Roteiro em modo texto: [ Download ]
               TOLERÂNCIA
	
	               roteiro de Carlos Gerbase,
	               Jorge Furtado,
	               Álvaro Teixeira
	               e Giba Assis Brasil
	
	               12° tratamento - maio/1999
	
	               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
	
	*******************************************************************
	
	CENA 1 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (9H)
	
	Créditos iniciais intercalados
	
	Júlio, 40 anos, está no escritório de sua casa, sentado à frente
	de uma mesa que abriga um computador poderoso, scaner,
	impressora, gravador de CD-ROM, tudo ligado. A sofisticação do
	equipamento contrasta com pilhas vacilantes de badulaques que
	entopem o resto do quarto: revistas velhas, caixas, fotos
	amarelecidas, alguns filmes super-8, livros e fitas de vídeo. Uma
	pequena televisão, desligada, também está sobre uma das estantes.
	O ambiente é de semi-penumbra com a janela e a porta fechadas.
	Apenas um pequeno abajur está ligado.
	
	Num canto da mesa, precariamente equilibrado, um projetor super-8
	roda um rolinho de filme. A imagem chega a um dos poucos espaços
	livres na parede. Júlio manipula uma pequena câmara de vídeo
	sobre o tripé, apontada para a imagem do filme super-8. Um fio
	sai da câmara e vai até o micro. Numa janela do monitor, vemos a
	mesma imagem em movimento que está na parede.
	
	O filme, com cores desmaiadas e a sujeira típica dos super-8
	antigos, mostra uma manifestação dos Sem Terra, em 1978, no
	interior do Rio Grande do Sul. Entre as centenas de agricultores,
	a câmara descobre Márcia, 18 anos, vestindo uma camiseta de Che
	Guevara. Ela percebe que está sendo filmada e sorri, encabulada.
	Seguem-se outras imagens de Márcia (tomando chimarrão, caminhando
	com os manifestantes, assistindo a um discurso, etc.). Na última
	delas, está abraçada em Júlio (aqui com 20 anos). Os dois abanam
	para a câmara, sorridentes.
	
	Júlio, em seu escritório, também sorri. O filme termina. Júlio
	desliga o projetor, confere alguma coisa no monitor e clica o
	mouse. Abre um pouco a janela, iluminando mais o escritório.
	Júlio, sempre olhando para o monitor, clica o mouse mais algumas
	vezes até que a primeira imagem de Márcia volta a aparecer.
	Digita sobre a imagem "Encruzilhada Natalino". Clica o mouse. A
	imagem se move por alguns momentos, devidamente identificada.
	
	Júlio clica outra vez, interrompendo a gravação e a imagem do
	filme no monitor. Pega uma caixa cheia de fotos antigas e começa
	a separar algumas, colocando sobre a mesa. Examina por algum
	tempo uma foto de Márcia de biquíni, sorri e coloca de volta na
	caixa. Leva uma das fotos para o scaner. Aciona o aparelho. Logo
	uma foto de Márcia (ainda bem jovem, desta vez de minissaia ou
	bermuda) aparece na tela do monitor. Outras fotos de Márcia se
	sucedem, como se fossem digitalizadas logo a seguir.
	
	Foto de Júlio com sua câmara. Foto dos dois juntos, felizes.
	
	Foto de Márcia como "bixo" da universidade, toda pintada e
	lambuzada.
	
	Foto de Márcia segurando o Código Penal numa mão e um baseado na
	outra.
	
	Júlio olha para a foto no monitor, sorri e depois aperta
	"Delete".
	
	Foto de Júlio com toga na formatura de Jornalismo.
	
	Foto de Júlio na estação rodoviária, entrando num ônibus com
	destino a uma cidade muito distante (pesquisar qual linha era a
	mais longa).
	
	Foto de Júlio com sua câmara, em local árido. Júlio de barba,
	meio sujo, com um chapéu na cabeça.
	
	Fotos das viagens de Júlio, por vários estados, retratando as
	"injustiças sociais" do Brasil: pobreza, manifestações de
	trabalhadores e estudantes, repressão policial, crianças
	subnutridas, etc.
	
	Fotos do nascimento de um bebê; o bebê sendo amamentado por
	Márcia; Márcia trocando as fraldas do bebê; o bebê dormindo.
	
	Foto de Márcia de toga na formatura de Direito, perto de uma
	"estátua da Justiça".
	
	Fotos de Guida com uns quatro anos, indo para o colégio.
	
	Foto de Márcia em sua sala no escritório, com uma montanha de
	papéis sobre a mesa e uma cara de resignação.
	
	Foto de Júlio, em casa, com seu primeiro computador (Apple II ou
	semelhante - pesquisar).
	
	Foto de Júlio, Márcia e Guida (com uns 4 anos) numa manifestação.
	Os três vestem camisetas das "Diretas já".
	
	Júlio sentado numa mesa de reuniões com os executivos da revista.
	Ambiente "clean", moderno (ou seja: cafona). Algumas fotos e
	revistas em cima da mesa, mas longe da câmara o suficiente para
	não identificarmos o gênero da publicação.
	
	Terminam os créditos iniciais.
	
	Toca o telefone, interrompendo Júlio. Ele atende e enquanto fala,
	dá alguns cliques com o mouse, salvando suas últimas ações.
	
	               JÚLIO
	               Alô. (...) Não... Mas tu não disse que... (...)
	               Tá, eu não vou discutir... (...) Tudo bem. Tô indo
	               praí. (desliga, irritado)
	
	
	CENA 2 - INTERIOR - ESCADARIA DO FÓRUM - DIA (12H)
	
	Márcia, 37 anos, de toga, com uma pilha de processos na mão, sai
	do fórum, acompanhada de dois outros advogados. Teodoro, 30 anos,
	vestindo um terno pequeno demais para ele, nervoso, está
	esperando. Aproxima-se de Márcia.
	
	               TEODORO
	               Doutora Márcia.
	
	               MÁRCIA
	               (sorrindo) Ôi, Teodoro. A sessão só começa às
	               duas.
	
	               TEODORO
	               É que... Eu queria falar com a senhora.
	
	               MÁRCIA
	               Pode falar.
	
	Teodoro hesita um pouco, olha para os advogados e acaba falando:
	
	               TEODORO
	               Eu... Quero contar a verdade.
	
	O sorriso de Márcia se desmancha, mas ela logo recupera o tom
	confiante. Os dois advogados sorriem para Márcia e se afastam.
	
	               MÁRCIA
	               Pode ficar tranqüilo, Teodoro. (pausa) Eu tenho
	               certeza que vai dar tudo certo.
	
	Teodoro continua olhando para Márcia, angustiado.
	
	               TEODORO
	               Pode ser. Mas eu queria que a senhora soubesse o
	               que aconteceu, o que aconteceu de verdade.
	
	               MÁRCIA
	               Teodoro, eu já expliquei: eu estou alegando
	               legítima defesa, e eles querem provar que tu
	               atirou primeiro. Só que eles não podem fazer isso,
	               não tem como fazer isso. Só se tu confessar. E aí
	               a tua esposa e os teus filhos, vão te visitar na
	               cadeia, todo santo domingo, por muitos anos. É
	               isso que tu quer?
	
	               TEODORO
	               Eu só quero contar o que aconteceu de verdade.
	               Pelo menos para a senhora.
	
	               MÁRCIA
	               Que diferença isso faz?
	
	Teodoro não responde. Márcia suspira fundo, cansada, e fica
	alguns segundos olhando para Teodoro.
	
	
	CENA 3 - INTERIOR - ESTÚDIO FOTOGRÁFICO - DIA (12H30)
	
	Júlio entra no estúdio de Emanuel, 30 anos. O fotógrafo está
	trabalhando com sua assistente, 25 anos, um maquiador, 30 anos, e
	a modelo Coralina, 20 anos. Todos parecem cansados. Coralina está
	nua, deitada de bruços, sobre um sofá de veludo. Não há qualquer
	erotismo no ambiente. Assim que Júlio aparece, Emanuel deixa a
	câmara e se aproxima dele, com ar irritado.
	
	               EMANUEL
	               Tu demorou!
	
	               JÚLIO
	               Não devia nem ter vindo. Esse tipo de problema...
	
	               CORALINA
	               (por trás deles) Posso me vestir?
	
	               EMANUEL
	               (virando-se para ela) Não te mexe!
	
	               CORALINA
	               Mas eu tô cansada...
	
	               EMANUEL
	               (quase gritando) Fica aí. Quieta! (para o
	               maquiador) Retoca ela, Ulisses. (para Júlio, mais
	               baixo) Estamos aqui há seis horas, já gastei uns
	               dez filmes, mas agora que ela virou tô sentindo
	               que a coisa não vai funcionar.
	
	               JÚLIO
	               Por quê?
	
	               EMANUEL
	               A bunda. A bunda não tá legal.
	
	Júlio olha para a modelo, que está sendo maquiada por Ulisses.
	
	               JÚLIO
	               Qual é o problema?
	
	               EMANUEL
	               Tá cego, Júlio? Essa menina engordou uns quatro
	               quilos desde a última sessão.
	
	               JÚLIO
	               Então não mostra a bunda.
	
	               EMANUEL
	               O quê? Tá louco? Posso esconder os dentes, os pés,
	               as orelhas, as pernas... Mas a bunda tem que
	               mostrar. E tu vai dar um jeito.
	
	Júlio respira fundo, olha para Emanuel e se aproxima do sofá,
	onde Coralina, agora vestindo um roupão, está sendo maquiada por
	Ulisses.
	
	               JÚLIO
	               (sorrindo) Ôi, tudo bem?
	
	               CORALINA
	               Mais ou menos.
	
	               JÚLIO
	               Talvez eu possa ajudar. Tu pode deitar outra vez?
	
	Ulisses se afasta. Coralina tira o roupão e deita de bruços.
	Júlio olha para a bunda de Coralina com ar profissional. Abaixa-
	se, muda de ângulo. Sorri outra
	vez.
	
	               JÚLIO
	               Obrigado.
	
	               CORALINA
	               (seca) De nada.
	
	Júlio volta a se aproximar de Emanuel.
	
	               JÚLIO
	               Eu posso retocar a superfície, mas a curva... Não
	               sei. Bunda é uma coisa delicada de mexer. Pode
	               ficar artificial.
	
	               EMANUEL
	               Eu sabia... Vou despedir essa vagabunda.
	
	               JÚLIO
	               Talvez dê pra trocar a bunda inteira. Coloco a da
	               Vanda. Elas são parecidas. Ninguém vai notar.
	
	               EMANUEL
	               Trocar a bunda? Pelo amor de Deus, Júlio!
	
	               JÚLIO
	               Qual é o problema? As imagens da Vanda ainda estão
	               no meu computador. Eu separo e...
	
	               EMANUEL
	               Pra tudo há um limite. Mexer na cor dos olhos,
	               ajeitar um pouco os seios, mas... trocar a bunda é
	               demais!
	
	               JÚLIO
	               Tu prefere refazer todas as fotos?
	               Emanuel olha para a modelo, irritado.
	
	               EMANUEL
	               Não dá. Nem tenho verba filme (filme) pra isso.
	               Júlio, tu tem que pensar em outra coisa.
	
	               JÚLIO
	               Não tenho tempo pra pensar em mais mais nada. Eu
	               troco a bunda hoje de noite, te mando pela
	               Internet e a gente vê o resultado na banca.
	               (aponta para Coralina) Nem ela vai notar.
	
	Emanuel olha para Júlio, em dúvida.
	
	
	CENA 4 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)
	
	Ao lado de uma cerca derrubada, Orestes, 40 anos, segura uma
	espingarda, mantendo-a apontada para o chão.
	
	               ORESTES
	               Tu acha que eu vou entregar a terra do meu pai pro
	               filho de uma prostituta como tu? Eu prefiro a
	               morte.
	
	Teodoro saca um revólver e aponta na direção de Orestes. Orestes
	é atingido na base do pescoço, mas ainda consegue atirar de
	volta, acertando as pernas de Teodoro. Os dois caem,
	ensangüentados.
	
	
	CENA 5 - INTERIOR - QUARTO DE HOTEL - DIA (13H)
	
	No quarto de um hotel barato, Teodoro, sentado na cama, nervoso,
	pouco à vontade, fala com Márcia, que está sentada numa cadeira
	perto dele.
	
	               TEODORO
	               Foi assim que aconteceu. Eu atirei primeiro.
	
	               MÁRCIA
	               Eu sei. Mas nós não podíamos contar a história
	               desse jeito.
	
	               TEODORO
	               Eu quero falar a verdade. (levanta-se e vai para a
	               janela) O Orestes tava me ameaçando, entrava na
	               minha plantação, derrubava a cerca, assustava as
	               crianças. (volta-se para Márcia) E aquela terra é
	               minha. Ele não pode nos tirar de lá. O velho deu
	               pra minha mãe. Eu tenho direito.
	
	               MÁRCIA
	               (com paciência) Eu já expliquei, Teodoro. Tu tem
	               direito sobre a terra porque a tua família está lá
	               há muito tempo. (mais enfática) Esquece o resto!
	               Tu já deu o depoimento.
	
	               TEODORO
	               Eu não posso mudar?
	
	               MÁRCIA
	               Não! Ele atirou primeiro e tu teve que te
	               defender.
	
	Teodoro senta na cama outra vez.
	
	               TEODORO
	               A senhora não entende? Eles vão continuar atrás de
	               mim, eles me odeiam, já tinham me jurado...
	
	               MÁRCIA
	               (irritada) Presta bem atenção... Tu matou um
	               sujeito rico, um sujeito poderoso. A família dele
	               tá pressionando. Eles querem que tu passe o resto
	               da vida na cadeia. (pausa) E é exatamente isso que
	               vai acontecer, se tu mudar o que a gente combinou.
	
	               TEODORO
	               (hesitante, fragilizado) Eu só queria dizer que eu
	               tava defendendo o que é meu. (pausa) Eu só queria
	               falar a verdade.
	
	               MÁRCIA
	               (mudando o tom, carinhosa) Nem sempre falar a
	               verdade é a melhor solução.
	
	               TEODORO
	               Devia ser.
	
	               MÁRCIA
	               Mas não é. (pausa) Tu tem que confiar em mim.
	
	Márcia, solidária, sinceramente comovida com a simplicidade dele,
	pega a mão de Teodoro, que olha para ela, confuso.
	
	
	CENA 6 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)
	
	Ao lado de uma cerca derrubada, Orestes, 40 anos, segura uma
	espingarda, mantendo-a apontada para o chão.
	
	               ORESTES
	               Tu acha que eu vou entregar a terra do meu pai
	               prum filho-da-puta como tu? Nunca!
	
	Orestes levanta a espingarda e atira em Teodoro, que é atingido
	nas pernas, mas ainda consegue atirar de volta com seu revólver,
	acertando o peito de Orestes. Os dois caem, ensangüentados.
	
	               MÁRCIA
	               (OFF) Foi assim que aconteceu.
	
	
	CENA 7 - INTERIOR - TRIBUNAL DO JÚRI - DIA (17H)
	
	Márcia está terminando sua defesa de Teodoro, em frente ao júri,
	composto por sete pessoas. Na sala do tribunal, estão presentes,
	além dos familiares de Teodoro (uma mulher de uns 30 anos e três
	crianças), uns seis jornalistas.
	
	               MÁRCIA
	               A história da luta pela terra no Brasil é uma
	               história sangrenta, que já causou milhares de
	               mortes. E, cada vez que novas vítimas aparecem, a
	               discussão se resume a definir quem deu o primeiro
	               tiro. Será mesmo esta a questão? (pára na frente
	               de um dos jurados) Imagine a seguinte situação. O
	               senhor está em casa, a casa onde vive com a sua
	               família, há mais de trinta anos. A casa onde seus
	               filhos nasceram. E então um homem que já lhe
	               ameaçou muitas vezes, entra na sua casa, lhe
	               ofende, lhe agride e diz que vai lhe matar. O
	               homem é violento e lhe aponta uma arma. Imagine
	               que o senhor, que já foi muitas vezes ameaçado de
	               morte, em público, por este homem, o senhor também
	               tem uma arma. Quanto tempo o senhor vai ficar
	               esperando que este homem, este homem violento,
	               armado, gritando que vai lhe matar, dê o primeiro
	               tiro? (pausa) Teodoro esperou, talvez mais do que
	               devia. Uma espera que poderia ter lhe custado a
	               vida, porque o homem atirou, um tiro de
	               espingarda, à queima roupa. Teodoro respondeu o
	               tiro, para se defender, para defender a sua casa e
	               a sua família. Esta é a verdade. E nada do que o
	               promotor ou as testemunhas disseram neste processo
	               contestam esta verdade. (pausa) Este país,
	               senhores jurados, não pode mais conviver com a
	               mentira, com a pressão do poder econômico, com as
	               eternas injustiças aos pequenos agricultores, aos
	               sem-terra, aos sem esperança. Tenho certeza,
	               senhores jurados, que a justiça será feita, e que
	               este inocente (aponta para Teodoro), que agiu em
	               legítima defesa, sairá deste tribunal livre, de
	               cabeça erguida, e que as senhoras e os senhores
	               hoje dormirão com a consciência tranqüila, porque
	               este brasileiro estará voltando para o trabalho e
	               para a sua família. Muito obrigado.
	
	Márcia, satisfeita, volta para seu lugar, ao lado de Teodoro, e
	olha pros promotores, que estão cochichando entre si. Atrás
	deles, está Juvenal, 30 anos, parecido com Orestes. Juvenal olha
	pra Márcia de forma significativa, como se quisesse dizer alguma
	coisa pra ela. Márcia sustenta o olhar, levemente perturbada.
	
	
	CENA 8 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - NOITE (19H)
	
	Júlio trabalha no computador de sua casa, examinando, uma a uma,
	as fotos agrupadas na pasta "Vanda". É uma atividade enfadonha.
	Júlio esfrega os olhos. Pára numa foto, em que a modelo está de
	bruços, numa pose parecida com a de Coralina no estúdio. Júlio
	começa a "recortar" a bunda, separando-a do resto do corpo. Copia
	e cola num novo arquivo, que chama de "bunda1".
	
	
	CENA 9 - INTERIOR - TRIBUNAL DO JÚRI - NOITE (21H)
	
	O juiz olha por alguns instantes para um papel. Márcia, Teodoro,
	os promotores e Juvenal, todos de pé, olham para ele.
	
	               JUIZ
	               Em conformidade com a decisão do conselho de
	               sentença, declaro absolvido o réu Teodoro Schmidt
	               da imputação que lhe foi feita.
	
	Márcia abraça Teodoro. Uma mulher de uns 30 anos e três crianças
	(3, 5 e 8 anos) correm e também abraçam Teodoro. Juvenal continua
	olhando para Márcia. Ela recolhe suas coisas e vai saindo. Na
	porta, Juvenal a espera.
	
	               JUVENAL
	               (calmo) A senhora soltou um assassino.
	
	Márcia pára e olha para ele por um instante, mas decide não
	responder. Continua caminhando.
	
	               JUVENAL
	               (mais alto) Espero que não se arrependa.
	
	
	CENA 10 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - NOITE (22H)
	
	Júlio está colando a bunda de Vanda sobre a bunda de Coralina.
	Boceja. Olha o relógio do monitor: 9:31 PM. Espreguiça-se. Corre
	com o mouse até o ícone "Bate-bapo". Clica. Surge a ampulheta.
	Levanta e pega, numa estante, entre duas pilhas de revistas, uma
	garrafa de uísque. Serve um pouco num copo. Toma um gole. Volta a
	sentar.
	
	Na tela do Bate-papo, digita, logo depois do nome "Ivanhoé":
	"Sabrina, vc tá aí? ". A resposta é quase imediata: "Estou. "
	Júlio sorri e digita: "Vc sentiu saudade? " Sabrina: "Muita".
	Júlio: "Como vc está vestida? " Enquanto Júlio olha para o
	monitor, vendo a frase se formar, ouvimos a voz de Sabrina.
	
	               SABRINA
	               (OFF) Eu estou com um macacão de couro preto...
	
	Júlio se recosta na cadeira e fecha os olhos. Quando abre outra
	vez, vê Sabrina, uma morena alta, de olhos escuros, vestida com
	um provocante macacão de couro, em cima da mesa, onde antes
	estava o monitor.
	
	               SABRINA
	               ... com um grande decote, um imenso decote, que
	               começa na altura do umbigo e vai subindo,
	               subindo... Você não quer ver mais de perto?
	
	               JÚLIO
	               Quero.
	
	Sabrina aproxima-se ainda mais.
	
	               SABRINA
	               Pronto, agora estou quase encostada em você.
	
	               JÚLIO
	               (estende a mão) Eu estendo a mão e toco a sua
	               pele, no início do decote e vou subindo devagar...
	
	A mão de Júlio percorre o corpo de Sabrina, na direção dos seios.
	Barulho de porta abrindo.
	
	               MÁRCIA
	               (OFF) Júlio?
	
	Sabrina "desaparece". Júlio, surpreso, rapidamente tira a tela do
	Bate-bapo e troca pela do Photoshop.
	
	               JÚLIO
	               No escritório.
	
	Márcia entra. Dá uma olhada rápida para a tela do monitor, que
	exibe a bunda recortada de Vanda sobre a foto de Coralina. Beija
	Júlio e senta no seu colo. Sorri.
	
	               JÚLIO
	               Parabéns!
	
	               MÁRCIA
	               Tu já sabe?
	
	               JÚLIO
	               Vi na televisão.
	
	               MÁRCIA
	               Foi por um voto.
	
	               JÚLIO
	               Tu achava que ia perder. O que aconteceu?
	
	               MÁRCIA
	               Nada demais. Eu troquei a ordem dos tiros, falei
	               dos agricultores sem terra do Brasil, da injustiça
	               social no campo, falei de política, fiz uma
	               salada... O júri engoliu, e o meu cliente não
	               atrapalhou. Bem que ele queria, mas ficou quieto.
	
	               JÚLIO
	               (confuso) Então tu...
	
	               MÁRCIA
	               Por quê tá me olhando com essa cara?
	
	Márcia levanta do colo de Júlio. Pega o copo de uísque e toma um
	gole.
	
	               MÁRCIA
	               Acabou. Deu certo. Ele é inocente.
	
	               JÚLIO
	               (ainda chocado) Eu preferia que tu não me contasse
	               essas coisas...
	
	Márcia toma outro gole.
	
	               MÁRCIA
	               Eu conto tudo pra ti. Tudo. (beija Júlio) Foi o
	               que a gente combinou, lembra? (mais um gole) Não
	               quero mais falar nisso. Cadê a Guida?
	
	               JÚLIO
	               Ela não vai conosco. Telefonou dizendo que tem
	               ensaio. Vai dormir na casa de uma amiga, e as duas
	               sobem amanhã de manhã.
	
	               MÁRCIA
	               (estranhando) Que amiga?
	
	               JÚLIO
	               É da banda (pausa). A Guida garante que ela é
	               maior de idade, não bebe e não passa dos oitenta
	               na estrada.
	
	               MÁRCIA
	               Tu não devia ter deixado.
	
	               JÚLIO
	               Fazer o quê? Trazer a Guida à força? (pausa) Foi
	               tu que deu a guitarra.
	
	               MÁRCIA
	               Eu queria ao menos conhecer essa amiga. Essa
	               criança anda muito sem limites.
	
	               JÚLIO
	               Vai conhecer amanhã. A Guida não é criança. Tem
	               quase dezoito.
	
	               MÁRCIA
	               É... Quase. (termina de beber) Eu tô cansada
	               demais pra viajar hoje. Quem sabe a gente vai
	               amanhã bem cedo? Tu te importa?
	
	               JÚLIO
	               (sorrindo) Não.
	
	               MÁRCIA
	               Eu vou tomar um banho.
	
	Márcia sai do escritório. Júlio troca a tela do Photoshop pela do
	Bate-papo e digita: "Sabrina? ". Não há resposta. Júlio coloca um
	CD. Toma mais um gole de uísque. Sai do Bate-papo e entra num
	site pornográfico. Manda baixar uma foto, que vai aparecendo bem
	devagar. É de uma modelo com os cabelos molhados e os ombros nus.
	
	Márcia entra no escritório, enrolada em uma toalha azul. Olha
	para Márcia. De certo modo, ela reproduz a foto da Internet ao
	vivo.
	
	               MÁRCIA
	               Tu ainda vai ficar muito tempo?
	
	               JÚLIO
	               Não. Vou só mexer um pouco mais naquela bunda.
	
	               MÁRCIA
	               (beija Júlio) Boa noite.
	
	Márcia sai. A foto da Internet agora está inteira. Vemos que a
	modelo, nua, segura uma toalha aberta sobre seus ombros,
	mostrando seu corpo.
	
	
	CENA 11 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO DO CASAL - NOITE (23H)
	
	Júlio entra no quarto e deita na cama. Márcia está dormindo, com
	a luz de cabeceira ligada e com o controle remoto na mão. A TV
	exibe um programa tipo "Sexy-Time", com imagens ousadas de
	XanaCoralina. Júlio, surpreso, olha o programa por alguns
	instantes. Depois aciona o controle remoto e desliga a TV. Júlio
	olha para Márcia. Júlio retira lentamente parte do lençol que
	cobre o corpo de Márcia (que dorme com uma camisola curta) e a
	admira por alguns instantes. Depois, sorrindo, beija o rosto de
	Márcia, apaga a luz de cabeceira e fecha os olhos.
	
	
	CENA 12 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA (GRAMADO) - DIA (10H)
	
	Belo dia de sol. O carro de Júlio pára na frente de uma casa
	rústica, típica da serra gaúcha. Márcia e Júlio desembarcam.
	
	
	CENA 13 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO (GRAMADO) - DIA (11H)
	
	Márcia e Júlio seguem por uma trilha entre as árvores. Os dois
	estão com roupa de banho e carregam toalhas.
	
	
	CENA 13A - EXTERIOR - CACHOEIRA (IGREJINHA) - DIA (11H)
	
	Chegam a uma pequena cachoeira. Júlio experimenta a água e faz
	cara de quem achou fria, mas Márcia entra e logo se molha. Puxa
	Júlio para dentro da água.
	
	Ele protesta, mas ela o abraça e beija na boca, de leve. Ele
	ainda tenta sair da água, mas então ela o segura e beija com mais
	apetite. Ele retribui. O beijo se prolonga. Eles se olham. Fica
	evidente que estão com tesão. A mão de Júlio vai até a parte de
	cima do biquíni (ou maiô) de Márcia e acaricia os seios, ainda
	por cima do tecido. Mais um beijo.
	
	Os dois saem da cachoeira e vão até um recanto gramado atrás de
	uma pedra, onde estão razoavelmente protegidos de olhares
	indiscretos. Júlio coloca as toalhas no chão. Os dois se deitam,
	lado a lado, e continuam se beijando. Júlio retira a parte de
	cima do biquíni (ou maiô) de Márcia, que sorri e passa a mão no
	peito de Júlio. Márcia então deita de costas e fecha os olhos.
	Júlio olha para ela e também sorri.
	
	Agora vemos apenas o rosto de Márcia, iluminado pelo sol, que
	ultrapassa os galhos de uma árvore, formando sombras em constante
	movimento. Ela demonstra alegria e prazer. Abre os olhos e olha
	na direção de Júlio (que continua fora de quadro). A mão de
	Márcia segura a toalha e a amassa com força. Estende um pouco
	mais o braço e toca a grama. Enterra um pouco os dedos. Vemos
	outra vez o seu rosto.
	
	Agora vemos o rosto de Júlio, de perfil, aproximando-se da nuca
	de Márcia. Afasta os cabelos de Márcia e morde levemente a nuca.
	Vemos o rosto de Márcia reagindo à mordida. Os dois estão
	deitados de lado, "encaixados", com Júlio por trás de Márcia.
	Vemos as quatro pernas entrelaçadas (das coxas para baixo) e os
	movimentos que fazem para alcançar a posição mais adequada.
	Começam a transar. É uma transa bastante intensa. Vemos os rostos
	dos dois, cada vez mais excitados. Quando a transa termina, ambos
	estão ofegantes, mas muito felizes. Márcia vira-se lentamente e
	encara Júlio. Os dois se abraçam e trocam mais um beijo. Márcia
	sorri.
	
	               MÁRCIA
	               Essa cachoeira sempre rendeu...
	
	               JÚLIO
	               É.
	
	Márcia se enrola na toalha e fica no sol, secando-se. Júlio senta
	ao lado dela, esfregando seu cabelo com a toalha.
	
	               JÚLIO
	               Márcia, eu fiquei toda a viagem pensando em te
	               contar uma coisa... Não tive coragem. Mas acho que
	               agora tenho.
	
	               MÁRCIA
	               Então conta.
	
	               JÚLIO
	               É uma bobagem... É que... na Internet, eu... às
	               vezes falo com umas pessoas...
	
	               MÁRCIA
	               Que pessoas?
	
	               JÚLIO
	               Pessoas... que eu só conheço pelo apelido.
	
	               MÁRCIA
	               (sorrindo) Certo. Tu tem amiguinhos por
	               correspondência.
	
	               JÚLIO
	               É. Bom, na verdade, amiguinhas...
	
	               MÁRCIA
	               E o que tu conversa com essas amiguinhas?
	
	               JÚLIO
	               (com dificuldade) Eu converso... basicamente...
	               sacanagem.
	
	               MÁRCIA
	               (cantando) Ivanhoé! Ivanhoé! Cavaleiro justiceiro
	               sem pudor...
	
	               JÚLIO
	               (surpreso) Como tu sabe?
	
	               MÁRCIA
	               A Guida me contou, faz tempo.
	
	               JÚLIO
	               (mais surpreso ainda)  A Guida?
	
	               MÁRCIA
	               Nós também já brincamos. Mas achei meio chato. Não
	               dá pra sentir tesão e datilografar ao mesmo tempo.
	               Ainda mais tendo que pensar se tesão é com S ou
	               com Z.
	
	               JÚLIO
	               Mas não...
	
	               MÁRCIA
	               Tu é muito ingênuo, Júlio. Eu já entrei no
	               escritório, quando tu tava no Bate-papo e tu nem
	               percebeu. Mas tudo bem... Cada louco com sua
	               mania. Só acho estranho esse apelido: Ivanhoé! Já
	               pensou a dificuldade de fazer sexo com aquelas
	               malhas de aço, capacete...
	
	Júlio está arrasado. Evita olhar para Márcia.
	
	               MÁRCIA
	               Não fica assim. Eu te amo, tarado da Internet.
	
	Márcia subitamente fica séria. Vira o rosto de Júlio até que ele
	olha para ela.
	
	               MÁRCIA
	               Eu também tenho uma coisa pra te contar... (pausa)
	               om...
	
	Júlio olha para Márcia, curioso.
	
	               MÁRCIA
	               Eu... Transei com um cara.
	
	Pausa.
	
	               MÁRCIA
	               Ontem. Eu transei com o Teodoro.
	
	               JÚLIO
	               Mas... Como?
	
	               MÁRCIA
	               Eu não sei o que aconteceu comigo. Enfim...
	               aconteceu.
	
	               JÚLIO
	               (nervoso) O teu cliente, o cara que tu defendeu...
	
	               MÁRCIA
	               Eu estou dizendo que não teve importância alguma.
	               Não estou envolvida com ele. Foi uma bobagem. Não
	               vai se repetir. Eu poderia ficar quieta, mas não
	               consigo. Prefiro assim. A gente sempre jogou limpo
	               um com o outro.
	
	               JÚLIO
	               (mais nervoso ainda) Tu tem a cara-de-pau de
	               transar comigo e dois minutos depois...
	
	               MÁRCIA
	               Eu te amo, Júlio. E estou apaixonada por ti. E
	               tinha que te contar. (pausa) Eu só minto
	               profissionalmente. Meu trabalho é esse. Pra ti eu
	               não vou mentir. Nunca!
	
	               JÚLIO
	               (levantando-se, transtornado) Tu pensa que é assim
	               tão fácil...
	
	Júlio e Márcia escutam a voz de Guida.
	
	               GUIDA
	               (OFF) Mãe! Pai! Vocês tão aí?
	
	               MÁRCIA
	               A Guida!
	
	Júlio e Márcia colocam as roupas rapidamente. No fim da trilha,
	surgem Guida e Anamaria. Guida, 17 anos, é magra, bonita, mas
	ainda parece mais uma adolescente que uma mulher. Anamaria, 20
	anos, é, decididamente, uma mulher. E muito bonita. As duas estão
	vestindo camisetas e shorts. Aproximam-se de Júlio e Márcia,
	sorridentes.
	
	               GUIDA
	               (olhando para os pais, com ar sacana) Que coragem!
	               (para Anamaria) Essa água é gelada!
	
	               JÚLIO
	               Faz bem pra saúde.
	
	               GUIDA
	               (apontando para Anamaria) Essa é Anamaria.
	
	               ANAMARIA
	               Ôi.
	
	Márcia e Júlio beijam Anamaria. Júlio olha Anamaria, admirado com
	sua beleza.
	
	               MÁRCIA
	               Vamos subir? Agora fiquei com frio.
	
	
	CENA 14 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA - DIA (12H)
	
	Os quatro chegam na casa. Júlio e Márcia estão um pouco
	ofegantes. Márcia entra. Júlio fica na sacada com as duas
	meninas, pegando sol. Júlio senta.
	
	               GUIDA
	               Tu tá precisando fazer mais exercício, pai. Parece
	               um velho!
	
	               JÚLIO
	               (respirando fundo) Acho que tô meio fora de forma.
	
	               GUIDA
	               Eu e a Anamaria programamos uma seção de ginástica
	               pra hoje.
	
	               JÚLIO
	               Nem pensar. Minhas duas atividades no fim de
	               semana serão comer e dormir.
	
	Guida se aproxima do pai e levanta a sua camiseta, apertando os
	"pneus" acima da cintura.
	
	               GUIDA
	               Olha aqui, que vergonha!
	
	Júlio afasta a mão de Guida.
	
	               JÚLIO
	               Pára, Margarida!
	
	               GUIDA
	               Gordo! Gordo!
	
	               ANAMARIA
	               Não exagera, Guida. O teu pai tá bem pra idade.
	
	               GUIDA
	               Quantos anos tu acha que ele tem?
	
	               ANAMARIA
	               (hesita um pouco) Uns... Trinta e dois... Talvez
	               menos.
	
	               JÚLIO
	               (sorrindo) Muito obrigado.
	
	Márcia sai de casa, já vestida.
	
	               MÁRCIA
	               E eu, Anamaria?
	
	               ANAMARIA
	               Tu tem menos de trinta.
	
	               MÁRCIA
	               (sorrindo para Guida) Adorei a tua amiga. (para
	               Anamaria) Isso quer dizer que eu tive a Guida com
	               uns... doze anos.
	
	               ANAMARIA
	               (rindo) É mesmo... Desculpe, mas vocês parecem
	               mesmo bem novos.
	
	               MÁRCIA
	               Eu vou no armazém. Querem ir junto?
	
	               GUIDA
	               Não. Nós vamos aproveitar esse sol.
	
	               MÁRCIA
	               Então, tchau. E não deixem o Júlio nem comer nem
	               dormir.
	
	               GUIDA
	               Nós vamos deixar ele em forma pra ti, mamãe.
	
	Márcia se aproxima de Júlio e fala em voz baixa, de modo que só
	ele ouça.
	
	               MÁRCIA
	               (séria e carinhosa) Depois a gente conversa mais.
	               Eu te amo. E muito.
	
	Márcia beija Júlio e sai.
	
	
	CENA 15 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/JARDIM - DIA (12H30)
	
	Cena sem diálogos. As meninas, de biquíni, estão deitadas sobre
	toalhas no gramado em frente à casa. Júlio, de abrigo, faz
	exercícios, reclamando sem parar, sob as ordens das duas. Júlio
	faz alguns abdominais, outros tantos peitorais, exercícios para
	os glúteos, etc. As duas contam as repetições. Anamaria levanta e
	improvisa caneleiras para aumentar a carga. Júlio sua bastante e
	desaba exausto sobre a grama. As duas riem. Guida aparece com uma
	mangueira e dá de beber para o pai. Ele bebe um pouco e depois
	arranca a mangueira da mãos de Guida e a molha. Ela grita e sai
	correndo. Anamaria rouba a mangueira e molha Júlio. Ele reage e
	também a molha. Logo os três estão completamente molhados.
	Anamaria cruza os braços, como se estivesse com frio. Júlio pega
	uma toalha e coloca sobre os ombros de Anamaria. Os dois se
	olham. Guida vem com um balde, por trás deles, e joga água com
	força.
	
	
	CENA 16 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/BANHEIRO - DIA (13H)
	
	Guida e Anamaria, ainda de biquíni e molhadas, entram rindo no
	banheiro. Guida vai até o box e abre a torneira. O chuveiro é
	elétrico, novinho.
	
	               GUIDA
	               Chuveiro novo. Espero que seja melhor que o
	               antigo.
	
	               ANAMARIA
	               Deixa bem quente. Eu tô com frio.
	
	Guida experimenta a temperatura da água com a mão e vai até a
	porta.
	
	               GUIDA
	               Pai! Vem aqui.
	
	Júlio entra no banheiro, secando o cabelo.
	
	               GUIDA
	               O chuveiro não está esquentando.
	
	               JÚLIO
	               Eu experimentei e estava bom.
	
	Júlio começa a mexer na torneira, diminuindo o fluxo da água.
	
	               JÚLIO
	               É só ter um pouco de paciência. Olha, já tá
	               ficando bom...
	
	Guida se enfia rápido em baixo do chuveiro.
	
	               ANAMARIA
	               (protestando) Sacanagem, Guida! Era eu primeiro!
	
	Guida puxa Anamaria para dentro do box.
	
	               GUIDA
	               Vem. A gente toma juntas.
	
	Anamaria resiste, mas acaba entrando.
	
	               ANAMARIA
	               Tu parece criança. Cadê o xampu?
	
	Guida puxa a cortina de plástico do box. Júlio sai do banheiro.
	
	
	CENA 17 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/CORREDOR - DIA (13H10)
	
	Júlio sai do banheiro. Caminha pelo corredor, mas pára ao ouvir o
	chamado de Guida.
	
	               GUIDA
	               (OFF) Pai!
	
	               JÚLIO
	               O que é?
	
	               GUIDA
	               Vem aqui, rápido! A água tá fria de novo.
	
	Júlio volta e entra no banheiro.
	
	
	CENA 18 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/BANHEIRO - DIA (13H11)
	
	Júlio olha na direção do box. Através da cortina de plástico,
	translúcida, percebe que as duas garotas estão nuas. Júlio desvia
	os olhos.
	
	               JÚLIO
	               (brabo) Guida! Eu pensei que vocês estavam de
	               biquíni.
	
	               GUIDA
	               Ah, pai... Não enche. Nós estamos congelando. Dá
	               um jeito.
	
	               JÚLIO
	               Então se vistam.
	
	               GUIDA
	               Pai! Deixa de ser idiota. Arruma logo essa
	               porcaria.
	
	Júlio levanta os olhos outra vez. Guida está com a cabeça para
	fora da cortina.
	
	               GUIDA
	               Vamo logo!
	
	Júlio se aproxima do box. Com a cabeça virada para o lado,
	estende a mão na direção da torneira.
	
	               JÚLIO
	               Com licença.
	
	As duas garotas observam, sorrindo, o esforço de Júlio para
	regular a água.
	
	               JÚLIO
	               Vocês abriram demais. Agora vai esquentar.
	
	               GUIDA
	               Mas aí fica só uns pinguinhos...
	
	Júlio tira a mão. Não resiste e olha para as duas silhuetas atrás
	da cortina de plástico.
	
	               JÚLIO
	               Quem mandou tomar banho juntas?
	
	               ANAMARIA
	               Agora tá bom. Obrigada.
	
	               JÚLIO
	               De nada.
	
	Guida coloca a cabeça para fora da cortina. Júlio vira a cabeça
	rápido.
	
	               GUIDA
	               Pai...
	
	               JÚLIO
	               Que é?
	
	               GUIDA
	               Tu esfrega as nossas costas?
	
	Júlio sai do banheiro. Guida e Anamaria riem bastante.
	
	
	CENA 19 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/SALA - NOITE (22H)
	
	Márcia, Júlio, Anamaria e Guida estão sentados na sala. Sobre a
	mesa, uma grande panela cheia de pipocas, um cronômetro, algumas
	canetas e folhas de papel rabiscadas. Guida e Anamaria estão com
	vestidos bem curtos. Guida mostra um papel para Anamaria, de modo
	que só a amiga consiga ler. Anamaria assente com a cabeça,
	afasta-se um pouco do grupo e olha para Márcia. Guida pega o
	cronômetro e aperta um botão.
	
	               GUIDA
	               Tempo!
	
	Anamaria fica de quatro e começa a agir como um animal selvagem.
	
	               MÁRCIA
	               É um bicho... Um animal selvagem!
	
	Anamaria diz que sim com a cabeça.
	
	               MÁRCIA
	               Um leão! Eu sei qual é: O Rei Leão!
	
	Guida e Julio riem. Anamaria sacode a cabeça. Ruge, dá saltos.
	Pensa um pouco, mas não consegue mudar muito sua atuação: faz
	caras e bocas variadas e confusas.
	
	               MÁRCIA
	               Mas é um bicho, uma fera... A Bela e a Fera! Não?
	               A... Marca da Pantera!
	
	               JÚLIO
	               Parece mais um cachorro louco.
	
	               MÁRCIA
	               Fica quieto. Não vale. Já sei, aquele da leoa,
	               como era mesmo o nome? A História de Elza!
	
	Anamaria sacode a cabeça.
	
	               MÁRCIA
	               O urso? Não? Aquele do leão vesgo... Simba
	               Safari... Não... Daktari.
	
	Guida e Júlio riem e debocham do esforço de Anamaria.
	
	               GUIDA
	               Olha o tempo, mãe! Dez segundos...
	
	Anamaria levanta e pára de agir como um animal. Muda
	completamente de tática: pega uma cadeira, senta bem na frente de
	Júlio, cruza as pernas e acende um cigarro.
	
	               GUIDA
	               Desiste, Anamaria. Cinco segundos! Quatro...
	
	Anamaria olha fixamente para Júlio, traga o cigarro, descruza as
	pernas lentamente e volta a cruzá-las, imitando o gesto de Sharon
	Stone. Márcia grita:
	
	               MÁRCIA
	               Instinto Selvagem!
	
	Anamaria levanta e ergue os braços, sorridente.
	
	               ANAMARIA
	               Yeeeeeeesss!
	
	Márcia e Anamaria se abraçam. As duas pulam, comemorando. Guida
	faz um muxoxo. Júlio sorri e balança a cabeça.
	
	
	CENA 20 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/QUARTO CASAL - NOITE (23h30)
	
	Júlio está deitado na cama, lendo uma revista de informática.
	Márcia entra no quarto, de roupão, a pele do rosto ainda um pouco
	molhada (mas os cabelos estão secos). Fecha a porta a chave, abre
	uma sacola e tira um pacote.
	
	               MÁRCIA
	               O banho continua uma merda. Acho que o problema é
	               no encanamento. (...) As meninas já dormiram?
	
	               JÚLIO
	               (seco, sem olhar para Márcia) Acho que sim.
	
	Márcia abre o pacote e examina seu conteúdo (que não vemos).
	
	               MÁRCIA
	               Tu vai ficar furioso quando souber quanto custou.
	               Mas eu não resisti.
	
	Júlio pára de ler e olha para Márcia, que está colocando uma meia
	de seda preta.
	
	               MÁRCIA
	               Bonita essa Anamaria, né? É bem mais velha que a
	               Guida...
	
	Márcia olha para Júlio, que disfarça e faz de conta que está
	lendo.
	
	               MÁRCIA
	               Parece que o pai dela é muito rico...
	
	Júlio levanta os olhos outra vez. Vê alguma coisa que o
	impressiona. Márcia está terminando de colocar um sutiã semi-
	transparente. Olha-se no espelho, abrindo a frente do roupão.
	
	               MÁRCIA
	               A mãe morreu. O velho foi morar em São Paulo, com
	               uma menina de 20 anos. Pode? E a filha fica em
	               Porto Alegre, sozinha num apartamento, fazendo o
	               que bem entende.
	
	Márcia coloca uma calcinha. Júlio não desgruda o olho dela, mas
	continua com a revista na mão.
	
	               MÁRCIA
	               Agora inventou de ser produtora da banda da Guida.
	               Até paga os ensaios.
	
	Márcia tira o roupão e vira-se para Júlio, que imediatamente
	volta para a revista.
	
	               MÁRCIA
	               Não sei se é uma boa para a Guida ter uma amiga
	               assim... mais velha.
	
	Júlio continua lendo.
	
	               MÁRCIA
	               Júlio...
	
	Júlio olha para ela, tentando demonstrar indiferença.
	
	               MÁRCIA
	               Gostou? Valeu o investimento?
	
	Júlio não responde. Márcia se aproxima e senta na cama.
	
	               MÁRCIA
	               Tu vai ficar mudo o fim de semana inteiro?
	
	               JÚLIO
	               Preciso de um tempo pra me acostumar com a
	               situação.
	
	               MÁRCIA
	               Que situação? Eu já disse que acabou. Eu te amo.
	
	               JÚLIO
	               (seco) Ótimo.
	
	               MÁRCIA
	               Tu não parecia tão abalado meia-hora atrás.
	
	               JÚLIO
	               Eu não tô abalado.
	
	               MÁRCIA
	               Eu é que devia estar com ciúmes. Tu ficou olhando
	               pra Anamaria a noite toda.
	
	Júlio larga a revista com um gesto brusco.
	
	               JÚLIO
	               (irritado) Nós estávamos jogando, Márcia.
	
	Márcia sorri e aproxima-se mais de Júlio. Passa a mão no rosto do
	marido.
	
	               MÁRCIA
	               Tá bom... Eu entendo. Ela é muito bonita. Merece
	               mesmo ser olhada. (pára com os carinhos, irônica)
	               Não é uma velha como eu.
	
	Júlio, pela primeira vez, encara Márcia, que está fazendo ar de
	coitada.
	
	               JÚLIO
	               Tu tá cada vez mais linda.
	
	Márcia sorri.
	
	               MÁRCIA
	               Não precisa exagerar.
	
	               JÚLIO
	               Se eu não te amasse tanto, seria mais fácil.
	
	Márcia sorri, ajoelha-se e dá um beijinho em Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Eu também te amo.
	
	Júlio, vencido, faz um carinho no rosto de Márcia e a beija. Ela
	corresponde. O beijo se intensifica. Márcia tira a camiseta de
	Júlio. Continuam os beijos, agora no peito de Júlio. Márcia
	continua se abaixando.
	
	Agora vemos apenas o rosto de Júlio, que demonstra alguma
	surpresa e muito prazer. Ele grunhe alguma coisa, e a mão de
	Márcia imediatamente tapa a sua boca.
	
	               MÁRCIA
	               (OFF) Bem quietinho...
	
	Júlio assente com a cabeça, mas logo depois grunhe outra vez.
	
	
	CENA 21 - INTERIOR - CASA DE CAMPO/QUARTO DE GUIDA - NOITE (24H)
	
	Guida dorme profundamente, enquanto Anamaria, ainda acordada,
	fuma um cigarro e ouve os grunhidos de Júlio através da parede
	fina de madeira.
	
	
	CENA 21A - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA - NOITE (24H05)
	
	Uma única luz está acesa, numa janela do segundo andar da casa. A
	luz se apaga.
	
	
	CENA 22 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/VARANDA - DIA (9H)
	
	A casa, agora iluminada pelo sol da manhã. Júlio, com cara de
	sono, abre a janela do andar superior. Os outros já tomam o café
	da manhã na varanda. Márcia fala no telefone celular, irritada.
	
	               MÁRCIA
	               (...) Não. (...) Não. Ele me garantiu que não
	               voltaria agora. Voltou? (...) Tem certeza? (...)
	               Essa é uma acusação grave. Espero que o senhor
	               tenha provas, senão...
	
	Júlio entra na varanda.
	
	               ANAMARIA
	               (para Júlio) Bom dia.
	
	Júlio senta e olha para Anamaria, que sorri para ele.
	
	               GUIDA
	               Ôi, pai. Dormiu bem?
	
	               JÚLIO
	               Acho que ainda tô dormindo.
	
	Guida coloca o leite na mesa e senta. Júlio começa a comer, mas
	tenta prestar atenção na conversa telefônica.
	
	               ANAMARIA
	               A Guida me falou que tu é fotógrafo.
	
	               JÚLIO
	               Não. Eu era.
	
	               MÁRCIA
	               O Teodoro não tem relação nenhuma com as outras
	               famílias. Pode ter sido qualquer um.
	
	               GUIDA
	               Mas tu tá sempre com a câmara, pai!
	
	               MÁRCIA
	               Não, agora o senhor me escute. (...) Só porque ele
	               está aí não significa que ele tenha feito isso!
	
	               ANAMARIA
	               A Guida me mostrou algumas fotos.
	
	               GUIDA
	               Mostrei aquelas antigas, dos pobres, pai.
	
	               ANAMARIA
	               São lindas.
	
	               MÁRCIA
	               Mas ele não é estúpido. E vai negociar, eu
	               garanto. Por quê iria atirar num cavalo? Não tem
	               cabimento!
	
	               JÚLIO
	               Agora eu sou editor. Trabalho com fotos de outras
	               pessoas.
	
	               GUIDA
	               (sorrindo) Essas eu não mostrei, pai.
	
	               MÁRCIA
	               E onde ele está agora? (...) Tudo bem. Vou ver o
	               que posso fazer. (...) Até logo.
	
	Márcia desliga o celular, demonstrando irritação.
	
	               JÚLIO
	               O quê foi?
	
	               MÁRCIA
	               O meu cliente. Disse que ia ficar em Porto Alegre,
	               mas voltou pra Cruz Alta. Algum débil mental
	               atirou num cavalo do fazendeiro, e ele tá furioso.
	               Diz que foi o meu cliente.
	
	               GUIDA
	               Esses sem-terra são uns chatos!
	
	               MÁRCIA
	               Ele não é sem terra.
	
	               JÚLIO
	               Era ele, no telefone?
	
	               MÁRCIA
	               Não. Era o fazendeiro, o dono da terra.
	
	               GUIDA
	               Não entendi. Quantos donos tem essa terra?
	
	               MÁRCIA
	               (séria) Fica quieta, Guida. Eu tenho que ir,
	               Júlio. O cara pode fazer uma bobagem. Não é tão
	               longe. Umas três ou quatro horas, acho. Eu vou de
	               carro e tento voltar no início da noite. (pausa)
	               No máximo amanhã.
	
	Márcia beija Guida, que está emburrada.
	
	               MÁRCIA
	               Desculpa, querida. (para Anamaria) Que pena, mas
	               tu decerto volta aqui outras vezes, não é?
	
	               ANAMARIA
	               Claro.
	
	               MÁRCIA
	               (para Júlio) Tu tá com as chaves do carro?
	
	Júlio caminha até a porta de saída para pegar as chaves no bolso
	de sua jaqueta. Márcia o segue. Júlio entrega as chaves para
	Márcia. Márcia o beija. Júlio está bem irritado.
	
	               MÁRCIA
	               Tchau, amor.
	
	Márcia vai saindo, mas pára e olha para Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Não pensa bobagem. Eu te amo muito. Não tem nada
	               mais importante que a nossa família. Nada.
	
	
	CENA 23 - EXTERIOR - CACHOEIRA - DIA (11H)
	
	Júlio, Anamaria e Guida surgem na trilha que conduz à cachoeira.
	Júlio carrega uma pequena sacola. As meninas estão de short e
	camiseta. Júlio, de bermuda e camisa. Guida coloca a mão na água.
	
	               GUIDA
	               Tá um gelo...
	
	Anamaria tira a camiseta e o short, ficando de biquini.
	
	               ANAMARIA
	               Deixa eu ver. (coloca o pé na água) Não é tanto
	               assim. Tu vai desistir?
	
	Guida também tira a camiseta e o short.
	
	               GUIDA
	               Não. (para Júlio) A luz tá boa, pai?
	
	               JÚLIO
	               (abaixando-se e abrindo a sacola) Acho que tá.
	
	Júlio, agachado, tira da sacola uma câmara fotográfica digital.
	
	               JÚLIO
	               Que tipo de foto vocês querem?
	
	Guida abraça Anamaria e faz uma pose sensual.
	
	               GUIDA
	               Pode ser... Como é que vocês chamam na revista?
	               Lesbian chic.
	
	Júlio fica desconcertado e levanta.
	
	               ANAMARIA
	               (empurrando Guida) Pára de falar bobagem, Guida.
	
	               GUIDA
	               Não! Eu quero umas fotos bem quentes...
	
	Júlio faz os primeiros enquadramentos. Anamaria entra na água e
	puxa Guida na direção da cachoeira.
	
	               ANAMARIA
	               Vem aqui, Guida, que eu vou te esfriar um pouco.
	
	Sob os protestos de Guida, Anamaria a arrasta para baixo da
	cachoeira. As duas gritam de frio. Júlio começa a fotografar.
	
	               GUIDA
	               Que gelo! Que gelo!
	
	               JÚLIO
	               Mais juntas... Assim.
	
	(elipse - passagem de tempo; troca de cenário, mas mesma locação
	- proximidades da cachoeira)
	
	Encostadas numa pedra, Guida e Anamaria posam, fazendo caras e
	bocas. Anamaria fuma um cigarro.
	
	               GUIDA
	               Pai, tu não acha que a Anamaria podia ser modelo?
	
	Júlio continua fotografando e não responde.
	
	               GUIDA
	               Ela tem um corpo perfeito, tu não acha?
	
	               ANAMARIA
	               Pára, Guida. Que saco...
	
	               GUIDA
	               Mas tu disse que...
	
	               ANAMARIA
	               Eu não disse nada.
	
	Guida estende a mão para os seios de Anamaria.
	
	               GUIDA
	               Tira o biquíni pra ele ver.
	
	Anamaria empurra a mão de Guida. Júlio pára de fotografar e fica
	brabo.
	
	               JÚLIO
	               Ninguém vai tirar nada, Guida.
	
	               GUIDA
	               Que que tem? Tu não passa o dia inteiro olhando
	               essas coisas?
	
	               JÚLIO
	               (irritado) Chega, Guida!
	
	               GUIDA
	               Tudo bem. Mas eu acho um desperdício.
	
	Anamaria caminha na direção de Júlio, mexe na bolsa e tira um
	pequeno baseado. Mostra o baseado para Júlio.
	
	               ANAMARIA
	               Tu te importa que eu fume?
	
	Júlio não sabe o que dizer. Está surpreso e confuso.
	
	               GUIDA
	               Deixa ela, pai. E não te preocupa comigo. Eu já
	               fumei.
	
	               JÚLIO
	               (surpreso) Quando?
	
	               GUIDA
	               E achei uma merda. Primeiro me deu sono e depois
	               eu comi que nem uma porca... É melhor ser careta
	               que ser gorda. Acende logo isso, Anamaria.
	
	Anamaria acende o baseado. Traga. Júlio mexe na sacola para
	disfarçar o embaraço.
	
	               GUIDA
	               (cruzando os braços) Tá frio...
	
	Anamaria estende o baseado para Júlio.
	
	               ANAMARIA
	               Quer?
	
	Júlio olha para o baseado, desconcertado.
	
	               GUIDA
	               Pode fumar, pai. Eu sei que tu gosta. (para
	               Anamaria) Ele e a mãe fumam escondidos de mim. Dá
	               pra acreditar? Aquele fedor de maconha na casa
	               toda, e eles achando que eu não sei de nada...
	
	Anamaria ri.
	
	               JÚLIO
	               Acho que tava mesmo na hora de...
	
	               GUIDA
	               Não! Pelo amor de Deus! Uma conversa séria sobre
	               drogas... Os perigos da dependência química... Eu
	               tô morrendo de frio. Vou pegar um abrigo lá em
	               casa. (levanta) Eu já volto.
	
	Guida sai. Anamaria volta a estender o baseado para Júlio.
	
	               ANAMARIA
	               Quer?
	
	Júlio estende a mão e pega o baseado. Traga, olhando para
	Anamaria.
	
	
	CENA 24 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)
	
	Orestes caminha ao lado da cerca, vestindo botas de cano alto e
	portando uma espingarda. Teodoro o persegue, falando sem parar.
	
	               TEODORO
	               Cansei, Orestes. Cansei de ser tratado como bicho.
	               Cansei de ficar pedindo licença pra plantar e pra
	               colher. Cansei de ficar esperando que vocês
	               decidam o que vão fazer comigo. Eu quero o que é
	               meu!
	
	Orestes pára e se volta para Teodoro.
	
	               ORESTES
	               Teu? Tu não tem nada. E nunca vai ter.
	
	Teodoro pega uma arma escondida nas suas costas e atira,
	atingindo Orestes no peito. Orestes cai, ensangüentado. Teodoro
	se aproxima dele e vê que está morto. Teodoro pega a espingarda
	no chão, usando um pano para não deixar suas impressões na
	coronha, aponta a arma contra as próprias pernas. Atira. Grita e
	cai, ensangüentado.
	
	               JUVENAL
	               (OFF) Foi assim que aconteceu.)
	
	
	CENA 25 - EXTERIOR - FAZENDA EM CRUZ ALTA/VARANDA - DIA (12H)
	
	Juvenal e Márcia conversam. Juvenal está colocando a bomba numa
	cuia já cheia de erva. Numa parede, atrás deles, um retrato a
	óleo de um velho parecido com Juvenal e Orestes (e também com
	Teodoro).
	
	               JUVENAL
	               Foi assim que aconteceu.
	
	               MÁRCIA
	               Não foi. É impossível. A perna de quem leva um
	               tiro assim fica cheia de pólvora. A perícia teria
	               mostrado. O senhor está criando uma fantasia.
	
	               JUVENAL
	               Talvez. Mas uma coisa eu lhe digo, e não é
	               fantasia: o Teodoro é um homem violento,
	               imprevisível. Sempre foi. A senhora não o conhece
	               como eu.
	
	               MÁRCIA
	               Claro que não. Afinal, ele é seu irmão.
	
	               JUVENAL
	               (cortando, ríspido) Ele não é meu irmão.
	
	               MÁRCIA
	               Doutor Juvenal... Eu sei e o senhor sabe que o
	               Teodoro é seu irmão. O seu pai também sabia, deu a
	               terra para a mãe dele. Cedo ou tarde, o senhor vai
	               ter que admitir.
	
	               JUVENAL
	               (calmo outra vez) Eu não vou admitir coisa alguma.
	
	               MÁRCIA
	               (conciliadora) Talvez nem precise. O Teodoro tem
	               direito à terra porque mora ali desde que nasceu,
	               há mais de trinta anos. Não importa se é seu
	               parente ou não. E ninguém mais precisa ficar
	               sabendo. A melhor solução para todos é conversar,
	               negociar...
	
	Juvenal coloca água quente na cuia.
	
	               JUVENAL
	               Talvez. O Orestes nunca quis saber de conversa.
	               Mas eu sou diferente dele. Eu sou mais...
	               tolerante. A senhora entende?
	
	Márcia olha para Juvenal, que estende a cuia na direção dela.
	
	               JUVENAL
	               Quer?
	
	Márcia estende a mão e pega a cuia. Toma o chimarrão e depois
	olha para Juvenal.
	
	               MÁRCIA
	               O cavalo já foi sacrificado?
	
	               JUVENAL
	               Foi, ele tava sofrendo muito. A senhora quer ver?
	               Ainda não enterramos.
	
	Márcia hesita um pouco, enquanto toma outro gole.
	
	               MÁRCIA
	               Não.
	
	
	CENA 26 - EXTERIOR - CACHOEIRA - DIA (12H30)
	
	Anamaria fuma o baseado, olhando para Júlio.
	
	               ANAMARIA
	               (olhando em volta) É lindo aqui. Isso tudo é
	               terreno de vocês?
	
	               JÚLIO
	               Não. Mas eu tenho um acordo com o vizinho e ele
	               deixa a gente usar à vontade.
	
	               ANAMARIA
	               Que legal. Posso olhar a câmara?
	
	Júlio estende a câmara para Anamaria. Barulho de chamada de
	telefone celular. Júlio pega o telefone na sacola e atende.
	
	               JÚLIO
	               Alô... Ôi, Márcia...
	
	Anamaria examina a câmara, enquanto Júlio apenas ouve.
	
	               JÚLIO
	               Tudo bem. Tchau.
	
	Júlio recoloca o telefone na sacola.
	
	               JÚLIO
	               A Márcia vai ter que ficar lá até segunda de
	               noite. Eu posso voltar com vocês?
	
	               ANAMARIA
	               Claro. Ela tem um disparador automático?
	
	               JÚLIO
	               Tem.
	
	               ANAMARIA
	               Então tu pode tirar uma foto de nós dois?
	
	               JÚLIO
	               Posso.
	
	               ANAMARIA
	               Por favor... Eu queria de lembrança.
	
	               JÚLIO
	               Tudo bem.
	
	Júlio coloca a câmara sobre um troco de árvore e posiciona
	Anamaria.
	
	               JÚLIO
	               Aí... Um pouco mais pra esquerda... Perfeito.
	
	Júlio aciona o timer e corre até o lado de Anamaria. A câmara
	dispara. Vemos a imagem se formar no visor de cristal líquido.
	
	
	CENA 27 - EXTERIOR - ESTRADA NA SERRA - TARDE (18H30)
	
	O carro de Anamaria na estrada. Anamaria dirige. Júlio está no
	banco do carona. Guida está atrás. Ninguém fala. O carro se
	afasta.
	
	
	CENA 27A - EXTERIOR - AV. CASTELO BRANCO - CREPÚSCULO
	
	O carro chega na cidade.
	
	
	CENA 27B - EXTERIOR - RUAS DE PORTO ALEGRE - CREPÚSCULO/NOITE
	
	Alguns planos da cidade à noite.
	
	
	CENA 28 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO/SALA - DIA (10H)
	
	Júlio está terminando de transferir as fotos do fim de semana da
	câmara para o computador. A última é exatamente a dele com
	Anamaria na cachoeira. Ele olha a foto por alguns momentos. Clica
	num "diretório de seios". A tela fica cheia de pequenos seios, de
	diferentes tipos e volumes. Clica num deles, aumentando-o e
	colocando-o ao lado da foto da cachoeira. Começa a trabalhar para
	substituir os seios de Anamaria (cobertos pelo biquíni), por
	outros, nus. Toca o telefone. Júlio deixa que a secretária
	eletrônica atenda (na sala) e continua.
	
	               VOZ DE MÁRCIA NA SECRETÁRIA
	               (distante, OFF) Deixe seu recado depois do sinal.
	
	Ouvimos o bip da secretária eletrônica.
	
	               ANAMARIA
	               (OFF) Ôi, Guida, é a Anamaria.
	
	Júlio pára de mexer na foto e fica ouvindo atentamente.
	
	               ANAMARIA
	               (OFF) Eu só queria saber se o teu pai já revelou
	               as fotos. Eu queria ver. Tô super-curiosa.
	
	A secretária eletrônica, ao lado do telefone. Agora a voz é bem
	mais alta e clara.
	
	               ANAMARIA
	               (OFF) Bom... Era isso. Quando tu chegar em casa
	               liga pra mim...
	
	A mão de Júlio, depois de uma rápida hesitação, pega o telefone.
	Ele fala, nervoso.
	
	               JÚLIO
	               Alô. É o Júlio, Anamaria. A Guida saiu. (pausa) As
	               fotos ficaram bem legais. Eu tava olhando agora.
	
	(montagem paralela com)
	
	
	CENA 29 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - DIA (12H10)
	
	Anamaria está numa poltrona, ainda de camisola, falando ao
	telefone.
	
	               ANAMARIA
	               Já estão prontas? Que demais! Eu quero ver.
	
	Júlio, de pé, segurando o telefone com uma das mãos, usa a outra
	para começar a folhear um jornal, que está em cima da mesa.
	
	               JÚLIO
	               Claro. Qualquer hora dessas...
	
	               ANAMARIA
	               Posso dar uma passada aí agora?
	
	               JÚLIO
	               (atrapalhado) Agora? É que eu tenho que terminar
	               um trabalho...
	
	               ANAMARIA
	               Tudo bem. A Márcia já voltou do interior?
	
	               JÚLIO
	               Não.
	
	               ANAMARIA
	               Quem sabe tu vem me visitar mais tarde?
	
	               JÚLIO
	               É... Quem sabe.
	
	               ANAMARIA
	               Então anota o endereço. Garibaldi, 390,
	               apartamento 91.
	
	               JÚLIO
	               (anotando o endereço numa página do jornal)  (...)
	               Olha, Anamaria, não sei se vou conseguir hoje...
	               Tô com um monte de serviço atrasado.
	
	               ANAMARIA
	               Tudo bem, Júlio. Vem quando quiser. Um beijo.
	               Tchau.
	
	               JÚLIO
	               Tchau.
	
	Desliga, hesitante. Vira a folha do jornal e vê uma matéria cuja
	manchete é "ESSA TERRA É MINHA TERRA". A matéria é ilustrada uma
	foto, tirada com uma tele-objetiva, que mostra Márcia e Teodoro,
	em campo aberto, olhando um para o outro, como se estivessem
	conversando algo importante. Júlio fica um tempo olhando para
	esta foto. Depois rasga a folha (que contém, num lado, o endereço
	manuscrito e, no outro, as fotos) e volta para o escritório. Fica
	olhando a foto da cachoeira na tela do computador, que está em
	processo de edição.
	
	
	CENA 30 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - DIA (12H)
	
	A mesma foto da cena anterior, impressa, em sua forma original
	(Anamaria com o biquíni) está nas mãos de Anamaria. Ela levanta a
	cabeça e sorri.
	
	               ANAMARIA
	               Ficou ótima.
	
	Júlio está sentado na frente dela, meio sem-jeito, segurando um
	envelope.
	
	               ANAMARIA
	               Posso ver as outras?
	
	Júlio vai entregando as outras fotos (cinco ou seis), em que
	aparecem Guida e Anamaria juntas. Anamaria olha para todas
	rapidamente.
	
	               ANAMARIA
	               Mais alguma?
	
	               JÚLIO
	               (hesitante) Eu ainda fiz... uma brincadeira.
	
	               ANAMARIA
	               Deixa eu ver.
	
	Júlio entrega a foto retocada. Anamaria ri bastante. Tapa a boca
	com a mão.
	
	               ANAMARIA
	               Como é que tu fez?
	
	               JÚLIO
	               Não é difícil. Eu trabalho com essas coisas o
	               tempo todo.
	
	               ANAMARIA
	               Que sacanagem. Por isso que as mulheres nas
	               revistas parecem tão perfeitas.
	
	Anamaria devolve a foto para Júlio.
	
	               ANAMARIA
	               Mas tem uma coisa... (parece estar em dúvida,
	               morde os lábios) Eles são bem diferentes...
	
	Anamaria tira a camiseta com um gesto rápido, deixando os seios à
	mostra.
	
	               ANAMARIA
	               Tu tá com a câmara aí?
	
	Júlio olha para Anamaria, estupefato. Toca o porteiro eletrônico.
	Anamaria, ainda com os seios descobertos, vai atender.
	
	               ANAMARIA
	               Sim? (...) Obrigado.
	
	Anamaria olha para Júlio, preocupada.
	
	               ANAMARIA
	               (para Júlio) A Guida tá subindo.
	
	               JÚLIO
	               (muito nervoso) Ela não pode me ver aqui.
	
	               ANAMARIA
	               (colocando a camiseta) Ali, na área de serviço.
	
	Júlio vai para a área de serviço, enquanto Anamaria recoloca a
	camiseta. Bate a campainha. Anamaria abre a porta. Guida entra
	com o namorado, Ciro, 20 anos, jeito de malandro, cigarro na
	boca. Júlio espia por uma fresta da porta.
	
	               GUIDA
	               Esse é o Ciro.
	
	               ANAMARIA
	               Ôi.
	
	               CIRO
	               (examinando Anamaria) E aí?
	
	               GUIDA
	               (percebendo o interesse de Ciro por Anamaria)
	               Empresta o quarto pra gente?
	
	               ANAMARIA
	               (um pouco surpresa) A cama tá desarrumada.
	
	               CIRO
	               Não fal mal. (para Guida) Tu te importa?
	
	Ela sorri. Ciro dá um beijo sensual em Guida. Júlio fica
	indignado, mas não pode sair do esconderijo.
	
	               ANAMARIA
	               (olhando o relógio de pulso) Eu vou dar uma saída.
	               Volto lá pelas quatro, tá bom?
	
	Guida e Ciro entram no quarto e fecham a porta. Anamaria se volta
	na direção da área de serviço. Júlio aparece. Está bastante
	nervoso. Olha para a porta do quarto. Anamaria pega a sua mão e o
	arrasta na direção da porta da rua. Júlio ainda olha para trás
	antes dos dois saírem.
	
	
	CENA 31 - EXTERIOR - CASA DE JÚLIO/FACHADA - DIA (13H)
	
	O carro de Anamaria estaciona na frente da casa de Júlio. Ela
	pega a carteira de cigarro na bolsa e pega o último. Bota o
	cigarro na boca.
	
	               ANAMARIA
	               Tá entregue.
	
	               JÚLIO
	               Quer entrar?
	
	               ANAMARIA
	               Tu tem cigarro em casa?
	
	               JÚLIO
	               Não.
	
	               ANAMARIA
	               Esse é o último. Vou comprar aqui perto e já
	               volto. Enquanto isso, tu não quer pedir uma pizza
	               pra nós?
	
	Júlio sai do carro.
	
	               ANAMARIA
	               Eu gosto de califórnia.
	
	
	CENA 32 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA-ESCRITÓRIO - DIA (13H05)
	
	Júlio entra. Passeia um pouco pela casa. Parece não saber o que
	fazer. No escritório, liga o micro, coloca a foto de Anamaria
	(com o biquíni completo) e fica olhando por um tempo. Sai do
	escritório. Na sala, pega o telefone e disca.
	
	               JÚLIO
	               Eu quero fazer um pedido.
	
	
	CENA 33 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/BANHEIRO - DIA (13H10)
	
	Júlio entra no banheiro e leva um susto ao encontrar Márcia na
	banheira.
	
	               JÚLIO
	               Márcia!
	
	               MÁRCIA
	               Por que o susto?
	
	               JÚLIO
	               Tu não avisou que vinha, eu pensei que...
	
	               MÁRCIA
	               Tenho uma reunião na secretaria da Justiça.
	               Aproveitei pra tomar um banho e pegar umas roupas.
	               Depois da reunião volto direto pra Cruz Alta. Cadê
	               a Guida?
	
	               JÚLIO
	               (hesitante) Ela... tá no apartamento da
	               Anamaria...
	
	
	CENA 34 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO - DIA (13H20)
	
	Júlio olha para a rua pela janela da sala, nervoso e inquieto.
	Márcia arrumada para sair pega o telefone sem fio na mesinha de
	cabeceira.
	
	               MÁRCIA
	               (procura num caderninho um número de telefone)
	               Tava com poeira até os ossos. Que horror, aquele
	               lugar! O chuveiro do hotel não esquenta...
	               (encontra o número e começa a discar).
	
	               JÚLIO
	               Tu gostava de banho frio. Dizia que era saudável.
	
	               MÁRCIA
	               Quando eu tinha dezessete também gostava de cuba-
	               libre, dos livros do Fernando Henrique... (pausa)
	               Ninguém atende... Ah! Guida, é a mãe.
	
	Júlio disfarça folheando o jornal da página arrancada, mas fica
	ouvindo atentamente a conversa.
	
	               MÁRCIA
	               Vim só pruma reunião, estou voltando para lá daqui
	               a pouco. (...) Eu vou tentar voltar. (...)
	               Prometo. (...) Agora eu não tenho tempo pra
	               discutir, Guida... Um beijo. Juízo... (Márcia olha
	               para Júlio, como se não entendesse alguma coisa)
	               Está certo, eu digo pra ele.
	
	Márcia desliga e olha, meio confusa, para Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               A Guida mandou te avisar que ela está na casa da
	               Anamaria.
	
	               JÚLIO
	               Ela já tinha me dito.
	
	               MÁRCIA
	               (tentando entender) Sei. Ela talvez fique pra
	               dormir.
	
	Júlio concorda com a cabeça e continua a fingir que está lendo o
	jornal.
	
	               MÁRCIA
	               Tu voltou a ver essa menina?
	
	               JÚLIO
	               Quem?
	
	               MÁRCIA
	               Anamaria.
	
	               JÚLIO
	               Não. Não vi mais...
	
	A campainha toca. Júlio olha na direção da escada, nervoso.
	
	
	CENA 35 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/HALL DE ENTRADA - DIA (13H10)
	
	Júlio abre a porta, se preparando para o pior (a entrada de
	Anamaria), mas fica surpreso. Márcia, atrás dele, igualmente
	surpresa, fala:
	
	               MÁRCIA
	               Teodoro!
	
	Teodoro vai entrando, sem muita cerimônia.
	
	               TEODORO
	               A Quita telefonou. Tem um trator cavando um buraco
	               grande na lavoura de milho. Disseram pra ela que é
	               um açude. Eles vão acabar com tudo! O Juvenal diz
	               uma coisa e depois...
	
	               MÁRCIA
	               (cortando, sem jeito) Conhece o meu marido? Esse é
	               o Júlio.
	
	               TEODORO
	               (estendendo a mão) Muito prazer.
	
	Os dois apertam as mãos muito rapidamente.
	
	               TEODORO
	               (para Márcia) E ninguém na fazenda viu cavalo
	               ferido nenhum. É tudo invenção. Ele te mostrou o
	               cavalo? Tu viu o cavalo?
	
	Márcia não responde.
	
	               JÚLIO
	               (saindo, irritado) Com licença.
	
	Júlio se retira para o escritório. Bate a porta com força.
	
	
	CENA 36 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (13H30)
	
	Júlio entra no escritório. Percebe na tela do computador a foto
	de Anamaria. Caminha até o computador para tirar a imagem, mas a
	porta se abre e Márcia entra. Júlio apóia-se no tampo da mesa,
	escondendo com seu corpo a foto.
	
	               MÁRCIA
	               Deixa de ser bobo, Júlio.
	
	               JÚLIO
	               Tu anda pra cima e pra baixo com ele. Até no
	               jornal eu vi vocês juntos!
	
	               MÁRCIA
	               É claro. Sou advogada dele. Eu preciso...
	
	               JÚLIO
	               É advogada, mas não precisa trepar com ele.
	
	               MÁRCIA
	               Não grita!
	
	               JÚLIO
	               Quem é que tá gritando aqui? Eu estou calmo!
	
	               MÁRCIA
	               Acho que tu não entendeu direito o que aconteceu.
	               Eu vou explicar de novo.
	
	Márcia tenta colocar a mão no braço dele. Júlio tira o braço
	depressa e permanece na frente do monitor.
	
	               JÚLIO
	               Não precisa explicar nada!
	
	               MÁRCIA
	               (assustada) Meu Deus, Júlio, eu não tô te
	               reconhecendo!
	
	Enquanto Márcia fala, Júlio vai tateando até encontrar o botão
	que desliga o monitor.
	
	               MÁRCIA
	               Olha, eu não vou mais na reunião, a gente senta e
	               discute esse assunto com calma. Se tu quiser, não
	               volto mais pra fazenda.
	
	Júlio aperta o botão, desligando o monitor.
	
	               JÚLIO
	               Nem pensar. A gente precisa terminar o que
	               começou.
	
	Júlio, num impulso, levanta, abre a porta e sai.
	
	
	CENA 37 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA - DIA (13H35)
	
	Teodoro olha, curioso, para Júlio e Márcia, que saem do
	escritório, com os rostos tensos.
	
	               JÚLIO
	               A Márcia já tá pronta. Boa sorte.
	
	Márcia olha para Júlio, irritada, e depois para Teodoro.
	
	               MÁRCIA
	               Tá na hora. Vamos?
	
	               TEODORO
	               Vamos.
	
	               Márcia pega a bolsa e se dirige para a porta da
	               ua. Antes que ela chegue, toca a campainha. Júlio
	               olha para a porta, tenso. Márcia olha para Júlio e
	               nota o seu nervosismo. Márcia abre a porta.
	               Aparece o entregador da pizza. Júlio respira
	               fundo.
	
	               ENTREGADOR
	               Metade muzzarella, metade califórnia e duas cocas.
	
	Júlio pega a pizza e as cocas.
	
	               MÁRCIA
	               Califórnia?
	
	Márcia, Teodoro e o entregador olham para Júlio, esperando a
	resposta.
	
	               JÚLIO
	               Pensei em deixar na geladeira pra Guida. Ela
	               gosta.
	
	Márcia paga o entregador, que vai embora. Teodoro vai saindo,
	seguido por Márcia. Júlio vai fechar a porta, mas Márcia pára, se
	volta para ele e o beija. Depois, fala em voz baixa.
	
	               MÁRCIA
	               Não esquece de uma coisa, Júlio: eu não menti.
	
	
	CENA 38 - EXTERIOR - CASA DE JÚLIO/FACHADA - DIA (13H40)
	
	Anamaria, sentada em seu carro, a uma distância segura, vê Márcia
	e Teodoro saindo da casa. Anamaria está fumando um cigarro.
	Márcia e Teodoro entram no carro, que se afasta.
	
	
	CENA 39 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA - DIA (14H)
	
	Anamaria está fumando, perto da janela. Olha para a rua. Depois
	olha para Júlio, que está sentado, também fumando um cigarro.
	
	               ANAMARIA
	               Eu já tentei largar três vezes.
	
	Anamaria apaga o cigarro e aproxima-se de Júlio. Abaixa-se e fica
	de cócoras, olhando para ele.
	
	               ANAMARIA
	               Tu não gostou de ver a Guida lá em casa, não é?
	
	Júlio não responde.
	
	               ANAMARIA
	               Deve ser difícil pra ti. Eu compreendo. Mas não
	               precisa ficar preocupado. A Guida é muito
	               responsável, não vai fazer nenhuma bobagem.
	               (pausa) Ela não é mais criança.
	
	Anamaria aproxima-se lentamente e beija Júlio. Ele não resiste, e
	beija também. Anamaria sorri e se afasta um pouco. Vai beijar
	outra vez, mas então Júlio a impede.
	
	               JÚLIO
	               Anamaria, desculpa. Mas não foi uma boa idéia tu
	               vir aqui. Pode chegar alguém... (Júlio levanta) Eu
	               acho melhor tu ir embora.
	
	               ANAMARIA
	               Quer mesmo que eu vá embora?
	
	               JÚLIO
	               É melhor. Eu nunca fiz isso...
	
	Anamaria olha um pouco surpresa para Júlio, mas com um brilho
	divertido no olhar.
	
	               ANAMARIA
	               A gente se vê de novo?
	
	               JÚLIO
	               Não sei. Desculpa. Desculpa eu ser tão
	               atrapalhado.
	
	               ANAMARIA
	               Acho que gente se vê, sim.
	
	Anamaria aproxima-se de Júlio e o beija. Júlio a abraça. As mãos
	de Júlio percorrem as costas de Anamaria. Ele parece capitular.
	Procura os seios de Anamaria com as mãos, primeiro por cima do
	vestido. Depois levanta a camiseta de Anamaria e segura o bico de
	um dos seios. Anamaria, sorridente, o incentiva com os olhos. De
	repente, Júlio solta Anamaria.
	
	               JÚLIO
	               Desculpa.
	
	               ANAMARIA
	               Pára de pedir desculpa! Desculpa de quê?
	
	               JÚLIO
	               Não vou fazer de novo.
	
	               ANAMARIA
	               Acho que vai. (dá um beijinho) Então tá, eu vou
	               embora. Mas antes posso ir no banheiro?
	
	               JÚLIO
	               Claro. É ali, no fim da escada.
	
	Júlio aponta com a cabeça na direção do banheiro.
	
	
	CENA 40 - CASA DE JÚLIO - BANHEIRO - DIA (14H05)
	
	Anamaria examina vários produtos de beleza no armário do
	banheiro. Usa um batom. Cheira os perfumes. Usa um deles. Abre a
	cortina do box. Pega uma embalagem grande de xampu. Lê o rótulo.
	Abre o xampu e despeja uma grande quantidade no ralo do box.
	Sorri, satisfeita.
	
	
	CENA 41 - CASA DE JÚLIO - HALL DE ENTRADA - DIA (14H10)
	
	A mão de Anamaria coloca, sobre a mesa do telefone, um chaveiro
	da pantera cor-de-rosa com duas chaves.
	
	               ANAMARIA
	               (OFF) Vou deixar contigo. (IN) Quando quiser me
	               visitar, conversar um pouco...
	
	               JÚLIO
	               Não precisa.
	
	               ANAMARIA
	               Eu sei que tu não vai. Mas... Pelo menos assim eu
	               alimento um pouco minhas fantasias. Eu estou
	               dormindo, de madrugada, e um homem misterioso
	               entra no meu apartamento... Eu gosto de pensar
	               essas bobagens. Isso não faz mal, faz?
	
	Júlio olha para Anamaria, confuso.
	
	
	CENA 42 - EXTERIOR - ESTRADA - NOITE (20H)
	
	Teodoro e Márcia estão viajando, os dois de cara amarrada. Márcia
	dirige e Teodoro está no banco ao seu lado. Silêncio por algum
	tempo.
	
	               MÁRCIA
	               Tu não precisava fazer ameaças.
	
	               TEODORO
	               Eu não ameacei ninguém.
	
	               MÁRCIA
	               Mas disse que não admitia ninguém andando nas tuas
	               terras.
	
	               TEODORO
	               Claro! Se eu deixar, daqui a pouco os peões do
	               Juvenal estão colhendo o que eu plantei.
	
	               MÁRCIA
	               (irritando-se) Juridicamente, as terras ainda não
	               são tuas. As terras são do Juvenal. Ele tem uma
	               coisa chamada escritura.
	
	               TEODORO
	               O meu pai disse...
	
	               MÁRCIA
	               O teu pai nunca passou as terras para o nome da
	               sua tua mãe. O que ele disse não faz a menor
	               diferença.
	
	               TEODORO
	               Enquanto a coisa não se resolver, ninguém passa a
	               cerca. Aquele velho entendeu direitinho o que está
	               acontecendo.
	
	               MÁRCIA
	               Aquele velho, Teodoro, era o secretário de
	               Justiça. Ele não só entendeu como garantiu que vai
	               ter segurança, pra ti e pros outros posseiros que
	               estão na fazenda.
	
	               TEODORO
	               Eu não sou posseiro! Não me interessa o problema
	               dos outros. Tu quer transformar tudo em política
	               e...
	
	               MÁRCIA
	               (cortando) Te acalma, Teodoro! Minha filha de 17
	               anos é mais madura que tu.
	
	Teodoro sente que Márcia está furiosa.
	
	               TEODORO
	               A tua filha tem 17 anos?
	
	               MÁRCIA
	               Faz 18 amanhã. Casei cedo.
	
	Teodoro encosta a mão no ombro de Márcia.
	
	               MÁRCIA
	               Pára com isto, Teodoro.
	
	Teodoro desce a mão pelo braço de Márcia.
	
	               MÁRCIA
	               (cortando) Presta atenção no que eu vou te dizer.
	               Eu amo o meu marido, entendeu? Já contei pra ele o
	               que aconteceu. Eu não me arrependo de nada, mas
	               não vai acontecer de novo. (irritada) Tira a mão.
	               (mais irritada) Já!
	
	Teodoro tira a mão e olha para Márcia, desconcertado. Ficam algum
	tempo em silêncio.
	
	               MÁRCIA
	               O Juvenal quer falar contigo. Vou marcar uma
	               reunião assim que a gente chegar.
	
	               TEODORO
	               O Juvenal quer me matar.
	
	               MÁRCIA
	               Não. Ele quer conversar. Conversar! Será que tu
	               consegue? E é bom que vocês se acertem de uma vez.
	               Eu tenho quatro casos me esperando em Porto
	               Alegre, e não vou passar o resto da minha vida
	               discutindo posse de terra. Pensa bem, Teodoro.
	               Aproveita a chance agora. Sabe o que o Juvenal me
	               disse? Que é diferente do irmão. Que é tolerante.
	               Tu também precisa ser, pelo menos um pouco. Deu
	               pra entender, ou tá difícil?
	
	Teodoro olha para Márcia, como quem não entendeu nada.
	
	
	CENA 43 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (16H)
	
	Júlio está esperando que o computador anuncie que o CD está
	pronto. Quando está quase no 100%, o Windows tranca e aparece
	aquela tela azul, com a mensagem de erro de sistema. Júlio fica
	furioso.
	
	               JÚLIO
	               Puta que pariu!
	
	
	CENA 44 - EXTERIOR - ENTRADA DA FAZENDA DE JUVENAL - DIA (17H)
	
	O carro de Márcia aproxima-se da sede da fazenda.
	
	
	CENA 44A - INTERIOR - FAZENDA DE JUVENAL/ESCRITÓRIO - DIA (17H)
	
	Márcia conversa com Juvenal, sob o retrato do patriarca. Juvenal
	está de pé na janela, olhando para fora. Márcia está sentada numa
	poltrona, à frente de uma escrivaninha grande.
	
	               MÁRCIA
	               Ele não quer conversar aqui. Tem medo.
	
	               JUVENAL
	               Medo? Eu é que deveria ter medo, a senhora não
	               acha? (vai sentar atrás da escrivaninha) Ele matou
	               meu irmão.
	
	               MÁRCIA
	               Eu sugiro que vocês se encontrem na sub-
	               prefeitura. Território neutro.
	
	               JUVENAL
	               Neutro coisa nenhuma. O prefeito tá do lado dos
	               posseiros. Ele tem que vir aqui.
	
	               MÁRCIA
	               O senhor garante a segurança dele?
	
	               JUVENAL
	               Claro.
	
	Márcia respira fundo.
	
	               MÁRCIA
	               Eu vou tentar convencê-lo.
	
	               JUVENAL
	               E a senhora garante a minha segurança?
	
	Márcia pensa por algum tempo.
	
	               MÁRCIA
	               Eu vou lhe dar um conselho: só vai haver segurança
	               quando o conflito acabar. O Teodoro está disposto
	               a provar que é filho do seu pai. E o senhor sabe
	               que ele é. Mas o processo só vai complicar ainda
	               mais a situação. É muito melhor negociar e
	               reconhecer o direito dele e das outras famílias
	               por usucapião. Tudo somado, é menos de cinco por
	               cento da fazenda.
	
	               JUVENAL
	               O Orestes dizia que terra da família não se
	               negocia. Se defende.
	
	               MÁRCIA
	               Seu irmão está morto porque pensava assim. O
	               senhor não disse que é diferente dele?
	
	Juvenal olha para Márcia.
	
	
	CENA 45 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (22H30)
	
	Júlio, carregando uma pasta bem grande, entra no bar onde Guida
	comemora o aniversário. Num canto, há um pequeno palco, onde já
	estão os instrumentos da banda. Júlio caminha entre as mesas,
	procurando pela filha. Guida está num grupo animado de jovens,
	entre eles Ciro e Anamaria. Na mesa, há um bolo pequeno com uma
	vela já usada. Júlio parece um pouco deslocado no ambiente.
	Anamaria é a primeira a notar a presença dele. Fica sorrindo,
	enquanto ele se aproxima. Guida finalmente vê Júlio e abre os
	braços para o pai.
	
	               GUIDA
	               Pai! Pensei que tu não vinha mais.
	
	Guida abraça forte e beija o pai, que retribui, emocionado.
	
	               JÚLIO
	               Parabéns, minha filha.
	
	Guida desfaz o abraço, parece nervosa.
	
	               GUIDA
	               (inquieta) Já cantaram o parabéns. Daqui a pouco
	               nós vamos tocar.
	
	Anamaria continua sorrindo para Júlio, que desvia o olhar e abre
	a pasta, pegando o pacote do CD.
	
	               JÚLIO
	               (para a filha) Me atrasei por causa do teu
	               presente. Espero que tu goste. É um álbum.
	
	Guida abre o pacote. Pega o CD, olha a capa e parece não entender
	direito o que é.
	
	               ANAMARIA
	               De que banda é?
	
	               JÚLIO
	               Não, é álbum de fotografias. Desses de família. Tu
	               coloca no computador e assiste. Tem fotos, vídeos
	               antigos... Bom, é um álbum.
	
	Ninguém entendeu nada do que Júlio falou. Nem Guida.
	
	               GUIDA
	               (tentado disfarçar a decepção) Que legal!
	
	Júlio sorri.
	
	               JÚLIO
	               Bom, o CD é o meu presente. Mas também tem o da
	               tua mãe. (abre a pasta e pega uma maleta de couro)
	               Tu vai precisar pra ver o álbum.
	
	Guida abre a maleta, que contém um notebook. Guida sorri e dá um
	novo abraço em Júlio. Agora todos estão sorridentes. Um roadie
	liga os amplificadores e testa os microfones.
	
	               ROADIE
	               Som, som... Teste, teste...
	
	               ANAMARIA
	               Tá na hora. Vamos lá.
	
	               GUIDA
	               Pai, me deseja sorte.
	
	               JÚLIO
	               (sorrindo) Merda pra ti.
	
	               GUIDA
	               (chocada) Merda?
	
	               JÚLIO
	               (percebe que falou besteira) No meu tempo era...
	               Quer dizer, no teatro... (pausa) Guida. Eu te
	               adoro! Vai lá e manda ver! (grita baixinho)
	               Rock'n'roll!
	
	Guida sorri e beija o pai.
	
	
	CENA 46 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (22H45)
	
	Começa o show, que Júlio assiste no fundo do bar (ou no
	mezanino). É uma banda só de meninas. Guida toca guitarra solo.
	(Também há uma guitarra base, baixo, bateria e a vocalista)
	Anamaria fica ao lado do palco, perto da mesa de som, observando
	e dançando. Júlio acompanha a música atentamente. Anamaria olha
	para ele várias vezes e sorri. O público gosta. O show é um
	sucesso.
	
	
	CENA 47 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (23H)
	
	Ciro aproxima-se de Júlio e fala com ele (com alguma dificuldade,
	devido ao som do show).
	
	               CIRO
	               Ôi. A Guida me falou que o senhor trabalha na área
	               de informática.
	
	               JÚLIO
	               (antipático) Mais ou menos.
	
	               CIRO
	               Eu me formei em computação. Sou especialista em
	               Internet.
	
	               JÚLIO
	               Certo.
	
	               CIRO
	               Eu sou bom nesse negócio. Muito bom. Mas estou
	               desempregado. Eu preciso trabalhar.
	
	               JÚLIO
	               Todo mundo precisa.
	
	               CIRO
	               A Guida me disse que talvez o senhor possa me
	               ajudar. Eu também entendo um pouco de fotografia
	               digital. Quem sabe um estágio na revista...
	
	               JÚLIO
	               Me manda um currículo (tira um cartão do bolso)
	               Pode deixar lá no estúdio.
	
	Ciro percebe a má-vontade de Júlio, mas pega o cartão.
	
	               CIRO
	               Obrigado. Até logo.
	
	Ciro se afasta. Júlio olha para a filha no palco e depois para
	Ciro. Segue o show.
	
	
	CENA 48 - EXTERIOR - CASA DE TEODORO (FACHADA) - NOITE (23H15)
	
	Márcia conversa com Teodoro na frente da casa.
	
	               TEODORO
	               Eu não posso ir lá.
	
	               MÁRCIA
	               Por quê?
	
	Teodoro não responde.
	
	               MÁRCIA
	               Tu não corre perigo. Falei com o secretário outra
	               vez. A partir de amanhã, vai ter um brigadiano
	               aqui, vinte e quatro horas por dia. Mas é perigoso
	               é deixar essa situação indefinida. Ele quer
	               conversar. Tu tem que ir.
	
	               TEODORO
	               Vou pensar. Mas lá na fazenda eu não vou. Não
	               quero morrer naquela casa.
	
	               MÁRCIA
	               Tu não vai morrer. Quem sabe a gente marca em
	               Porto Alegre?
	
	               TEODORO
	               (depois de pensar um pouco) É melhor.
	
	               MÁRCIA
	               Então tu volta amanhã? Promete?
	
	               TEODORO
	               Prometo. (pausa) A Quita arrumou tua cama na sala.
	
	               MÁRCIA
	               Obrigada. Eu vou dar uma passada no hotel,
	               descansar um pouco, mas quero estar em Porto
	               Alegre de manhã bem cedo. É aniversário da minha
	               filha.
	
	               TEODORO
	               Tu pode descansar aqui: não tem perigo.
	
	Márcia sorri para Teodoro.
	
	               MÁRCIA
	               Boa noite, Teodoro. E fica tranqüilo. Ninguém vai
	               matar ninguém.
	
	
	CENA 49 - INTERIOR - BAR OCIDENTE - NOITE (24H)
	
	O show já acabou. Algumas pessoas dançam entre as mesas. Anamaria
	dança com um cara jovem, cabeludo e musculoso. Júlio está bebendo
	um uísque, encostado no balcão. Toca o seu telefone celular. Ele
	atende. Ouve por alguns instantes, com alguma dificuldade, e
	depois faz um sinal para Guida, que está numa mesa próxima, com
	Ciro. Ela se levanta e vai até Júlio.
	
	               JÚLIO
	               É a tua mãe. A ligação tá horrível.
	
	               GUIDA
	               Eu vou atender lá atrás. Tem menos barulho.
	
	Guida afasta-se. Anamaria abandona o jovem cabeludo e aproxima-se
	de Júlio no balcão.
	
	               ANAMARIA
	               Não tá gostando da festa?
	
	               JÚLIO
	               (pouco animado) Tô.
	
	               ANAMARIA
	               Pensei que tu ia me ligar.
	
	               JÚLIO
	               Eu não disse que ia ligar.
	
	               ANAMARIA
	               Fiquei esperando.
	
	Anamaria pega o copo de Júlio e bebe. Fica encarando. Depois se
	aproxima de Júlio até encostar o corpo.
	
	               ANAMARIA
	               Quer dançar?
	
	Júlio se afasta. Olha, preocupado, para o fundo do bar, onde
	Guida está com o celular no ouvido.
	
	               ANAMARIA
	               Tu é sempre assim... reprimido?
	
	               JÚLIO
	               Acho que tu bebeu demais.
	
	               ANAMARIA
	               Eu posso imaginar como tu era antes.
	
	               JÚLIO
	               Antes do quê?
	
	               ANAMARIA
	               Antes de casar. Foi ela que te deixou assim?
	
	               JÚLIO
	               Tu não sabe de nada.
	
	               ANAMARIA
	               Sei que eu quero ir pra cama contigo. E tu também
	               quer, Ivanhoé.
	
	               JÚLIO
	               (espantado) O quê?
	
	               ANAMARIA
	               (rindo) A Guida me contou.
	
	Anamaria olha séria para Júlio. Coloca a mão no seu braço. Júlio
	está desconcertado. Guida chega de repente, sorrindo. Anamaria
	tira a mão.
	
	               JÚLIO
	               Vamos embora?
	
	               GUIDA
	               A festa tá começando!
	
	               JÚLIO
	               São quase duas. Amanhã tenho que acordar cedo.
	
	               GUIDA
	               Pai, por favor! É o meu aniversário! O Ciro me
	               leva em casa depois. Tu gostou dele? (sorri) Claro
	               que não. Tu nunca gosta. Tchau.
	
	Guida começa a dançar com Ciro, deixando Júlio sozinho no balcão.
	Ele olha para a pista de dança, onde Anamaria dança outra vez com
	o jovem cabeludo. Mas, na verdade, começa a olhar apenas para
	Júlio, que acaba também olhando para ela. Anamaria praticamente
	abandona o cabeludo e dança para Júlio, que bebe mais um gole de
	uísque e continua observando Anamaria. Júlio termina o uísque e
	sai do bar. Anamaria fica decepcionada.
	
	
	CENA 50 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO/SALA - AMANHECER (6H30)
	
	Júlio está encostado na cama, meio tonto de sono. Márcia abre a
	janela e vai tirando as roupas da sacola de viagem, enquanto
	fala. Depois tira a roupa do corpo, ficando só de calcinha e
	sutiã. Júlio escuta, sem grande interesse.
	
	               MÁRCIA
	               Quando o Teodoro nasceu, o Orestes já tinha mais
	               de dez anos. O Juvenal não, era pequeno, os dois
	               brincavam juntos, eram amigos. O Orestes é que
	               tinha ódio do Teodoro, achava que a mãe do Teodoro
	               era a causa da doença da mãe dele. O mais provável
	               é que fosse o contrário.
	
	Márcia percebe que Júlio está "voando".
	
	               MÁRCIA
	               Júlio, tu tá me escutando?
	
	               JÚLIO
	               Estou.
	
	               MÁRCIA
	               Sabe que eu tava com saudade?
	
	Márcia senta na cama ao lado de Júlio e beija o marido. Júlio
	sorri. Parece mais desperto. Olha para Márcia. Os dois se beijam,
	se abraçam, mas, apesar do entusiasmo de Márcia, a transa não
	evolui. Márcia pára e olha para o marido. Sente que há alguma
	coisa diferente. Júlio vai para o canto da cama.
	
	               MÁRCIA
	               Que é que tu tem? Tá preocupado com alguma coisa?
	
	               JÚLIO
	               Eu tô nervoso. Não dormi bem.
	
	               MÁRCIA
	               Olha, Júlio, aquilo que aconteceu com o Teodoro
	               foi...
	
	               JÚLIO
	               (cortando) Eu conheci uma garota.
	
	Márcia senta na cama, alerta.
	
	               MÁRCIA
	               O quê?
	
	Márcia olha fixamente para Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Eu conheço essa garota?
	
	               JÚLIO
	               (breve hesitação) Não. Foi lá no estúdio. Uma
	               modelo...
	
	               MÁRCIA
	               Uma modelo?
	
	               JÚLIO
	               Não aconteceu nada. Só um beijo.
	
	               MÁRCIA
	               Um beijo? Só um beijo? E o que mais?
	
	               JÚLIO
	               Mais nada. Fui uma vez na casa dela, mas a gente
	               não transou.
	
	               MÁRCIA
	               Era nela que tu tava pensando?
	
	               JÚLIO
	               (hesita mais um pouco) Era.
	
	Márcia levanta e caminha pelo quarto.
	
	               MÁRCIA
	               Por que tu não trepa de uma vez com essa garota?
	               Tu tá querendo vingança, é isso? Não engoliu o que
	               eu fiz e agora está querendo te vingar? Então,
	               muito bem, vai lá e trepa com ela. Eu não preciso
	               nem ficar sabendo quem é. Só tem uma coisa, Júlio,
	               seja discreto e use camisinha.
	
	Márcia volta a fechar a janela. O quarto fica bem mais escuro,
	iluminado apenas por uma lâmpada de cabeceira.
	
	               JÚLIO
	               Tu não tá falando sério.
	
	               MÁRCIA
	               Muito sério. E não quero saber dos detalhes.
	
	Márcia volta a sentar.
	
	               JÚLIO
	               Isso é uma loucura total.
	
	               MÁRCIA
	               Também acho, mas é melhor assim. Pode sair. Tô
	               falando sério. Agora eu vou tentar dormir um
	               pouco.
	
	Márcia deita, estica o braço e apaga a luz do quarto. Fica de
	costas para Júlio.
	
	               JÚLIO
	               Tu pensa que é tão fácil assim? Que eu vou lá e
	               transo com ela? Tu tá louca?
	
	               MÁRCIA
	               (agressiva, virando-se para Júlio) Tu acha que eu
	               vou dormir de novo com um cara que brocha e depois
	               diz que tá pensando em outra? Resolve teu
	               problema, meu filho. E depois a gente conversa.
	
	Júlio estende a mão e toca no ombro de Márcia.
	
	               JÚLIO
	               Meu amor...
	
	               MÁRCIA
	               Tira essa mão.
	
	               JÚLIO
	               Tu não tá...
	
	Márcia vira-se, muito agressiva. Enfia as unhas com toda a força
	na mão de Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Tira a mão!
	
	Márcia levanta da cama e acende a luz de cabeceira.
	
	               MÁRCIA
	               E sai dessa casa!
	
	               JÚLIO
	               Tu tá louca!
	
	Márcia está transtornada. Começa a bater violentamente em Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Sai! Sai!
	
	Júlio levanta-se e tenta se defender, mas Márcia vai empurrando-o
	para fora do quarto. Júlio segura as mãos de Márcia, mas ela o
	morde. Júlio grita de dor.
	
	               MÁRCIA
	               Sai! Sai! Seja homem, Júlio!
	
	Márcia empurra Júlio pela sala quase até a porta.
	
	               MÁRCIA
	               Espera aí!
	
	Márcia sai por um momento. Júlio olha para a sua mão, que exibe
	as marcas sangrentas das unhas de Márcia. Ela volta com as roupas
	de Júlio na mão. Atira as roupas no chão.
	
	               MÁRCIA
	               E agora sai! Se tu não sair, juro que eu saio. E
	               não volto mais.
	
	Júlio se agacha, pega as roupas e coloca uma calça. Sai. Márcia
	bate a porta. Quando ela se volta, Guida está à sua frente, com
	cara de sono e ressaca.
	
	               GUIDA
	               Que que houve, mãe? Vocês tavam gritando...
	
	Márcia aproxima-se de filha.
	
	               MÁRCIA
	               Não foi nada. Bobagem. O Júlio teve que sair.
	               (pausa) Feliz aniversário.
	
	Márcia abraça e beija Guiida.
	
	
	CENA 50A - EXTERIOR - CASA DE JÚLIO/FACHADA - AMANHECER (6H45)
	
	Júlio bota a mão no bolso e pega a chave da pantera cor de rosa.
	
	
	CENA 51 - INTERIOR - AP. ANAMARIA/PORTA/SALA/QUARTO - DIA (7H)
	
	Júlio usa o chaveiro da pantera cor-de-rosa para entrar no
	apartamento de Anamaria. Passa pela sala. Vai até o quarto.
	Anamaria está dormindo, com uma camisola. Júlio senta na cama e
	fica olhando para ela. Anamaria acorda. Não parece assustada.
	Senta na cama e olha para o despertador, na mesinha de cabeceira.
	
	               MÁRCIA
	               A minha fantasia do homem misterioso acontecia de
	               madrugada, e não às sete da manhã.
	
	               JÚLIO
	               Desculpe.
	
	Anamaria vê o sangue na mão de Júlio. Aponta.
	
	               ANAMARIA
	               O que é isso?
	
	               JÚLIO
	               Nada.
	
	               ANAMARIA
	               Deve estar doendo...
	
	Anamaria pega a mão de Júlio e a beija. Depois começa a chupar-
	lhe os dedos.
	
	               ANAMARIA
	               Ela te machucou... Coitadinho.
	
	Anamaria tira a camisola, ficando só de calcinha. Cada vez mais
	sensual, continua chupando os dedos da mão ferida de Júlio.
	
	               ANAMARIA
	               Tu não quer te vingar? Hem? Não quer bater em mim?
	
	               JÚLIO
	               Não.
	
	               ANAMARIA
	               Claro que quer. Por favor, bate.
	
	               JÚLIO
	               Não.
	
	Anamaria pega a mão de Júlio e a puxa na direção do próprio
	rosto, num tapa leve. Júlio recolhe a mão. Anamaria olha para
	Júlio e sorri.
	
	               ANAMARIA
	               Mas não bate muito forte...
	
	Os dois se beijam, muito excitados. Anamaria abre uma gaveta e
	pega um envelope de preservativos. É uma transa muito quente, mas
	tem um clima meio trágico e desesperado. Júlio dá uns tapas em
	Anamaria, que gosta muito e pede mais.
	
	
	CENA 52 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/QUARTO - DIA (8H)
	
	Júlio está se vestindo. Anamaria ainda está deitada na cama, sem
	roupa.
	
	               ANAMARIA
	               Não precisa sair correndo.
	
	               JÚLIO
	               Tenho que ir.
	
	               ANAMARIA
	               Dorme um pouco aqui comigo.
	
	               JÚLIO
	               Não posso.
	
	Júlio termina de se vestir. Fica parado ao lado da cama.
	
	               JÚLIO
	               Eu vou contar pra Márcia.
	
	Anamaria olha para ele, sem entender.
	
	               JÚLIO
	               Vou contar o que aconteceu. Na verdade, ela já
	               sabe.
	
	               ANAMARIA
	               (surpresa) Sabe que tu tá aqui?
	
	               JÚLIO
	               Não. Mas sabe que eu transei com alguém.
	
	               ANAMARIA
	               Quando?
	
	               JÚLIO
	               Hoje. Agora.
	
	               ANAMARIA
	               Não tô entendendo...
	
	               JÚLIO
	               Nem precisa.
	
	               ANAMARIA
	               (preocupada) Olha, Júlio, uma coisa eu sei: se tu
	               contar pra Márcia, essa história chega na Guida, e
	               isso não vai ser legal. (pausa) Ela vai me odiar.
	               Tu tem que me prometer que não conta nada.
	
	Júlio fica em silêncio.
	
	               ANAMARIA
	               Promete.
	
	Júlio pensa por mais algum tempo.
	
	               JÚLIO
	               Prometo.
	
	               ANAMARIA
	               Qualquer coisa, me envia uma mensagem. Tu sabe o
	               meu mail? É anamaria, tudo junto, arroba...
	
	Júlio tira o chaveiro da pantera cor-de-rosa e o coloca sobre a
	mesa de cabeceira.
	
	               JÚLIO
	               (cortando) As tuas chaves. Eu não vou usar mais.
	
	
	CENA 53 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - DIA (11H)
	
	Márcia está escrevendo no computador de Júlio. Júlio entra no
	escritório. Márcia levanta os olhos do trabalho que estava
	fazendo, mas continua sem se voltar para Júlio. Márcia clica e a
	impressora começa a trabalhar.
	
	               MÁRCIA
	               Resolveu teu problema?
	
	Júlio fica em silêncio.
	
	               JÚLIO
	               Foi estranho.
	
	               MÁRCIA
	               Eu não quero saber como foi. Só tem uma coisa que
	               me interessa. Tu usou camisinha?
	
	               JÚLIO
	               Usei.
	
	               MÁRCIA
	               Então não se fala mais nisso. Assunto encerrado.
	
	Márcia continua a fazer o trabalho no computador. Júlio sai do
	escritório. Márcia examina a folha impressa. Há um erro de
	digitação. Ela amassa a folha e tenta jogá-la na cesta de lixo,
	que está a uns cinco metros. Erra. Márcia levanta, pega a "bola"
	e vai colocá-la na cesta, quando, no fundo desta, vê, amassada,
	uma folha do jornal que exibe as fotos dela e Teodoro. Pega a
	folha. Percebe que há alguma coisa escrita no verso. Lê o
	endereço de Anamaria.
	
	
	CENA 54 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/BANHEIRO - DIA (12H)
	
	Márcia toma banho. Percebe que o xampu está sem tampa e quase no
	fim.
	
	
	CENA 55 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO DE GUIDA - DIA (12H05)
	
	Márcia abre a porta do quarto de Guida, que está no telefone.
	
	               MÁRCIA
	               Tu usou o meu xampu?
	
	               GUIDA
	               (para a pessoa no telefone) Só um pouquinho. (para
	               Márcia) Que foi?
	
	               MÁRCIA
	               Perguntei se tu usou o meu xampu.
	
	               GUIDA
	               Eu não!
	
	Guida volta a conversar no telefone.
	
	               GUIDA
	               Tava o máximo!... Tu também viu?
	
	               MÁRCIA
	               A Anamaria foi no teu aniversário?
	
	Guida fica indignada com a interrupção.
	
	               GUIDA
	               Claro, né, mãe. Ela é da banda.
	
	               MÁRCIA
	               Onde ela mora?
	
	               GUIDA
	               Mas que saco, mãe! Parece interrogatório. Mora na
	               Garibaldi.
	
	
	CENA 55A - INTERIOR - TRIBUNAL DO JÚRI - DIA (16H)
	
	Márcia, de toga, está acompanhando um julgamento. Só que, na
	verdade, não está prestando nenhuma atenção.
	
	               PROMOTOR
	               (OFF)... de modo que, se a ilustre colega de
	               defesa concordar, poderemos ganhar muito tempo.
	               Basta evitar esse tipo de confronto. A promotoria
	               dispensa o depoimento da testemunha, e a defesa
	               abre mão de apoiar-se em prova tão facilmente
	               contestável.
	
	Silêncio. Márcia não percebe que todos estão olhando para ela.
	
	               JUIZ
	               (OFF) Doutora Márcia. (nenhuma reação) Doutora
	               Márcia!
	
	Márcia finalmente "acorda".
	
	               JUIZ
	               (OFF) Qual a sua posição a respeito da
	               manifestação da Promotoria?
	
	Márcia não sabe o que dizer. Sorri, nervosa.
	
	
	CENA 56 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - DIA (18H)
	
	Anamaria abre a porta. Olha, surpresa, para Márcia.
	
	               ANAMARIA
	               Márcia!
	
	               MÁRCIA
	               Posso entrar?
	
	               ANAMARIA
	               (insegura) Claro.
	
	Márcia entra. Anamaria fecha a porta.
	
	               ANAMARIA
	               A Guida não está aqui.
	
	               MÁRCIA
	               Eu sei. Vim falar contigo. Mas, primeiro, tenho
	               que ir no banheiro.
	
	               ANAMARIA
	               É ali.
	
	Márcia entra no banheiro, deixando a porta aberta. Anamaria fica
	na sala, nervosa. Márcia volta com um xampu na mão.
	
	               MÁRCIA
	               Eu adoro esse xampu. Onde é que tu compra?
	
	               ANAMARIA
	               Um amigo me trouxe de Nova Iorque.
	
	               MÁRCIA
	               Essa marca é muito boa. Mas eu prefiro a Body
	               Guard. Tu conhece?
	
	               ANAMARIA
	               Não, acho que não...
	
	               MÁRCIA
	               Como não conhece? Se tu até já usou o meu lá em
	               casa...
	
	               ANAMARIA
	               Não sei do que tu está falando, eu nunca estive na
	               sua casa...
	
	               MÁRCIA
	               Não precisa mentir. Eu sei de tudo. Não só usou o
	               meu xampu, como também usou o meu marido.
	
	               ANAMARIA
	               (encarando Márcia) Eu não usei o seu marido. É
	               diferente: eu transei com ele!
	
	               MÁRCIA
	               Só porque eu deixei, tá entendendo, sua puta?
	
	               ANAMARIA
	               Tu é louca!
	
	               MÁRCIA
	               Fui eu que mandei ele aqui. Ele queria dar uma
	               trepadinha contigo e eu deixei...
	
	               ANAMARIA
	               A minha relação com o Júlio não é só sexo, não. A
	               gente gosta um do outro. Eu tô apaixonada por ele.
	               E ele por mim. Não foi a primeira vez que a gente
	               transou.
	
	               MÁRCIA
	               Tá mentindo de novo!
	
	               ANAMARIA
	               Não! Tu quer ver?
	
	Anamaria vai até um armário, abre uma gaveta e mostra a foto
	manipulada, em que está nua com Júlio, perto da cachoeira.
	
	               ANAMARIA
	               Tu não sabia disso, não é? Conhece esse lugar? Faz
	               tempo que a gente conversa pelo chat. Ivanhoé! Não
	               é esse o nome que ele usa?
	
	Márcia olha, perturbada, para Anamaria. Suas mãos se crispam. As
	duas parecem prestes a se matar.
	
	               ANAMARIA
	               E agora, o que tu vai fazer?
	
	
	CENA 57 - INTERIOR - QUARTO DE HOTEL BARATO - NOITE (19H)
	
	Teodoro abre a porta e olha surpreso para Márcia.
	
	               TEODORO
	               Márcia!
	
	Ela vai entrando no quarto, que é bastante modesto.
	
	               TEODORO
	               Por quê toda essa pressa? Já falou com o Juvenal?
	
	               MÁRCIA
	               Não. Tu tá sozinho?
	
	               TEODORO
	               Claro. Acabo de chegar.
	
	Márcia examina rapidamente o quarto de hotel. Vai até a porta do
	banheiro e olha para dentro.
	
	               TEODORO
	               Aconteceu alguma coisa?
	
	               MÁRCIA
	               Não. Vim aqui pra trepar contigo.
	
	Márcia tira a blusa, ficando só de sutiã.
	
	               TEODORO
	               Essa é boa! Ficou bancando a difícil e agora...
	
	               MÁRCIA
	               Agora é diferente. Agora eu quero.
	
	               TEODORO
	               Posso saber por quê?
	
	               MÁRCIA
	               Essas coisas a gente precisa explicar?
	
	Márcia se aproxima de Teodoro. Beija-o. Coloca a mão dentro da
	calça dele.
	
	               TEODORO
	               Eu não te entendo.
	
	               MÁRCIA
	               Não precisa entender.
	
	Márcia beija-o outra vez. Ele retribui.
	
	               MÁRCIA
	               Tem camisinha?
	
	               TEODORO
	               Não.
	
	               MÁRCIA
	               Eu tenho. Eu comprei.
	
	(passagem de tempo - noite - 19h30)
	
	Os dois estão deitados na cama, suados e nus, respirando
	pesadamente para recuperar o fôlego. Vemos os corpos da cintura
	para cima. Teodoro está de olhos fechados, relaxado, enquanto
	Márcia, absolutamente alerta, olha para alguma coisa que está no
	chão.
	
	               TEODORO
	               Tu viu o que falaram no rádio? Que eu estou me
	               tornando um líder sem-terra. Sem-terra é a puta
	               que pariu! Enquanto isso, o Juvenal contratou de
	               peão um sujeito que tem seis mortes nas costas.
	
	               MÁRCIA
	               Tu tá paranóico. O Juvenal...
	
	               TEODORO
	               (cortando) Sabe por que eu atirei no Orestes?
	               Sabe?
	
	               MÁRCIA
	               (cansada) Sei.
	
	               TEODORO
	               Não. Tu não entendeu direito. Acha que foi por
	               causa da cerca, da terra. Mas tu quer mesmo saber?
	
	
	CENA 58 - EXTERIOR - CAMPO ABERTO - DIA (PASSADO)
	
	O rosto de Orestes.
	
	               ORESTES
	               Tu acha que eu vou entregar a terra do meu pai pro
	               filho de uma prostituta?
	
	Teodoro se descontrola, ergue a mão e dispara o revólver.
	
	
	CENA 59 - INTERIOR - QUARTO DE HOTEL - NOITE (19H40)
	
	Teodoro continua conversando com Márcia.
	
	               TEODORO
	               Ele não me chamou de filho-da-puta. Se tivesse
	               chamado, ainda tava vivo. Ele disse filho de uma
	               prostituta. Estava falando da minha mãe. Tu
	               entende?
	
	Márcia permanece calada.
	
	               TEODORO
	               Tu tá estranha.
	
	               MÁRCIA
	               Pega um pouco de papel higiênico pra mim?
	
	Teodoro levanta e entra no banheiro. Márcia imediatamente olha em
	volta, inclina-se, pega alguma coisa no chão e coloca na bolsa.
	Começa a se vestir rapidamente. Teodoro volta. Márcia já está
	vestida.
	
	               TEODORO
	               Já vai? Eu tava pensando em jantar e...
	
	               MÁRCIA
	               (cortando) Desculpa. Tenho que ir embora.
	
	               TEODORO
	               Mas..
	
	               MÁRCIA
	               Te cuida.
	
	Márcia abre a porta do quarto e sai. Teodoro fica olhando para a
	porta, confuso.
	
	
	CENA 60 - INTERIOR - ESTÚDIO FOTOGRÁFICO - NOITE (20H30)
	
	Júlio está no estúdio, conferindo uma série de contatos. Emanuel
	entra, segurando um cartãozinho, ao lado de Ciro.
	
	               EMANUEL
	               (apontando para Ciro) Ele disse que tu convidou.
	
	               CIRO
	               (meio envergonhado) Ôi, seu Júlio. Se o senhor
	               quiser, passo outra hora.
	
	               JÚLIO
	               Não. Tudo bem. (para Emanuel) Ele é amigo da
	               Guida. Quer um estágio. (para Ciro) Não posso te
	               prometer nada. A revista tá cortando todas as
	               verbas.
	
	               CIRO
	               (hesitante) Pode até ser sem remuneração... No
	               começo, claro. Depois, se vocês gostarem de mim...
	
	               EMANUEL
	               O que tu sabe de fotografia?
	
	               CIRO
	               (sorrindo) Fotografia digital?
	
	               EMANUEL
	               Ihh... Mais um taradinho de computador.
	
	Toca a campainha outra vez.
	
	               EMANUEL
	               Caralho! (para Júlio) Tu chamou mais alguém?
	
	Emanuel sai. Júlio olha para Ciro.
	
	               JÚLIO
	               (ar cansado) Eu trabalho com a edição das fotos,
	               em casa. Sozinho. Sinceramente, acho que tu vai
	               ter que procurar trabalho em outro lugar, porque o
	               Emanuel...
	
	Márcia entra no estúdio com uma foto na mão. Parece muito nervosa
	e mal olha para Ciro. Vai direto até Júlio e mostra a foto para
	ele. É a foto editada de Anamaria e Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Olha só o que uma tal de Sabrina me mandou por e-
	               mail.
	
	Júlio tenta se controlar e não parecer nervoso. Continua sentado.
	
	               JÚLIO
	               É falsa. Deve ser um brincadeira...
	
	               MÁRCIA
	               (quase gritando) Não mente pra mim.
	
	               JÚLIO
	               Não é mentira, Márcia. A foto foi manipulada...
	               Pergunta pro Emanuel. Qualquer cara mais
	               experiente pode perceber.
	
	               EMANUEL
	               Não me mete em bronca, Júlio.
	
	Márcia dá a foto para Emanuel. Ciro, ao seu lado, também olha.
	Ciro fica mais surpreso que Emanuel.
	
	               CIRO
	               (baixinho) Pô, é a Anamaria... A Guida vai matar
	               ela.
	
	               MÁRCIA
	               Examina. Agora me diz: é falsa ou não é?
	
	Emanuel examina a foto. Fica em dúvida. Percebe os olhares
	preocupados de Márcia e de Júlio.
	
	               EMANUEL
	               Olhando assim, não sei...
	
	Júlio levanta, furioso, e pega a foto da mão de Emanuel.
	
	               JÚLIO
	               Porra, Emanuel! Claro que sabe. Olha o retoque nos
	               seios.
	
	               EMANUEL
	               É falsa! Totalmente falsa!
	
	               MÁRCIA
	               Tu tá querendo proteger ele. Chega de mentira,
	               Júlio. Tu tá de caso com essa garota. Aproveitou
	               que eu tinha viajado. No nosso sítio! Na nossa
	               casa!
	
	               JÚLIO
	               Pára com isso, Márcia. Coisa ridícula!
	
	               MÁRCIA
	               Confessa logo. Há quanto tempo tu te encontra com
	               essa piranha?
	
	Júlio aproxima-se de Márcia e tenta pegar-lhe o braço.
	
	               JÚLIO
	               Não precisa fazer escândalo. Vamos sair daqui.
	
	Márcia livra-se da mão de Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Não me toca! Há quanto tempo vocês se conhecem?
	               Era com ela que tu ficava namorando na Internet?
	
	               JÚLIO
	               Tu ficou louca.
	
	               MÁRCIA
	               (gritando) Eu é que sou a louca?
	
	Júlio tenta aproximar-se outra vez. Márcia recua.
	
	               JÚLIO
	               Vamos pra casa.
	
	               MÁRCIA
	               (gritando) Não quero ir pra casa. Aliás, pra minha
	               casa, porque tua ela não é mais. Mentiroso!
	               Covarde! Por que tu não vai logo se encontrar com
	               ela e some da minha vida? Some! Some!
	
	Márcia dá as costas para os três homens e sai do estúdio. Emanuel
	e Ciro ficam olhando para Júlio, ambos completamente sem jeito.
	Júlio respira fundo.
	
	               JÚLIO
	               Essa putinha me paga. Eu vou matar ela!
	
	Júlio sai do estúdio, com a foto na mão. Emanuel e Ciro estão
	apavorados.
	
	               EMANUEL
	               Júlio. Espera aí! (para Ciro) Tu conhece aquela
	               menina?
	
	               CIRO
	               Conheço.
	
	               EMANUEL
	               Eu nunca vi o Júlio desse jeito. A gente tem que
	               fazer alguma coisa.
	
	
	CENA 61 - EXTERIOR, RUA DO ESTÚDIO, NOITE (20H45)
	
	Márcia, ao longe, dentro do carro, vê Júlio pegar o carro
	estacionado e sair em alta velocidade. Emanuel e Ciro entram em
	outro carro e o seguem.
	
	
	CENA 62 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/ESCRITÓRIO - NOITE (21H)
	
	Márcia entra no escritório de Júlio. Liga o computador, acha as
	fotos de Anamaria ao lado de Júlio. Primeiro a original, depois a
	editada. Apaga a original. Conecta o computador à Internet e
	envia um arquivo.
	
	
	CENA 63 - INTERIOR - APARTAMENTO DE ANAMARIA/SALA - NOITE (21H15)
	
	Júlio chega no apartamento de Anamaria, que está na penumbra.
	Empurra a porta, derrubando a estatueta. Entra devagar e pega a
	estatueta.
	
	               JÚLIO
	               (OFF) Quando eu cheguei, tava tudo escuro. Eu abri
	               a porta, derrubei alguma coisa. Era uma estátua
	               pequena.
	
	Júlio levanta, acha um interruptor e acende a luz. Vê o corpo de
	Anamaria no chão, poucos metros adiante. Pára por um instante,
	apavorado. Depois aproxima-se do corpo. Se agacha.
	
	               JÚLIO
	               (OFF) Só vi o corpo quando acendi a luz. Tinha
	               tanto sangue que eu logo vi que ela tava morta.
	               Foi horrível. E então eles chegaram.
	
	Emanuel e Ciro entram no apartamento e vêem Júlio agachado ao
	lado de Anamaria, em meio à poça de sangue. Emanuel e Ciro olham
	para Júlio, que está atordoado demais para reagir.
	
	               CIRO
	               (recuando para a porta) Eu vou chamar a polícia.
	
	
	CENA 64 - INTERIOR - DELEGACIA/SALA PEQUENA - DIA (9H)
	
	Júlio, algemado, está sentado à frente de Márcia, numa sala
	pequena, com grades na janela.
	
	               JÚLIO
	               Foi assim que aconteceu. Eu não matei ela.
	               (falando baixo) Eu transei com ela. Uma vez. Tu
	               sabe quando. E não tive coragem de te contar que
	               foi com ela, porque... Sei lá porquê. Mas eu não
	               matei ninguém. Tu acredita em mim?
	
	               MÁRCIA
	               Não sei. É difícil. Mas eu posso tentar.
	
	               JÚLIO
	               (pausa) Eles queriam que eu confessasse.
	
	               MÁRCIA
	               A polícia esteve lá em casa. Foram examinar o
	               computador, atrás da tal foto que tu diz ter sido
	               editada.
	
	               JÚLIO
	               E acharam a original?
	
	               MÁRCIA
	               Não. Eles levaram o computador. Tu fez outra
	               cópia?
	
	               JÚLIO
	               Não. Só tinha aquela.
	
	               MÁRCIA
	               As tuas digitais estão na arma do crime, as
	               testemunhas, o que tu disse no estúdio... Tudo
	               está contra ti.
	
	               JÚLIO
	               Tu precisa acreditar. Eu sou inocente. Isso tudo é
	               absurdo!
	
	               MÁRCIA
	               (seca) Tenho outra má notícia pra ti.
	
	Márcia abre a bolsa e joga um jornal para ele. Na primeira
	página, em cinco colunas, está impressa a foto dele com Anamaria
	nua debaixo da manchete: "Fotógrafo mata a amante adolescente".
	Júlio olha para o jornal, atônito.
	
	
	CENA 65 - INTERIOR - DELEGACIA/CELA - DIA (14H)
	
	Júlio está sentado no chão da cela.
	
	
	CENA 66 - INTERIOR - DELEGACIA/SALA DO DELEGADO - NOITE (20H)
	
	Júlio, algemado e escoltado por um policial, entra na sala do
	delegado, que também está olhando a capa do jornal. O delegado
	coloca o jornal e a foto editada (que está dentro de um envelope
	de plástico) sobre a mesa e olha para Júlio.
	
	               DELEGADO
	               Eu já entendi quase tudo. A menina passou da conta
	               e tu não agüentou. Mas como essa foto foi parar no
	               jornal?
	
	               JÚLIO
	               Não foram vocês que entregaram?
	
	               DELEGADO
	               Não.
	
	               JÚLIO
	               O senhor tá querendo se promover. Tá aí o seu nome
	               na primeira página. Aposto que não só mandou a
	               foto pros jornais, como também apagou a original
	               no meu computador.
	
	               DELEGADO
	               (ficando mais rude) Cuidado com o que tu diz. Como
	               é que tu pode provar que a foto foi falsificada?
	
	               JÚLIO
	               Não é difícil. Basta perguntar pra alguém que use
	               computador para retocar fotografias.
	
	               DELEGADO
	               Já perguntamos. E ele está em dúvida. Mas existem
	               outras evidências. Mais importantes até. As
	               impressões digitais, por exemplo. O depoimento das
	               pessoas que estavam no estúdio e ouviram tu dizer
	               que ia matar a vítima. Há quanto tempo tu conhecia
	               essa menina?
	
	               JÚLIO
	               Uma semana...
	
	               DELEGADO
	               (sorrindo) Amor à primeira vista! Que romântico...
	               E tu freqüentava bastante o apartamento dela?
	
	               JÚLIO
	               (irritado) Não. Eu sabia onde ela morava porque já
	               tinha levado minha filha lá. Isso tudo é um
	               engano, um mal-entendido. Vocês tem que encontrar
	               o assassino!
	
	               DELEGADO
	               Se eu estou entendendo, tu nega que matou a
	               vítima. (pausa) E também nega que mantinha
	               relações sexuais com ela.
	
	               JÚLIO
	               (explodindo) Ela era meio desequilibrada. Eu nunca
	               toquei nessa menina! A foto é uma brincadeira! Uma
	               farsa.
	
	               DELEGADO
	               E isso aqui... (abre uma gaveta e mostra um
	               envelope de plástico transparente, dentro do qual
	               está uma camisinha) também deve ser uma farsa. Pra
	               mim, parece mais uma camisinha usada. Foi achada
	               no lixo do banheiro. (pausa, olha para Júlio) É
	               tua? É melhor não mentir outra vez. O laboratório
	               já está com uma amostra do sêmen.
	
	Júlio olha para a camisinha, fica hesitante, baixa a cabeça.
	
	               JÚLIO
	               É minha. Eu estive com Anamaria... Uma noite
	               antes.
	
	               DELEGADO
	               (sorrindo) Isso explica as tuas impressões
	               digitais em todo o apartamento. Especialmente na
	               cama. (inclina o corpo na direção de Júlio) Por
	               que não facilita a tua vida e confessa de uma vez?
	
	Júlio olha para o delegado. Fica calado.
	
	
	CENA 67 - INTERIOR - DELEGACIA/SALA PEQUENA - DIA (14H)
	
	Márcia está sentada na sala de visita. Examina pastas em cima da
	mesa. Júlio entra na sala, algemado. Senta na frente de Márcia,
	que quase não olha pra ele.
	
	               MÁRCIA
	               Tu tá horrível. Não te deixaram tomar banho?
	
	               JÚLIO
	               Que é que tu acha?
	
	               MÁRCIA
	               Trouxe umas roupas limpas.
	
	               JÚLIO
	               E a Guida? Eu queria falar com ela, explicar
	               tudo...
	
	               MÁRCIA
	               Melhor não. Ela ainda está muito abalada. Vai
	               ficar fora de circulação por uns tempos.
	
	               JÚLIO
	               Conseguiu achar um advogado?
	
	               MÁRCIA
	               Nós não precisamos de advogado. Eu mesma vou
	               assumir a defesa.
	
	               JÚLIO
	               Acho que não é uma boa idéia.
	
	               MÁRCIA
	               Eu sei que tu é inocente.
	
	               JÚLIO
	               (rindo) Assim de repente? A troco de quê?
	
	               MÁRCIA
	               A estratégia está pronta. O perito concluiu que a
	               foto muito provavelmente foi editada. Muito
	               provavelmente! É um ponto a nosso favor, mas não
	               vai te tirar da cadeia. Daqui a pouco sai o
	               resultado do exame de sêmen.
	
	               JÚLIO
	               O exame vai mostrar que é meu.
	
	               MÁRCIA
	               Vamos ver. (pausa) Mas eu quero que tu entenda uma
	               coisa: eu estou fazendo tudo isso pela Guida.
	
	
	CENA 68 - INTERIOR - DELEGACIA/CELA - DIA (8H)
	
	Júlio está dormindo. A porta da cela abre, fazendo barulho e
	acordando Júlio.
	
	               POLICIAL
	               (OFF) Me acompanhe.
	
	
	CENA 68A - INTERIOR - DELEGACIA/SALA DO DELEGADO - DIA (8H05)
	
	O delegado entrega uma caixa para Júlio.
	
	               DELEGADO
	               As suas coisas. O senhor está livre, pelo menos
	               por enquanto. Saiu o resultado do exame de sêmen.
	               Não é seu. E o legista diz que ela morreu duas
	               horas antes. A sua esposa é competente, conseguiu
	               um habeas-corpus. (olha para Júlio e depois sorri)
	               Quem é que entende mulher?
	
	
	CENA 69 - INTERIOR - CASA JÚLIO/ESCRITÓRIO-BANHEIRO - DIA (15h)
	
	Márcia está no escritório, trabalhando no seu computador
	portátil. O espaço onde antes ficava o computador de Júlio está
	vazio. Júlio está saindo do banho. Toca o telefone. Júlio,
	enrolado na toalha, vai atender. Logo fica mal-humorado.
	
	               JÚLIO
	               Alô. (...) Não, não está. (...) Tenho certeza,
	               sim. (...) Eu dou. (...) De nada.
	
	               MÁRCIA
	               (OFF) Quem era?
	
	Júlio vai para o escritório.
	
	               JÚLIO
	               Era o Teodoro.
	
	               MÁRCIA
	               (irritada) E por quê tu não me chamou?
	
	               JÚLIO
	               Tu disse que precisava se concentrar.
	
	               MÁRCIA
	               Mas ele é meu cliente, Júlio!
	
	               JÚLIO
	               Deixou recado. Disse que o Juvenal já chegou em
	               Porto Alegre e está atrás dele.
	
	Márcia levanta e vai para a sala. Pega o telefone, começa a
	discar. Júlio, vestindo-se, aproxima-se dela.
	
	               JÚLIO
	               Quando a polícia vai devolver o meu computador?
	
	               MÁRCIA
	               (ainda irritada) Não sei. Usa o meu, por enquanto.
	
	               JÚLIO
	               Ele não serve pro meu trabalho.
	
	               MÁRCIA
	               Alô, Teodoro? (...) Calma. Eu estou indo praí.
	               (...) Não. (...) Espera.
	
	Márcia desliga e olha para Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Eu tenho que sair. Quando a imprensa souber que tu
	               tá aqui, vai ser um inferno. Presta atenção: nada
	               de entrevistas. Fica quieto, pelo menos por
	               enquanto. Entendeu?
	
	               JÚLIO
	               Tudo bem.
	
	
	CENA 70 - EXTERIOR - HOTEL NA J.CASTILHOS - DIA (16H)
	
	Teodoro está na janela do quarto, olhando para a rua.
	
	               TEODORO
	               Ele sabe onde eu estou.
	
	
	CENA 70A - INTERIOR - HOTEL NA J.CASTILHOS - DIA (16H01)
	
	Márcia conversa com Teodoro, que está nervoso.
	
	               TEODORO
	               Telefonou pra cá. (vira-se para Márcia) Foi tu que
	               contou?
	
	Márcia aproxima-se dele. Toca o braço de Teodoro, tentando
	acalmá-lo.
	
	               MÁRCIA
	               Não. Teodoro, tu precisa ficar calmo. É só uma
	               conversa. Tu vai ouvir o que ele tem a dizer e
	               pronto. Não precisa ficar assim.
	
	               TEODORO
	               Deve ter alguém me seguindo desde que saí de Cruz
	               Alta.
	
	               MÁRCIA
	               Tu tá totalmente paranóico.
	
	               TEODORO
	               Pediu que eu fosse sozinho, porque é assunto de
	               família.
	
	Márcia olha por um tempo para Teodoro. Aproxima-se mais um pouco.
	
	               MÁRCIA
	               Pois então? Um assunto de família. Eu disse que
	               ele era diferente do Oreste. (pausa) Tu não
	               precisa ir sozinho. Eu posso ir junto.
	
	               TEODORO
	               No fim da conversa, ele... me chamou de irmão.
	
	Márcia abre um pequeno sorriso.
	
	               MÁRCIA
	               Viu, só? Ele sabe que precisa negociar. Tudo vai
	               dar certo.
	
	               TEODORO
	               Mas eu estou com medo.
	
	               MÁRCIA
	               A única maneira de acabar com esse medo é
	               enfrentar a situação.
	
	Num gesto protetor, meio maternal, Márcia abraça Teodoro. Ele
	aceita o abraço. As mãos de Márcia vão baixando nas costas de
	Teodoro, até que ela demonstra surpresa. Enfia a mão atrás da
	camisa de Teodoro e puxa um revólver. Afasta-se e mostra a arma
	para Teodoro.
	
	               MÁRCIA
	               Tu tá louco, Teodoro.
	
	Teodoro olha para ela, assustado.
	
	
	CENA 71 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/SALA - DIA (16H30)
	
	Ciro senta no sofá, com o rosto preocupado e os olhos cansados,
	de quem não dormiu. Júlio indica uma cadeira, onde o rapaz senta.
	Antes de falar, Ciro respira fundo.
	
	               CIRO
	               Esse é o número de telefone de onde a foto foi
	               mandada.
	
	Ciro entrega um papel para Júlio, que fica olhando para o número
	anotado por algum tempo..
	
	               CIRO
	               (hesitante) Esse é o número daqui, não é?
	
	Júlio olha para Ciro, sério e preocupado.
	
	               JÚLIO
	               Mais alguém sabe disso?
	
	               CIRO
	               Não.
	
	
	CENA 72 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (16H40)
	
	Júlio entra no bar, que está quase vazio, e vê Márcia, sozinha,
	no canto do balcão, em frente a uma xícara grande de café preto.
	Júlio senta ao lado dela. Márcia demonstra irritação e cansaço.
	
	               MÁRCIA
	               O que é tão urgente?
	
	               JÚLIO
	               Eu descobri a verdade.
	
	               MÁRCIA
	               (sem emoção) Que verdade?
	
	               JÚLIO
	               A foto...
	
	               MÁRCIA
	               Eu não tenho tempo de...
	
	               JÚLIO
	               Foi tu que mandou a foto pros jornais.
	
	Márcia fica calada.
	
	               JÚLIO
	               E foi tu que matou Anamaria.
	
	Márcia continua calada.
	
	               JÚLIO
	               Por ciúme. E depois tentou me incriminar. Eu sei
	               como aconteceu.
	
	
	CENA 73 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - NOITE (PASSADO - 18H15)
	
	Márcia usa um pano para limpar a parte de baixo da estátua. Vai
	até a porta da rua. Pelo lado de fora, deixa a estatueta no chão.
	Encosta a porta. A câmara faz uma panorâmica da estatueta até o
	corpo de Anamaria, que está caído no chão, sobre uma grande poça
	de sangue.
	
	
	CENA 74 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (16H50)
	
	Continua a conversa de Márcia e Júlio.
	
	               JÚLIO
	               Tu queria que eu ficasse 30 anos na cadeia. Depois
	               se arrependeu, não sei porque, e resolveu me
	               defender. Se não fosse aquela camisinha, eu tava
	               perdido. Mas nisso tu não pensou.
	
	Os dois ficam quietos por algum tempo. Ela rompe o silêncio.
	
	               MÁRCIA
	               E o que tu pretende fazer?
	
	               JÚLIO
	               Não sei, ainda estou pensando.
	
	               MÁRCIA
	               Quer saber? Tu tá enganado, muito enganado, mas
	               não faz mal.
	
	               Júlio olha para Márcia, surpreso.
	               MÁRCIA
	               Por que tu não me contou toda a verdade sobre a
	               Anamaria?
	
	               JÚLIO
	               Não podia.
	
	               MÁRCIA
	               Por quê?
	
	               JÚLIO
	               Porque eu tava envergonhado.
	
	               MÁRCIA
	               Envergonhado pra confessar que já tinha transado
	               com ela no sítio, no nosso apartamento...
	
	               JÚLIO
	               Não. Eu só menti quando inventei a tal modelo. Eu
	               transei com Anamaria uma vez, no apartamento dela,
	               e foi tu que me mandou pra lá, lembra?
	
	Márcia pensa um pouco. Toma mais um gole de café.
	
	               MÁRCIA
	               Essas coisas agora não têm mais importância.
	
	               JÚLIO
	               Têm importância, sim. Se eu tivesse contado logo a
	               verdade, tudo seria diferente.
	
	               MÁRCIA
	               Talvez.
	
	               JÚLIO
	               Mas acho que tu também mentiu pra mim. Disse que
	               só tinha transado uma vez com Teodoro.
	
	               MÁRCIA
	               Tu quer mesmo saber?
	
	Júlio pensa um pouco e responde:
	
	               JÚLIO
	               Não. (pausa) Dois repórteres já ligaram lá pra
	               casa, atrás de mim. Daqui a pouco começam a fazer
	               plantão na porta. Eu estou pensando em ir para...
	
	Teodoro surge de repente, ao lado de Márcia.
	
	               TEODORO
	               Eu preciso falar contigo.
	
	Júlio olha para ele, irritado com a interrupção.
	
	
	CENA 75 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO - DIA (17H10)
	
	Júlio abre o armário e começa a tirar roupas, jogando-as em cima
	da cama.
	
	
	CENA 76 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (17H20)
	
	Teodoro conversa com Márcia.
	
	               TEODORO
	               Eu preciso de ti.
	
	               MÁRCIA
	               Não. Não precisa. E não sou mais tua advogada.
	
	               TEODORO
	               Eu preciso me proteger. Eu tô com medo.
	
	Márcia permanece calada.
	
	               TEODORO
	               Eu não vou mais esconder nada de ti. O que eu
	               tenho que fazer pra tu acreditar em mim?
	
	Márcia permanece calada. Teodoro, num rompante, tira a arma da
	cintura (estava em baixo da camisa) e a coloca sobre o balcão.
	
	               TEODORO
	               Pode pegar.
	
	Márcia olha para a arma.
	
	
	CENA 77 - INTERIOR - CASA DE JÚLIO/QUARTO - DIA (17H30)
	
	Júlio está pegando um casaco, que está num cabide. Quando o
	retira do guarda-roupa, derruba, sem querer, um casaco de Márcia
	(o mesmo da noite do crime). Ouve-se um ruído metálico. Ele olha
	para o chão e vê o chaveiro da pantera cor de rosa. Abaixa-se e
	pega o chaveiro.
	
	
	CENA 78 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (17H40)
	
	Continua a conversa de Márcia e Teodoro.
	
	               TEODORO
	               Ele ligou logo que tu saiu. Tá me esperando no
	               zoológico da Redenção. Tu sabe onde fica?
	
	               MÁRCIA
	               Sei. É perto daqui.
	
	               TEODORO
	               Ele quer que eu vá sozinho.
	
	
	CENA 79 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/PORTA-SALA - ENTARDECER (17H50)
	
	Júlio entra e acende a luz. Há várias marcações feitas pela
	polícia, inclusive o contorno do cadáver de Anamaria. Júlio
	caminha devagar, cuidando para não tocar em nada.
	
	Leva um susto quando toca o telefone celular. Atende. Há uma
	mensagem escrita no celular (que é digital): "Entra no bate-papo
	hoje às seis. Sabrina". Olha para o relógio. Dez pras seis. Júlio
	senta na frente do computador de Anamaria e o liga.
	
	
	CENA 80 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - DIA (18H)
	
	Márcia, sozinha no balcão, pede outra xícara de café. Olha para a
	bolsa. O revólver está lá dentro.
	
	
	CENA 81 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - ENTARDECER (18H05)
	
	Júlio digita na tela do bate-papo.
	
	"Ivanhoé - Sabrina, vc está aí? ". Logo aparece a resposta:
	
	"Sabrina - Sabrina morreu". Júlio digita:
	
	"Ivanhoé - Quem é vc? ". E Sabrina responde:
	
	"Sabrina - Eu sei a verdade".
	
	Júlio digita: "Ivanhoé - Que verdade?"
	
	
	CENA 82 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/ENTRADA - DIA (PASSADO - 18H10)
	
	Guida se aproxima da porta do apartamento e ouve gritos. O último
	deles é de Anamaria, bastante nítido.
	
	               ANAMARIA
	               (OFF) E agora, o que tu vai fazer?
	
	Guida empurra a porta.
	
	
	CENA 83 - EXTERIOR - AV. OSWALDO ARANHA - ENTARDECER (18H07)
	
	Teodoro atravessa a avenida, na direção do parque.
	
	
	CENA 84 - INTERIOR - BAR PERTO DO FÓRUM - ENTARDECER (18H08)
	
	Márcia está nervosa. Olha para a xícara de café.
	
	INSERT 1 - (CENA 26)
	
	JUVENAL - Mas eu sou diferente dele. Eu sou mais... Tolerante. A
	senhora entende?
	
	INSERT 2 (CENA 49)
	
	MÁRCIA - Ninguém vai matar ninguém.
	
	INSERT 3 - (CENA 75)
	
	Rosto de Anamaria levando a porrada (OU caindo no chão).
	
	Márcia olha para o relógio. Num rompante, sai do bar.
	
	
	CENA 85 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H11)
	
	               GUIDA
	               Mãe!
	
	               ANAMARIA
	               (para Guida) Tua mãe é louca.
	
	               MÁRCIA
	               Sua vagabunda! Se fazendo de sonsa, de amiguinha
	               da Guida!
	
	               GUIDA
	               O que é isso?
	
	               MÁRCIA
	               Sabe o que essa puta anda fazendo com o teu pai?
	
	               ANAMARIA
	               Não acredita nela, Guida!
	
	               MÁRCIA
	               (para Guida) Olha quem tu botou dentro da nossa
	               casa, Guida.
	
	Márcia mostra para Guida a fotografia de Anamaria nua ao lado de
	Júlio.
	
	               MÁRCIA
	               Ela é a tal mulher com quem o seu pai fica todas
	               as noites na Internet. Anamaria é Sabrina! Sempre
	               foi!
	
	               ANAMARIA
	               (para Guida) Era uma brincadeira, Eu memas depois
	               eu me apaixapaixonei pelo teu pai. Isso é errado?
	
	               MÁRCIA
	               Ela te usou pra se aproximar do Júlio. Fingiu que
	               era tua amiga. (para Anamaria) Conheço o teu tipo,
	               sua ordinária.
	
	
	CENA 86 - EXTERIOR - PARQUE DA REDENÇÃO - ENTARDECER (18H09)
	
	Teodoro pára em frente à entrada do mini-zôo. Olha para os lados.
	Vê apenas os freqüentadores habituais do parque. Entra no mini-
	zôo.
	
	
	CENA 87 - EXTERIOR - CARRO DE MÁRCIA - ENTARDECER (18H10)
	
	Márcia dirige, nervosa.
	
	
	CENA 87A - EXTERIOR - REDENÇÃO - DIA (18H11)
	
	Juvenal caminha pelo parque.
	
	
	CENA 88 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H15)
	
	Continua a briga.
	
	               ANAMARIA
	               Cai fora, sua ridícula. Sai da minha casa!
	
	               MÁRCIA
	               Eu ainda tenho umas coisas pra te dizer, e tu vai
	               ter que ouvir, sua piranha!
	
	               ANAMARIA
	               Vai embora, velha! Não tenho culpa se ele não
	               gosta mais de ti.
	
	               MÁRCIA
	               Sua puta!
	
	Márcia avança contra Anamaria, que se defende. Guida intervém,
	mas é empurrada para longe. Anamaria consegue derrubar Márcia.
	Guida pega a estatueta e a levanta sobre a cabeça. Márcia vê e
	grita:
	
	               MÁRCIA
	               Guida, não!
	
	Guida dá um golpe na cabeça de Anamaria, que cai. Um grosso
	filete de sangue escorre de sua cabeça.
	
	
	CENA 89 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H15)
	
	Teodoro está na frente da gaiola dos macacos. Olha para os lados,
	nervoso. Um macaco aproxima-se dele.
	
	
	CENA 90 - EXTERIOR - PARQUE DA REDENÇÃO - ENTARDECER (18H20)
	
	O carro de Márcia chega em alta velocidade e freia bruscamente.
	Márcia sai do carro, com a arma na mão. Corre na direção do mini-
	zôo.
	
	
	CENA 91 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H21)
	
	Teodoro, agora menos nervoso, acende um cigarro e olha para um
	macaquinho, que está comendo uma banana ou fazendo alguma
	macaquice na grade, bem perto dele. Dois homens aproximam-se por
	trás de Teodoro. Um deles dá um encontrão em Teodoro, que se
	vira, já meio caindo, surpreso. O outro homem grita.
	
	               HOMEM
	               Passa a carteira!
	
	Teodoro não reage. Os dois homens sacam revólveres e dão, cada
	um, três tiros em Teodoro. Um tiro final é disparado na testa de
	Teodoro, à queima-roupa.
	
	
	CENA 92 - EXTERIOR - PERTO DO MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H22)
	
	Márcia ouve os tiros e grita, sem parar de correr.
	
	               MÁRCIA - Teodoro!
	
	
	CENA 93 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H16)
	
	O corpo de Anamaria no chão. O sangue saindo da sua cabeça.
	
	
	CENA 94 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H24)
	
	Márcia olha para o corpo de Teodoro, deitado no chão, morto, com
	o peito coberto de sangue.
	
	
	CENA 95 - INTERIOR - AP. ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H17)
	
	Márcia e Guida olham para o corpo de Anamaria, apavoradas. Guida
	ainda está com a estatueta na mão.
	
	
	CENA 96 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H30)
	
	Juvenal aproxima-se, pelas costas de Márcia, e também olha para o
	corpo de Teodoro. Fala, sem olhar para Márcia.
	
	               JUVENAL
	               Me disseram que foi um assalto. Dois homens
	               tentaram tirar a carteira dele. Ele reagiu. Os
	               homens atiraram. Depois fugiram.
	
	Márcia olha para Juvenal, horrorizada. Juvenal olha para ela.
	
	               JUVENAL
	               Eu me atrasei um pouco. Foi isso que aconteceu.
	
	Márcia continua olhando para Juvenal.
	
	
	CENA 97 - INTERIOR - APTO. DE ANAMARIA/SALA - NOITE (18H35)
	
	Júlio digita.
	
	               JÚLIO
	               (OFF) Como tu sabe?
	
	Resposta na tela.
	
	               GUIDA
	               (OFF) Eu tava lá.
	
	
	CENA 98 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H18)
	
	Guida segura a estatueta, sem saber o que fazer. Márcia tira a
	estatueta da mão de Guida.
	
	
	CENA 98A - INTERIOR - AP.ANAMARIA/BANHEIRO - DIA (PASS - 18H19)
	
	Márcia e Anamaria vão para o banheiro. Márcia lava o sangue na
	mão e no rosto de Guida, que está chorando e treme bastante.
	
	               MÁRCIA
	               Calma, minha filha.
	
	Márcia está saindo do banheiro, mas, de repente, pára e volta.
	Revira o lixo ao lado da patente e acha uma camisinha. Joga a
	camisinha na privada e puxa a descarga.
	
	               MÁRCIA
	               Vamos sair daqui.
	
	
	CENA 98B - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - DIA (PASSADO - 18H18)
	
	Márcia leva Guida de volta para a sala. Pega, na fechadura, o
	chaveiro da pantera cor-de-rosa. As duas saem do apartamento.
	
	
	CENA 99 - EXTERIOR - CARRO/FACHADA DE HOTEL - NOITE (PASS - 19H)
	
	O carro de Márcia estaciona. Márcia olha para Guida.
	
	               MÁRCIA
	               Me espera aqui. Vou demorar uma meia-hora.
	
	Guida continua em choque. Não diz nada. Márcia sai do carro e
	entra no hotel.
	
	
	CENA 100 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/BANHEIRO - NOITE (PASS - 20H)
	
	Márcia entra no banheiro, pega a estatueta e limpa a parte de
	baixo. Guida entra.
	
	               GUIDA
	               Não me deixa sozinha, mãe.
	
	Márcia abre a bolsa, retira um pacote pequeno, envolto em papel
	higiênico, e deixa que seu conteúdo caia no lixo. É uma camisinha
	usada. Olha para Guida.
	
	               MÁRCIA
	               Agora falta pouco.
	
	
	CENA 101 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - NOITE (18H40)
	
	Júlio está atônito, olhando para a tela do computador. Vemos a
	frase se formando no bate-papo. A voz em OFF de Guida a
	acompanha.
	
	"SABRINA - Eu não devia ter contado pra ela o teu apelido."
	
	               GUIDA
	               (OFF) Eu não devia ter contado pra ela o teu
	               apelido.
	
	
	CENA 102 - INTERIOR - APARTAMENTO DA AVÓ DE GUIDA - NOITE (18H40)
	
	Guida está na frente do seu notebook, digitando. Alheia ao que
	acontece no computador, uma velha assiste TV.
	
	               GUIDA
	               (OFF) Mas achei que ela só tava brincando contigo.
	               Depois disse que já tinha enjoado. (pausa) Pai, eu
	               te amo. Tu me perdoa?
	
	
	CENA 103 - INTERIOR - AP.ANAMARIA/SALA - NOITE (18H41)
	
	Júlio fica olhando para a tela, sem saber o que dizer.
	
	
	CENA 104 - EXTERIOR - MINI-ZÔO - ENTARDECER (18H40)
	
	Uma pequena multidão se formou em volta do corpo de Teodoro.
	Márcia, com os olhos brilhando, olha para Juvenal.
	
	               MÁRCIA
	               Eu vou te botar na cadeia.
	
	Juvenal sorri para ela, aparentando tranqüilidade. Uma ambulância
	estaciona na entrada do mini-zôo. Dois enfermeiros saem,
	carregando uma maca. Márcia sai, em sentido contrário.
	
	
	CENA 105 - EXTERIOR - CASA DE CAMPO/FACHADA - DIA (10H)
	
	Cartão: "UM ANO DEPOIS"
	
	(APENAS SOM AMBIENTE)
	
	O carro de Júlio estaciona na frente da casa de campo. Júlio,
	Márcia, Guida e Ciro olham para a casa e ficam em silêncio dentro
	do carro. Finalmente Ciro fala:
	
	               CIRO
	               A gente não vai descer?
	
	Júlio, Márcia e Guida parecem despertar com a voz dela.
	
	               MÁRCIA
	               Claro. Tava com a cabeça longe...
	
	Júlio abre a sua porta e olha para o céu.
	
	               JÚLIO
	               Acho que tivemos sorte. Tá um dia lindo.
	
	Os quatro saem do carro.
	
	               GUIA
	               Olha só que sol! Vai ser um fim de semana
	               daqueles.
	
	               JÚLIO
	               Sabe o que eu pensei? Que a gente podia pintar a
	               casa.
	
	               MÁRCIA
	               Tu acha?
	
	               JÚLIO
	               Tá vendo ali? (aponta para uma parede) Tá
	               descascando.
	
	               MÁRCIA
	               É verdade. Não tinha reparado... Ciro, me ajuda
	               aqui com as sacolas...
	
	Ciro e Júlio levam as sacolas até a entrada da casa. As mulheres
	seguem-nos, mas Júlio faz sinal para elas pararem.
	
	               JÚLIO
	               Esperem aí. Quero tirar uma foto na frente da
	               casa.
	
	Márcia, Guida e Ciro voltam. Júlio afasta-se mais, deixa a câmara
	preparada sobre um tripé e corre para posar ao lado da mulher e
	da filha. A câmara faz a foto. Vemos imediatamente a imagem
	digital no visor: os quatro, sorridentes, na frente da casa. A
	imagem "estoura", num efeito de computação gráfica. Entra música.
	
	
	CRÉDITOS FINAIS
	
	
	FIM
	
	*******************************************************************
	
	(c) Carlos Gerbase, Jorge Furtado, Álvaro Teixeira e Giba Assis
	Brasil, 1999-2000
	Casa de Cinema de Porto Alegre
	http://www.casacinepoa.com.br
01/05/1999
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