteiro, sem entender.
GOMULKA
Este é o inspetor Monteiro.
MONTEIRO
(para Ramiro) E o senhor quem é?
RAMIRO
Ramiro Bernardes.
GOMULKA
Filho da Dona Maria.
Ramiro estende a chave para Monteiro, que a pega. Monteiro se
dirige para a margem do rio, passando pelo meio dos dois que
se viram acompanhando-o com o olhar.
MONTEIRO
É o seu carro, Gomulka?
GOMULKA
Era. Até esse idiota (vira a cabeça na
direção de Ramiro) acabar com ele.
MONTEIRO
(para Ramiro) Você estava dirigindo quando
houve o acidente?
RAMIRO
Não. Emprestei o carro ontem à noite para
um amigo.
Gomulka se aproxima do rio e se abaixa.
MONTEIRO
Que amigo?
RAMIRO
O doutor Bráulio Tennembaun.
Gomulka segue abaixado na margem. Monteiro pega um bloco de
anotações no bolso da calça e dá uma olhada.
MONTEIRO
(para Gomulka) Você estava com eles?
GOMULKA
Claro que não. Eu nunca ia deixar meu Ford
quarenta e sete nas mãos de um velho
bêbado. Foi o Ramiro que emprestou.
MONTEIRO
Deixa eu ver se eu entendi. (olha para
Gomulka) Você emprestou o carro para ele,
que por sua vez o emprestou para o doutor
Bráulio.
RAMIRO
Exatamente.
Monteiro dirige-se para o carro.
GOMULKA
O senhor pode conseguir um guincho pra
tirar meu carro da água?
MONTEIRO
Está sendo providenciado.
CENA 80A - EXT/DIA þ CLAREIRA - MARGEM DO RIO
Monteiro está fotografando a lateral da ponte por onde o carro
caiu. Ramiro aproxima-se, já de camisa. Embaixo da ponte,
Gomulka e outros policiais continuam olhando para o carro.
RAMIRO
Vocês sabem onde está o corpo?
MONTEIRO
Que corpo?
RAMIRO
Ora, do doutor Bráulio...
MONTEIRO
Corpo? Por que você perguntou sobre um
corpo? Acha que ele morreu?
RAMIRO
(nervoso) Não acho nada. Vocês encontraram
o doutor Bráulio? Onde ele está?
Monteiro vira-se e vê as marcas dos pneus do carro. Monteiro
segue as marcas do carro até o outro lado da estrada, Ramiro o
segue.
MONTEIRO
Calma, meu amigo. Ficar nervoso não vai
adiantar nada. Por que você estava
examinando o carro?
RAMIRO
É óbvio, não? A família do doutor Bráulio
está desesperada. Ele não voltou para casa
ontem à noite.
MONTEIRO
E como vocês descobriram que o carro estava
aqui?
RAMIRO
Perguntando.
MONTEIRO
Para quem?
RAMIRO
Nós fomos ao bar onde ele sempre vai, o La
Estrella.
MONTEIRO
Nós falamos com o dono do La Estrella. Ele
disse que não viu o doutor Bráulio ontem.
Monteiro se abaixa, pega alguma coisa e volta a levantar.
Ramiro tenta ver o que ele tem na mão.
RAMIRO
Dois sujeitos que estavam lá, ontem à noite
disseram que ele veio pro armazém do Raul.
Um guincho para no acostamento da estrada, perto da ponte,
atrás de Ramiro e Monteiro. Dois sujeitos descem do caminhão e
olham para baixo.
MONTEIRO
Sabe o nome desses sujeitos?
RAMIRO
Não.
MONTEIRO
Como eles eram?
RAMIRO
O que isso interessa?
Monteiro olha para Ramiro de cima a baixo.
MONTEIRO
Quem é que sabe?
RAMIRO
Um era da minha altura, o outro mais baixo.
Os dois tinham bigode.
MONTEIRO
Que mais?
RAMIRO
Um tinha cabelos pretos, o outro era loiro.
MONTEIRO
E as roupas?
RAMIRO
Comuns.
MONTEIRO
Comuns...
RAMIRO
Calça, camisa...
Os dois sujeitos do guincho aproximam-se pelas costas dos
dois. São os mesmos que estavam no La Estrella quando Ramiro
passou lá naquela manhã.
BIGODUDO LOIRO
(para Ramiro) Calorão, hein?
Monteiro olha para eles. Ramiro, por um instante, fica em
pânico, mas consegue controlar-se.
MONTEIRO
Tirem o carro, mas bem devagar. Quero que
ele fique exatamente como está para a
perícia.
O bigodudo moreno acena que sim com a cabeça.
Monteiro passa pelo meio dos dois bigodudos, seguido por
Ramiro. Os dois vão atrás.
MONTEIRO
(para Ramiro) Continue. O que mais?
RAMIRO
Mais nada.
RAMIRO
Posso ir? Preciso trocar de roupa.
MONTEIRO
Ainda não. Por que você pegou as chaves?
RAMIRO
Uma delas é da minha casa.
Monteiro olha outra vez para seu bloco de anotações.
MONTEIRO
Você é advogado, não é?
RAMIRO
Sou.
MONTEIRO
E não aprendeu que não se deve mexer em
nada na cena de um crime?
RAMIRO
Que crime? Foi um acidente!
MONTEIRO
Claro...
Gomulka volta para perto deles, indignado.
GOMULKA
Que história é essa que eu vou ter que
pagar o guincho?
MONTEIRO
O carro não é seu? A responsabilidade é
sua.
GOMULKA
Era só que faltava! Por mim, podem deixar o
carro onde está.
RAMIRO
Calma, Gomulka, eu pago o guincho.
GOMULKA
(perdendo o controle) Paga. E vai pagar
mesmo! Que bom... Acha que pode resolver
tudo com dinheiro. Então paga pra voltar no
tempo, pra voltar pra ontem de noite, e
dizer "não" para aquele velho bêbado,
quando ele te pediu o carro emprestado.
Você pode pagar pra fazer isso? Pode
comprar uma máquina do tempo e reparar a
merda que fez ontem à noite?
RAMIRO
Eu gostaria de fazer isso, Gomulka. Eu bem
que gostaria.
FIM DO QUARTO BLOCO
QUINTO BLOCO
CENA 81 - EXT/DIA - ESTRADA ASFALTADA
Carro é retirado do rio. Gomulka acompanha o trabalho de
perto.
GOMULKA
(grita) Calma! Puxem com cuidado! Cuidado
com o cromado! Pelo menos isso dá para
salvar.
Os homens do guincho não dão muita importância à recomendação
e amarram a corrente no pára-choques cromado.
Monteiro tira fotos, Ramiro se aproxima.
RAMIRO
O senhor tem idéia da hora do acidente?
Monteiro responde sem olhar para Ramiro.
MONTEIRO
Tenho.
Ramiro espera a continuação da resposta, mas Monteiro
silencia.
RAMIRO
O senhor acha que há alguma chance de ele
ter sobrevivido?
MONTEIRO
Pequena. A queda é muito alta. E se ele não
apareceu até agora...
RAMIRO
Vocês procuraram o corpo nas margens do
rio?
MONTEIRO
Demos uma busca aqui perto. Mas essa
correnteza é forte.
Ramiro vira-se para a frente.
RAMIRO
Que desgraça...
Monteiro olha para Ramiro, se vira, pega o braço de Ramiro e o
conduz para o carro.
MONTEIRO
Compreendo seus... sentimentos, mas preciso
fazer-lhe mais algumas perguntas.
RAMIRO
Que quer saber, inspetor?
MONTEIRO
Gostaria que me explicasse, detalhadamente,
o que fizeram ontem à noite.
CENA 81A - EXT/DIA - CLAREIRA
Monteiro e Ramiro saem por trás dos arbustos que separam a
clareira da margem do rio.
RAMIRO
Deixe eu ver...
MONTEIRO
Entenda, doutor, isto é quase rotineiro.
RAMIRO
Sim, sim... Bem: fui convidado para jantar
com os Tennembaun, no sítio.
MONTEIRO
Quem estava lá?
RAMIRO
O doutor Bráulio, dona Carmem, a filha
deles e eu. Por volta da meia-noite eu já
estava indo embora, mas o carro não quis
pegar, esse Ford. Acho que estava afogado,
não sei. Então me convidaram para dormir
por lá.
Ramiro olha para a porteira. Um menino surge. Caminha em
direção a Ramiro e Monteiro.
Monteiro e Ramiro continuam caminhando.
MONTEIRO
Quem convidou?
RAMIRO
O doutor Bráulio. Insistiu em que o carro
podia estragar no caminho. Me pareceu
razoável, era muito tarde, mais de meia-
noite. Fiquei, mas não podia dormir. O
senhor sabe, o calor aqui é infernal,
também à noite, e eu venho do inverno
europeu...
Ramiro percebe que o menino é o mesmo que cruzou por ele no
final da cena 44.
INSERT/FB DA CENA 44 - EXT/NOITE - PONTE
No banco de trás do carro, o menino, muito sério, de nariz
colado no vidro, olha para Ramiro. O carro passa.
MONTEIRO
O senhor esteve viajando.
Ramiro tenta deter o passo, mas tem que continuar seguindo
Monteiro.
RAMIRO
Eu... morei na França oito anos. Voltei faz
uma semana. E afinal não estava na minha
cama, não sei, o caso é que decidi ver se
fazia pegar o carro.
MONTEIRO
Lembra a hora?
O menino passa a poucos centímetros de Ramiro, mas não parece
reconhecê-lo.
RAMIRO
Sim... Bem, não exatamente, talvez... duas
e meia ou três da manhã.
MONTEIRO
Continue, por favor.
CENA 81B - EXT/DIA - PONTE
Monteiro abre a porta do carro, senta-se com as pernas para o
lado de fora. Ramiro se apoia à porta. Entre eles, no fundo do
quadro, o menino segue olhando para Ramiro. Monteiro tira o
filme da máquina, pega um envelope pardo e coloca o filme
dentro. Ramiro percebe que o menino não o reconheceu.
Continua, mais aliviado.
RAMIRO
Quando consegui fazer o carro pegar,
apareceu o doutor.
Monteiro pega uma fita adesiva e tenta achar a ponta.
RAMIRO
Me deu um susto, eu achei que ele estava
dormindo. Me convidou para tomar um vinho,
ele estava... bastante... muito embriagado,
não aceitei. Mas ele entrou no carro e eu
tive de levá-lo até a cidade. Não pude
negar...
Monteiro continua tentando achar a ponta da fita adesiva.
MONTEIRO
Que aconteceu depois?
Menino pára e olha novamente para Ramiro. Ramiro percebe que
menino olhou pra ele.
RAMIRO
Bem, eu me senti mal. Do estômago. E parei
o carro para vomitar.
Ramiro olha para menino. Menino continua caminhando.
RAMIRO
Apareceu um carro-patrulha e tivemos que
nos identificar,...
Ramiro volta a olhar para Monteiro.
RAMIRO
... não sei que horas eram.
MONTEIRO
O carro-patrulha abordou vocês às três e
vinte e cinco.
RAMIRO
Ah, sim?
Monteiro desiste da fita adesiva.
MONTEIRO
Temos o registro. Continue.
Monteiro larga a fita adesiva e pega um grampo.
RAMIRO
Bem... Depois chegamos em casa, na minha. O
doutor Bráulio me pediu o carro emprestado.
Outra vez não pude negar. E se foi.
Monteiro coloca grampo no envelope.
MONTEIRO
Você lembra que horas eram, quando se
despediram?
Monteiro termina de colocar o grampo.
RAMIRO
Minha mãe me disse ter visto a hora quando
eu cheguei. Eram quase quatro da manhã. Que
desgraça...
Ramiro dirige-se para a traseira do carro. Monteiro continua
sentado no carro. Escreve no envelope.
RAMIRO
Ele tinha bebido muito. Eu devia ter
imaginado que ele podia sofrer um acidente.
MONTEIRO
Não parece ter sido um acidente.
RAMIRO
Não?
MONTEIRO
Não. Há indícios de que o carro esteve
parado no acostamento, um pouco antes da
ponte.
Monteiro olha para o guincho, que está saindo com o carro.
Ramiro vira-se para Monteiro. Ramiro fica olhando para
Monteiro alguns segundos.
RAMIRO
Isso quer dizer...
Monteiro levanta-se e acompanha a saída do guincho, Ramiro ao
fundo.
MONTEIRO
Por enquanto, quer dizer apenas que o carro
esteve parado no acostamento, um pouco
antes da ponte.
Guincho passa na estrada. Monteiro grita alguma coisa para os
homens do guincho. Ramiro aproxima-se de Monteiro.
RAMIRO
Desculpe, inspetor, mas o senhor acredita
que ele possa ter...
MONTEIRO
Pensei nisso. Se ele parou aqui e quisesse
se matar, teria pulado sem o carro.
RAMIRO
E então?
MONTEIRO
Então o quê?
RAMIRO
O que o senhor acha que aconteceu?
MONTEIRO
Não acho nada.
Ouve-se uma voz vinda do rádio do carro.
RÁDIO
Inspetor Monteiro...
Monteiro senta no carro.
MONTEIRO
Nem o corpo eu achei ainda.
RÁDIO
Central para inspetor Monteiro...
Monteiro atende ao chamado.
MONTEIRO
Monteiro. Fala, Fernando.
RÁDIO
Inspetor, tem um sujeito aqui na central,
ele está bastante nervoso, quer falar com o
senhor. Mando que espere ou volte amanhã?
MONTEIRO
Quem é?
RÁDIO
O nome dele é... Bráulio, Bráulio
Tennembaun.
Ramiro se aproxima ainda mais da porta do carro.
MONTEIRO
Como é?
RÁDIO
Doutor Bráulio Tennembaun.
Gomulka surge, vindo da margem do rio, carregando um pedaço do
carro.
MONTEIRO
Diga que me espere. Estamos indo para aí.
Monteiro desliga. Ramiro está petrificado. Monteiro olha para
Ramiro.
MONTEIRO
O senhor ouviu? Parece que achamos o nosso
corpo.
RAMIRO
(tentando aparentar alegria) Sim... ouvi...
Que ótimo!
MONTEIRO
Esse nasceu de novo. O senhor quer me
acompanhar até a central?
MONTEIRO (FQ)
O doutor Bráulio vai nos contar
pessoalmente o que aconteceu ontem.
FIM DO CAPÍTULO 2
***********************************************************
(C) Jorge Furtado, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, 1998
Casa de Cinema de Porto Alegre
http://www.casacinepoa.com.br
11/08/1998
Anexo | Tamanho |
---|---|
lunacal2.txt | 53.96 KB |