TOLERÂNCIA - texto inicial

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               TOLERÂNCIA

               roteiro de Carlos Gerbase,
               Jorge Furtado,
               Álvaro Teixeira
               e Giba Assis Brasil

               12° tratamento - maio/1999

               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre

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CENA 1 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (9H)

Créditos iniciais intercalados

Júlio, 40 anos, está no escritório de sua casa, sentado à frente
de uma mesa que abriga um computador poderoso, scaner,
impressora, gravador de CD-ROM, tudo ligado. A sofisticação do
equipamento contrasta com pilhas vacilantes de badulaques que
entopem o resto do quarto: revistas velhas, caixas, fotos
amarelecidas, alguns filmes super-8, livros e fitas de vídeo. Uma
pequena televisão, desligada, também está sobre uma das estantes.
O ambiente é de semi-penumbra com a janela e a porta fechadas.
Apenas um pequeno abajur está ligado.

Num canto da mesa, precariamente equilibrado, um projetor super-8
roda um rolinho de filme. A imagem chega a um dos poucos espaços
livres na parede. Júlio manipula uma pequena câmara de vídeo
sobre o tripé, apontada para a imagem do filme super-8. Um fio
sai da câmara e vai até o micro. Numa janela do monitor, vemos a
mesma imagem em movimento que está na parede.

O filme, com cores desmaiadas e a sujeira típica dos super-8
antigos, mostra uma manifestação dos Sem Terra, em 1978, no
interior do Rio Grande do Sul. Entre as centenas de agricultores,
a câmara descobre Márcia, 18 anos, vestindo uma camiseta de Che
Guevara. Ela percebe que está sendo filmada e sorri, encabulada.
Seguem-se outras imagens de Márcia (tomando chimarrão, caminhando
com os manifestantes, assistindo a um discurso, etc.). Na última
delas, está abraçada em Júlio (aqui com 20 anos). Os dois abanam
para a câmara, sorridentes.

Júlio, em seu escritório, também sorri. O filme termina. Júlio
desliga o projetor, confere alguma coisa no monitor e clica o
mouse. Abre um pouco a janela, iluminando mais o escritório.
Júlio, sempre olhando para o monitor, clica o mouse mais algumas
vezes até que a primeira imagem de Márcia volta a aparecer.
Digita sobre a imagem "Encruzilhada Natalino". Clica o mouse. A
imagem se move por alguns momentos, devidamente identificada.

Júlio clica outra vez, interrompendo a gravação e a imagem do
filme no monitor. Pega uma caixa cheia de fotos antigas e começa
a separar algumas, colocando sobre a mesa. Examina por algum
tempo uma foto de Márcia de biquíni, sorri e coloca de volta na
caixa. Leva uma das fotos para o scaner. Aciona o aparelho. Logo
uma foto de Márcia (ainda bem jovem, desta vez de minissaia ou
bermuda) aparece na tela do monitor. Outras fotos de Márcia se
sucedem, como se fossem digitalizadas logo a seguir.

Foto de Júlio com sua câmara. Foto dos dois juntos, felizes.

Foto de Márcia como "bixo" da universidade, toda pintada e
lambuzada.

Foto de Márcia segurando o Código Penal numa mão e um baseado na
outra.

Júlio olha para a foto no monitor, sorri e depois aperta
"Delete".

Foto de Júlio com toga na formatura de Jornalismo.

Foto de Júlio na estação rodoviária, entrando num ônibus com
destino a uma cidade muito distante (pesquisar qual linha era a
mais longa).

Foto de Júlio com sua câmara, em local árido. Júlio de barba,
meio sujo, com um chapéu na cabeça.

Fotos das viagens de Júlio, por vários estados, retratando as
"injustiças sociais" do Brasil: pobreza, manifestações de
trabalhadores e estudantes, repressão policial, crianças
subnutridas, etc.

Fotos do nascimento de um bebê; o bebê sendo amamentado por
Márcia; Márcia trocando as fraldas do bebê; o bebê dormindo.

Foto de Márcia de toga na formatura de Direito, perto de uma
"estátua da Justiça".

Fotos de Guida com uns quatro anos, indo para o colégio.

Foto de Márcia em sua sala no escritório, com uma montanha de
papéis sobre a mesa e uma cara de resignação.

Foto de Júlio, em casa, com seu primeiro computador (Apple II ou
semelhante - pesquisar).

Foto de Júlio, Márcia e Guida (com uns 4 anos) numa manifestação.
Os três vestem camisetas das "Diretas já".

Júlio sentado numa mesa de reuniões com os executivos da revista.
Ambiente "clean", moderno (ou seja: cafona). Algumas fotos e
revistas em cima da mesa, mas longe da câmara o suficiente para
não identificarmos o gênero da publicação.

Terminam os créditos iniciais.

Toca o telefone, interrompendo Júlio. Ele atende e enquanto fala,
dá alguns cliques com o mouse, salvando suas últimas ações.

               JÚLIO
               Alô. (...) Não... Mas tu não disse que... (...)
               Tá, eu não vou discutir... (...) Tudo bem. Tô indo
               praí. (desliga, irritado)


CENA 2 - INTERIOR - ESCADARIA DO FÓRUM - DIA (12H)

Márcia, 37 anos, de toga, com uma pilha de processos na mão, sai
do fórum, acompanhada de dois outros advogados. Teodoro, 30 anos,
vestindo um terno pequeno demais para ele, nervoso, está
esperando. Aproxima-se de Márcia.

               TEODORO
               Doutora Márcia.

               MÁRCIA
               (sorrindo) Ôi, Teodoro. A sessão só começa às
               duas.

               TEODORO
               É que... Eu queria falar com a senhora.

               MÁRCIA
               Pode falar.

Teodoro hesita um pouco, olha para os advogados e acaba falando:

               TEODORO
               Eu... Quero contar a verdade.

O sorriso de Márcia se desmancha, mas ela logo recupera o tom
confiante. Os dois advogados sorriem para Márcia e se afastam.

               MÁRCIA
               Pode ficar tranqüilo, Teodoro. (pausa) Eu tenho
               certeza que vai dar tudo certo.

Teodoro continua olhando para Márcia, angustiado.

               TEODORO
               Pode ser. Mas eu queria que a senhora soubesse o
               que aconteceu, o que aconteceu de verdade.

               MÁRCIA
               Teodoro, eu já expliquei: eu estou alegando
               legítima defesa, e eles querem provar que tu
               atirou primeiro. Só que eles não podem fazer isso,
               não tem como fazer isso. Só se tu confessar. E aí
               a tua esposa e os teus filhos, vão te visitar na
               cadeia, todo santo domingo, por muitos anos. É
               isso que tu quer?

               TEODORO
               Eu só quero contar o que aconteceu de verdade.
               Pelo menos para a senhora.

               MÁRCIA
               Que diferença isso faz?

Teodoro não responde. Márcia suspira fundo, cansada, e fica
alguns segundos olhando para Teodoro.


CENA 3 - INTERIOR - ESTÚDIO FOTOGRÁFICO - DIA (12H30)

Júlio entra no estúdio de Emanuel, 30 anos. O fotógrafo está
trabalhando com sua assistente, 25 anos, um maquiador, 30 anos, e
a modelo Coralina, 20 anos. Todos parecem cansados. Coralina está
nua, deitada de bruços, sobre um sofá de veludo. Não há qualquer
erotismo no ambiente. Assim que Júlio aparece, Emanuel deixa a
câmara e se aproxima dele, com ar irritado.

               EMANUEL
               Tu demorou!

               JÚLIO
               Não devia nem ter vindo. Esse tipo de problema...

               CORALINA
               (por trás deles) Posso me vestir?

               EMANUEL
               (virando-se para ela) Não te mexe!

               CORALINA
               Mas eu tô cansada...

               EMANUEL
               (quase gritando) Fica aí. Quieta! (para o
               maquiador) Retoca ela, Ulisses. (para Júlio, mais
               baixo) Estamos aqui há seis horas, já gastei uns
               dez filmes, mas agora que ela virou tô sentindo
               que a coisa não vai funcionar.

               JÚLIO
               Por quê?

               EMANUEL
               A bunda. A bunda não tá legal.

Júlio olha para a modelo, que está sendo maquiada por Ulisses.

               JÚLIO
               Qual é o problema?

               EMANUEL
               Tá cego, Júlio? Essa menina engordou uns quatro
               quilos desde a última sessão.

               JÚLIO
               Então não mostra a bunda.

               EMANUEL
               O quê? Tá louco? Posso esconder os dentes, os pés,
               as orelhas, as pernas... Mas a bunda tem que
               mostrar. E tu vai dar um jeito.

Júlio respira fundo, olha para Emanuel e se aproxima do sofá,
onde Coralina, agora vestindo um roupão, está sendo maquiada por
Ulisses.

               JÚLIO
               (sorrindo) Ôi, tudo bem?

               CORALINA
               Mais ou menos.

               JÚLIO
               Talvez eu possa ajudar. Tu pode deitar outra vez?

Ulisses se afasta. Coralina tira o roupão e deita de bruços.
Júlio olha para a bunda de Coralina com ar profissional. Abaixa-
se, muda de ângulo. Sorri outra
vez.

               JÚLIO
               Obrigado.

               CORALINA
               (seca) De nada.

Júlio volta a se aproximar de Emanuel.

               JÚLIO
               Eu posso retocar a superfície, mas a curva... Não
               sei. Bunda é uma coisa delicada de mexer. Pode
               ficar artificial.

               EMANUEL
               Eu sabia... Vou despedir essa vagabunda.

               JÚLIO
               Talvez dê pra trocar a bunda inteira. Coloco a da
               Vanda. Elas são parecidas. Ninguém vai notar.

               EMANUEL
               Trocar a bunda? Pelo amor de Deus, Júlio!

               JÚLIO
               Qual é o problema? As imagens da Vanda ainda estão
               no meu computador. Eu separo e...

               EMANUEL
               Pra tudo há um limite. Mexer na cor dos olhos,
               ajeitar um pouco os seios, mas... trocar a bunda é
               demais!

               JÚLIO
               Tu prefere refazer todas as fotos?
               Emanuel olha para a modelo, irritado.

               EMANUEL
               Não dá. Nem tenho verba filme (filme) pra isso.
               Júlio, tu tem que pensar em outra coisa.

               JÚLIO
               Não tenho tempo pra pensar em mais mais nada. Eu
               troco a bunda hoje de noite, te mando pela
               Internet e a gente vê o resultado na banca.
               (aponta para Coralina) Nem ela vai notar.

Emanuel olha para Júlio, em dúvida.


CENA 4 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)

Ao lado de uma cerca derrubada, Orestes, 40 anos, segura uma
espingarda, mantendo-a apontada para o chão.

               ORESTES
               Tu acha que eu vou entregar a terra do meu pai pro
               filho de uma prostituta como tu? Eu prefiro a
               morte.

Teodoro saca um revólver e aponta na direção de Orestes. Orestes
é atingido na base do pescoço, mas ainda consegue atirar de
volta, acertando as pernas de Teodoro. Os dois caem,
ensangüentados.


CENA 5 - INTERIOR - QUARTO DE HOTEL - DIA (13H)

No quarto de um hotel barato, Teodoro, sentado na cama, nervoso,
pouco à vontade, fala com Márcia, que está sentada numa cadeira
perto dele.

               TEODORO
               Foi assim que aconteceu. Eu atirei primeiro.

               MÁRCIA
               Eu sei. Mas nós não podíamos contar a história
               desse jeito.

               TEODORO
               Eu quero falar a verdade. (levanta-se e vai para a
               janela) O Orestes tava me ameaçando, entrava na
               minha plantação, derrubava a cerca, assustava as
               crianças. (volta-se para Márcia) E aquela terra é
               minha. Ele não pode nos tirar de lá. O velho deu
               pra minha mãe. Eu tenho direito.

               MÁRCIA
               (com paciência) Eu já expliquei, Teodoro. Tu tem
               direito sobre a terra porque a tua família está lá
               há muito tempo. (mais enfática) Esquece o resto!
               Tu já deu o depoimento.

               TEODORO
               Eu não posso mudar?

               MÁRCIA
               Não! Ele atirou primeiro e tu teve que te
               defender.

Teodoro senta na cama outra vez.

               TEODORO
               A senhora não entende? Eles vão continuar atrás de
               mim, eles me odeiam, já tinham me jurado...

               MÁRCIA
               (irritada) Presta bem atenção... Tu matou um
               sujeito rico, um sujeito poderoso. A família dele
               tá pressionando. Eles querem que tu passe o resto
               da vida na cadeia. (pausa) E é exatamente isso que
               vai acontecer, se tu mudar o que a gente combinou.

               TEODORO
               (hesitante, fragilizado) Eu só queria dizer que eu
               tava defendendo o que é meu. (pausa) Eu só queria
               falar a verdade.

               MÁRCIA
               (mudando o tom, carinhosa) Nem sempre falar a
               verdade é a melhor solução.

               TEODORO
               Devia ser.

               MÁRCIA
               Mas não é. (pausa) Tu tem que confiar em mim.

Márcia, solidária, sinceramente comovida com a simplicidade dele,
pega a mão de Teodoro, que olha para ela, confuso.


CENA 6 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)

Ao lado de uma cerca derrubada, Orestes, 40 anos, segura uma
espingarda, mantendo-a apontada para o chão.

               ORESTES
               Tu acha que eu vou entregar a terra do meu pai
               prum filho-da-puta como tu? Nunca!

Orestes levanta a espingarda e atira em Teodoro, que é atingido
nas pernas, mas ainda consegue atirar de volta com seu revólver,
acertando o peito de Orestes. Os dois caem, ensangüentados.

               MÁRCIA
               (OFF) Foi assim que aconteceu.


CENA 7 - INTERIOR - TRIBUNAL DO JÚRI - DIA (17H)

Márcia está terminando sua defesa de Teodoro, em frente ao júri,
composto por sete pessoas. Na sala do tribunal, estão presentes,
além dos familiares de Teodoro (uma mulher de uns 30 anos e três
crianças), uns seis jornalistas.

               MÁRCIA
               A história da luta pela terra no Brasil é uma
               história sangrenta, que já causou milhares de
               mortes. E, cada vez que novas vítimas aparecem, a
               discussão se resume a definir quem deu o primeiro
               tiro. Será mesmo esta a questão? (pára na frente
               de um dos jurados) Imagine a seguinte situação. O
               senhor está em casa, a casa onde vive com a sua
               família, há mais de trinta anos. A casa onde seus
               filhos nasceram. E então um homem que já lhe
               ameaçou muitas vezes, entra na sua casa, lhe
               ofende, lhe agride e diz que vai lhe matar. O
               homem é violento e lhe aponta uma arma. Imagine
               que o senhor, que já foi muitas vezes ameaçado de
               morte, em público, por este homem, o senhor também
               tem uma arma. Quanto tempo o senhor vai ficar
               esperando que este homem, este homem violento,
               armado, gritando que vai lhe matar, dê o primeiro
               tiro? (pausa) Teodoro esperou, talvez mais do que
               devia. Uma espera que poderia ter lhe custado a
               vida, porque o homem atirou, um tiro de
               espingarda, à queima roupa. Teodoro respondeu o
               tiro, para se defender, para defender a sua casa e
               a sua família. Esta é a verdade. E nada do que o
               promotor ou as testemunhas disseram neste processo
               contestam esta verdade. (pausa) Este país,
               senhores jurados, não pode mais conviver com a
               mentira, com a pressão do poder econômico, com as
               eternas injustiças aos pequenos agricultores, aos
               sem-terra, aos sem esperança. Tenho certeza,
               senhores jurados, que a justiça será feita, e que
               este inocente (aponta para Teodoro), que agiu em
               legítima defesa, sairá deste tribunal livre, de
               cabeça erguida, e que as senhoras e os senhores
               hoje dormirão com a consciência tranqüila, porque
               este brasileiro estará voltando para o trabalho e
               para a sua família. Muito obrigado.

Márcia, satisfeita, volta para seu lugar, ao lado de Teodoro, e
olha pros promotores, que estão cochichando entre si. Atrás
deles, está Juvenal, 30 anos, parecido com Orestes. Juvenal olha
pra Márcia de forma significativa, como se quisesse dizer alguma
coisa pra ela. Márcia sustenta o olhar, levemente perturbada.


CENA 8 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - NOITE (19H)

Júlio trabalha no computador de sua casa, examinando, uma a uma,
as fotos agrupadas na pasta "Vanda". É uma atividade enfadonha.
Júlio esfrega os olhos. Pára numa foto, em que a modelo está de
bruços, numa pose parecida com a de Coralina no estúdio. Júlio
começa a "recortar" a bunda, separando-a do resto do corpo. Copia
e cola num novo arquivo, que chama de "bunda1".


CENA 9 - INTERIOR - TRIBUNAL DO JÚRI - NOITE (21H)

O juiz olha por alguns instantes para um papel. Márcia, Teodoro,
os promotores e Juvenal, todos de pé, olham para ele.

               JUIZ
               Em conformidade com a decisão do conselho de
               sentença, declaro absolvido o réu Teodoro Schmidt
               da imputação que lhe foi feita.

Márcia abraça Teodoro. Uma mulher de uns 30 anos e três crianças
(3, 5 e 8 anos) correm e também abraçam Teodoro. Juvenal continua
olhando para Márcia. Ela recolhe suas coisas e vai saindo. Na
porta, Juvenal a espera.

               JUVENAL
               (calmo) A senhora soltou um assassino.

Márcia pára e olha para ele por um instante, mas decide não
responder. Continua caminhando.

               JUVENAL
               (mais alto) Espero que não se arrependa.


CENA 10 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - NOITE (22H)

Júlio está colando a bunda de Vanda sobre a bunda de Coralina.
Boceja. Olha o relógio do monitor: 9:31 PM. Espreguiça-se. Corre
com o mouse até o ícone "Bate-bapo". Clica. Surge a ampulheta.
Levanta e pega, numa estante, entre duas pilhas de revistas, uma
garrafa de uísque. Serve um pouco num copo. Toma um gole. Volta a
sentar.

Na tela do Bate-papo, digita, logo depois do nome "Ivanhoé":
"Sabrina, vc tá aí? ". A resposta é quase imediata: "Estou. "
Júlio sorri e digita: "Vc sentiu saudade? " Sabrina: "Muita".
Júlio: "Como vc está vestida? " Enquanto Júlio olha para o
monitor, vendo a frase se formar, ouvimos a voz de Sabrina.

               SABRINA
               (OFF) Eu estou com um macacão de couro preto...

Júlio se recosta na cadeira e fecha os olhos. Quando abre outra
vez, vê Sabrina, uma morena alta, de olhos escuros, vestida com
um provocante macacão de couro, em cima da mesa, onde antes
estava o monitor.

               SABRINA
               ... com um grande decote, um imenso decote, que
               começa na altura do umbigo e vai subindo,
               subindo... Você não quer ver mais de perto?

               JÚLIO
               Quero.

Sabrina aproxima-se ainda mais.

               SABRINA
               Pronto, agora estou quase encostada em você.

               JÚLIO
               (estende a mão) Eu estendo a mão e toco a sua
               pele, no início do decote e vou subindo devagar...

A mão de Júlio percorre o corpo de Sabrina, na direção dos seios.
Barulho de porta abrindo.

               MÁRCIA
               (OFF) Júlio?

Sabrina "desaparece". Júlio, surpreso, rapidamente tira a tela do
Bate-bapo e troca pela do Photoshop.

               JÚLIO
               No escritório.

Márcia entra. Dá uma olhada rápida para a tela do monitor, que
exibe a bunda recortada de Vanda sobre a foto de Coralina. Beija
Júlio e senta no seu colo. Sorri.

               JÚLIO
               Parabéns!

               MÁRCIA
               Tu já sabe?

               JÚLIO
               Vi na televisão.

               MÁRCIA
               Foi por um voto.

               JÚLIO
               Tu achava que ia perder. O que aconteceu?

               MÁRCIA
               Nada demais. Eu troquei a ordem dos tiros, falei
               dos agricultores sem terra do Brasil, da injustiça
               social no campo, falei de política, fiz uma
               salada... O júri engoliu, e o meu cliente não
               atrapalhou. Bem que ele queria, mas ficou quieto.

               JÚLIO
               (confuso) Então tu...

               MÁRCIA
               Por quê tá me olhando com essa cara?

Márcia levanta do colo de Júlio. Pega o copo de uísque e toma um
gole.

               MÁRCIA
               Acabou. Deu certo. Ele é inocente.

               JÚLIO
               (ainda chocado) Eu preferia que tu não me contasse
               essas coisas...

Márcia toma outro gole.

               MÁRCIA
               Eu conto tudo pra ti. Tudo. (beija Júlio) Foi o
               que a gente combinou, lembra? (mais um gole) Não
               quero mais falar nisso. Cadê a Guida?

               JÚLIO
               Ela não vai conosco. Telefonou dizendo que tem
               ensaio. Vai dormir na casa de uma amiga, e as duas
               sobem amanhã de manhã.

               MÁRCIA
               (estranhando) Que amiga?

               JÚLIO
               É da banda (pausa). A Guida garante que ela é
               maior de idade, não bebe e não passa dos oitenta
               na estrada.

               MÁRCIA
               Tu não devia ter deixado.

               JÚLIO
               Fazer o quê? Trazer a Guida à força? (pausa) Foi
               tu que deu a guitarra.

               MÁRCIA
               Eu queria ao menos conhecer essa amiga. Essa
               criança anda muito sem limites.

               JÚLIO
               Vai conhecer amanhã. A Guida não é criança. Tem
               quase dezoito.

               MÁRCIA
               É... Quase. (termina de beber) Eu tô cansada
               demais pra viajar hoje. Quem sabe a gente vai
               amanhã bem cedo? Tu te importa?

               JÚLIO
               (sorrindo) Não.

               MÁRCIA
               Eu vou tomar um banho.

Márcia sai do escritório. Júlio troca a tela do Photoshop pela do
Bate-papo e digita: "Sabrina? ". Não há resposta. Júlio coloca um
CD. Toma mais um gole de uísque. Sai do Bate-papo e entra num
site pornográfico. Manda baixar uma foto, que vai aparecendo bem
devagar. É de uma modelo com os cabelos molhados e os ombros nus.

Márcia entra no escritório, enrolada em uma toalha azul. Olha
para Márcia. De certo modo, ela reproduz a foto da Internet ao
vivo.

               MÁRCIA
               Tu ainda vai ficar muito tempo?

               JÚLIO
               Não. Vou só mexer um pouco mais naquela bunda.

               MÁRCIA
               (beija Júlio) Boa noite.

Márcia sai. A foto da Internet agora está inteira. Vemos que a
modelo, nua, segura uma toalha aberta sobre seus ombros,
mostrando seu corpo.


CENA 11 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO DO CASAL - NOITE (23H)

Júlio entra no quarto e deita na cama. Márcia está dormindo, com
a luz de cabeceira ligada e com o controle remoto na mão. A TV
exibe um programa tipo "Sexy-Time", com imagens ousadas de
XanaCoralina. Júlio, surpreso, olha o programa por alguns
instantes. Depois aciona o controle remoto e desliga a TV. Júlio
olha para Márcia. Júlio retira lentamente parte do lençol que
cobre o corpo de Márcia (que dorme com uma camisola curta) e a
admira por alguns instantes. Depois, sorrindo, beija o rosto de
Márcia, apaga a luz de cabeceira e fecha os olhos.


CENA 12 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA (GRAMADO) - DIA (10H)

Belo dia de sol. O carro de Júlio pára na frente de uma casa
rústica, típica da serra gaúcha. Márcia e Júlio desembarcam.


CENA 13 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO (GRAMADO) - DIA (11H)

Márcia e Júlio seguem por uma trilha entre as árvores. Os dois
estão com roupa de banho e carregam toalhas.


CENA 13A - EXTERIOR - CACHOEIRA (IGREJINHA) - DIA (11H)

Chegam a uma pequena cachoeira. Júlio experimenta a água e faz
cara de quem achou fria, mas Márcia entra e logo se molha. Puxa
Júlio para dentro da água.

Ele protesta, mas ela o abraça e beija na boca, de leve. Ele
ainda tenta sair da água, mas então ela o segura e beija com mais
apetite. Ele retribui. O beijo se prolonga. Eles se olham. Fica
evidente que estão com tesão. A mão de Júlio vai até a parte de
cima do biquíni (ou maiô) de Márcia e acaricia os seios, ainda
por cima do tecido. Mais um beijo.

Os dois saem da cachoeira e vão até um recanto gramado atrás de
uma pedra, onde estão razoavelmente protegidos de olhares
indiscretos. Júlio coloca as toalhas no chão. Os dois se deitam,
lado a lado, e continuam se beijando. Júlio retira a parte de
cima do biquíni (ou maiô) de Márcia, que sorri e passa a mão no
peito de Júlio. Márcia então deita de costas e fecha os olhos.
Júlio olha para ela e também sorri.

Agora vemos apenas o rosto de Márcia, iluminado pelo sol, que
ultrapassa os galhos de uma árvore, formando sombras em constante
movimento. Ela demonstra alegria e prazer. Abre os olhos e olha
na direção de Júlio (que continua fora de quadro). A mão de
Márcia segura a toalha e a amassa com força. Estende um pouco
mais o braço e toca a grama. Enterra um pouco os dedos. Vemos
outra vez o seu rosto.

Agora vemos o rosto de Júlio, de perfil, aproximando-se da nuca
de Márcia. Afasta os cabelos de Márcia e morde levemente a nuca.
Vemos o rosto de Márcia reagindo à mordida. Os dois estão
deitados de lado, "encaixados", com Júlio por trás de Márcia.
Vemos as quatro pernas entrelaçadas (das coxas para baixo) e os
movimentos que fazem para alcançar a posição mais adequada.
Começam a transar. É uma transa bastante intensa. Vemos os rostos
dos dois, cada vez mais excitados. Quando a transa termina, ambos
estão ofegantes, mas muito felizes. Márcia vira-se lentamente e
encara Júlio. Os dois se abraçam e trocam mais um beijo. Márcia
sorri.

               MÁRCIA
               Essa cachoeira sempre rendeu...

               JÚLIO
               É.

Márcia se enrola na toalha e fica no sol, secando-se. Júlio senta
ao lado dela, esfregando seu cabelo com a toalha.

               JÚLIO
               Márcia, eu fiquei toda a viagem pensando em te
               contar uma coisa... Não tive coragem. Mas acho que
               agora tenho.

               MÁRCIA
               Então conta.

               JÚLIO
               É uma bobagem... É que... na Internet, eu... às
               vezes falo com umas pessoas...

               MÁRCIA
               Que pessoas?

               JÚLIO
               Pessoas... que eu só conheço pelo apelido.

               MÁRCIA
               (sorrindo) Certo. Tu tem amiguinhos por
               correspondência.

               JÚLIO
               É. Bom, na verdade, amiguinhas...

               MÁRCIA
               E o que tu conversa com essas amiguinhas?

               JÚLIO
               (com dificuldade) Eu converso... basicamente...
               sacanagem.

               MÁRCIA
               (cantando) Ivanhoé! Ivanhoé! Cavaleiro justiceiro
               sem pudor...

               JÚLIO
               (surpreso) Como tu sabe?

               MÁRCIA
               A Guida me contou, faz tempo.

               JÚLIO
               (mais surpreso ainda)  A Guida?

               MÁRCIA
               Nós também já brincamos. Mas achei meio chato. Não
               dá pra sentir tesão e datilografar ao mesmo tempo.
               Ainda mais tendo que pensar se tesão é com S ou
               com Z.

               JÚLIO
               Mas não...

               MÁRCIA
               Tu é muito ingênuo, Júlio. Eu já entrei no
               escritório, quando tu tava no Bate-papo e tu nem
               percebeu. Mas tudo bem... Cada louco com sua
               mania. Só acho estranho esse apelido: Ivanhoé! Já
               pensou a dificuldade de fazer sexo com aquelas
               malhas de aço, capacete...

Júlio está arrasado. Evita olhar para Márcia.

               MÁRCIA
               Não fica assim. Eu te amo, tarado da Internet.

Márcia subitamente fica séria. Vira o rosto de Júlio até que ele
olha para ela.

               MÁRCIA
               Eu também tenho uma coisa pra te contar... (pausa)
               om...

Júlio olha para Márcia, curioso.

               MÁRCIA
               Eu... Transei com um cara.

Pausa.

               MÁRCIA
               Ontem. Eu transei com o Teodoro.

               JÚLIO
               Mas... Como?

               MÁRCIA
               Eu não sei o que aconteceu comigo. Enfim...
               aconteceu.

               JÚLIO
               (nervoso) O teu cliente, o cara que tu defendeu...

               MÁRCIA
               Eu estou dizendo que não teve importância alguma.
               Não estou envolvida com ele. Foi uma bobagem. Não
               vai se repetir. Eu poderia ficar quieta, mas não
               consigo. Prefiro assim. A gente sempre jogou limpo
               um com o outro.

               JÚLIO
               (mais nervoso ainda) Tu tem a cara-de-pau de
               transar comigo e dois minutos depois...

               MÁRCIA
               Eu te amo, Júlio. E estou apaixonada por ti. E
               tinha que te contar. (pausa) Eu só minto
               profissionalmente. Meu trabalho é esse. Pra ti eu
               não vou mentir. Nunca!

               JÚLIO
               (levantando-se, transtornado) Tu pensa que é assim
               tão fácil...

Júlio e Márcia escutam a voz de Guida.

               GUIDA
               (OFF) Mãe! Pai! Vocês tão aí?

               MÁRCIA
               A Guida!

Júlio e Márcia colocam as roupas rapidamente. No fim da trilha,
surgem Guida e Anamaria. Guida, 17 anos, é magra, bonita, mas
ainda parece mais uma adolescente que uma mulher. Anamaria, 20
anos, é, decididamente, uma mulher. E muito bonita. As duas estão
vestindo camisetas e shorts. Aproximam-se de Júlio e Márcia,
sorridentes.

               GUIDA
               (olhando para os pais, com ar sacana) Que coragem!
               (para Anamaria) Essa água é gelada!

               JÚLIO
               Faz bem pra saúde.

               GUIDA
               (apontando para Anamaria) Essa é Anamaria.

               ANAMARIA
               Ôi.

Márcia e Júlio beijam Anamaria. Júlio olha Anamaria, admirado com
sua beleza.

               MÁRCIA
               Vamos subir? Agora fiquei com frio.


CENA 14 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA - DIA (12H)

Os quatro chegam na casa. Júlio e Márcia estão um pouco
ofegantes. Márcia entra. Júlio fica na sacada com as duas
meninas, pegando sol. Júlio senta.

               GUIDA
               Tu tá precisando fazer mais exercício, pai. Parece
               um velho!

               JÚLIO
               (respirando fundo) Acho que tô meio fora de forma.

               GUIDA
               Eu e a Anamaria programamos uma seção de ginástica
               pra hoje.

               JÚLIO
               Nem pensar. Minhas duas atividades no fim de
               semana serão comer e dormir.

Guida se aproxima do pai e levanta a sua camiseta, apertando os
"pneus" acima da cintura.

               GUIDA
               Olha aqui, que vergonha!

Júlio afasta a mão de Guida.

               JÚLIO
               Pára, Margarida!

               GUIDA
               Gordo! Gordo!

               ANAMARIA
               Não exagera, Guida. O teu pai tá bem pra idade.

               GUIDA
               Quantos anos tu acha que ele tem?

               ANAMARIA
               (hesita um pouco) Uns... Trinta e dois... Talvez
               menos.

               JÚLIO
               (sorrindo) Muito obrigado.

Márcia sai de casa, já vestida.

               MÁRCIA
               E eu, Anamaria?

               ANAMARIA
               Tu tem menos de trinta.

               MÁRCIA
               (sorrindo para Guida) Adorei a tua amiga. (para
               Anamaria) Isso quer dizer que eu tive a Guida com
               uns... doze anos.

               ANAMARIA
               (rindo) É mesmo... Desculpe, mas vocês parecem
               mesmo bem novos.

               MÁRCIA
               Eu vou no armazém. Querem ir junto?

               GUIDA
               Não. Nós vamos aproveitar esse sol.

               MÁRCIA
               Então, tchau. E não deixem o Júlio nem comer nem
               dormir.

               GUIDA
               Nós vamos deixar ele em forma pra ti, mamãe.

Márcia se aproxima de Júlio e fala em voz baixa, de modo que só
ele ouça.

               MÁRCIA
               (séria e carinhosa) Depois a gente conversa mais.
               Eu te amo. E muito.

Márcia beija Júlio e sai.


CENA 15 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/JARDIM - DIA (12H30)

Cena sem diálogos. As meninas, de biquíni, estão deitadas sobre
toalhas no gramado em frente à casa. Júlio, de abrigo, faz
exercícios, reclamando sem parar, sob as ordens das duas. Júlio
faz alguns abdominais, outros tantos peitorais, exercícios para
os glúteos, etc. As duas contam as repetições. Anamaria levanta e
improvisa caneleiras para aumentar a carga. Júlio sua bastante e
desaba exausto sobre a grama. As duas riem. Guida aparece com uma
mangueira e dá de beber para o pai. Ele bebe um pouco e depois
arranca a mangueira da mãos de Guida e a molha. Ela grita e sai
correndo. Anamaria rouba a mangueira e molha Júlio. Ele reage e
também a molha. Logo os três estão completamente molhados.
Anamaria cruza os braços, como se estivesse com frio. Júlio pega
uma toalha e coloca sobre os ombros de Anamaria. Os dois se
olham. Guida vem com um balde, por trás deles, e joga água com
força.


CENA 16 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/BANHEIRO - DIA (13H)

Guida e Anamaria, ainda de biquíni e molhadas, entram rindo no
banheiro. Guida vai até o box e abre a torneira. O chuveiro é
elétrico, novinho.

               GUIDA
               Chuveiro novo. Espero que seja melhor que o
               antigo.

               ANAMARIA
               Deixa bem quente. Eu tô com frio.

Guida experimenta a temperatura da água com a mão e vai até a
porta.

               GUIDA
               Pai! Vem aqui.

Júlio entra no banheiro, secando o cabelo.

               GUIDA
               O chuveiro não está esquentando.

               JÚLIO
               Eu experimentei e estava bom.

Júlio começa a mexer na torneira, diminuindo o fluxo da água.

               JÚLIO
               É só ter um pouco de paciência. Olha, já tá
               ficando bom...

Guida se enfia rápido em baixo do chuveiro.

               ANAMARIA
               (protestando) Sacanagem, Guida! Era eu primeiro!

Guida puxa Anamaria para dentro do box.

               GUIDA
               Vem. A gente toma juntas.

Anamaria resiste, mas acaba entrando.

               ANAMARIA
               Tu parece criança. Cadê o xampu?

Guida puxa a cortina de plástico do box. Júlio sai do banheiro.


CENA 17 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/CORREDOR - DIA (13H10)

Júlio sai do banheiro. Caminha pelo corredor, mas pára ao ouvir o
chamado de Guida.

               GUIDA
               (OFF) Pai!

               JÚLIO
               O que é?

               GUIDA
               Vem aqui, rápido! A água tá fria de novo.

Júlio volta e entra no banheiro.


CENA 18 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/BANHEIRO - DIA (13H11)

Júlio olha na direção do box. Através da cortina de plástico,
translúcida, percebe que as duas garotas estão nuas. Júlio desvia
os olhos.

               JÚLIO
               (brabo) Guida! Eu pensei que vocês estavam de
               biquíni.

               GUIDA
               Ah, pai... Não enche. Nós estamos congelando. Dá
               um jeito.

               JÚLIO
               Então se vistam.

               GUIDA
               Pai! Deixa de ser idiota. Arruma logo essa
               porcaria.

Júlio levanta os olhos outra vez. Guida está com a cabeça para
fora da cortina.

               GUIDA
               Vamo logo!

Júlio se aproxima do box. Com a cabeça virada para o lado,
estende a mão na direção da torneira.

               JÚLIO
               Com licença.

As duas garotas observam, sorrindo, o esforço de Júlio para
regular a água.

               JÚLIO
               Vocês abriram demais. Agora vai esquentar.

               GUIDA
               Mas aí fica só uns pinguinhos...

Júlio tira a mão. Não resiste e olha para as duas silhuetas atrás
da cortina de plástico.

               JÚLIO
               Quem mandou tomar banho juntas?

               ANAMARIA
               Agora tá bom. Obrigada.

               JÚLIO
               De nada.

Guida coloca a cabeça para fora da cortina. Júlio vira a cabeça
rápido.

               GUIDA
               Pai...

               JÚLIO
               Que é?

               GUIDA
               Tu esfrega as nossas costas?

Júlio sai do banheiro. Guida e Anamaria riem bastante.


CENA 19 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/SALA - NOITE (22H)

Márcia, Júlio, Anamaria e Guida estão sentados na sala. Sobre a
mesa, uma grande panela cheia de pipocas, um cronômetro, algumas
canetas e folhas de papel rabiscadas. Guida e Anamaria estão com
vestidos bem curtos. Guida mostra um papel para Anamaria, de modo
que só a amiga consiga ler. Anamaria assente com a cabeça,
afasta-se um pouco do grupo e olha para Márcia. Guida pega o
cronômetro e aperta um botão.

               GUIDA
               Tempo!

Anamaria fica de quatro e começa a agir como um animal selvagem.

               MÁRCIA
               É um bicho... Um animal selvagem!

Anamaria diz que sim com a cabeça.

               MÁRCIA
               Um leão! Eu sei qual é: O Rei Leão!

Guida e Julio riem. Anamaria sacode a cabeça. Ruge, dá saltos.
Pensa um pouco, mas não consegue mudar muito sua atuação: faz
caras e bocas variadas e confusas.

               MÁRCIA
               Mas é um bicho, uma fera... A Bela e a Fera! Não?
               A... Marca da Pantera!

               JÚLIO
               Parece mais um cachorro louco.

               MÁRCIA
               Fica quieto. Não vale. Já sei, aquele da leoa,
               como era mesmo o nome? A História de Elza!

Anamaria sacode a cabeça.

               MÁRCIA
               O urso? Não? Aquele do leão vesgo... Simba
               Safari... Não... Daktari.

Guida e Júlio riem e debocham do esforço de Anamaria.

               GUIDA
               Olha o tempo, mãe! Dez segundos...

Anamaria levanta e pára de agir como um animal. Muda
completamente de tática: pega uma cadeira, senta bem na frente de
Júlio, cruza as pernas e acende um cigarro.

               GUIDA
               Desiste, Anamaria. Cinco segundos! Quatro...

Anamaria olha fixamente para Júlio, traga o cigarro, descruza as
pernas lentamente e volta a cruzá-las, imitando o gesto de Sharon
Stone. Márcia grita:

               MÁRCIA
               Instinto Selvagem!

Anamaria levanta e ergue os braços, sorridente.

               ANAMARIA
               Yeeeeeeesss!

Márcia e Anamaria se abraçam. As duas pulam, comemorando. Guida
faz um muxoxo. Júlio sorri e balança a cabeça.


CENA 20 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/QUARTO CASAL - NOITE (23h30)

Júlio está deitado na cama, lendo uma revista de informática.
Márcia entra no quarto, de roupão, a pele do rosto ainda um pouco
molhada (mas os cabelos estão secos). Fecha a porta a chave, abre
uma sacola e tira um pacote.

               MÁRCIA
               O banho continua uma merda. Acho que o problema é
               no encanamento. (...) As meninas já dormiram?

               JÚLIO
               (seco, sem olhar para Márcia) Acho que sim.

Márcia abre o pacote e examina seu conteúdo (que não vemos).

               MÁRCIA
               Tu vai ficar furioso quando souber quanto custou.
               Mas eu não resisti.

Júlio pára de ler e olha para Márcia, que está colocando uma meia
de seda preta.

               MÁRCIA
               Bonita essa Anamaria, né? É bem mais velha que a
               Guida...

Márcia olha para Júlio, que disfarça e faz de conta que está
lendo.

               MÁRCIA
               Parece que o pai dela é muito rico...

Júlio levanta os olhos outra vez. Vê alguma coisa que o
impressiona. Márcia está terminando de colocar um sutiã semi-
transparente. Olha-se no espelho, abrindo a frente do roupão.

               MÁRCIA
               A mãe morreu. O velho foi morar em São Paulo, com
               uma menina de 20 anos. Pode? E a filha fica em
               Porto Alegre, sozinha num apartamento, fazendo o
               que bem entende.

Márcia coloca uma calcinha. Júlio não desgruda o olho dela, mas
continua com a revista na mão.

               MÁRCIA
               Agora inventou de ser produtora da banda da Guida.
               Até paga os ensaios.

Márcia tira o roupão e vira-se para Júlio, que imediatamente
volta para a revista.

               MÁRCIA
               Não sei se é uma boa para a Guida ter uma amiga
               assim... mais velha.

Júlio continua lendo.

               MÁRCIA
               Júlio...

Júlio olha para ela, tentando demonstrar indiferença.

               MÁRCIA
               Gostou? Valeu o investimento?

Júlio não responde. Márcia se aproxima e senta na cama.

               MÁRCIA
               Tu vai ficar mudo o fim de semana inteiro?

               JÚLIO
               Preciso de um tempo pra me acostumar com a
               situação.

               MÁRCIA
               Que situação? Eu já disse que acabou. Eu te amo.

               JÚLIO
               (seco) Ótimo.

               MÁRCIA
               Tu não parecia tão abalado meia-hora atrás.

               JÚLIO
               Eu não tô abalado.

               MÁRCIA
               Eu é que devia estar com ciúmes. Tu ficou olhando
               pra Anamaria a noite toda.

Júlio larga a revista com um gesto brusco.

               JÚLIO
               (irritado) Nós estávamos jogando, Márcia.

Márcia sorri e aproxima-se mais de Júlio. Passa a mão no rosto do
marido.

               MÁRCIA
               Tá bom... Eu entendo. Ela é muito bonita. Merece
               mesmo ser olhada. (pára com os carinhos, irônica)
               Não é uma velha como eu.

Júlio, pela primeira vez, encara Márcia, que está fazendo ar de
coitada.

               JÚLIO
               Tu tá cada vez mais linda.

Márcia sorri.

               MÁRCIA
               Não precisa exagerar.

               JÚLIO
               Se eu não te amasse tanto, seria mais fácil.

Márcia sorri, ajoelha-se e dá um beijinho em Júlio.

               MÁRCIA
               Eu também te amo.

Júlio, vencido, faz um carinho no rosto de Márcia e a beija. Ela
corresponde. O beijo se intensifica. Márcia tira a camiseta de
Júlio. Continuam os beijos, agora no peito de Júlio. Márcia
continua se abaixando.

Agora vemos apenas o rosto de Júlio, que demonstra alguma
surpresa e muito prazer. Ele grunhe alguma coisa, e a mão de
Márcia imediatamente tapa a sua boca.

               MÁRCIA
               (OFF) Bem quietinho...

Júlio assente com a cabeça, mas logo depois grunhe outra vez.


CENA 21 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/QUARTO DE GUIDA - NOITE (24H)

Guida dorme profundamente, enquanto Anamaria, ainda acordada,
fuma um cigarro e ouve os grunhidos de Júlio através da parede
fina de madeira.


CENA 21A - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA - NOITE (24H05)

Uma única luz está acesa, numa janela do segundo andar da casa. A
luz se apaga.


CENA 22 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/VARANDA - DIA (9H)

A casa, agora iluminada pelo sol da manhã. Júlio, com cara de
sono, abre a janela do andar superior. Os outros já tomam o café
da manhã na varanda. Márcia fala no telefone celular, irritada.

               MÁRCIA
               (...) Não. (...) Não. Ele me garantiu que não
               voltaria agora. Voltou? (...) Tem certeza? (...)
               Essa é uma acusação grave. Espero que o senhor
               tenha provas, senão...

Júlio entra na varanda.

               ANAMARIA
               (para Júlio) Bom dia.

Júlio senta e olha para Anamaria, que sorri para ele.

               GUIDA
               Ôi, pai. Dormiu bem?

               JÚLIO
               Acho que ainda tô dormindo.

Guida coloca o leite na mesa e senta. Júlio começa a comer, mas
tenta prestar atenção na conversa telefônica.

               ANAMARIA
               A Guida me falou que tu é fotógrafo.

               JÚLIO
               Não. Eu era.

               MÁRCIA
               O Teodoro não tem relação nenhuma com as outras
               famílias. Pode ter sido qualquer um.

               GUIDA
               Mas tu tá sempre com a câmara, pai!

               MÁRCIA
               Não, agora o senhor me escute. (...) Só porque ele
               está aí não significa que ele tenha feito isso!

               ANAMARIA
               A Guida me mostrou algumas fotos.

               GUIDA
               Mostrei aquelas antigas, dos pobres, pai.

               ANAMARIA
               São lindas.

               MÁRCIA
               Mas ele não é estúpido. E vai negociar, eu
               garanto. Por quê iria atirar num cavalo? Não tem
               cabimento!

               JÚLIO
               Agora eu sou editor. Trabalho com fotos de outras
               pessoas.

               GUIDA
               (sorrindo) Essas eu não mostrei, pai.

               MÁRCIA
               E onde ele está agora? (...) Tudo bem. Vou ver o
               que posso fazer. (...) Até logo.

Márcia desliga o celular, demonstrando irritação.

               JÚLIO
               O quê foi?

               MÁRCIA
               O meu cliente. Disse que ia ficar em Porto Alegre,
               mas voltou pra Cruz Alta. Algum débil mental
               atirou num cavalo do fazendeiro, e ele tá furioso.
               Diz que foi o meu cliente.

               GUIDA
               Esses sem-terra são uns chatos!

               MÁRCIA
               Ele não é sem terra.

               JÚLIO
               Era ele, no telefone?

               MÁRCIA
               Não. Era o fazendeiro, o dono da terra.

               GUIDA
               Não entendi. Quantos donos tem essa terra?

               MÁRCIA
               (séria) Fica quieta, Guida. Eu tenho que ir,
               Júlio. O cara pode fazer uma bobagem. Não é tão
               longe. Umas três ou quatro horas, acho. Eu vou de
               carro e tento voltar no início da noite. (pausa)
               No máximo amanhã.

Márcia beija Guida, que está emburrada.

               MÁRCIA
               Desculpa, querida. (para Anamaria) Que pena, mas
               tu decerto volta aqui outras vezes, não é?

               ANAMARIA
               Claro.

               MÁRCIA
               (para Júlio) Tu tá com as chaves do carro?

Júlio caminha até a porta de saída para pegar as chaves no bolso
de sua jaqueta. Márcia o segue. Júlio entrega as chaves para
Márcia. Márcia o beija. Júlio está bem irritado.

               MÁRCIA
               Tchau, amor.

Márcia vai saindo, mas pára e olha para Júlio.

               MÁRCIA
               Não pensa bobagem. Eu te amo muito. Não tem nada
               mais importante que a nossa família. Nada.


CENA 23 - EXTERIOR - CACHOEIRA - DIA (11H)

Júlio, Anamaria e Guida surgem na trilha que conduz à cachoeira.
Júlio carrega uma pequena sacola. As meninas estão de short e
camiseta. Júlio, de bermuda e camisa. Guida coloca a mão na água.

               GUIDA
               Tá um gelo...

Anamaria tira a camiseta e o short, ficando de biquini.

               ANAMARIA
               Deixa eu ver. (coloca o pé na água) Não é tanto
               assim. Tu vai desistir?

Guida também tira a camiseta e o short.

               GUIDA
               Não. (para Júlio) A luz tá boa, pai?

               JÚLIO
               (abaixando-se e abrindo a sacola) Acho que tá.

Júlio, agachado, tira da sacola uma câmara fotográfica digital.

               JÚLIO
               Que tipo de foto vocês querem?

Guida abraça Anamaria e faz uma pose sensual.

               GUIDA
               Pode ser... Como é que vocês chamam na revista?
               Lesbian chic.

Júlio fica desconcertado e levanta.

               ANAMARIA
               (empurrando Guida) Pára de falar bobagem, Guida.

               GUIDA
               Não! Eu quero umas fotos bem quentes...

Júlio faz os primeiros enquadramentos. Anamaria entra na água e
puxa Guida na direção da cachoeira.

               ANAMARIA
               Vem aqui, Guida, que eu vou te esfriar um pouco.

Sob os protestos de Guida, Anamaria a arrasta para baixo da
cachoeira. As duas gritam de frio. Júlio começa a fotografar.

               GUIDA
               Que gelo! Que gelo!

               JÚLIO
               Mais juntas... Assim.

(elipse - passagem de tempo; troca de cenário, mas mesma locação
- proximidades da cachoeira)

Encostadas numa pedra, Guida e Anamaria posam, fazendo caras e
bocas. Anamaria fuma um cigarro.

               GUIDA
               Pai, tu não acha que a Anamaria podia ser modelo?

Júlio continua fotografando e não responde.

               GUIDA
               Ela tem um corpo perfeito, tu não acha?

               ANAMARIA
               Pára, Guida. Que saco...

               GUIDA
               Mas tu disse que...

               ANAMARIA
               Eu não disse nada.

Guida estende a mão para os seios de Anamaria.

               GUIDA
               Tira o biquíni pra ele ver.

Anamaria empurra a mão de Guida. Júlio pára de fotografar e fica
brabo.

               JÚLIO
               Ninguém vai tirar nada, Guida.

               GUIDA
               Que que tem? Tu não passa o dia inteiro olhando
               essas coisas?

               JÚLIO
               (irritado) Chega, Guida!

               GUIDA
               Tudo bem. Mas eu acho um desperdício.

Anamaria caminha na direção de Júlio, mexe na bolsa e tira um
pequeno baseado. Mostra o baseado para Júlio.

               ANAMARIA
               Tu te importa que eu fume?

Júlio não sabe o que dizer. Está surpreso e confuso.

               GUIDA
               Deixa ela, pai. E não te preocupa comigo. Eu já
               fumei.

               JÚLIO
               (surpreso) Quando?

               GUIDA
               E achei uma merda. Primeiro me deu sono e depois
               eu comi que nem uma porca... É melhor ser careta
               que ser gorda. Acende logo isso, Anamaria.

Anamaria acende o baseado. Traga. Júlio mexe na sacola para
disfarçar o embaraço.

               GUIDA
               (cruzando os braços) Tá frio...

Anamaria estende o baseado para Júlio.

               ANAMARIA
               Quer?

Júlio olha para o baseado, desconcertado.

               GUIDA
               Pode fumar, pai. Eu sei que tu gosta. (para
               Anamaria) Ele e a mãe fumam escondidos de mim. Dá
               pra acreditar? Aquele fedor de maconha na casa
               toda, e eles achando que eu não sei de nada...

Anamaria ri.

               JÚLIO
               Acho que tava mesmo na hora de...

               GUIDA
               Não! Pelo amor de Deus! Uma conversa séria sobre
               drogas... Os perigos da dependência química... Eu
               tô morrendo de frio. Vou pegar um abrigo lá em
               casa. (levanta) Eu já volto.

Guida sai. Anamaria volta a estender o baseado para Júlio.

               ANAMARIA
               Quer?

Júlio estende a mão e pega o baseado. Traga, olhando para
Anamaria.


CENA 24 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)

Orestes caminha ao lado da cerca, vestindo botas de cano alto e
portando uma espingarda. Teodoro o persegue, falando sem parar.

               TEODORO
               Cansei, Orestes. Cansei de ser tratado como bicho.
               Cansei de ficar pedindo licença pra plantar e pra
               colher. Cansei de ficar esperando que vocês
               decidam o que vão fazer comigo. Eu quero o que é
               meu!

Orestes pára e se volta para Teodoro.

               ORESTES
               Teu? Tu não tem nada. E nunca vai ter.

Teodoro pega uma arma escondida nas suas costas e atira,
atingindo Orestes no peito. Orestes cai, ensangüentado. Teodoro
se aproxima dele e vê que está morto. Teodoro pega a espingarda
no chão, usando um pano para não deixar suas impressões na
coronha, aponta a arma contra as próprias pernas. Atira. Grita e
cai, ensangüentado.

               JUVENAL
               (OFF) Foi assim que aconteceu.)


CENA 25 - EXTERIOR - FAZENDA EM CRUZ ALTA/VARANDA - DIA (12H)

Juvenal e Márcia conversam. Juvenal está colocando a bomba numa
cuia já cheia de erva. Numa parede, atrás deles, um retrato a
óleo de um velho parecido com Juvenal e Orestes (e também com
Teodoro).

               JUVENAL
               Foi assim que aconteceu.

               MÁRCIA
               Não foi. É impossível. A perna de quem leva um
               tiro assim fica cheia de pólvora. A perícia teria
               mostrado. O senhor está criando uma fantasia.

               JUVENAL
               Talvez. Mas uma coisa eu lhe digo, e não é
               fantasia: o Teodoro é um homem violento,
               imprevisível. Sempre foi. A senhora não o conhece
               como eu.

               MÁRCIA
               Claro que não. Afinal, ele é seu irmão.

               JUVENAL
               (cortando, ríspido) Ele não é meu irmão.

               MÁRCIA
               Doutor Juvenal... Eu sei e o senhor sabe que o
               Teodoro é seu irmão. O seu pai também sabia, deu a
               terra para a mãe dele. Cedo ou tarde, o senhor vai
               ter que admitir.

               JUVENAL
               (calmo outra vez) Eu não vou admitir coisa alguma.

               MÁRCIA
               (conciliadora) Talvez nem precise. O Teodoro tem
               direito à terra porque mora ali desde que nasceu,
               há mais de trinta anos. Não importa se é seu
               parente ou não. E ninguém mais precisa ficar
               sabendo. A melhor solução para todos é conversar,
               negociar...

Juvenal coloca água quente na cuia.

               JUVENAL
               Talvez. O Orestes nunca quis saber de conversa.
               Mas eu sou diferente dele. Eu sou mais...
               tolerante. A senhora entende?

Márcia olha para Juvenal, que estende a cuia na direção dela.

               JUVENAL
               Quer?

Márcia estende a mão e pega a cuia. Toma o chimarrão e depois
olha para Juvenal.

               MÁRCIA
               O cavalo já foi sacrificado?

               JUVENAL
               Foi, ele tava sofrendo muito. A senhora quer ver?
               Ainda não enterramos.

Márcia hesita um pouco, enquanto toma outro gole.

               MÁRCIA
               Não.


CENA 26 - EXTERIOR - CACHOEIRA - DIA (12H30)

Anamaria fuma o baseado, olhando para Júlio.

               ANAMARIA
               (olhando em volta) É lindo aqui. Isso tudo é
               terreno de vocês?

               JÚLIO
               Não. Mas eu tenho um acordo com o vizinho e ele
               deixa a gente usar à vontade.

               ANAMARIA
               Que legal. Posso olhar a câmara?

Júlio estende a câmara para Anamaria. Barulho de chamada de
telefone celular. Júlio pega o telefone na sacola e atende.

               JÚLIO
               Alô... Ôi, Márcia...

Anamaria examina a câmara, enquanto Júlio apenas ouve.

               JÚLIO
               Tudo bem. Tchau.

Júlio recoloca o telefone na sacola.

               JÚLIO
               A Márcia vai ter que ficar lá até segunda de
               noite. Eu posso voltar com vocês?

               ANAMARIA
               Claro. Ela tem um disparador automático?

               JÚLIO
               Tem.

               ANAMARIA
               Então tu pode tirar uma foto de nós dois?

               JÚLIO
               Posso.

               ANAMARIA
               Por favor... Eu queria de lembrança.

               JÚLIO
               Tudo bem.

Júlio coloca a câmara sobre um troco de árvore e posiciona
Anamaria.

               JÚLIO
               Aí... Um pouco mais pra esquerda... Perfeito.

Júlio aciona o timer e corre até o lado de Anamaria. A câmara
dispara. Vemos a imagem se formar no visor de cristal líquido.


CENA 27 - EXTERIOR - ESTRADA NA SERRA - TARDE (18H30)

O carro de Anamaria na estrada. Anamaria dirige. Júlio está no
banco do carona. Guida está atrás. Ninguém fala. O carro se
afasta.


CENA 27A - EXTERIOR - AV. CASTELO BRANCO - CREPÚSCULO

O carro chega na cidade.


CENA 27B - EXTERIOR - RUAS DE PORTO ALEGRE - CREPÚSCULO/NOITE

Alguns planos da cidade à noite.


CENA 28 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO/SALA - DIA (10H)

Júlio está terminando de transferir as fotos do fim de semana da
câmara para o computador. A última é exatamente a dele com
Anamaria na cachoeira. Ele olha a foto por alguns momentos. Clica
num "diretório de seios". A tela fica cheia de pequenos seios, de
diferentes tipos e volumes. Clica num deles, aumentando-o e
colocando-o ao lado da foto da cachoeira. Começa a trabalhar para
substituir os seios de Anamaria (cobertos pelo biquíni), por
outros, nus. Toca o telefone. Júlio deixa que a secretária
eletrônica atenda (na sala) e continua.

               VOZ DE MÁRCIA NA SECRETÁRIA
               (distante, OFF) Deixe seu recado depois do sinal.

Ouvimos o bip da secretária eletrônica.

               ANAMARIA
               (OFF) Ôi, Guida, é a Anamaria.

Júlio pára de mexer na foto e fica ouvindo atentamente.

               ANAMARIA
               (OFF) Eu só queria saber se o teu pai já revelou
               as fotos. Eu queria ver. Tô super-curiosa.

A secretária eletrônica, ao lado do telefone. Agora a voz é bem
mais alta e clara.

               ANAMARIA
               (OFF) Bom... Era isso. Quando tu chegar em casa
               liga pra mim...

A mão de Júlio, depois de uma rápida hesitação, pega o telefone.
Ele fala, nervoso.

               JÚLIO
               Alô. É o Júlio, Anamaria. A Guida saiu. (pausa) As
               fotos ficaram bem legais. Eu tava olhando agora.

(montagem paralela com)


CENA 29 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - DIA (12H10)

Anamaria está numa poltrona, ainda de camisola, falando ao
telefone.

               ANAMARIA
               Já estão prontas? Que demais! Eu quero ver.

Júlio, de pé, segurando o telefone com uma das mãos, usa a outra
para começar a folhear um jornal, que está em cima da mesa.

               JÚLIO
               Claro. Qualquer hora dessas...

               ANAMARIA
               Posso dar uma passada aí agora?

               JÚLIO
               (atrapalhado) Agora? É que eu tenho que terminar
               um trabalho...

               ANAMARIA
               Tudo bem. A Márcia já voltou do interior?

               JÚLIO
               Não.

               ANAMARIA
               Quem sabe tu vem me visitar mais tarde?

               JÚLIO
               É... Quem sabe.

               ANAMARIA
               Então anota o endereço. Garibaldi, 390,
               apartamento 91.

               JÚLIO
               (anotando o endereço numa página do jornal)  (...)
               Olha, Anamaria, não sei se vou conseguir hoje...
               Tô com um monte de serviço atrasado.

               ANAMARIA
               Tudo bem, Júlio. Vem quando quiser. Um beijo.
               Tchau.

               JÚLIO
               Tchau.

Desliga, hesitante. Vira a folha do jornal e vê uma matéria cuja
manchete é "ESSA TERRA É MINHA TERRA". A matéria é ilustrada uma
foto, tirada com uma tele-objetiva, que mostra Márcia e Teodoro,
em campo aberto, olhando um para o outro, como se estivessem
conversando algo importante. Júlio fica um tempo olhando para
esta foto. Depois rasga a folha (que contém, num lado, o endereço
manuscrito e, no outro, as fotos) e volta para o escritório. Fica
olhando a foto da cachoeira na tela do computador, que está em
processo de edição.


CENA 30 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - DIA (12H)

A mesma foto da cena anterior, impressa, em sua forma original
(Anamaria com o biquíni) está nas mãos de Anamaria. Ela levanta a
cabeça e sorri.

               ANAMARIA
               Ficou ótima.

Júlio está sentado na frente dela, meio sem-jeito, segurando um
envelope.

               ANAMARIA
               Posso ver as outras?

Júlio vai entregando as outras fotos (cinco ou seis), em que
aparecem Guida e Anamaria juntas. Anamaria olha para todas
rapidamente.

               ANAMARIA
               Mais alguma?

               JÚLIO
               (hesitante) Eu ainda fiz... uma brincadeira.

               ANAMARIA
               Deixa eu ver.

Júlio entrega a foto retocada. Anamaria ri bastante. Tapa a boca
com a mão.

               ANAMARIA
               Como é que tu fez?

               JÚLIO
               Não é difícil. Eu trabalho com essas coisas o
               tempo todo.

               ANAMARIA
               Que sacanagem. Por isso que as mulheres nas
               revistas parecem tão perfeitas.

Anamaria devolve a foto para Júlio.

               ANAMARIA
               Mas tem uma coisa... (parece estar em dúvida,
               morde os lábios) Eles são bem diferentes...

Anamaria tira a camiseta com um gesto rápido, deixando os seios à
mostra.

               ANAMARIA
               Tu tá com a câmara aí?

Júlio olha para Anamaria, estupefato. Toca o porteiro eletrônico.
Anamaria, ainda com os seios descobertos, vai atender.

               ANAMARIA
               Sim? (...) Obrigado.

Anamaria olha para Júlio, preocupada.

               ANAMARIA
               (para Júlio) A Guida tá subindo.

               JÚLIO
               (muito nervoso) Ela não pode me ver aqui.

               ANAMARIA
               (colocando a camiseta) Ali, na área de serviço.

Júlio vai para a área de serviço, enquanto Anamaria recoloca a
camiseta. Bate a campainha. Anamaria abre a porta. Guida entra
com o namorado, Ciro, 20 anos, jeito de malandro, cigarro na
boca. Júlio espia por uma fresta da porta.

               GUIDA
               Esse é o Ciro.

               ANAMARIA
               Ôi.

               CIRO
               (examinando Anamaria) E aí?

               GUIDA
               (percebendo o interesse de Ciro por Anamaria)
               Empresta o quarto pra gente?

               ANAMARIA
               (um pouco surpresa) A cama tá desarrumada.

               CIRO
               Não fal mal. (para Guida) Tu te importa?

Ela sorri. Ciro dá um beijo sensual em Guida. Júlio fica
indignado, mas não pode sair do esconderijo.

               ANAMARIA
               (olhando o relógio de pulso) Eu vou dar uma saída.
               Volto lá pelas quatro, tá bom?

Guida e Ciro entram no quarto e fecham a porta. Anamaria se volta
na direção da área de serviço. Júlio aparece. Está bastante
nervoso. Olha para a porta do quarto. Anamaria pega a sua mão e o
arrasta na direção da porta da rua. Júlio ainda olha para trás
antes dos dois saírem.


CENA 31 - EXTERIOR - CASA DE JÚLIO/FACHADA - DIA (13H)

O carro de Anamaria estaciona na frente da casa de Júlio. Ela
pega a carteira de cigarro na bolsa e pega o último. Bota o
cigarro na boca.

               ANAMARIA
               Tá entregue.

               JÚLIO
               Quer entrar?

               ANAMARIA
               Tu tem cigarro em casa?

               JÚLIO
               Não.

               ANAMARIA
               Esse é o último. Vou comprar aqui perto e já
               volto. Enquanto isso, tu não quer pedir uma pizza
               pra nós?

Júlio sai do carro.

               ANAMARIA
               Eu gosto de califórnia.


CENA 32 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA-ESCRITÓRIO - DIA (13H05)

Júlio entra. Passeia um pouco pela casa. Parece não saber o que
fazer. No escritório, liga o micro, coloca a foto de Anamaria
(com o biquíni completo) e fica olhando por um tempo. Sai do
escritório. Na sala, pega o telefone e disca.

               JÚLIO
               Eu quero fazer um pedido.


CENA 33 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/BANHEIRO - DIA (13H10)

Júlio entra no banheiro e leva um susto ao encontrar Márcia na
banheira.

               JÚLIO
               Márcia!

               MÁRCIA
               Por que o susto?

               JÚLIO
               Tu não avisou que vinha, eu pensei que...

               MÁRCIA
               Tenho uma reunião na secretaria da Justiça.
               Aproveitei pra tomar um banho e pegar umas roupas.
               Depois da reunião volto direto pra Cruz Alta. Cadê
               a Guida?

               JÚLIO
               (hesitante) Ela... tá no apartamento da
               Anamaria...


CENA 34 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO - DIA (13H20)

Júlio olha para a rua pela janela da sala, nervoso e inquieto.
Márcia arrumada para sair pega o telefone sem fio na mesinha de
cabeceira.

               MÁRCIA
               (procura num caderninho um número de telefone)
               Tava com poeira até os ossos. Que horror, aquele
               lugar! O chuveiro do hotel não esquenta...
               (encontra o número e começa a discar).

               JÚLIO
               Tu gostava de banho frio. Dizia que era saudável.

               MÁRCIA
               Quando eu tinha dezessete também gostava de cuba-
               libre, dos livros do Fernando Henrique... (pausa)
               Ninguém atende... Ah! Guida, é a mãe.

Júlio disfarça folheando o jornal da página arrancada, mas fica
ouvindo atentamente a conversa.

               MÁRCIA
               Vim só pruma reunião, estou voltando para lá daqui
               a pouco. (...) Eu vou tentar voltar. (...)
               Prometo. (...) Agora eu não tenho tempo pra
               discutir, Guida... Um beijo. Juízo... (Márcia olha
               para Júlio, como se não entendesse alguma coisa)
               Está certo, eu digo pra ele.

Márcia desliga e olha, meio confusa, para Júlio.

               MÁRCIA
               A Guida mandou te avisar que ela está na casa da
               Anamaria.

               JÚLIO
               Ela já tinha me dito.

               MÁRCIA
               (tentando entender) Sei. Ela talvez fique pra
               dormir.

Júlio concorda com a cabeça e continua a fingir que está lendo o
jornal.

               MÁRCIA
               Tu voltou a ver essa menina?

               JÚLIO
               Quem?

               MÁRCIA
               Anamaria.

               JÚLIO
               Não. Não vi mais...

A campainha toca. Júlio olha na direção da escada, nervoso.


CENA 35 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/HALL DE ENTRADA - DIA (13H10)

Júlio abre a porta, se preparando para o pior (a entrada de
Anamaria), mas fica surpreso. Márcia, atrás dele, igualmente
surpresa, fala:

               MÁRCIA
               Teodoro!

Teodoro vai entrando, sem muita cerimônia.

               TEODORO
               A Quita telefonou. Tem um trator cavando um buraco
               grande na lavoura de milho. Disseram pra ela que é
               um açude. Eles vão acabar com tudo! O Juvenal diz
               uma coisa e depois...

               MÁRCIA
               (cortando, sem jeito) Conhece o meu marido? Esse é
               o Júlio.

               TEODORO
               (estendendo a mão) Muito prazer.

Os dois apertam as mãos muito rapidamente.

               TEODORO
               (para Márcia) E ninguém na fazenda viu cavalo
               ferido nenhum. É tudo invenção. Ele te mostrou o
               cavalo? Tu viu o cavalo?

Márcia não responde.

               JÚLIO
               (saindo, irritado) Com licença.

Júlio se retira para o escritório. Bate a porta com força.


CENA 36 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (13H30)

Júlio entra no escritório. Percebe na tela do computador a foto
de Anamaria. Caminha até o computador para tirar a imagem, mas a
porta se abre e Márcia entra. Júlio apóia-se no tampo da mesa,
escondendo com seu corpo a foto.

               MÁRCIA
               Deixa de ser bobo, Júlio.

               JÚLIO
               Tu anda pra cima e pra baixo com ele. Até no
               jornal eu vi vocês juntos!

               MÁRCIA
               É claro. Sou advogada dele. Eu preciso...

               JÚLIO
               É advogada, mas não precisa trepar com ele.

               MÁRCIA
               Não grita!

               JÚLIO
               Quem é que tá gritando aqui? Eu estou calmo!

               MÁRCIA
               Acho que tu não entendeu direito o que aconteceu.
               Eu vou explicar de novo.

Márcia tenta colocar a mão no braço dele. Júlio tira o braço
depressa e permanece na frente do monitor.

               JÚLIO
               Não precisa explicar nada!

               MÁRCIA
               (assustada) Meu Deus, Júlio, eu não tô te
               reconhecendo!

Enquanto Márcia fala, Júlio vai tateando até encontrar o botão
que desliga o monitor.

               MÁRCIA
               Olha, eu não vou mais na reunião, a gente senta e
               discute esse assunto com calma. Se tu quiser, não
               volto mais pra fazenda.

Júlio aperta o botão, desligando o monitor.

               JÚLIO
               Nem pensar. A gente precisa terminar o que
               começou.

Júlio, num impulso, levanta, abre a porta e sai.


CENA 37 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA - DIA (13H35)

Teodoro olha, curioso, para Júlio e Márcia, que saem do
escritório, com os rostos tensos.

               JÚLIO
               A Márcia já tá pronta. Boa sorte.

Márcia olha para Júlio, irritada, e depois para Teodoro.

               MÁRCIA
               Tá na hora. Vamos?

               TEODORO
               Vamos.

               Márcia pega a bolsa e se dirige para a porta da
               ua. Antes que ela chegue, toca a campainha. Júlio
               olha para a porta, tenso. Márcia olha para Júlio e
               nota o seu nervosismo. Márcia abre a porta.
               Aparece o entregador da pizza. Júlio respira
               fundo.

               ENTREGADOR
               Metade muzzarella, metade califórnia e duas cocas.

Júlio pega a pizza e as cocas.

               MÁRCIA
               Califórnia?

Márcia, Teodoro e o entregador olham para Júlio, esperando a
resposta.

               JÚLIO
               Pensei em deixar na geladeira pra Guida. Ela
               gosta.

Márcia paga o entregador, que vai embora. Teodoro vai saindo,
seguido por Márcia. Júlio vai fechar a porta, mas Márcia pára, se
volta para ele e o beija. Depois, fala em voz baixa.

               MÁRCIA
               Não esquece de uma coisa, Júlio: eu não menti.


CENA 38 - EXTERIOR - CASA DE JÚLIO/FACHADA - DIA (13H40)

Anamaria, sentada em seu carro, a uma distância segura, vê Márcia
e Teodoro saindo da casa. Anamaria está fumando um cigarro.
Márcia e Teodoro entram no carro, que se afasta.


CENA 39 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA - DIA (14H)

Anamaria está fumando, perto da janela. Olha para a rua. Depois
olha para Júlio, que está sentado, também fumando um cigarro.

               ANAMARIA
               Eu já tentei largar três vezes.

Anamaria apaga o cigarro e aproxima-se de Júlio. Abaixa-se e fica
de cócoras, olhando para ele.

               ANAMARIA
               Tu não gostou de ver a Guida lá em casa, não é?

Júlio não responde.

               ANAMARIA
               Deve ser difícil pra ti. Eu compreendo. Mas não
               precisa ficar preocupado. A Guida é muito
               responsável, não vai fazer nenhuma bobagem.
               (pausa) Ela não é mais criança.

Anamaria aproxima-se lentamente e beija Júlio. Ele não resiste, e
beija também. Anamaria sorri e se afasta um pouco. Vai beijar
outra vez, mas então Júlio a impede.

               JÚLIO
               Anamaria, desculpa. Mas não foi uma boa idéia tu
               vir aqui. Pode chegar alguém... (Júlio levanta) Eu
               acho melhor tu ir embora.

               ANAMARIA
               Quer mesmo que eu vá embora?

               JÚLIO
               É melhor. Eu nunca fiz isso...

Anamaria olha um pouco surpresa para Júlio, mas com um brilho
divertido no olhar.

               ANAMARIA
               A gente se vê de novo?

               JÚLIO
               Não sei. Desculpa. Desculpa eu ser tão
               atrapalhado.

               ANAMARIA
               Acho que gente se vê, sim.

Anamaria aproxima-se de Júlio e o beija. Júlio a abraça. As mãos
de Júlio percorrem as costas de Anamaria. Ele parece capitular.
Procura os seios de Anamaria com as mãos, primeiro por cima do
vestido. Depois levanta a camiseta de Anamaria e segura o bico de
um dos seios. Anamaria, sorridente, o incentiva com os olhos. De
repente, Júlio solta Anamaria.

               JÚLIO
               Desculpa.

               ANAMARIA
               Pára de pedir desculpa! Desculpa de quê?

               JÚLIO
               Não vou fazer de novo.

               ANAMARIA
               Acho que vai. (dá um beijinho) Então tá, eu vou
               embora. Mas antes posso ir no banheiro?

               JÚLIO
               Claro. É ali, no fim da escada.

Júlio aponta com a cabeça na direção do banheiro.


CENA 40 - CASA DE JÚLIO - BANHEIRO - DIA (14H05)

Anamaria examina vários produtos de beleza no armário do
banheiro. Usa um batom. Cheira os perfumes. Usa um deles. Abre a
cortina do box. Pega uma embalagem grande de xampu. Lê o rótulo.
Abre o xampu e despeja uma grande quantidade no ralo do box.
Sorri, satisfeita.


CENA 41 - CASA DE JÚLIO - HALL DE ENTRADA - DIA (14H10)

A mão de Anamaria coloca, sobre a mesa do telefone, um chaveiro
da pantera cor-de-rosa com duas chaves.

               ANAMARIA
               (OFF) Vou deixar contigo. (IN) Quando quiser me
               visitar, conversar um pouco...

               JÚLIO
               Não precisa.

               ANAMARIA
               Eu sei que tu não vai. Mas... Pelo menos assim eu
               alimento um pouco minhas fantasias. Eu estou
               dormindo, de madrugada, e um homem misterioso
               entra no meu apartamento... Eu gosto de pensar
               essas bobagens. Isso não faz mal, faz?

Júlio olha para Anamaria, confuso.


CENA 42 - EXTERIOR - ESTRADA - NOITE (20H)

Teodoro e Márcia estão viajando, os dois de cara amarrada. Márcia
dirige e Teodoro está no banco ao seu lado. Silêncio por algum
tempo.

               MÁRCIA
               Tu não precisava fazer ameaças.

               TEODORO
               Eu não ameacei ninguém.

               MÁRCIA
               Mas disse que não admitia ninguém andando nas tuas
               terras.

               TEODORO
               Claro! Se eu deixar, daqui a pouco os peões do
               Juvenal estão colhendo o que eu plantei.

               MÁRCIA
               (irritando-se) Juridicamente, as terras ainda não
               são tuas. As terras são do Juvenal. Ele tem uma
               coisa chamada escritura.

               TEODORO
               O meu pai disse...

               MÁRCIA
               O teu pai nunca passou as terras para o nome da
               sua tua mãe. O que ele disse não faz a menor
               diferença.

               TEODORO
               Enquanto a coisa não se resolver, ninguém passa a
               cerca. Aquele velho entendeu direitinho o que está
               acontecendo.

               MÁRCIA
               Aquele velho, Teodoro, era o secretário de
               Justiça. Ele não só entendeu como garantiu que vai
               ter segurança, pra ti e pros outros posseiros que
               estão na fazenda.

               TEODORO
               Eu não sou posseiro! Não me interessa o problema
               dos outros. Tu quer transformar tudo em política
               e...

               MÁRCIA
               (cortando) Te acalma, Teodoro! Minha filha de 17
               anos é mais madura que tu.

Teodoro sente que Márcia está furiosa.

               TEODORO
               A tua filha tem 17 anos?

               MÁRCIA
               Faz 18 amanhã. Casei cedo.

Teodoro encosta a mão no ombro de Márcia.

               MÁRCIA
               Pára com isto, Teodoro.

Teodoro desce a mão pelo braço de Márcia.

               MÁRCIA
               (cortando) Presta atenção no que eu vou te dizer.
               Eu amo o meu marido, entendeu? Já contei pra ele o
               que aconteceu. Eu não me arrependo de nada, mas
               não vai acontecer de novo. (irritada) Tira a mão.
               (mais irritada) Já!

Teodoro tira a mão e olha para Márcia, desconcertado. Ficam algum
tempo em silêncio.

               MÁRCIA
               O Juvenal quer falar contigo. Vou marcar uma
               reunião assim que a gente chegar.

               TEODORO
               O Juvenal quer me matar.

               MÁRCIA
               Não. Ele quer conversar. Conversar! Será que tu
               consegue? E é bom que vocês se acertem de uma vez.
               Eu tenho quatro casos me esperando em Porto
               Alegre, e não vou passar o resto da minha vida
               discutindo posse de terra. Pensa bem, Teodoro.
               Aproveita a chance agora. Sabe o que o Juvenal me
               disse? Que é diferente do irmão. Que é tolerante.
               Tu também precisa ser, pelo menos um pouco. Deu
               pra entender, ou tá difícil?

Teodoro olha para Márcia, como quem não entendeu nada.


CENA 43 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (16H)

Júlio está esperando que o computador anuncie que o CD está
pronto. Quando está quase no 100%, o Windows tranca e aparece
aquela tela azul, com a mensagem de erro de sistema. Júlio fica
furioso.

               JÚLIO
               Puta que pariu!


CENA 44 - EXTERIOR - ENTRADA DA FAZENDA DE JUVENAL - DIA (17H)

O carro de Márcia aproxima-se da sede da fazenda.


CENA 44A - INTERIOR - FAZENDA DE JUVENAL/ESCRITÓRIO - DIA (17H)

Márcia conversa com Juvenal, sob o retrato do patriarca. Juvenal
está de pé na janela, olhando para fora. Márcia está sentada numa
poltrona, à frente de uma escrivaninha grande.

               MÁRCIA
               Ele não quer conversar aqui. Tem medo.

               JUVENAL
               Medo? Eu é que deveria ter medo, a senhora não
               acha? (vai sentar atrás da escrivaninha) Ele matou
               meu irmão.

               MÁRCIA
               Eu sugiro que vocês se encontrem na sub-
               prefeitura. Território neutro.

               JUVENAL
               Neutro coisa nenhuma. O prefeito tá do lado dos
               posseiros. Ele tem que vir aqui.

               MÁRCIA
               O senhor garante a segurança dele?

               JUVENAL
               Claro.

Márcia respira fundo.

               MÁRCIA
               Eu vou tentar convencê-lo.

               JUVENAL
               E a senhora garante a minha segurança?

Márcia pensa por algum tempo.

               MÁRCIA
               Eu vou lhe dar um conselho: só vai haver segurança
               quando o conflito acabar. O Teodoro está disposto
               a provar que é filho do seu pai. E o senhor sabe
               que ele é. Mas o processo só vai complicar ainda
               mais a situação. É muito melhor negociar e
               reconhecer o direito dele e das outras famílias
               por usucapião. Tudo somado, é menos de cinco por
               cento da fazenda.

               JUVENAL
               O Orestes dizia que terra da família não se
               negocia. Se defende.

               MÁRCIA
               Seu irmão está morto porque pensava assim. O
               senhor não disse que é diferente dele?

Juvenal olha para Márcia.


CENA 45 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (22H30)

Júlio, carregando uma pasta bem grande, entra no bar onde Guida
comemora o aniversário. Num canto, há um pequeno palco, onde já
estão os instrumentos da banda. Júlio caminha entre as mesas,
procurando pela filha. Guida está num grupo animado de jovens,
entre eles Ciro e Anamaria. Na mesa, há um bolo pequeno com uma
vela já usada. Júlio parece um pouco deslocado no ambiente.
Anamaria é a primeira a notar a presença dele. Fica sorrindo,
enquanto ele se aproxima. Guida finalmente vê Júlio e abre os
braços para o pai.

               GUIDA
               Pai! Pensei que tu não vinha mais.

Guida abraça forte e beija o pai, que retribui, emocionado.

               JÚLIO
               Parabéns, minha filha.

Guida desfaz o abraço, parece nervosa.

               GUIDA
               (inquieta) Já cantaram o parabéns. Daqui a pouco
               nós vamos tocar.

Anamaria continua sorrindo para Júlio, que desvia o olhar e abre
a pasta, pegando o pacote do CD.

               JÚLIO
               (para a filha) Me atrasei por causa do teu
               presente. Espero que tu goste. É um álbum.

Guida abre o pacote. Pega o CD, olha a capa e parece não entender
direito o que é.

               ANAMARIA
               De que banda é?

               JÚLIO
               Não, é álbum de fotografias. Desses de família. Tu
               coloca no computador e assiste. Tem fotos, vídeos
               antigos... Bom, é um álbum.

Ninguém entendeu nada do que Júlio falou. Nem Guida.

               GUIDA
               (tentado disfarçar a decepção) Que legal!

Júlio sorri.

               JÚLIO
               Bom, o CD é o meu presente. Mas também tem o da
               tua mãe. (abre a pasta e pega uma maleta de couro)
               Tu vai precisar pra ver o álbum.

Guida abre a maleta, que contém um notebook. Guida sorri e dá um
novo abraço em Júlio. Agora todos estão sorridentes. Um roadie
liga os amplificadores e testa os microfones.

               ROADIE
               Som, som... Teste, teste...

               ANAMARIA
               Tá na hora. Vamos lá.

               GUIDA
               Pai, me deseja sorte.

               JÚLIO
               (sorrindo) Merda pra ti.

               GUIDA
               (chocada) Merda?

               JÚLIO
               (percebe que falou besteira) No meu tempo era...
               Quer dizer, no teatro... (pausa) Guida. Eu te
               adoro! Vai lá e manda ver! (grita baixinho)
               Rock'n'roll!

Guida sorri e beija o pai.


CENA 46 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (22H45)

Começa o show, que Júlio assiste no fundo do bar (ou no
mezanino). É uma banda só de meninas. Guida toca guitarra solo.
(Também há uma guitarra base, baixo, bateria e a vocalista)
Anamaria fica ao lado do palco, perto da mesa de som, observando
e dançando. Júlio acompanha a música atentamente. Anamaria olha
para ele várias vezes e sorri. O público gosta. O show é um
sucesso.


CENA 47 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (23H)

Ciro aproxima-se de Júlio e fala com ele (com alguma dificuldade,
devido ao som do show).

               CIRO
               Ôi. A Guida me falou que o senhor trabalha na área
               de informática.

               JÚLIO
               (antipático) Mais ou menos.

               CIRO
               Eu me formei em computação. Sou especialista em
               Internet.

               JÚLIO
               Certo.

               CIRO
               Eu sou bom nesse negócio. Muito bom. Mas estou
               desempregado. Eu preciso trabalhar.

               JÚLIO
               Todo mundo precisa.

               CIRO
               A Guida me disse que talvez o senhor possa me
               ajudar. Eu também entendo um pouco de fotografia
               digital. Quem sabe um estágio na revista...

               JÚLIO
               Me manda um currículo (tira um cartão do bolso)
               Pode deixar lá no estúdio.

Ciro percebe a má-vontade de Júlio, mas pega o cartão.

               CIRO
               Obrigado. Até logo.

Ciro se afasta. Júlio olha para a filha no palco e depois para
Ciro. Segue o show.


CENA 48 - EXTERIOR - CASA DE TEODORO (FACHADA) - NOITE (23H15)

Márcia conversa com Teodoro na frente da casa.

               TEODORO
               Eu não posso ir lá.

               MÁRCIA
               Por quê?

Teodoro não responde.

               MÁRCIA
               Tu não corre perigo. Falei com o secretário outra
               vez. A partir de amanhã, vai ter um brigadiano
               aqui, vinte e quatro horas por dia. Mas é perigoso
               é deixar essa situação indefinida. Ele quer
               conversar. Tu tem que ir.

               TEODORO
               Vou pensar. Mas lá na fazenda eu não vou. Não
               quero morrer naquela casa.

               MÁRCIA
               Tu não vai morrer. Quem sabe a gente marca em
               Porto Alegre?

               TEODORO
               (depois de pensar um pouco) É melhor.

               MÁRCIA
               Então tu volta amanhã? Promete?

               TEODORO
               Prometo. (pausa) A Quita arrumou tua cama na sala.

               MÁRCIA
               Obrigada. Eu vou dar uma passada no hotel,
               descansar um pouco, mas quero estar em Porto
               Alegre de manhã bem cedo. É aniversário da minha
               filha.

               TEODORO
               Tu pode descansar aqui: não tem perigo.

Márcia sorri para Teodoro.

               MÁRCIA
               Boa noite, Teodoro. E fica tranqüilo. Ninguém vai
               matar ninguém.


CENA 49 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (24H)

O show já acabou. Algumas pessoas dançam entre as mesas. Anamaria
dança com um cara jovem, cabeludo e musculoso. Júlio está bebendo
um uísque, encostado no balcão. Toca o seu telefone celular. Ele
atende. Ouve por alguns instantes, com alguma dificuldade, e
depois faz um sinal para Guida, que está numa mesa próxima, com
Ciro. Ela se levanta e vai até Júlio.

               JÚLIO
               É a tua mãe. A ligação tá horrível.

               GUIDA
               Eu vou atender lá atrás. Tem menos barulho.

Guida afasta-se. Anamaria abandona o jovem cabeludo e aproxima-se
de Júlio no balcão.

               ANAMARIA
               Não tá gostando da festa?

               JÚLIO
               (pouco animado) Tô.

               ANAMARIA
               Pensei que tu ia me ligar.

               JÚLIO
               Eu não disse que ia ligar.

               ANAMARIA
               Fiquei esperando.

Anamaria pega o copo de Júlio e bebe. Fica encarando. Depois se
aproxima de Júlio até encostar o corpo.

               ANAMARIA
               Quer dançar?

Júlio se afasta. Olha, preocupado, para o fundo do bar, onde
Guida está com o celular no ouvido.

               ANAMARIA
               Tu é sempre assim... reprimido?

               JÚLIO
               Acho que tu bebeu demais.

               ANAMARIA
               Eu posso imaginar como tu era antes.

               JÚLIO
               Antes do quê?

               ANAMARIA
               Antes de casar. Foi ela que te deixou assim?

               JÚLIO
               Tu não sabe de nada.

               ANAMARIA
               Sei que eu quero ir pra cama contigo. E tu também
               quer, Ivanhoé.

               JÚLIO
               (espantado) O quê?

               ANAMARIA
               (rindo) A Guida me contou.

Anamaria olha séria para Júlio. Coloca a mão no seu braço. Júlio
está desconcertado. Guida chega de repente, sorrindo. Anamaria
tira a mão.

               JÚLIO
               Vamos embora?

               GUIDA
               A festa tá começando!

               JÚLIO
               São quase duas. Amanhã tenho que acordar cedo.

               GUIDA
               Pai, por favor! É o meu aniversário! O Ciro me
               leva em casa depois. Tu gostou dele? (sorri) Claro
               que não. Tu nunca gosta. Tchau.

Guida começa a dançar com Ciro, deixando Júlio sozinho no balcão.
Ele olha para a pista de dança, onde Anamaria dança outra vez com
o jovem cabeludo. Mas, na verdade, começa a olhar apenas para
Júlio, que acaba também olhando para ela. Anamaria praticamente
abandona o cabeludo e dança para Júlio, que bebe mais um gole de
uísque e continua observando Anamaria. Júlio termina o uísque e
sai do bar. Anamaria fica decepcionada.


CENA 50 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO/SALA - AMANHECER (6H30)

Júlio está encostado na cama, meio tonto de sono. Márcia abre a
janela e vai tirando as roupas da sacola de viagem, enquanto
fala. Depois tira a roupa do corpo, ficando só de calcinha e
sutiã. Júlio escuta, sem grande interesse.

               MÁRCIA
               Quando o Teodoro nasceu, o Orestes já tinha mais
               de dez anos. O Juvenal não, era pequeno, os dois
               brincavam juntos, eram amigos. O Orestes é que
               tinha ódio do Teodoro, achava que a mãe do Teodoro
               era a causa da doença da mãe dele. O mais provável
               é que fosse o contrário.

Márcia percebe que Júlio está "voando".

               MÁRCIA
               Júlio, tu tá me escutando?

               JÚLIO
               Estou.

               MÁRCIA
               Sabe que eu tava com saudade?

Márcia senta na cama ao lado de Júlio e beija o marido. Júlio
sorri. Parece mais desperto. Olha para Márcia. Os dois se beijam,
se abraçam, mas, apesar do entusiasmo de Márcia, a transa não
evolui. Márcia pára e olha para o marido. Sente que há alguma
coisa diferente. Júlio vai para o canto da cama.

               MÁRCIA
               Que é que tu tem? Tá preocupado com alguma coisa?

               JÚLIO
               Eu tô nervoso. Não dormi bem.

               MÁRCIA
               Olha, Júlio, aquilo que aconteceu com o Teodoro
               foi...

               JÚLIO
               (cortando) Eu conheci uma garota.

Márcia senta na cama, alerta.

               MÁRCIA
               O quê?

Márcia olha fixamente para Júlio.

               MÁRCIA
               Eu conheço essa garota?

               JÚLIO
               (breve hesitação) Não. Foi lá no estúdio. Uma
               modelo...

               MÁRCIA
               Uma modelo?

               JÚLIO
               Não aconteceu nada. Só um beijo.

               MÁRCIA
               Um beijo? Só um beijo? E o que mais?

               JÚLIO
               Mais nada. Fui uma vez na casa dela, mas a gente
               não transou.

               MÁRCIA
               Era nela que tu tava pensando?

               JÚLIO
               (hesita mais um pouco) Era.

Márcia levanta e caminha pelo quarto.

               MÁRCIA
               Por que tu não trepa de uma vez com essa garota?
               Tu tá querendo vingança, é isso? Não engoliu o que
               eu fiz e agora está querendo te vingar? Então,
               muito bem, vai lá e trepa com ela. Eu não preciso
               nem ficar sabendo quem é. Só tem uma coisa, Júlio,
               seja discreto e use camisinha.

Márcia volta a fechar a janela. O quarto fica bem mais escuro,
iluminado apenas por uma lâmpada de cabeceira.

               JÚLIO
               Tu não tá falando sério.

               MÁRCIA
               Muito sério. E não quero saber dos detalhes.

Márcia volta a sentar.

               JÚLIO
               Isso é uma loucura total.

               MÁRCIA
               Também acho, mas é melhor assim. Pode sair. Tô
               falando sério. Agora eu vou tentar dormir um
               pouco.

Márcia deita, estica o braço e apaga a luz do quarto. Fica de
costas para Júlio.

               JÚLIO
               Tu pensa que é tão fácil assim? Que eu vou lá e
               transo com ela? Tu tá louca?

               MÁRCIA
               (agressiva, virando-se para Júlio) Tu acha que eu
               vou dormir de novo com um cara que brocha e depois
               diz que tá pensando em outra? Resolve teu
               problema, meu filho. E depois a gente conversa.

Júlio estende a mão e toca no ombro de Márcia.

               JÚLIO
               Meu amor...

               MÁRCIA
               Tira essa mão.

               JÚLIO
               Tu não tá...

Márcia vira-se, muito agressiva. Enfia as unhas com toda a força
na mão de Júlio.

               MÁRCIA
               Tira a mão!

Márcia levanta da cama e acende a luz de cabeceira.

               MÁRCIA
               E sai dessa casa!

               JÚLIO
               Tu tá louca!

Márcia está transtornada. Começa a bater violentamente em Júlio.

               MÁRCIA
               Sai! Sai!

Júlio levanta-se e tenta se defender, mas Márcia vai empurrando-o
para fora do quarto. Júlio segura as mãos de Márcia, mas ela o
morde. Júlio grita de dor.

               MÁRCIA
               Sai! Sai! Seja homem, Júlio!

Márcia empurra Júlio pela sala quase até a porta.

               MÁRCIA
               Espera aí!

Márcia sai por um momento. Júlio olha para a sua mão, que exibe
as marcas sangrentas das unhas de Márcia. Ela volta com as roupas
de Júlio na mão. Atira as roupas no chão.

               MÁRCIA
               E agora sai! Se tu não sair, juro que eu saio. E
               não volto mais.

Júlio se agacha, pega as roupas e coloca uma calça. Sai. Márcia
bate a porta. Quando ela se volta, Guida está à sua frente, com
cara de sono e ressaca.

               GUIDA
               Que que houve, mãe? Vocês tavam gritando...

Márcia aproxima-se de filha.

               MÁRCIA
               Não foi nada. Bobagem. O Júlio teve que sair.
               (pausa) Feliz aniversário.

Márcia abraça e beija Guiida.


CENA 50A - EXTERIOR - CASA DE JÚLIO/FACHADA - AMANHECER (6H45)

Júlio bota a mão no bolso e pega a chave da pantera cor de rosa.


CENA 51 - INTERIOR - AP. ANAMARIA/PORTA/SALA/QUARTO - DIA (7H)

Júlio usa o chaveiro da pantera cor-de-rosa para entrar no
apartamento de Anamaria. Passa pela sala. Vai até o quarto.
Anamaria está dormindo, com uma camisola. Júlio senta na cama e
fica olhando para ela. Anamaria acorda. Não parece assustada.
Senta na cama e olha para o despertador, na mesinha de cabeceira.

               MÁRCIA
               A minha fantasia do homem misterioso acontecia de
               madrugada, e não às sete da manhã.

               JÚLIO
               Desculpe.

Anamaria vê o sangue na mão de Júlio. Aponta.

               ANAMARIA
               O que é isso?

               JÚLIO
               Nada.

               ANAMARIA
               Deve estar doendo...

Anamaria pega a mão de Júlio e a beija. Depois começa a chupar-
lhe os dedos.

               ANAMARIA
               Ela te machucou... Coitadinho.

Anamaria tira a camisola, ficando só de calcinha. Cada vez mais
sensual, continua chupando os dedos da mão ferida de Júlio.

               ANAMARIA
               Tu não quer te vingar? Hem? Não quer bater em mim?

               JÚLIO
               Não.

               ANAMARIA
               Claro que quer. Por favor, bate.

               JÚLIO
               Não.

Anamaria pega a mão de Júlio e a puxa na direção do próprio
rosto, num tapa leve. Júlio recolhe a mão. Anamaria olha para
Júlio e sorri.

               ANAMARIA
               Mas não bate muito forte...

Os dois se beijam, muito excitados. Anamaria abre uma gaveta e
pega um envelope de preservativos. É uma transa muito quente, mas
tem um clima meio trágico e desesperado. Júlio dá uns tapas em
Anamaria, que gosta muito e pede mais.


CENA 52 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/QUARTO - DIA (8H)

Júlio está se vestindo. Anamaria ainda está deitada na cama, sem
roupa.

               ANAMARIA
               Não precisa sair correndo.

               JÚLIO
               Tenho que ir.

               ANAMARIA
               Dorme um pouco aqui comigo.

               JÚLIO
               Não posso.

Júlio termina de se vestir. Fica parado ao lado da cama.

               JÚLIO
               Eu vou contar pra Márcia.

Anamaria olha para ele, sem entender.

               JÚLIO
               Vou contar o que aconteceu. Na verdade, ela já
               sabe.

               ANAMARIA
               (surpresa) Sabe que tu tá aqui?

               JÚLIO
               Não. Mas sabe que eu transei com alguém.

               ANAMARIA
               Quando?

               JÚLIO
               Hoje. Agora.

               ANAMARIA
               Não tô entendendo...

               JÚLIO
               Nem precisa.

               ANAMARIA
               (preocupada) Olha, Júlio, uma coisa eu sei: se tu
               contar pra Márcia, essa história chega na Guida, e
               isso não vai ser legal. (pausa) Ela vai me odiar.
               Tu tem que me prometer que não conta nada.

Júlio fica em silêncio.

               ANAMARIA
               Promete.

Júlio pensa por mais algum tempo.

               JÚLIO
               Prometo.

               ANAMARIA
               Qualquer coisa, me envia uma mensagem. Tu sabe o
               meu mail? É anamaria, tudo junto, arroba...

Júlio tira o chaveiro da pantera cor-de-rosa e o coloca sobre a
mesa de cabeceira.

               JÚLIO
               (cortando) As tuas chaves. Eu não vou usar mais.


CENA 53 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (11H)

Márcia está escrevendo no computador de Júlio. Júlio entra no
escritório. Márcia levanta os olhos do trabalho que estava
fazendo, mas continua sem se voltar para Júlio. Márcia clica e a
impressora começa a trabalhar.

               MÁRCIA
               Resolveu teu problema?

Júlio fica em silêncio.

               JÚLIO
               Foi estranho.

               MÁRCIA
               Eu não quero saber como foi. Só tem uma coisa que
               me interessa. Tu usou camisinha?

               JÚLIO
               Usei.

               MÁRCIA
               Então não se fala mais nisso. Assunto encerrado.

Márcia continua a fazer o trabalho no computador. Júlio sai do
escritório. Márcia examina a folha impressa. Há um erro de
digitação. Ela amassa a folha e tenta jogá-la na cesta de lixo,
que está a uns cinco metros. Erra. Márcia levanta, pega a "bola"
e vai colocá-la na cesta, quando, no fundo desta, vê, amassada,
uma folha do jornal que exibe as fotos dela e Teodoro. Pega a
folha. Percebe que há alguma coisa escrita no verso. Lê o
endereço de Anamaria.


CENA 54 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/BANHEIRO - DIA (12H)

Márcia toma banho. Percebe que o xampu está sem tampa e quase no
fim.


CENA 55 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO DE GUIDA - DIA (12H05)

Márcia abre a porta do quarto de Guida, que está no telefone.

               MÁRCIA
               Tu usou o meu xampu?

               GUIDA
               (para a pessoa no telefone) Só um pouquinho. (para
               Márcia) Que foi?

               MÁRCIA
               Perguntei se tu usou o meu xampu.

               GUIDA
               Eu não!

Guida volta a conversar no telefone.

               GUIDA
               Tava o máximo!... Tu também viu?

               MÁRCIA
               A Anamaria foi no teu aniversário?

Guida fica indignada com a interrupção.

               GUIDA
               Claro, né, mãe. Ela é da banda.

               MÁRCIA
               Onde ela mora?

               GUIDA
               Mas que saco, mãe! Parece interrogatório. Mora na
               Garibaldi.


CENA 55A - INTERIOR - TRIBUNAL DO JÚRI - DIA (16H)

Márcia, de toga, está acompanhando um julgamento. Só que, na
verdade, não está prestando nenhuma atenção.

               PROMOTOR
               (OFF)... de modo que, se a ilustre colega de
               defesa concordar, poderemos ganhar muito tempo.
               Basta evitar esse tipo de confronto. A promotoria
               dispensa o depoimento da testemunha, e a defesa
               abre mão de apoiar-se em prova tão facilmente
               contestável.

Silêncio. Márcia não percebe que todos estão olhando para ela.

               JUIZ
               (OFF) Doutora Márcia. (nenhuma reação) Doutora
               Márcia!

Márcia finalmente "acorda".

               JUIZ
               (OFF) Qual a sua posição a respeito da
               manifestação da Promotoria?

Márcia não sabe o que dizer. Sorri, nervosa.


CENA 56 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - DIA (18H)

Anamaria abre a porta. Olha, surpresa, para Márcia.

               ANAMARIA
               Márcia!

               MÁRCIA
               Posso entrar?

               ANAMARIA
               (insegura) Claro.

Márcia entra. Anamaria fecha a porta.

               ANAMARIA
               A Guida não está aqui.

               MÁRCIA
               Eu sei. Vim falar contigo. Mas, primeiro, tenho
               que ir no banheiro.

               ANAMARIA
               É ali.

Márcia entra no banheiro, deixando a porta aberta. Anamaria fica
na sala, nervosa. Márcia volta com um xampu na mão.

               MÁRCIA
               Eu adoro esse xampu. Onde é que tu compra?

               ANAMARIA
               Um amigo me trouxe de Nova Iorque.

               MÁRCIA
               Essa marca é muito boa. Mas eu prefiro a Body
               Guard. Tu conhece?

               ANAMARIA
               Não, acho que não...

               MÁRCIA
               Como não conhece? Se tu até já usou o meu lá em
               casa...

               ANAMARIA
               Não sei do que tu está falando, eu nunca estive na
               sua casa...

               MÁRCIA
               Não precisa mentir. Eu sei de tudo. Não só usou o
               meu xampu, como também usou o meu marido.

               ANAMARIA
               (encarando Márcia) Eu não usei o seu marido. É
               diferente: eu transei com ele!

               MÁRCIA
               Só porque eu deixei, tá entendendo, sua puta?

               ANAMARIA
               Tu é louca!

               MÁRCIA
               Fui eu que mandei ele aqui. Ele queria dar uma
               trepadinha contigo e eu deixei...

               ANAMARIA
               A minha relação com o Júlio não é só sexo, não. A
               gente gosta um do outro. Eu tô apaixonada por ele.
               E ele por mim. Não foi a primeira vez que a gente
               transou.

               MÁRCIA
               Tá mentindo de novo!

               ANAMARIA
               Não! Tu quer ver?

Anamaria vai até um armário, abre uma gaveta e mostra a foto
manipulada, em que está nua com Júlio, perto da cachoeira.

               ANAMARIA
               Tu não sabia disso, não é? Conhece esse lugar? Faz
               tempo que a gente conversa pelo chat. Ivanhoé! Não
               é esse o nome que ele usa?

Márcia olha, perturbada, para Anamaria. Suas mãos se crispam. As
duas parecem prestes a se matar.

               ANAMARIA
               E agora, o que tu vai fazer?


CENA 57 - INTERIOR - QUARTO DE HOTEL BARATO - NOITE (19H)

Teodoro abre a porta e olha surpreso para Márcia.

               TEODORO
               Márcia!

Ela vai entrando no quarto, que é bastante modesto.

               TEODORO
               Por quê toda essa pressa? Já falou com o Juvenal?

               MÁRCIA
               Não. Tu tá sozinho?

               TEODORO
               Claro. Acabo de chegar.

Márcia examina rapidamente o quarto de hotel. Vai até a porta do
banheiro e olha para dentro.

               TEODORO
               Aconteceu alguma coisa?

               MÁRCIA
               Não. Vim aqui pra trepar contigo.

Márcia tira a blusa, ficando só de sutiã.

               TEODORO
               Essa é boa! Ficou bancando a difícil e agora...

               MÁRCIA
               Agora é diferente. Agora eu quero.

               TEODORO
               Posso saber por quê?

               MÁRCIA
               Essas coisas a gente precisa explicar?

Márcia se aproxima de Teodoro. Beija-o. Coloca a mão dentro da
calça dele.

               TEODORO
               Eu não te entendo.

               MÁRCIA
               Não precisa entender.

Márcia beija-o outra vez. Ele retribui.

               MÁRCIA
               Tem camisinha?

               TEODORO
               Não.

               MÁRCIA
               Eu tenho. Eu comprei.

(passagem de tempo - noite - 19h30)

Os dois estão deitados na cama, suados e nus, respirando
pesadamente para recuperar o fôlego. Vemos os corpos da cintura
para cima. Teodoro está de olhos fechados, relaxado, enquanto
Márcia, absolutamente alerta, olha para alguma coisa que está no
chão.

               TEODORO
               Tu viu o que falaram no rádio? Que eu estou me
               tornando um líder sem-terra. Sem-terra é a puta
               que pariu! Enquanto isso, o Juvenal contratou de
               peão um sujeito que tem seis mortes nas costas.

               MÁRCIA
               Tu tá paranóico. O Juvenal...

               TEODORO
               (cortando) Sabe por que eu atirei no Orestes?
               Sabe?

               MÁRCIA
               (cansada) Sei.

               TEODORO
               Não. Tu não entendeu direito. Acha que foi por
               causa da cerca, da terra. Mas tu quer mesmo saber?


CENA 58 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)

O rosto de Orestes.

               ORESTES
               Tu acha que eu vou entregar a terra do meu pai pro
               filho de uma prostituta?

Teodoro se descontrola, ergue a mão e dispara o revólver.


CENA 59 - INTERIOR - QUARTO DE HOTEL - NOITE (19H40)

Teodoro continua conversando com Márcia.

               TEODORO
               Ele não me chamou de filho-da-puta. Se tivesse
               chamado, ainda tava vivo. Ele disse filho de uma
               prostituta. Estava falando da minha mãe. Tu
               entende?

Márcia permanece calada.

               TEODORO
               Tu tá estranha.

               MÁRCIA
               Pega um pouco de papel higiênico pra mim?

Teodoro levanta e entra no banheiro. Márcia imediatamente olha em
volta, inclina-se, pega alguma coisa no chão e coloca na bolsa.
Começa a se vestir rapidamente. Teodoro volta. Márcia já está
vestida.

               TEODORO
               Já vai? Eu tava pensando em jantar e...

               MÁRCIA
               (cortando) Desculpa. Tenho que ir embora.

               TEODORO
               Mas..

               MÁRCIA
               Te cuida.

Márcia abre a porta do quarto e sai. Teodoro fica olhando para a
porta, confuso.


CENA 60 - INTERIOR - ESTÚDIO FOTOGRÁFICO - NOITE (20H30)

Júlio está no estúdio, conferindo uma série de contatos. Emanuel
entra, segurando um cartãozinho, ao lado de Ciro.

               EMANUEL
               (apontando para Ciro) Ele disse que tu convidou.

               CIRO
               (meio envergonhado) Ôi, seu Júlio. Se o senhor
               quiser, passo outra hora.

               JÚLIO
               Não. Tudo bem. (para Emanuel) Ele é amigo da
               Guida. Quer um estágio. (para Ciro) Não posso te
               prometer nada. A revista tá cortando todas as
               verbas.

               CIRO
               (hesitante) Pode até ser sem remuneração... No
               começo, claro. Depois, se vocês gostarem de mim...

               EMANUEL
               O que tu sabe de fotografia?

               CIRO
               (sorrindo) Fotografia digital?

               EMANUEL
               Ihh... Mais um taradinho de computador.

Toca a campainha outra vez.

               EMANUEL
               Caralho! (para Júlio) Tu chamou mais alguém?

Emanuel sai. Júlio olha para Ciro.

               JÚLIO
               (ar cansado) Eu trabalho com a edição das fotos,
               em casa. Sozinho. Sinceramente, acho que tu vai
               ter que procurar trabalho em outro lugar, porque o
               Emanuel...

Márcia entra no estúdio com uma foto na mão. Parece muito nervosa
e mal olha para Ciro. Vai direto até Júlio e mostra a foto para
ele. É a foto editada de Anamaria e Júlio.

               MÁRCIA
               Olha só o que uma tal de Sabrina me mandou por e-
               mail.

Júlio tenta se controlar e não parecer nervoso. Continua sentado.

               JÚLIO
               É falsa. Deve ser um brincadeira...

               MÁRCIA
               (quase gritando) Não mente pra mim.

               JÚLIO
               Não é mentira, Márcia. A foto foi manipulada...
               Pergunta pro Emanuel. Qualquer cara mais
               experiente pode perceber.

               EMANUEL
               Não me mete em bronca, Júlio.

Márcia dá a foto para Emanuel. Ciro, ao seu lado, também olha.
Ciro fica mais surpreso que Emanuel.

               CIRO
               (baixinho) Pô, é a Anamaria... A Guida vai matar
               ela.

               MÁRCIA
               Examina. Agora me diz: é falsa ou não é?

Emanuel examina a foto. Fica em dúvida. Percebe os olhares
preocupados de Márcia e de Júlio.

               EMANUEL
               Olhando assim, não sei...

Júlio levanta, furioso, e pega a foto da mão de Emanuel.

               JÚLIO
               Porra, Emanuel! Claro que sabe. Olha o retoque nos
               seios.

               EMANUEL
               É falsa! Totalmente falsa!

               MÁRCIA
               Tu tá querendo proteger ele. Chega de mentira,
               Júlio. Tu tá de caso com essa garota. Aproveitou
               que eu tinha viajado. No nosso sítio! Na nossa
               casa!

               JÚLIO
               Pára com isso, Márcia. Coisa ridícula!

               MÁRCIA
               Confessa logo. Há quanto tempo tu te encontra com
               essa piranha?

Júlio aproxima-se de Márcia e tenta pegar-lhe o braço.

               JÚLIO
               Não precisa fazer escândalo. Vamos sair daqui.

Márcia livra-se da mão de Júlio.

               MÁRCIA
               Não me toca! Há quanto tempo vocês se conhecem?
               Era com ela que tu ficava namorando na Internet?

               JÚLIO
               Tu ficou louca.

               MÁRCIA
               (gritando) Eu é que sou a louca?

Júlio tenta aproximar-se outra vez. Márcia recua.

               JÚLIO
               Vamos pra casa.

               MÁRCIA
               (gritando) Não quero ir pra casa. Aliás, pra minha
               casa, porque tua ela não é mais. Mentiroso!
               Covarde! Por que tu não vai logo se encontrar com
               ela e some da minha vida? Some! Some!

Márcia dá as costas para os três homens e sai do estúdio. Emanuel
e Ciro ficam olhando para Júlio, ambos completamente sem jeito.
Júlio respira fundo.

               JÚLIO
               Essa putinha me paga. Eu vou matar ela!

Júlio sai do estúdio, com a foto na mão. Emanuel e Ciro estão
apavorados.

               EMANUEL
               Júlio. Espera aí! (para Ciro) Tu conhece aquela
               menina?

               CIRO
               Conheço.

               EMANUEL
               Eu nunca vi o Júlio desse jeito. A gente tem que
               fazer alguma coisa.


CENA 61 - EXTERIOR, RUA DO ESTÚDIO, NOITE (20H45)

Márcia, ao longe, dentro do carro, vê Júlio pegar o carro
estacionado e sair em alta velocidade. Emanuel e Ciro entram em
outro carro e o seguem.


CENA 62 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - NOITE (21H)

Márcia entra no escritório de Júlio. Liga o computador, acha as
fotos de Anamaria ao lado de Júlio. Primeiro a original, depois a
editada. Apaga a original. Conecta o computador à Internet e
envia um arquivo.


CENA 63 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - NOITE (21H15)

Júlio chega no apartamento de Anamaria, que está na penumbra.
Empurra a porta, derrubando a estatueta. Entra devagar e pega a
estatueta.

               JÚLIO
               (OFF) Quando eu cheguei, tava tudo escuro. Eu abri
               a porta, derrubei alguma coisa. Era uma estátua
               pequena.

Júlio levanta, acha um interruptor e acende a luz. Vê o corpo de
Anamaria no chão, poucos metros adiante. Pára por um instante,
apavorado. Depois aproxima-se do corpo. Se agacha.

               JÚLIO
               (OFF) Só vi o corpo quando acendi a luz. Tinha
               tanto sangue que eu logo vi que ela tava morta.
               Foi horrível. E então eles chegaram.

Emanuel e Ciro entram no apartamento e vêem Júlio agachado ao
lado de Anamaria, em meio à poça de sangue. Emanuel e Ciro olham
para Júlio, que está atordoado demais para reagir.

               CIRO
               (recuando para a porta) Eu vou chamar a polícia.


CENA 64 - INTERIOR - DELEGACIA/SALA PEQUENA - DIA (9H)

Júlio, algemado, está sentado à frente de Márcia, numa sala
pequena, com grades na janela.

               JÚLIO
               Foi assim que aconteceu. Eu não matei ela.
               (falando baixo) Eu transei com ela. Uma vez. Tu
               sabe quando. E não tive coragem de te contar que
               foi com ela, porque... Sei lá porquê. Mas eu não
               matei ninguém. Tu acredita em mim?

               MÁRCIA
               Não sei. É difícil. Mas eu posso tentar.

               JÚLIO
               (pausa) Eles queriam que eu confessasse.

               MÁRCIA
               A polícia esteve lá em casa. Foram examinar o
               computador, atrás da tal foto que tu diz ter sido
               editada.

               JÚLIO
               E acharam a original?

               MÁRCIA
               Não. Eles levaram o computador. Tu fez outra
               cópia?

               JÚLIO
               Não. Só tinha aquela.

               MÁRCIA
               As tuas digitais estão na arma do crime, as
               testemunhas, o que tu disse no estúdio... Tudo
               está contra ti.

               JÚLIO
               Tu precisa acreditar. Eu sou inocente. Isso tudo é
               absurdo!

               MÁRCIA
               (seca) Tenho outra má notícia pra ti.

Márcia abre a bolsa e joga um jornal para ele. Na primeira
página, em cinco colunas, está impressa a foto dele com Anamaria
nua debaixo da manchete: "Fotógrafo mata a amante adolescente".
Júlio olha para o jornal, atônito.


CENA 65 - INTERIOR - DELEGACIA/CELA - DIA (14H)

Júlio está sentado no chão da cela.


CENA 66 - INTERIOR - DELEGACIA/SALA DO DELEGADO - NOITE (20H)

Júlio, algemado e escoltado por um policial, entra na sala do
delegado, que também está olhando a capa do jornal. O delegado
coloca o jornal e a foto editada (que está dentro de um envelope
de plástico) sobre a mesa e olha para Júlio.

               DELEGADO
               Eu já entendi quase tudo. A menina passou da conta
               e tu não agüentou. Mas como essa foto foi parar no
               jornal?

               JÚLIO
               Não foram vocês que entregaram?

               DELEGADO
               Não.

               JÚLIO
               O senhor tá querendo se promover. Tá aí o seu nome
               na primeira página. Aposto que não só mandou a
               foto pros jornais, como também apagou a original
               no meu computador.

               DELEGADO
               (ficando mais rude) Cuidado com o que tu diz. Como
               é que tu pode provar que a foto foi falsificada?

               JÚLIO
               Não é difícil. Basta perguntar pra alguém que use
               computador para retocar fotografias.

               DELEGADO
               Já perguntamos. E ele está em dúvida. Mas existem
               outras evidências. Mais importantes até. As
               impressões digitais, por exemplo. O depoimento das
               pessoas que estavam no estúdio e ouviram tu dizer
               que ia matar a vítima. Há quanto tempo tu conhecia
               essa menina?

               JÚLIO
               Uma semana...

               DELEGADO
               (sorrindo) Amor à primeira vista! Que romântico...
               E tu freqüentava bastante o apartamento dela?

               JÚLIO
               (irritado) Não. Eu sabia onde ela morava porque já
               tinha levado minha filha lá. Isso tudo é um
               engano, um mal-entendido. Vocês tem que encontrar
               o assassino!

               DELEGADO
               Se eu estou entendendo, tu nega que matou a
               vítima. (pausa) E também nega que mantinha
               relações sexuais com ela.

               JÚLIO
               (explodindo) Ela era meio desequilibrada. Eu nunca
               toquei nessa menina! A foto é uma brincadeira! Uma
               farsa.

               DELEGADO
               E isso aqui... (abre uma gaveta e mostra um
               envelope de plástico transparente, dentro do qual
               está uma camisinha) também deve ser uma farsa. Pra
               mim, parece mais uma camisinha usada. Foi achada
               no lixo do banheiro. (pausa, olha para Júlio) É
               tua? É melhor não mentir outra vez. O laboratório
               já está com uma amostra do sêmen.

Júlio olha para a camisinha, fica hesitante, baixa a cabeça.

               JÚLIO
               É minha. Eu estive com Anamaria... Uma noite
               antes.

               DELEGADO
               (sorrindo) Isso explica as tuas impressões
               digitais em todo o apartamento. Especialmente na
               cama. (inclina o corpo na direção de Júlio) Por
               que não facilita a tua vida e confessa de uma vez?

Júlio olha para o delegado. Fica calado.


CENA 67 - INTERIOR - DELEGACIA/SALA PEQUENA - DIA (14H)

Márcia está sentada na sala de visita. Examina pastas em cima da
mesa. Júlio entra na sala, algemado. Senta na frente de Márcia,
que quase não olha pra ele.

               MÁRCIA
               Tu tá horrível. Não te deixaram tomar banho?

               JÚLIO
               Que é que tu acha?

               MÁRCIA
               Trouxe umas roupas limpas.

               JÚLIO
               E a Guida? Eu queria falar com ela, explicar
               tudo...

               MÁRCIA
               Melhor não. Ela ainda está muito abalada. Vai
               ficar fora de circulação por uns tempos.

               JÚLIO
               Conseguiu achar um advogado?

               MÁRCIA
               Nós não precisamos de advogado. Eu mesma vou
               assumir a defesa.

               JÚLIO
               Acho que não é uma boa idéia.

               MÁRCIA
               Eu sei que tu é inocente.

               JÚLIO
               (rindo) Assim de repente? A troco de quê?

               MÁRCIA
               A estratégia está pronta. O perito concluiu que a
               foto muito provavelmente foi editada. Muito
               provavelmente! É um ponto a nosso favor, mas não
               vai te tirar da cadeia. Daqui a pouco sai o
               resultado do exame de sêmen.

               JÚLIO
               O exame vai mostrar que é meu.

               MÁRCIA
               Vamos ver. (pausa) Mas eu quero que tu entenda uma
               coisa: eu estou fazendo tudo isso pela Guida.


CENA 68 - INTERIOR - DELEGACIA/CELA - DIA (8H)

Júlio está dormindo. A porta da cela abre, fazendo barulho e
acordando Júlio.

               POLICIAL
               (OFF) Me acompanhe.


CENA 68A - INTERIOR - DELEGACIA/SALA DO DELEGADO - DIA (8H05)

O delegado entrega uma caixa para Júlio.

               DELEGADO
               As suas coisas. O senhor está livre, pelo menos
               por enquanto. Saiu o resultado do exame de sêmen.
               Não é seu. E o legista diz que ela morreu duas
               horas antes. A sua esposa é competente, conseguiu
               um habeas-corpus. (olha para Júlio e depois sorri)
               Quem é que entende mulher?


CENA 69 - INTERIOR - CASA JÚLIO/ESCRITÓRIO-BANHEIRO - DIA (15h)

Márcia está no escritório, trabalhando no seu computador
portátil. O espaço onde antes ficava o computador de Júlio está
vazio. Júlio está saindo do banho. Toca o telefone. Júlio,
enrolado na toalha, vai atender. Logo fica mal-humorado.

               JÚLIO
               Alô. (...) Não, não está. (...) Tenho certeza,
               sim. (...) Eu dou. (...) De nada.

               MÁRCIA
               (OFF) Quem era?

Júlio vai para o escritório.

               JÚLIO
               Era o Teodoro.

               MÁRCIA
               (irritada) E por quê tu não me chamou?

               JÚLIO
               Tu disse que precisava se concentrar.

               MÁRCIA
               Mas ele é meu cliente, Júlio!

               JÚLIO
               Deixou recado. Disse que o Juvenal já chegou em
               Porto Alegre e está atrás dele.

Márcia levanta e vai para a sala. Pega o telefone, começa a
discar. Júlio, vestindo-se, aproxima-se dela.

               JÚLIO
               Quando a polícia vai devolver o meu computador?

               MÁRCIA
               (ainda irritada) Não sei. Usa o meu, por enquanto.

               JÚLIO
               Ele não serve pro meu trabalho.

               MÁRCIA
               Alô, Teodoro? (...) Calma. Eu estou indo praí.
               (...) Não. (...) Espera.

Márcia desliga e olha para Júlio.

               MÁRCIA
               Eu tenho que sair. Quando a imprensa souber que tu
               tá aqui, vai ser um inferno. Presta atenção: nada
               de entrevistas. Fica quieto, pelo menos por
               enquanto. Entendeu?

               JÚLIO
               Tudo bem.


CENA 70 - EXTERIOR - HOTEL NA J.CASTILHOS - DIA (16H)

Teodoro está na janela do quarto, olhando para a rua.

               TEODORO
               Ele sabe onde eu estou.


CENA 70A - INTERIOR - HOTEL NA J.CASTILHOS - DIA (16H01)

Márcia conversa com Teodoro, que está nervoso.

               TEODORO
               Telefonou pra cá. (vira-se para Márcia) Foi tu que
               contou?

Márcia aproxima-se dele. Toca o braço de Teodoro, tentando
acalmá-lo.

               MÁRCIA
               Não. Teodoro, tu precisa ficar calmo. É só uma
               conversa. Tu vai ouvir o que ele tem a dizer e
               pronto. Não precisa ficar assim.

               TEODORO
               Deve ter alguém me seguindo desde que saí de Cruz
               Alta.

               MÁRCIA
               Tu tá totalmente paranóico.

               TEODORO
               Pediu que eu fosse sozinho, porque é assunto de
               família.

Márcia olha por um tempo para Teodoro. Aproxima-se mais um pouco.

               MÁRCIA
               Pois então? Um assunto de família. Eu disse que
               ele era diferente do Oreste. (pausa) Tu não
               precisa ir sozinho. Eu posso ir junto.

               TEODORO
               No fim da conversa, ele... me chamou de irmão.

Márcia abre um pequeno sorriso.

               MÁRCIA
               Viu, só? Ele sabe que precisa negociar. Tudo vai
               dar certo.

               TEODORO
               Mas eu estou com medo.

               MÁRCIA
               A única maneira de acabar com esse medo é
               enfrentar a situação.

Num gesto protetor, meio maternal, Márcia abraça Teodoro. Ele
aceita o abraço. As mãos de Márcia vão baixando nas costas de
Teodoro, até que ela demonstra surpresa. Enfia a mão atrás da
camisa de Teodoro e puxa um revólver. Afasta-se e mostra a arma
para Teodoro.

               MÁRCIA
               Tu tá louco, Teodoro.

Teodoro olha para ela, assustado.


CENA 71 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA - DIA (16H30)

Ciro senta no sofá, com o rosto preocupado e os olhos cansados,
de quem não dormiu. Júlio indica uma cadeira, onde o rapaz senta.
Antes de falar, Ciro respira fundo.

               CIRO
               Esse é o número de telefone de onde a foto foi
               mandada.

Ciro entrega um papel para Júlio, que fica olhando para o número
anotado por algum tempo..

               CIRO
               (hesitante) Esse é o número daqui, não é?

Júlio olha para Ciro, sério e preocupado.

               JÚLIO
               Mais alguém sabe disso?

               CIRO
               Não.


CENA 72 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (16H40)

Júlio entra no bar, que está quase vazio, e vê Márcia, sozinha,
no canto do balcão, em frente a uma xícara grande de café preto.
Júlio senta ao lado dela. Márcia demonstra irritação e cansaço.

               MÁRCIA
               O que é tão urgente?

               JÚLIO
               Eu descobri a verdade.

               MÁRCIA
               (sem emoção) Que verdade?

               JÚLIO
               A foto...

               MÁRCIA
               Eu não tenho tempo de...

               JÚLIO
               Foi tu que mandou a foto pros jornais.

Márcia fica calada.

               JÚLIO
               E foi tu que matou Anamaria.

Márcia continua calada.

               JÚLIO
               Por ciúme. E depois tentou me incriminar. Eu sei
               como aconteceu.


CENA 73 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - NOITE (PASSADO - 18H15)

Márcia usa um pano para limpar a parte de baixo da estátua. Vai
até a porta da rua. Pelo lado de fora, deixa a estatueta no chão.
Encosta a porta. A câmara faz uma panorâmica da estatueta até o
corpo de Anamaria, que está caído no chão, sobre uma grande poça
de sangue.


CENA 74 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (16H50)

Continua a conversa de Márcia e Júlio.

               JÚLIO
               Tu queria que eu ficasse 30 anos na cadeia. Depois
               se arrependeu, não sei porque, e resolveu me
               defender. Se não fosse aquela camisinha, eu tava
               perdido. Mas nisso tu não pensou.

Os dois ficam quietos por algum tempo. Ela rompe o silêncio.

               MÁRCIA
               E o que tu pretende fazer?

               JÚLIO
               Não sei, ainda estou pensando.

               MÁRCIA
               Quer saber? Tu tá enganado, muito enganado, mas
               não faz mal.

               Júlio olha para Márcia, surpreso.
               MÁRCIA
               Por que tu não me contou toda a verdade sobre a
               Anamaria?

               JÚLIO
               Não podia.

               MÁRCIA
               Por quê?

               JÚLIO
               Porque eu tava envergonhado.

               MÁRCIA
               Envergonhado pra confessar que já tinha transado
               com ela no sítio, no nosso apartamento...

               JÚLIO
               Não. Eu só menti quando inventei a tal modelo. Eu
               transei com Anamaria uma vez, no apartamento dela,
               e foi tu que me mandou pra lá, lembra?

Márcia pensa um pouco. Toma mais um gole de café.

               MÁRCIA
               Essas coisas agora não têm mais importância.

               JÚLIO
               Têm importância, sim. Se eu tivesse contado logo a
               verdade, tudo seria diferente.

               MÁRCIA
               Talvez.

               JÚLIO
               Mas acho que tu também mentiu pra mim. Disse que
               só tinha transado uma vez com Teodoro.

               MÁRCIA
               Tu quer mesmo saber?

Júlio pensa um pouco e responde:

               JÚLIO
               Não. (pausa) Dois repórteres já ligaram lá pra
               casa, atrás de mim. Daqui a pouco começam a fazer
               plantão na porta. Eu estou pensando em ir para...

Teodoro surge de repente, ao lado de Márcia.

               TEODORO
               Eu preciso falar contigo.

Júlio olha para ele, irritado com a interrupção.


CENA 75 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO - DIA (17H10)

Júlio abre o armário e começa a tirar roupas, jogando-as em cima
da cama.


CENA 76 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (17H20)

Teodoro conversa com Márcia.

               TEODORO
               Eu preciso de ti.

               MÁRCIA
               Não. Não precisa. E não sou mais tua advogada.

               TEODORO
               Eu preciso me proteger. Eu tô com medo.

Márcia permanece calada.

               TEODORO
               Eu não vou mais esconder nada de ti. O que eu
               tenho que fazer pra tu acreditar em mim?

Márcia permanece calada. Teodoro, num rompante, tira a arma da
cintura (estava em baixo da camisa) e a coloca sobre o balcão.

               TEODORO
               Pode pegar.

Márcia olha para a arma.


CENA 77 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO - DIA (17H30)

Júlio está pegando um casaco, que está num cabide. Quando o
retira do guarda-roupa, derruba, sem querer, um casaco de Márcia
(o mesmo da noite do crime). Ouve-se um ruído metálico. Ele olha
para o chão e vê o chaveiro da pantera cor de rosa. Abaixa-se e
pega o chaveiro.


CENA 78 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (17H40)

Continua a conversa de Márcia e Teodoro.

               TEODORO
               Ele ligou logo que tu saiu. Tá me esperando no
               zoológico da Redenção. Tu sabe onde fica?

               MÁRCIA
               Sei. É perto daqui.

               TEODORO
               Ele quer que eu vá sozinho.


CENA 79 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/PORTA-SALA - ENTARDECER (17H50)

Júlio entra e acende a luz. Há várias marcações feitas pela
polícia, inclusive o contorno do cadáver de Anamaria. Júlio
caminha devagar, cuidando para não tocar em nada.

Leva um susto quando toca o telefone celular. Atende. Há uma
mensagem escrita no celular (que é digital): "Entra no bate-papo
hoje às seis. Sabrina". Olha para o relógio. Dez pras seis. Júlio
senta na frente do computador de Anamaria e o liga.


CENA 80 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (18H)

Márcia, sozinha no balcão, pede outra xícara de café. Olha para a
bolsa. O revólver está lá dentro.


CENA 81 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - ENTARDECER (18H05)

Júlio digita na tela do bate-papo.

"Ivanhoé - Sabrina, vc está aí? ". Logo aparece a resposta:

"Sabrina - Sabrina morreu". Júlio digita:

"Ivanhoé - Quem é vc? ". E Sabrina responde:

"Sabrina - Eu sei a verdade".

Júlio digita: "Ivanhoé - Que verdade?"


CENA 82 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/ENTRADA - DIA (PASSADO - 18H10)

Guida se aproxima da porta do apartamento e ouve gritos. O último
deles é de Anamaria, bastante nítido.

               ANAMARIA
               (OFF) E agora, o que tu vai fazer?

Guida empurra a porta.


CENA 83 - EXTERIOR - AV. OSWALDO ARANHA - ENTARDECER (18H07)

Teodoro atravessa a avenida, na direção do parque.


CENA 84 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - ENTARDECER (18H08)

Márcia está nervosa. Olha para a xícara de café.

INSERT 1 - (CENA 26)

JUVENAL - Mas eu sou diferente dele. Eu sou mais... Tolerante. A
senhora entende?

INSERT 2 (CENA 49)

MÁRCIA - Ninguém vai matar ninguém.

INSERT 3 - (CENA 75)

Rosto de Anamaria levando a porrada (OU caindo no chão).

Márcia olha para o relógio. Num rompante, sai do bar.


CENA 85 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H11)

               GUIDA
               Mãe!

               ANAMARIA
               (para Guida) Tua mãe é louca.

               MÁRCIA
               Sua vagabunda! Se fazendo de sonsa, de amiguinha
               da Guida!

               GUIDA
               O que é isso?

               MÁRCIA
               Sabe o que essa puta anda fazendo com o teu pai?

               ANAMARIA
               Não acredita nela, Guida!

               MÁRCIA
               (para Guida) Olha quem tu botou dentro da nossa
               casa, Guida.

Márcia mostra para Guida a fotografia de Anamaria nua ao lado de
Júlio.

               MÁRCIA
               Ela é a tal mulher com quem o seu pai fica todas
               as noites na Internet. Anamaria é Sabrina! Sempre
               foi!

               ANAMARIA
               (para Guida) Era uma brincadeira, Eu memas depois
               eu me apaixapaixonei pelo teu pai. Isso é errado?

               MÁRCIA
               Ela te usou pra se aproximar do Júlio. Fingiu que
               era tua amiga. (para Anamaria) Conheço o teu tipo,
               sua ordinária.


CENA 86 - EXTERIOR - PARQUE DA REDENÇÃO - ENTARDECER (18H09)

Teodoro pára em frente à entrada do mini-zôo. Olha para os lados.
Vê apenas os freqüentadores habituais do parque. Entra no mini-
zôo.


CENA 87 - EXTERIOR - CARRO DE MÁRCIA - ENTARDECER (18H10)

Márcia dirige, nervosa.


CENA 87A - EXTERIOR - REDENÇÃO - DIA (18H11)

Juvenal caminha pelo parque.


CENA 88 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H15)

Continua a briga.

               ANAMARIA
               Cai fora, sua ridícula. Sai da minha casa!

               MÁRCIA
               Eu ainda tenho umas coisas pra te dizer, e tu vai
               ter que ouvir, sua piranha!

               ANAMARIA
               Vai embora, velha! Não tenho culpa se ele não
               gosta mais de ti.

               MÁRCIA
               Sua puta!

Márcia avança contra Anamaria, que se defende. Guida intervém,
mas é empurrada para longe. Anamaria consegue derrubar Márcia.
Guida pega a estatueta e a levanta sobre a cabeça. Márcia vê e
grita:

               MÁRCIA
               Guida, não!

Guida dá um golpe na cabeça de Anamaria, que cai. Um grosso
filete de sangue escorre de sua cabeça.


CENA 89 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H15)

Teodoro está na frente da gaiola dos macacos. Olha para os lados,
nervoso. Um macaco aproxima-se dele.


CENA 90 - EXTERIOR - PARQUE DA REDENÇÃO - ENTARDECER (18H20)

O carro de Márcia chega em alta velocidade e freia bruscamente.
Márcia sai do carro, com a arma na mão. Corre na direção do mini-
zôo.


CENA 91 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H21)

Teodoro, agora menos nervoso, acende um cigarro e olha para um
macaquinho, que está comendo uma banana ou fazendo alguma
macaquice na grade, bem perto dele. Dois homens aproximam-se por
trás de Teodoro. Um deles dá um encontrão em Teodoro, que se
vira, já meio caindo, surpreso. O outro homem grita.

               HOMEM
               Passa a carteira!

Teodoro não reage. Os dois homens sacam revólveres e dão, cada
um, três tiros em Teodoro. Um tiro final é disparado na testa de
Teodoro, à queima-roupa.


CENA 92 - EXTERIOR - PERTO DO MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H22)

Márcia ouve os tiros e grita, sem parar de correr.

               MÁRCIA - Teodoro!


CENA 93 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H16)

O corpo de Anamaria no chão. O sangue saindo da sua cabeça.


CENA 94 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H24)

Márcia olha para o corpo de Teodoro, deitado no chão, morto, com
o peito coberto de sangue.


CENA 95 - INTERIOR - AP. ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H17)

Márcia e Guida olham para o corpo de Anamaria, apavoradas. Guida
ainda está com a estatueta na mão.


CENA 96 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H30)

Juvenal aproxima-se, pelas costas de Márcia, e também olha para o
corpo de Teodoro. Fala, sem olhar para Márcia.

               JUVENAL
               Me disseram que foi um assalto. Dois homens
               tentaram tirar a carteira dele. Ele reagiu. Os
               homens atiraram. Depois fugiram.

Márcia olha para Juvenal, horrorizada. Juvenal olha para ela.

               JUVENAL
               Eu me atrasei um pouco. Foi isso que aconteceu.

Márcia continua olhando para Juvenal.


CENA 97 - INTERIOR - APTO. DE ANAMARIA/SALA - NOITE (18H35)

Júlio digita.

               JÚLIO
               (OFF) Como tu sabe?

Resposta na tela.

               GUIDA
               (OFF) Eu tava lá.


CENA 98 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H18)

Guida segura a estatueta, sem saber o que fazer. Márcia tira a
estatueta da mão de Guida.


CENA 98A - INTERIOR - AP.ANAMARIA/BANHEIRO - DIA (PASS - 18H19)

Márcia e Anamaria vão para o banheiro. Márcia lava o sangue na
mão e no rosto de Guida, que está chorando e treme bastante.

               MÁRCIA
               Calma, minha filha.

Márcia está saindo do banheiro, mas, de repente, pára e volta.
Revira o lixo ao lado da patente e acha uma camisinha. Joga a
camisinha na privada e puxa a descarga.

               MÁRCIA
               Vamos sair daqui.


CENA 98B - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H18)

Márcia leva Guida de volta para a sala. Pega, na fechadura, o
chaveiro da pantera cor-de-rosa. As duas saem do apartamento.


CENA 99 - EXTERIOR - CARRO/FACHADA DE HOTEL - NOITE (PASS - 19H)

O carro de Márcia estaciona. Márcia olha para Guida.

               MÁRCIA
               Me espera aqui. Vou demorar uma meia-hora.

Guida continua em choque. Não diz nada. Márcia sai do carro e
entra no hotel.


CENA 100 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/BANHEIRO - NOITE (PASS - 20H)

Márcia entra no banheiro, pega a estatueta e limpa a parte de
baixo. Guida entra.

               GUIDA
               Não me deixa sozinha, mãe.

Márcia abre a bolsa, retira um pacote pequeno, envolto em papel
higiênico, e deixa que seu conteúdo caia no lixo. É uma camisinha
usada. Olha para Guida.

               MÁRCIA
               Agora falta pouco.


CENA 101 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - NOITE (18H40)

Júlio está atônito, olhando para a tela do computador. Vemos a
frase se formando no bate-papo. A voz em OFF de Guida a
acompanha.

"SABRINA - Eu não devia ter contado pra ela o teu apelido."

               GUIDA
               (OFF) Eu não devia ter contado pra ela o teu
               apelido.


CENA 102 - INTERIOR - APARTAMENTO DA AVÓ DE GUIDA - NOITE (18H40)

Guida está na frente do seu notebook, digitando. Alheia ao que
acontece no computador, uma velha assiste TV.

               GUIDA
               (OFF) Mas achei que ela só tava brincando contigo.
               Depois disse que já tinha enjoado. (pausa) Pai, eu
               te amo. Tu me perdoa?


CENA 103 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - NOITE (18H41)

Júlio fica olhando para a tela, sem saber o que dizer.


CENA 104 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H40)

Uma pequena multidão se formou em volta do corpo de Teodoro.
Márcia, com os olhos brilhando, olha para Juvenal.

               MÁRCIA
               Eu vou te botar na cadeia.

Juvenal sorri para ela, aparentando tranqüilidade. Uma ambulância
estaciona na entrada do mini-zôo. Dois enfermeiros saem,
carregando uma maca. Márcia sai, em sentido contrário.


CENA 105 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA - DIA (10H)

Cartão: "UM ANO DEPOIS"

(APENAS SOM AMBIENTE)

O carro de Júlio estaciona na frente da casa de campo. Júlio,
Márcia, Guida e Ciro olham para a casa e ficam em silêncio dentro
do carro. Finalmente Ciro fala:

               CIRO
               A gente não vai descer?

Júlio, Márcia e Guida parecem despertar com a voz dela.

               MÁRCIA
               Claro. Tava com a cabeça longe...

Júlio abre a sua porta e olha para o céu.

               JÚLIO
               Acho que tivemos sorte. Tá um dia lindo.

Os quatro saem do carro.

               GUIA
               Olha só que sol! Vai ser um fim de semana
               daqueles.

               JÚLIO
               Sabe o que eu pensei? Que a gente podia pintar a
               casa.

               MÁRCIA
               Tu acha?

               JÚLIO
               Tá vendo ali? (aponta para uma parede) Tá
               descascando.

               MÁRCIA
               É verdade. Não tinha reparado... Ciro, me ajuda
               aqui com as sacolas...

Ciro e Júlio levam as sacolas até a entrada da casa. As mulheres
seguem-nos, mas Júlio faz sinal para elas pararem.

               JÚLIO
               Esperem aí. Quero tirar uma foto na frente da
               casa.

Márcia, Guida e Ciro voltam. Júlio afasta-se mais, deixa a câmara
preparada sobre um tripé e corre para posar ao lado da mulher e
da filha. A câmara faz a foto. Vemos imediatamente a imagem
digital no visor: os quatro, sorridentes, na frente da casa. A
imagem "estoura", num efeito de computação gráfica. Entra música.


CRÉDITOS FINAIS


FIM

*******************************************************************

(c) Carlos Gerbase, Jorge Furtado, Álvaro Teixeira e Giba Assis
Brasil, 1999-2000
Casa de Cinema de Porto Alegre
http://www.casacinepoa.com.br

01/05/1999

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