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               AS TRÊS PALAVRAS DIVINAS
	               episódio da série
	               CENA ABERTA
	               baseado no conto de Leon Tolstoi
	               roteiro de Jorge Furtado
	               e Guel Arraes
versão 13/08/2003
	               produção: Casa de Cinema de Porto Alegre
	               para TV Globo
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	CENA 1 - PAISAGEM GELADA - EXTERIOR - DIA (CENA DE ARQUIVO)
	Paisagem gelada no interior da Rússia, uma pequena cabana coberta
	de neve. Choro de bebê.
	               REGINA (OFF) Estamos no século dezenove, no
	               interior da Rússia. É dia de São Brás, sempre um
	               dos dias mais frios do ano. Esta é a casa onde
	               vivem Simonov e sua mulher Mariuska.
CENA 2 - CABANA - INTERIOR - DIA
	Uma casa de madeira, uma única peça onde camas, fogão e panelas
	dividem o pouco espaço com os instrumentos de uma oficina de
	sapateiro. SIMONOV trabalha numa peça de couro. MARIUSKA (Regina)
	prepara uma mamadeira. Num berço,
	uma criança chora.
	               REGINA (OFF)
	               Eles tem um filho de cinco anos e um bebê de
	               poucos meses. Simonov e Mariuska são muito pobres,
	               não tem terras, moram numa casa alugada. Simonov é
	               sapateiro e assim alimenta sua família. Mas o pão
	               é caro, o trabalho mal pago e eles comem o pouco
	               que ganham.
	Maria senta-se ao lado do berço e alcança a mamadeira ao bebê.
	Ele pára de chorar e mama.
	               MARIUSKA
	               O leite terminou. Só tem para o bebê.
	               Legenda:???????????????????.??????????????????????
	               ??
	               SIMONOV
	               Eu não estou com fome.
	               Legenda:???????????
	               MARIUSKA
	               Precisamos de leite. E também de farinha, o pão
	               está quase no fim, sobrou só uma micha. O bebê
	               precisa de um cobertor. Está muito frio.
	Simonov larga o pedaço de couro e as ferramentas, levanta-se.
	Pega um casaco.
	               SIMONOV
	               Eu vou até a cidade.
	               MARIUSKA
	               Só temos dinheiro para o leite.
	               SIMONOV
	               Uns camponeses na dasha me devem trinta rublos.
	               Cobrarei o dinheiro e terei o suficiente para o
	               leite, a farinha e o cobertor.
	               MARIUSKA
	               Se eu não cozinhar o pão hoje a farinha dura até
	               sexta. Coma alguma coisa na cidade.
	               SIMONOV
	               E você?
	               MARIUSKA
	               Eu não estou com fome.
	Simonov abre a porta. O vento e a neve invadem a sala. Ele
	sai e fecha a porta.
CENA 3 þ CABANA þ EXTERIOR, DIA
Mariuska chega a porta.
	               MARIUSKA
	               Não demore! Sem o casaco eu não posso sair.
	               SIMONOV
	               Eu não demoro.
	               MARIUSKA
	               Não deixe a mulher te enganar. Trinta rublos é um
	               bom dinheiro. Se der, traga algumas batatas.
	               SIMONOV
	               Eu trago.
CENA 4 - FRENTE DA CABANA - EXTERIOR, DIA
Simão sai de casa. Entra título:
"As Três Palavras Divinas"
de Leon Tolstoi.
Câmera corrige para a janela da casa.
	               REGINA
	                (com o livro na mão) "As Três Palavras Divinas" é
	               uma lenda inspirada na vida de Santo André. Logo
	               depois da morte do Cristo os apóstolos se
	               espalharam pelo mundo para pregar os seus
	               ensinamentos.
	Imagens que ilustram sua apresentação: cenas de filmes, quadros,
	gravuras.
	               REGINA (OFF)
	               Coube a Santo André a parte do mundo que
	               correspondia a Rússia. A cruz usada pela igreja
	               russa até hoje é diferente e é chamada cruz de
	               Santo André. As "Três Palavras Divinas" do título
	               são uma súmula, um resumo da doutrina cristã. A
	               lenda era muito popular no século dezenove, quando
	               o escritor Leon Tolstoi retomou esta história.
CENA 5 þ ARQUIVO
	Imagens de camponeses no filme "Linha Geral". Imagens religiosas
	no filme "Ivan o Terrível
Lettering: filme do cineasta russo Sergei Einsenstein.
	               REGINA (OFF)
	               Nessa época a Rússia ainda era um império e seus
	               personagens são os camponeses muito pobres do
	               interior do país. Muito pobres e muito religiosos,
	               como a maioria do povo russo nesta época.
Corta para imagens religiosas do filme "Deus e o Diabo".
Lettering: filme do cineasta brasileiro Glauber Rocha.
	               REGINA (OFF)
	               Uma situação muito parecida com a dos camponeses
	               brasileiros de hoje, que também são pobres e
	               religiosos...
CENA 6 þ CABANA þ EXTERIOR, DIA
Regina se aproxima da máquina de neve. A máquina pára.
	               REGINA
	               ... e por isso a gente adaptou a história para o
	               Brasil. Mas além da fé e da fome, o frio também
	               tem um papel importante nesta história: tudo
	               acontece porque Simão vai a cidade para comprar um
	               cobertor. Por isso a gente resolveu filmar no
	               interior do Rio Grande do Sul...
CENA 7 - ARQUIVO
	Imagens de gente do interior do Rio Grande do Sul rezando na
	igreja, em procissões (de preferência com roupas de frio).
	               REGINA (OFF)
	               ... onde, no inverno, a temperatura chega abaixo
	               de zero e os camponeses, como em todo Brasil,
	               também são pobres e religiosos.
CENA 8 þ DOCUMENTÁRIO
	Pequenas falas sobre fé em Deus, com Regina entrevistando os
	moradores da região.
CENA 9 þ CABANA þ EXT/DIA
Regina na janela da cabana.
	               REGINA
	                (com o roteiro na mão) Na nossa história "As Três
	               Palavras Divinas" é uma lenda brasileira da época
	               da chegada do cristianismo no Brasil.
CENA 10 - ARQUIVO
	Imagens que ilustram sua apresentação: cenas de filmes, quadros,
	gravuras.
	               REGINA (OFF)
	               Logo depois do descobrimento os missionários
	               jesuítas vieram para a América pregar a fé
	               católica. Miguel, o anjo que está no centro da
	               história, é inspirado nestes missionários e por
	               isso ele vai ser encontrado junto das ruínas da
	               Igreja de São Miguel, uma das mais antigas do
	               Brasil.
CENA 11 - FRENTE DA CABANA
	Vila no interior do RGS. Simão sai novamente de casa, entra
	título novamente:
	               "As Três Palavras Divinas"
	               adaptado da obra de Leon Tolstoi.
	               REGINA (OFF) Estamos no século vinte e um, no
	interior do Rio Grande do Sul. Nossos personagens chamam-se agora
	Simão e Maria. É dia de São João, sempre um dos dias mais frios
	do ano.
CENA 12 - ESTRADA - EXTERIOR, DIA
	Imagem de Simão andando na neve funde pra ele no mesmo registro,
	com um figurino atual, caminhando numa paisagem do amanhecer no
	Rio Grande do Sul. Créditos.
	               REGINA (OFF)
	               Com o pouco dinheiro que tem, Simão não pode
	               comprar farinha, leite, as batatas e o cobertor.
	               Talvez o mais importante seja comprar a farinha, o
	               leite e as batatas, para que tivessem o que comer.
	               O cobertor também é importante, está muito frio. E
	               o bebê chorou muito à noite, precisa de um
	               cobertor. Isso tudo, claro, se ele conseguir
	               receber o dinheiro.
CENA 13 - ESTRADA - EXTERIOR, DIA
Simão caminha pela estrada, se aproxima de um povoado.
CENA 14 - CASA DE CARMEM - EXTERIOR/DIA
Simão bate palmas na frente de uma casa.
	               REGINA (OFF)
	               Agora que a história passou para o interior
	               gaúcho, a gente vai ter que aprender o sotaque e o
	               jeito de falar do pessoal daqui.
CENA 15 - SALA DE ENSAIOS
	Regina e Fulano, o ator que faz Simão, com moradores da região.
	Conversam sobre o sotaque, Regina passa as falas e adapta ao
	vocabulário local.
	               REGINA
	               Nas próximas cenas Simão, que é o personagem de
	               Fulano, encontra vários moradores da cidade para
	               tentar receber o dinheiro que lhe devem. O Simão é
	               um sapateiro, bastante pobre. Na cena que vocês
	               vão fazer ele está tentando receber um dinheiro,
	               por um serviço que fez. Vocês sabem que devem o
	               dinheiro, mas também não tem para pagar. Ele vai
	               tentar receber, vocês tem que explicar que não
	               podem pagar. (pergunta a um figurante) Como é seu
	               nome?
	               CARMEM
	               Carmem.
CENA 16 - CASA DE CARMEM - EXTERIOR/DIA
Simão bate palmas na frente de uma casa.
	               SIMÃO
	               Dona Carmem!
Uma mulher abre a janela.
	               SIMÃO
	               Bom dia. Dona Carmem, eu estou precisando do
	               dinheiro da mala que eu lhe fiz.
	               CARMEM
	               Desculpe, Simão, mas eu não tenho dinheiro. Meu
	               marido ficou doente, tive que comprar muitos
	               remédios.
	               SIMÃO
	               Eu preciso comprar leite para o bebê.
	Outros figurantes na janela. Regina interfere, dirige os
	figurantes, muda a intenção das falas: envergonhado, irritado,
	triste...
	Perguntas sobre expressões típicas para se dizer que está sem
	dinheiro. Pede para incluí-las no texto. Pede para inventar
	desculpas para não pagar.
	               JOSÉ
	               Desculpe, mas eu não tenho dinheiro.
	               PEDRO
	               Estou latindo para economizar cachorro
	               FRANCISCO
	               A geada este ano acabou com a minha plantação, não
	               colhi nada.
	               MARCOS
	               Estou mais apertado que São Jorge na lua
	               minguante.
	               LUIS
	               Meu dinheiro anda mais curto que coice de preá.
	               SILVIA
	               A pensão do meu marido foi toda para pagar o
	               aluguel.
	               JOANA
	               Posso lhe dar um pouco de leite.
	               SIMÃO
	               Está bem. Obrigado.
	Joana entra na casa. Simão esfrega as mãos para se esquentar um
	pouco. A mulher volta com uma garrafa de leite. Joana entrega o
	leite a Simão.
	               JOANA
	               Desculpa, é só o que eu tenho.
Ricardo entrega o leite a Simão.
	               RICARDO
	               Desculpa, é só o que eu tenho.
Carmem entrega o leite a Simão.
	               CARMEM
	               Desculpa, é só o que eu tenho.
Simão pega o leite.
	               SIMÃO
	               Obrigado.
Simão pega o leite e sai, caminha para o povoado.
CENA 17 - ARMAZÉM - EXTERIOR, DIA
Simão, com a garrafa de leite, se aproxima de um armazém. Entra.
CENA 18 - ARMAZÉM - INTERIOR/DIA
Regina entra num armazém. Um DONO DO ARMAZÉM está no balcão.
	               REGINA
	               Bom dia. Como é seu nome?
	               DONO DO ARMAZÉM
	               ...
	Regina entrevista o Homem, pergunta o que servem ali, o que é
	melhor para esquentar, cachaça, vinho ou... Ele vende fiado? Ele
	sugere que Simão compre a comida ou o cobertor? O que é pior:
	passar fome ou passar frio?
Figurantes também opinam sobre frio e fome.
	Regina argumenta com o DONO DO ARMAZÉM que Simão é muito pobre,
	tem um bebê e se, neste caso, ele não venderia fiado. O DONO DO
	ARMAZÉM argumenta que ali tem muita gente pobre e, se ele for
	vender fiado, vai ficar pobre também.
	Regina convida o DONO DO ARMAZÉM a fazer a cena. (As falas da
	entrevista viram falas do diálogo do DONO DO ARMAZÉM com Simão).
CENA 19 - ARMAZÉM - INTERIOR/DIA
Simão entra no armazém.
	               DONO DO ARMAZÉM
	               Bom dia, Simão. Como vai a vida?
	               SIMÃO
	               Difícil.
	               DONO DO ARMAZÉM
	               Eu é que sei.
	               SIMÃO
	               Preciso de um cobertor. E de batatas e farinha. E
	               também de um cobertor.
	               DONO DO ARMAZÉM
	               Você tem dinheiro?
Simão põe sobre o balcão o pouco dinheiro que tem.
	               DONO DO ARMAZÉM
	               Isso não dá para tudo.
	(Diálogo baseado nas respostas do Dono do Armazém na entrevista.
	Simão diz que o bebê precisa de um cobertor, etc.)
	               DONO DO ARMAZÉM
	               Pode levar o cobertor. Ou a farinha e as batatas.
	               SIMÃO
	               Acho que vou levar o cobertor.
	O Dono do Armazém pega o dinheiro e entrega um cobertor para
	Simão. Põe um copo sobre a mesa e serve um pouco de cachaça.
	               SIMÃO
	               Não tenho dinheiro para isso.
	               DONO DO ARMAZÉM
	               É por conta da casa, só para esquentar.
Simão pega o copo, toma de um gole.
	               SIMÃO
	               Se era para esquentar, põe mais um que eu ainda
	               estou com frio. O Dono serve mais um.
CENA 20 - ESTRADA - EXTERIOR/DIA
	               REGINA
	               Qualquer um que acha que é ator faz cena de
	               bêbado, por isso fazer cena de bêbado é sempre um
	               problema. Bêbado é chato e cena de bêbado tende a
	               ser chata também. Por outro lado, cena de bêbado é
	               muito útil. É que nem novela: o personagem pode
	               falar sozinho que todo mundo acha normal.
Simão caminha pela estrada, num passo vacilante de bêbado.
	               SIMÃO
	                (canta) São João, São João, acende a fogueira, do
	               meu coração... São João está dormindo, não
	               acoooorda não... Acordai, acordai...
	Simão passa pela frente das Ruínas de São Miguel. Fogos estouram
	ao longe.
	               SIMÃO
	               Viva São João!! (canta) Cai, cai, balão, cai, cai,
	               balão, aqui, na minha mão... Que balão, o quê, eu
	               queria mesmo era o meu dinheiro... (canta) Aqui na
	               minha mão... Não cai não, não cai não... Cai só a
	               mão dos outros... (revoltado) Ninguém me paga!
	               (imitando) "Desculpa, é só o que eu tenho"...
	               "Desculpa, é só o que eu tenho"... E eu, tenho o
	               quê!? Só tenho desculpas, mais nada. Eu não tenho
	               nada... Nada! Posso morrer de fome, de frio... Eu
	               passando frio e esse monte de gente fazendo
	               fogueira para São João. São João não está nem aí!
	               (Vê Miguel) Que é isso?!...
	Simão vê, na porta da igreja, um HOMEM (20) nu, deitado no chão.
	Não vemos o seu rosto.
	               SIMÃO
	               Que será aquilo? Ali não tinha nenhuma pedra
	               branca. Será uma vaca? Uma vaca morta? Não! Não
	               parece vaca. Parece um homem. Um homem morto!
	               (assustado) Devem ter matado e jogado o corpo
	               aí...
Simão se afasta assustado.
	               SIMÃO
	               Melhor não passar nem perto, vou arrumar
	               complicação.
O Homem se move.
	               SIMÃO
	               Não, espera aí. (pára) A la, pucha, o bicho não tá
	               morto.. Tá se mexendo... Se mataram, deixaram o
	               serviço pela metade...
Simão se afasta.
	               SIMÃO
	               Quase morto é pior que vivo, mais complicação
	               ainda... (pára) Tenha vergonha, sujeito! O homem
	               está morrendo e você foge com medo?
Simão dá meia volta em direção ao homem. Pára, observa de longe.
	               SIMÃO
	               Deve ser um ladrão, vai querer me roubar... (se
	               afasta, pára) Roubar o quê? Você é rico, por
	               acaso, pra alguém querer lhe roubar?
	Simão se aproxima do Homem, observa-o de perto. Regina entra em
	quadro.
	               REGINA (Lendo)
	               Simão chegou perto, curvou-se para o moço que
	               subitamente se reanimou, virou a cabeça e olhou
	               bem para ele. Desde que Simão viu esse olhar,
	               começou a amar o moço. (Olha pra câmera) Simão
	               ainda não sabe, mas esse moço que ele encontrou é
	               na verdade um anjo. (Mostra o livro) Tolstoi
	               descreve várias vezes a impressão que o olhar
	               deste anjo causa nos homens. (volta a ler) "Simão
	               lembra-se do olhar que o moço lhe dirigiu perto da
	               igreja".
Imagens de vários anjos missioneiros, esculturas e pinturas.
	               REGINA (OFF)
	               Seu coração transborda de alegria""... "Maria
	               olhou de novo para o moço e seu coração derreteu".
Regina ao lado de Simão, que observa Miguel (fora de quadro).
	               REGINA (Para a câmera)
	               Como é que se escolhe um ator para representar um
	               anjo?
CENA 21 - DOCUMENTÁRIO
	Povo fala "quem você acha que tem cara de anjo? Matéria sobre
	"anjos". Cara de anjo, olhar angelical. Existe cara de gente boa
	e cara de gente má?
CENA 22 - MOSTEIRO
Regina está num mosteiro. Ao fundo coral de monges ou algo assim.
	               REGINA
	O anjo da nossa história foi inspirado nos primeiros
	missionáriosque vieram ao Brasil, monges da ordem dos jesuítas...
	Por isso eu vim aqui no mosteiro de... em... para ver se eles tem
	cara de anjo. (Podemos não precisar a ordem para ter monges de
	várias delas).
	Regina conversa com jovens monges sobre a fé e a vocação pra ser
	monge.
	               REGINA
	               Tolstoi escreveu "As Três Palavras divinas"
	               inspirado em trechos do evangelho de São João.
	               "Quando amamos nossos irmãos conhecemos que
	               passamos da morte para a vida. (João, 3:14) Ora,
	               se aquele que possui os bens deste mundo, e vendo
	               seu irmão na necessidade, lhe fechar as entranhas,
	               como é que o amor de Deus permanecerá nele? "
	               (João, 3:17)
	Regina pergunta aos monges mais jovens se já fizeram teatro, se
	aceitam fazer um teste.
CENA 23 þ SALA DE TESTES
	Vários candidatos ao papel de Miguel: loiros, morenos, índios,
	negros...
	               REGINA
	               Tolstoi diz que Miguel, o anjo, "tem longos
	               cabelos cacheados". Porque anjo nunca tem cabelo
	               liso?
	Regina escolhe alguns candidatos loiros, olhos azuis, cabelos
	cacheados.
	               REGINA
	               Vocês tem cara de anjo de Rafael: loiro, olho
	               claro, cabelo cacheado...
	Imagens de anjos renascentistas intercaladas com imagens dos
	candidatos. (PESQUISA)
	               REGINA
	               Anjo é sempre um pouco parecido com quem faz o
	               anjo. Anjo europeu é loiro e de olho azul.
	Imagens de anjos de Aleijadinho e do barroco mineiro (PESQUISA),
	caras abrasileiradas, intercaladas com imagens dos candidatos.
	               REGINA
	               Os anjos do Aleijadinho tem mais cara de
	               brasileiro.
	Imagem de um anjo mulato, pintada numa igreja da Bahia. Regina
	escolhe uns candidatos negros.
	               REGINA
	               Na Bahia, é claro, tinha que ter pelo menos um
	               anjo negro. Anjo pode ser negro, por que não?
Imagens dos anjos missioneiros (PESQUISA), cara de índio.
	               REGINA
	               Alguns anjos das missões jesuíticas, que eram
	               feitos pelos índios, tem cara de índio.
Regina escolhe um anjo com cara de índio.
	               REGINA
	               Resumindo: anjo pode ter qualquer cara, só precisa
	               ser jovem e bonito, nunca vi anjo velho, feio e
	               barrigudo. Não pode ter barba nem bigode, anjo de
	               bigode não existe. E para fazer papel de anjo, o
	               mais importante é interpretar bem.
CENA 24 þ SALA DE TESTES
Regina fala aos candidatos.
	               REGINA
	               Eu vou fazer um teste de ator com vocês para o
	               papel do anjo. Vocês vão dizer esse texto onde o
	               Miguel, que é o nome do anjo, explica como
	               desobedeceu a Deus e veio parar aqui na terra.
	O trecho a seguir é dito por vários dos candidatos e montado na
	seqüência. (pode usar todo o trecho do original e depois montar)
	               CANDIDATOS AO PAPEL DE MIGUEL
	               Eu desobedeci a Deus e por isso fui castigado.
	               Deus me mandou buscar uma alma, a alma de uma
	               mulher. Desci à terra e vi, numa casa muito pobre,
	               uma velha senhora, muito doente. Ao seu lado, num
	               berço, havia um menino. Ela chorou muito, me pediu
	               que não a levasse. Ela era a mãe do menino, que
	               não tinha mais ninguém. Se ela partisse, quem
	               cuidaria do menino? Ele iria morrer, sem dúvida.
	               Eu fiquei com pena, deixei a alma da velha mulher
	               e voltei ao céu. Deus então me disse: "Tu voltarás
	               à terra e aprenderás as três palavras divinas: o
	               que existe nos homens, o que não sabem os homens e
	               o que faz viver os homens. Quando tiveres
	               aprendido, tu voltarás ao céu". Um turbilhão me
	               arrastou, minhas asas tornaram-se pesadas e se
	               soltaram, e eu fiquei caído na terra.
A partir daqui, a fala é dada só pelo candidato escolhido.
	               MIGUEL
	               Eu estava só e nu, não conhecia ainda as misérias
	               humanas; nem o frio nem a fome. Tornei-me um
	               homem. Senti frio e tive fome e não soube o que
	               fazer. Sentei-me então na soleira da porta daquela
	               igreja, para me abrigar do vento. Sentia fome e
	               frio; sofria. Foi quando tu me encontrastes.
CENA 25 - FRENTE DA IGREJA
	Pode-se comentar e discutir como mostrar um anjo nu sem mostrar o
	principal (ângulos de câmera etc). O mesmo problema foi
	enfrentado pelos pintores renascentistas, que cobriam o sexo com
	folhas de árvores ou pintavam corpos sempre em posições que lhe
	cobrissem as vergonhas. (PESQUISA)
CENA 26 - FRENTE DA IGREJA
	Simão se abaixa perto de Miguel, levanta seu rosto e agora vemos
	o rosto do anjo (ator escolhido). Ele tem o olhar doce e Simão
	olha-o encantado.
	               SIMÃO
	               Quem tu é?
O Homem não diz nada.
	               SIMÃO
	               Não sabe falar?
Simão tira o cobertor e põe sobre as costas do homem.
	               SIMÃO
	               Chega de conversa. Vamos. Tu vai morrer se ficar
	               aqui. De onde tu é?
	               HOMEM
	               Não sou daqui.
	               SIMÃO
	               Aconteceu alguma coisa?
	               HOMEM
	               Não posso dizer.
	               SIMÃO
	               Alguém te fez mal?
	               HOMEM
	               Não, ninguém me fez mal. Deus me castigou.
	               SIMÃO
	               E para onde tu vai?
	               HOMEM
	               Para qualquer lugar.
	               SIMÃO
	               Se ficar aqui, tu vai morrer, tá um frio de
	               renguear cusco.
O Homem se levanta.
	               SIMÃO
	               Venha comigo. Ainda tenho um pouco de lenha em
	               casa. Vamos.
Simão e o Homem caminham pela estrada.
CENA 27 - CASA DE SIMÃO - INTERIOR/NOITE
Simão entra em casa com o Homem.
	               SIMÃO
	               Cheguei. Trouxe o leite.
Simão aponta pra o Homem.
	               SIMÃO
	               E comprei um cobertor.
Maria olha para o Homem.
	               MARIA
	               Parece que o cobertor era usado, veio com alguém
	               dentro.
	               SIMÃO
	               É um amigo.
Maria se aproxima de Simão.
	               MARIA
	               Tu bebeu?
	               SIMÃO
	               Só um gole.
	               MARIA
	               Recebeu o dinheiro?
	               SIMÃO
	               Não. O marido de dona Carmem ficou doente. Tem
	               alguma coisa para comer?
	               MARIA
	                (furiosa) Para ti, não. E muito menos para esse
	               aí. Tu não recebeu o dinheiro, não trouxe lenha
	               nem pão nem batatas, encheu a cara de cachaça e
	               ainda me aparece com mais um vagabundo?
	               SIMÃO
	               Tu não quer nem mesmo saber quem é este homem?
	               MARIA
	               Tá bom! Quem é?
Pausa.
	               SIMÃO
	               Não sei.
	               MARIA
	               Deve ser um bêbado. Se fosse um homem honesto, não
	               estaria nu.
	               SIMÃO
	               Eu achei ele assim, perto da igreja. Disse que foi
	               castigado por Deus. Pensei que era louco, mas logo
	               vi que não. Tu acha que eu podia deixar ele assim,
	               no frio?
Maria olha para Miguel.
	               REGINA (OFF)
	               Maria, pela primeira vez, viu o olhar do homem. E
	               viu que era um olhar doce e puro.
	               MARIA
	               Tem um pouco de sopa. E é melhor ele vestir alguma
	               coisa.
CENA 28 - CASA DE SIMÃO - INTERIOR/NOITE
	Maria pega algumas roupas e empresta ao Homem. Serve dois pratos
	de sopa.
	               SIMÃO
	               Como é o teu nome?
	               HOMEM
	               Miguel.
	Simão está mexendo na fogueira, o fogo cresce e ilumina mais
	forte o rosto de Miguel que sorri pela primeira vez. O filho de
	Simão olha para Miguel, um pouco desconfiado.
	               REGINA (OFF)
	               "Miguel" significa "Quem como Deus? ". São Miguel
	               é o defensor do povo no tempo de angústia. É o
	               padroeiro da igreja universal e aquele que
	               acompanha as almas dos mortos até o céu.
	Miguel pega uma folha de jornal, uma tesoura, e começa a
	recortar. Abre o recorte que forma várias bandeirinhas. O menino
	sorri.
CENA 29 - INTERIOR DA IGREJA
	Regina sai de quadro, um facho de luz rasga o céu e vemos o anjo
	ajoelhado no chão da Igreja.
	               REGINA
	               Na noite de São João, sua primeira noite entre os
	               homens, Miguel ficou conhecendo a primeira das
	               Três Palavras Divinas.
	Ele levanta, entra nas ruínas, olha pra cima e vê as estrelas
	pelo teto destruído.
	               REGINA (OFF)
	               Miguel estava só e nu. Viu uma Igreja consagrada
	               ao Senhor e quis se abrigar por ali mas ela estava
	               em ruínas. Encostou-se nas paredes tentando se
	               defender do vento. Ele nunca havia conhecido as
	               misérias humanas, nem o frio nem a fome.
	Miguel olha, Simão vem meio bêbado pela estrada, a mesma cena que
	já vimos mas agora no ponto de vista de Miguel. O rosto de Simão,
	bêbado e praguejando, parece terrível. (não ouvimos o que Simão
	diz). Simão faz as mesmas ações da cena anterior: maldizendo a
	vida, passa com medo por Miguel, hesita e volta. Detalhes que
	denotam sua enorme inquietação: morde a boca, torce a mão, franze
	os olhos, etc.
	               REGINA (OFF)
	               De repente ele vê pela primeira um rosto mortal
	               desde que ele mesmo tinha se tornado homem. O
	               rosto desse homem era terrível, e Miguel teve
	               medo.
	Simão volta até Miguel e olha-o docemente, cobre-o com o cobertor
	e o ajuda a levantar.
	               REGINA
	               E de repente Miguel olha para o homem e não o
	               reconhece mais. A morte que estava no rosto dele
	               tinha desaparecido. Ele se tornara vivo, a imagem
	               de Deus estava no sou rosto.
CENA 30 þ CASA DE SIMÃO þ INT/NOITE
	Simão e Miguel chegam em casa, vemos as reações de Maria no ponto
	de vista de Miguel.
	               REGINA (OFF)
	               A mulher era ainda mais terrível do que o marido,
	               o hálito da morte saía de sua boca. Mas seu marido
	               lhe falou de Deus e ela se transformou, a morta
	               voltou a ficar viva e Miguel reconheceu Deus no
	               rosto dela. Aí Miguel se lembrou da primeira
	               palavra de Deus: o que existe nos homens. E
	               entendeu que o que existe nos homens é a
	               compaixão. E sorriu pela primeira vez.
	Miguel abre o recorte que forma várias bandeirinhas. O menino
	sorri. Miguel sorri, iluminado pela fogueira. Recebendo o prato
	de sopa. As bandeirinhas junto ao fogo dão à cena um clima de
	festa de São João. Eles comem em silêncio.
	               REGINA (OFF)
	               Eles tomaram sopa e foram dormir. Simão e Maria
	               deram o cobertor novo para Miguel e puseram o bebê
	               em sua cama, para que ele não sentisse tanto frio
	               naquela noite.
CENA 31 - CASA DE SIMÃO - EXTERIOR/DIA
Dia de sol. O filho de Simão brinca com o bebê.
	               REGINA (OFF)
	               E Miguel ficou morando na casa de Simão.
CENA 32 - CASA DE SIMÃO - INTERIOR/DIA
Simão e Miguel trabalham, Simão faz um sapato.
	               REGINA (OFF)
	               Miguel era muito hábil com o couro. Sabia costurar
	               e cortar como se fosse um mestre sapateiro. E logo
	               Simão vendeu um par de sapatos, uma mala e uma
	               bolsa para um comerciante. E compraram leite, pão,
	               batatas, e muita lenha. E a irmã do comerciante
	               viu a mala e quis uma igual. E também um bolsa. E
	               ela pagou adiantado. Simão comprou carne para a
	               sopa e roupas novas para o bebê. A fama de Simão
	               como sapateiro se espalhou pela região e ele
	               recebeu muitas encomendas.
CENA 33 þ SALA DE ENSAIOS
	               REGINA
	               É nesta hora que chega o vilão.
CENA 34 þ ARQUIVO
	Imagens da primeira aparição do vilão em vários filmes.
	(PESQUISA)
	               REGINA (OFF)
	               Como é a cara do vilão? Muitos atores ficaram
	               famosos por fazer papel de bandido. Para fazer o
	               vilão, o ator tem que ter uma cara forte, um olhar
	               duro e penetrante. E tem que entrar em cena de um
	               jeito que todo mundo perceba que ele não é de
	               brincadeira.
CENA 35 þ CASA DE SIMÃO þ INT/DIA
	A porta se abre violentamente. Botas de couro entram na casa. A
	câmera sobe e revela o rosto do Coronel.
	               CORONEL
	               Quem é o mestre sapateiro?
	               SIMÃO
	               Sou eu, senhor.
	               CORONEL
	                (gritando) Sebastião! Traga o couro.
	SEBASTIÃO, um empregado do Coronel entra, carregando um pacote.
	Abre o pacote, mostra uma peça de couro.
	               CORONEL
	               Conhece este couro?
Simão examina o couro.
	               SIMÃO
	               Sim, senhor. É couro muito bom.
	               CORONEL
	               Claro que é bom, seu imbecil! Mandei trazer da
	               Argentina, é couro da melhor qualidade. Vale uma
	               fortuna. Pode fazer uma bota?
	               SIMÃO
	               Claro que sim, senhor. Que tipo de bota?
	               CORONEL
	               Uma bota de montaria.
	               SIMÃO
	               Sim senhor.
	               CORONEL
	               Mas preste muita atenção: quero uma bota perfeita,
	               cano alto, com um fecho, impermeável, forrada de
	               seda, com sola revestida com borracha. Quero um
	               par de botas que durem pelo menos dois anos sem
	               gastar nem perder a forma. Pode fazer em quinze
	               dias?
Simão olha para Miguel, ele parece muito triste, chorando.
	               SIMÃO
	                (para Miguel) O que foi? Acha que não devo
	               aceitar?
	               MIGUEL
	               Aceite.
	               SIMÃO
	                (ao Coronel) Está certo. Em quinze dias.
	               CORONEL
	               Quinze dias sem falta, hein? E se você estragar
	               este couro, mando lhe botar na cadeia.
O Coronel sai, batendo a porta.
	               SIMÃO
	                (para Miguel) Você pode fazer o serviço em quinze
	               dias?
Miguel tem a cabeça baixa.
	               MIGUEL
	               Posso.
Simão estranha mas volta a trabalhar. Miguel chora.
CENA 36 - CASA DE SIMÃO - INTERIOR/DIA
Simão está terminando de costurar uma bolsa.
	               REGINA (OFF)
	               Quinze dias se passaram. Simão tinha muitas
	               encomendas e deixou que Miguel cuidasse das botas
	               do Coronel.
	               SIMÃO
	               Miguel, hoje é dia de entregar as botas do
	               coronel. O trabalho está pronto?
	               MIGUEL
	               Está.
	Miguel afasta algumas tábuas e mostra o trabalho que fez: um par
	de sapatos pretos.
	Simão fica apavorado.
	               SIMÃO
	               Miguel! Que foi que tu fez? Sapatos?
	               MARIA
	               Com o couro do Coronel! E agora?
	               SIMÃO
	               Maria, é melhor você ir até lá.
	               MARIA
	               Eu? Por que eu?
	               SIMÃO
	               Mulher tem mais jeito para dar notícia ruim.
	               MARIA
	               Quem disse?
	               SIMÃO
	               Meu pai.
	               MARIA
	               Claro, e tua mãe acreditava.
	               SIMÃO
	               Se eu for, ele vai me matar. Diga que eu viajei ou
	               diga que eu morri. Ele há de ter pena de uma
	               viúva. É isso: diga que eu morri e que eu deixei a
	               bota faltando só o cano.
	               MARIA
	               Morreu como?
CENA 37 - CASA DO CORONEL þ INT/DIA
	Maria entra na casa. Um caixão ao fundo onde o coronel está sendo
	velado. Maria com um embrulho na mão e Sebastião conversam em
	primeiro plano.
	               MARIA
	               Morreu como?
	               SEBASTIÃO
	               Morrendo, ora, o que é que adianta saber de que?
	               MARIA
	               Tem razão. A morte é maior do que qualquer
	               explicação. (pegando o pacote)
	               SEBASTIÃO
	               A senhora trouxe as botas, não é?
	               MARIA
	               Pois é... Mas ele...
	               SEBASTIÃO
	                (Vai levando as botas) A viúva diz que foi o
	               último desejo do marido.
	A cena é interrompida pelo ator que faz o coronel e que se
	levanta do caixão.
	               ATOR
	               Desculpa gente, não está dando.
Regina vem pra frente.
	               REGINA
	               Ressuscitou, Sicrano?
	O ator explica que tem a maior agonia de fazer papel de morto, é
	uma espécie de fobia.
CENA 38 þ DEPOIMENTOS
Inserts de outros atores falando disso. (PESQUISA)
CENA 39 þ CASA DO CORONEL þ INT/DIA
	Regina procura alguém pra ficar no lugar do ator. Pergunta se as
	pessoas ali teriam problema com isso. Encontra alguém parecido:
	você sabe fazer papel de morto?
CENA 40 þ CASA DO CORONEL þ INT/DIA
	O dublê do coronel no caixão. A viúva está acabando de abrir o
	embrulho com os sapatos dentro. Sebastião ao seu lado, confuso.
	               VIÚVA
	               Que sapato é esse? (Dirigindo-se a Maria) Meu
	               marido tinha encomendado um par de botas.
	               MARIA
	               Eu sei, dona Edviges, mas é que quando o meu
	               marido ficou sabendo do passamento do Coronel
	               resolveu desfazer a bota e fazer um sapato. Foi um
	               serviço dobrado, mas ele fez com gosto para lhe
	               fazer um agrado nessa hora difícil. Não ia ficar
	               bem vocês enterrarem o coronel de botas.
	               VIÚVA
	               A senhora tem toda razão. Sebastião, veja uma
	               gratificação para o sapateiro.
CENA 41 þ CASA DE SIMÃO
Close de Miguel olhando o coronel encomendando as botas.
	               REGINA (OFF)
	               Miguel teve a revelação da segunda palavra divina
	               quando olhou para o coronel naquele dia em que ele
	               veio encomendar suas botas.
	No ponto de vista de Miguel uma sombra (ou algo assim) está por
	trás do coronel.
	               REGINA (OFF)
	               Por trás dele Miguel reconheceu o Anjo da Morte e
	               soube que o tempo dele entre os homens estava
	               terminando.
	               CORONEL
	               Quero um par de botas que durem pelo menos dois
	               anos sem gastar nem perder a forma. Pode fazer em
	               quinze dias?
	               REGINA (OFF)
	               Aquele homem queria botas que durassem dois anos e
	               não sabe que pode morrer em poucos dias. Miguel se
	               lembrou da segunda palavra de Deus: o que não
	               sabem os homens. Eles não sabem o futuro, não
	               conhecem o destino de sua vida na terra. E chorou
	               por eles.
Miguel chora.
CENA 42 þ CASA DE SIMÃO þ EXT/DIA
Miguel trabalhando.
	               REGINA (OFF)
	               Mas ainda faltava conhecer a terceira e última
	               palavra.
	Um Casal se aproxima com um Menino de 5 anos. O Menino está muito
	alegre, brinca com uma bola e se aproxima de Maria e da Criança
	para brincar.
	               PAI
	               Bom dia para todos.
	               SIMÃO
	               Bom dia.
	               PAI
	               O senhor faz botas para crianças?
	               SIMÃO
	               Faço, claro.
	               MENINO
	               Eu quero uma bota preta! Com esporas!
	               MÃE
	               Pode ser preta, mas nada de esporas. E o senhor
	               também sabe fazer selas?
	               SIMÃO
	               Para o menino?
	               MENINO
	               Eu vou ganhar um cavalo!
	               SIMÃO
	               Miguel, você sabe fazer selas?
	Simão olha para Miguel e vê que seu olhar está transformado,
	iluminado. Miguel tem os olhos fixos no Menino.
	               SIMÃO
	               O que houve, Miguel? Está passando bem?
	               MIGUEL
	               Sim. Eu sei fazer selas.
	               PAI
	               Ótimo. Quanto tempo precisam?
	               SIMÃO
	               Um mês está bem?
	               MÃE
	               Está bem, é um presente de aniversário.
	               MARIA
	               Seu filho é muito bonito.
	               MÃE
	               Ele é a nossa maior felicidade. Eu nunca pude ter
	               filhos e pedi a Deus que me mandasse uma criança.
	               Ele atendeu meu pedido. Nós o encontramos sozinho,
	               quando ainda era um bebê.
	               PAI
	               Qual o preço da sela e das botas?
	               SIMÃO
	               X (pesquisa) reais está bem?
	               PAI
	               Certo. Volto dentro de um mês. Adeus.
O Menino parte, correndo, os pais o seguem.
Miguel entra na casa.
	               MARIA
	               O que houve com ele?
	               SIMÃO
	               Não sei, nunca vi ele assim.
CENA 43 þ CASA DE SIMÃO
Miguel sorri olhando a entrada do menino com os pais adotivos.
	               REGINA (OFF)
	               Quando olhou o menino com seus pais adotivos,
	               Miguel reconheceu nele a causa de sua
	               desobediência a Deus, cinco anos antes, quando
	               aquele menino ainda era um bebê.
CENA 44 þ CASA DA MULHER DOENTE þ INT/DIA
	Uma luz (ou sombra) invade o quarto de uma MULHER DOENTE com um
	bebê ao lado.
	               REGINA (OFF)
	               Por causa dele teve pena da mulher de quem deveria
	               levar a alma.
	               MULHER (Pra câmera)
	               Anjo de Deus, meu marido morreu há trinta dias.
	               Não tenho parente nenhum que possa cuidar do meu
	               filho. Não leve a minha pobre alma! Deixe eu criar
	               esse menino mais um pouco. Pelo menos até ele
	               andar. Sem pai nem mãe, pequenininho desse jeito,
	               ele vai terminar morrendo. Como é que uma criança
	               vai viver sem pai nem mãe?
A sombra vai desaparecendo.
	               REGINA (OFF)
	               Com pena da mulher o anjo voa até o céu e se
	               apresenta diante de Deus.
CENA 45 þ SALA DE ENSAIO
	               REGINA
	                (Pra câmera) Uma frase como essa: (lê) "o anjo
	               voa até o céu e se apresenta diante de Deus... "
	               (pra câmera) e que dura cinco segundos para ser
	               lida pode levar a loucura a equipe de produção de
	               um roteiro. (Sublinha no roteiro) "o anjo"...
CENA 46 þ SALA DE PRODUÇÃO
	Takes da asas sendo feitas, o ator experimentando figurino, as
	asas sendo fixadas, etc.
	               REGINA (OFF)
	               Primeiro a gente vai ter que transformar Miguel
	               num anjo de verdade, que até agora ele só apareceu
	               com um figurino básico de homem.
Por fim o anjo pronto.
	               REGINA
	               (Sublinha no roteiro)... "o anjo voa até o céu"
CENA 47 þ ESTÚDIO
	Miguel já de anjo num estúdio testando o mecanismo das asas,
	sendo amarrado e pendurado num cabo de aço contra o croma onde
	vemos ser inserido um belo céu até vermos o efeito finalizado
	dele voando.
CENA 48 þ SALA DE PRODUÇÃO
Regina lendo.
	               REGINA
	                (Sublinha no roteiro)... "e se apresenta diante
	               de Deus". (olha pra câmera) Deus! Alguém tem idéia
	               de como pode ser Deus?
CENA 49 - DOCUMENTÁRIO
Povo fala: como é Deus?
CENA 50 þ ARQUIVO (PESQUISA)
	Pesquisa sobre as diversas representações de Deus (na pintura, no
	cinema). Como e quando começou a representação mais comum do
	velhinho de barba branca?
CENA 51 þ SALA DE PRODUÇÃO
	Olhando na Bíblia Regina vê que não há a menor alusão (verificar,
	pesquisa) sobre a aparência de Deus.
	               REGINA
	               Quando ele aparece pra Abrahão diz apenas: "eis-me
	               aqui", da maneira mais simples possível, sem
	               descrição nenhuma. "Eis-me" quem? "Aqui" onde?
	               Talvez a melhor maneira de representar Deus seja
	               não representá-lo. E não existe um lugar mais
	               simples, mais perto do que o céu para se falar com
	               Deus?
CENA 52 - DOCUMENTÁRIO
	Povo fala. Onde você vai quando quer falar com Deus.
	"Na igreja."
Música do Gil "Se eu quiser falar com Deus", versão instrumental!
CENA 53 þ FRENTE DA IGREJA
	               REGINA
	               Vamos fazer Miguel falar com Deus na Igreja. Mas
	               que Igreja? A Igreja de São Miguel, claro, que é a
	               Igreja da nossa história. Mas como ela está em
	               ruínas vamos reconstituir a imagem dela no
	               computador.
CENA 54 þ ESTÚDIO / COMPUTAÇÃO
	Na computação, o interior da Igreja em ruínas sendo
	reconstituído. (A computação já existe, foi feita pela
	Unissinos).
	Miguel, de anjo, entra na Igreja (virtual) de São Miguel.
	Ajoelha-se.
	               MIGUEL
	               Senhor, eu não tive coragem de lhe trazer a alma
	               daquela mulher. O pai morreu há três dias e sem a
	               mãe o menino não vai sobreviver.
	O raio de luz cai sobre Miguel que perde as roupas e cai na
	posição e lugar que já vimos lá em cima no momento em que chegou
	a terra. A igreja agora está em ruínas.
	               REGINA (OFF)
	               O Senhor ordenou que outro anjo trouxesse a alma
	               da mulher e mandou Miguel de volta a terra para
	               que ele conhecesse as Três Palavras Divinas.
	Simão, bêbado, entra em quadro ao fundo, numa repetição da cena
	que já vimos.
	               REGINA (OFF)
	               A primeira palavra divina, "o que existe nos
	               homens é a compaixão", ele aprendeu naquela mesma
	               noite quando conheceu Simão.
	CENA 55 þ FLASH BACK
	O coronel encomendando a bota. Simão olha pra ele.
	               REGINA (OFF)
	               A segunda palavra, "o que não sabem os homens" ele
	               aprendeu quando previu a morte do coronel.
CENA 56 - FLASH BACK
Menino brincando com a bola.
	               REGINA (OFF)
	               E foi através daquele menino que ele aprendeu a
	               terceira e última palavra: o que faz viver os
	               homens.
CENA 57 - CASA DA MULHER þ INT/DIA
	O bebê chora ao lado da mãe desfalecida. O casal que o adotou
	constata a morte da mãe e pega o bebê no colo.
	               REGINA (OFF)
	               Miguel pensava que, sem os parentes, a criança ia
	               morrer.
CENA 58 þ CASA DE SIMÃO þ EXT/DIA
Os pais adotivos e o menino pegando o sapato e a sela.
	               REGINA (OFF)
	               Mas um casal adotou e alimentou o bebê.
CENA 59 þ RUÍNAS þ EXT/DIA
	Simão com suas roupas de sapateiro entra nas ruínas de São Miguel
	e se transforma no anjo de asas.
	               REGINA (OFF)
	               E Miguel compreendeu neste instante que Deus o
	               perdoava por ter desobedecido. Ele tinha lhe
	               revelado a terceira palavra divina.
	A imagem de Simão de anjo congela e se transforma num quadro do
	século XVII: uma imagem de um anjo sobre a igreja de São Miguel.
	(PESQUISA)
CENA 60 - MUSEU DAS MISSÕES
Regina caminho até o quadro na parede, com a imagem do Anjo.
	               REGINA
	               Os homens não vivem porque se bastam a eles
	               mesmos. O que faz viver os homens é o amor.
	Câmera fecha no quadro. O anjo do quadro bate asas e sai voando
	pelo céu da pintura. Créditos.
FIM
	(c) Jorge Furtado e Guel Arraes
	Casa de Cinema de Porto Alegre
	http://www.casacinepoa.com.br
09/12/2003
| Anexo | Tamanho | 
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