Entrevista - Jorge Furtado

Como nasceu o filme Houve Uma Vez Dois Verões?

A partir de um roteiro que escrevi em 2000. Eu estava captando recursos para o longa metragem O Homem que Copiava e, como as coisas demoram muito, escrevi este roteiro para experimentar um equipamento digital adquirido pela Casa de Cinema. Nessa época, meu filho Pedro tinha um grupo de teatro, eu os via ensaiando e pensei em escrever uma história para jovens atores adolescentes. Então, juntei várias coisas que eu queria. Por exemplo, o cenário é a praia. Por isso, filmamos em várias praias do Rio Grande do Sul, entre Cidreira e Capão da Canoa. Queria usar a praia depois da temporada de verão, quando não há muito movimento. A história se passa em março, pois os personagens não têm muito dinheiro para veranear na alta temporada.

Voltaste a tua adolescência para criar o roteiro?

É tudo uma grande salada do que eu já vivi, do que ouvi falar e de coisas que só acontecem hoje. Vídeo game e Aids, por exemplo, não existiam na minha adolescência e estão no filme.

Como tu defines o filme?

No site da Casa de Cinema, temos uma sinopse que, na verdade, é uma anti-sinopse. Acho que a sinopse é uma simplificação muito grosseira de uma história. No caso do Houve, que é um roteiro cheio de viradas e surpresas, quanto menos a gente  entregar melhor. Por isso, não gosto de fazer sinopses muito detalhadas. O filme é uma comédia jovem, com muito rock and roll.

A música, então, tem um papel importante no filme?

A trilha sonora foi muito bacana de fazer.  Eu e o Léo Henkin, diretor da trilha, fizemos uma grande pesquisa na internet. Queríamos um tipo de trilha que remetesse à nossa adolescência, nos anos 60 e 70, e atualizá-la para os dias de hoje. Pensamos quais as bandas que poderiam tocar aquele tipo de música. Por isso, vários músicos gaúchos e de outros estados regravaram as canções. A Cássia Eller, por exemplo,fez uma linda versão para Nasci para Chorar, acho que uma de suas últimas gravações, e o Pato Fu regravou Coração Tranqüilo, do Walter Franco. A banda Papas da Língua e o Léo Henkin criaram músicas especiais para o filme, como Calor da Hora.  A trilha tem também Nei Lisboa, Wander Wildner, Frank Jorge, Vídeo Hits. Olha, acho que mesmo quem não gosta de cinema, vai gostar da música.

E o processo de captação digital? Por que vocês escolheram?

O fato de ser em digital foi muito importante porque eu estava trabalhando com atores pouco experientes. O negativo é um pouco constrangedor pro ator porque é um processo caro, onde não se pode errar muito e causa muita pressão. Eu queria experimentar mais possibilidades de cenas e fazer improvisações. No caso deste filme a gente trabalhou com os atores dois meses antes da filmagem, ensaiando, gravando em vídeo, experimentando. A Lisa Becker fez a preparação dos atores e, na hora de filmar, eu tinha muito material. Filmava 30 takes por cena. Eu faço muita televisão e o método de filmagem é o mesmo. A transposição do vídeo para o filme em digital é que eu nunca tinha feito. Com a digitalização do material para passar para película a coisa evoluiu muito, o resultado final é muito bom.

A diferença fundamental entre o digital e a película é que para filmes de baixo orçamento, o digital facilita até em função do tempo. A luz no cinema, por exemplo, é muito mais minuciosa, a precisão do acerto é lenta. O foco também deve ser muito preciso, o que requer muito mais tempo e repetição. Todo o processo de filmagem é mais lento em filme. No vídeo você vê o resultado final já no momento da filmagem.

Este é o teu primeiro longa-metragem. O segundo, O Homem que Copiava, já está quase pronto, com previsão de lançamento  no segundo semestre do ano. Como te sentes ao lançar dois longas, quase  ao mesmo tempo?

As pessoas quase não percebem, mas para fazer um longa-metragem tem uma grande dificuldade, que é o tamanho do trabalho. Tudo é grandioso: a duração do trabalho, o tamanho da equipe, o tempo de montagem, a captação, enfim...  Fazer um curta é um esforço concentrado. Tu ficas trabalhando quinze horas por dia, se for o caso, vira noites, se precisar, e terminou. O longa é um trabalho diário, durante semanas, com uma equipe muito grande, de aproximadamente 80 pessoas, e acontece um monte de coisas com elas durante o trabalho. É um desafio, pois no meio de todo este trabalho você ainda tem que pensar na cena e na direção do filme. Eu tive esta experiência em partes. Comecei dirigindo curtas-metragens, depois fiz coisas mais longas para a televisão, como Comédias da Vida Privada, que eram episódios de 45 minutos cada um. Aí, dirigi a minissérie Luna Caliente, que tinha três episódios, num total de 2 horas e 40 minutos de duração, em 35 mm, com uma equipe gigantesca de 120 pessoas, em Rio Pardo/RS, onde a gente ficou quase dois meses. Então, por essa  experiência eu já havia passado.

O que eu ainda não tive é a experiência de exibição de um longa-metragem, de pegar um trabalho inteiro, feito para ser visto inteiro em uma sala escura e ter o domínio do público durante uma hora e meia. Essa é a experiência nova.

E as expectativas para a estréia do teu primeiro longa, então?

Houve é um filme para ser assistido sem se esperar nada dele, sem ter idéias pré-concebidas a respeito. Existe um preconceito grande com a comédia, como se fosse um filme menor. E no cinema brasileiro há poucas comédias. Geralmente, são feitas apenas para crianças. Comédias para adultos são raras. Para jovens, então, muito poucas. A comédia tem uma utilidade porque rir é muito importante. Se, além disso, o roteiro é interessante, as pessoas vão gostar de ver.

Espero que o filme  contribua para diminuir o preconceito com a comédia no cinema brasileiro. Houve Uma Vez Dois Verões comunica-se  com o público jovem e tem uma proposta diferenciada de linguagem.
Não faremos uma estréia nacional. Vamos fazer estréias regionais, para poder acompanhar a aceitação do filme. Quando se faz uma megaestréia, em todo o país ao mesmo tempo, ela dura duas semanas e pronto. Assim,com uma mídia segmentada, regionalizada, é mais fácil acompanhar.

Já trabalhaste com atores tão jovens antes?

Nunca com um elenco quase inteiro só de jovens atores. Foi uma experiência ótima. Eles se dedicaram muito ao texto, à leitura e aos ensaios. Muitas coisas surgiram a partir de sugestões deles, como a linguagem do filme, o jeito de falar deles. Essa geração é muito educada audiovisualmente. Eles já viram muita televisão, têm muitas referências de cena, de como vai ser o resultado final. Acho que o filme tem um certo frescor trazido por eles, o que é estimulante. Apesar de quase toda a equipe de filmagem ter mais de quarenta anos, o filme parece ter sido feito por uma garotada.

Teu filho Pedro interpreta o Juca no filme. Como é dirigir o próprio filho? Como é trabalhar em família?

O filme surgiu um pouco em função dele. Obviamente, eu tenho com ele uma relação mais profunda do que com os outros atores. Então, talvez eu tenha sido mais preciso nas indicações para ele do que para os outros. Foi uma relação muito boa, ele sugeriu muitas coisas e se preocupou até com a montagem do filme. Eu gosto de trabalhar em família porque tem essa intimidade que é importante. O cinema é um trabalho essencialmente de  equipe e quanto maior a afinidade que o grupo tem, melhor é o resultado.

Quais os pontos fortes do filme?

A atuação. Os atores trabalharam muito para chegar ao resultado final. Eu acompanhei esse trabalho e achei fantástico. Outro ponto alto é a participação de atores mais experientes como o Antônio Carlos Falcão, a Janaína Motta, o Marcelo Aquino, que são atores que entraram no filme muito bem. A trilha sonora também ficou muito bacana e vai ser lançada em CD. Também tem uma coisa bem gaúcha no filme, que é o nosso litoral. A gente está muito acostumado a ver o cinema brasileiro com praias maravilhosas, samba e mulheres bonitas. Praias maravilhosas e samba nós não temos, mas mulheres bonitas e um bom rock and roll nós temos, e isso está no filme.

Algumas dificuldades para fazer o filme?

O assunto é meio chato, mas sempre é a falta de dinheiro para levantar a produção. Por mais barato que o filme seja, ele é sempre muito caro. É preciso pagar o salário da equipe, ter comida, transporte, hotel e outras coisas. Este filme ganhou um concurso do Ministério da Cultura para filmes de baixo orçamento, definido pelo Ministério como sendo filmes que custassem abaixo de um milhão de reais. No concurso, o filme ganhou 370 mil reais. Era um dinheiro que dava para as filmagens. Depois a gente conseguiu outros apoios, como o da Columbia Pictures, que garantiu a distribuição do filme, e também da BR Distribuidora, CRT, BrasilTelecom, Governo do Estado/LIC e Banrisul, que viabilizaram a finalização. O Houve Uma Vez Dois Verões teve um custo total de 790 mil reais.

E as alegrias?

A convivência com a equipe foi muito boa. Esse foi um filme muito divertido de fazer. A equipe se conhece muito e fazer uma comédia é uma coisa divertida. O processo de realização é engraçado, não é tudo planejado. Mas o melhor é ver o filme montado, ver que ele funciona, que deu certo.

Curtas, longas ou televisão?

Cada formato tem seus atrativos e suas limitações. Gosto de trabalhar com televisão porque ela é rápida. A distância entre a intenção de fazer algo e o trabalho acabado é curta. Na televisão, faço mais roteiros, que é o que mais gosto, mas também gosto de dirigir. Com a televisão você atinge muitas pessoas ao mesmo tempo.

O curta é um esforço concentrado, de baixo orçamento, que circula pela periferia da mídia. As pessoas não saem de casa para ver um curta. Ele circula um pouco na televisão e em mostras. É ideal para fazer experimentações. E é importante como cinema.

O longa é o que todo mundo chama de “cinema”. As pessoas saem de casa para ir ao cinema ver um longa-metragem.

Qual é  a tua ligação com a TV Globo hoje?

Eu fui funcionário da Globo durante muito tempo e hoje sou contratado para prestar serviços como roteirista e diretor. Tenho feito basicamente roteiros, mas já dirigi documentários, minisséries e dois episódios do Brava Gente. Eu trabalho  no núcleo do Guel Arraes, fazendo roteiros para ele, mas já fiz coisas no núcleo do Carlos Manga, como as séries Agosto e Memorial de Maria Moura. Estou lá há 11 anos, escrevo coisas, dirijo, proponho projetos. Para Os Normais eu já escrevi dois roteiros.

Neste ano, vamos ampliar a parceria da Casa de Cinema com a Globo. Desde o Programa Legal, a Casa de Cinema produz coisas para a Globo. Agora já estabelecemos uma boa relação de produção. Luna Caliente e episódios para Comédias da Vida Privada e Brava Gente foram produzidos inteiramente aqui, entregamos prontos.

E tempo para fazer tudo isso?

Gosto de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Um trabalho incentiva o outro, surgem idéias que migram de um projeto para o outro e, por outro lado, como dizia o Sherlock Holmes, você descansa de um trabalho no outro.

Teu curta-metragem O Sanduíche foi selecionado para o Festival de Clermont–Ferrand, na França, que aconteceu em fevereiro. Como é participar de festivais?

Eu participo muito de festivais e cada um tem uma característica própria. O de Clermont-Ferrand, que é só de curtas, tem uma seleção muito rigorosa. A cidade é muito fria, neva muito, então as pessoas vão mesmo para ver os filmes. Para mim, só o fato de ter sido selecionado já é um prêmio. O meu primeiro curta que concorreu lá foi Ilha das Flores, que ganhou prêmios de Júri Popular e Crítica. Depois, em 1992, o Esta Não É a Sua Vida ganhou o prêmio principal do Festival. O cinema francês de curta-metragem tem muito essa coisa do humor, do dia-a-dia, que O Sanduíche também tem.

Janeiro de 2002
 
 


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