Como transformar um livro em cinema?

Giba: Convidamos o Marcelo para participar da adaptação e ele disse que não queria pegar essa 'encrenca' (risos). Ele achava que seria muito difícil adaptar o livro para o cinema. Ao mesmo tempo, ele ficou super interessado em acompanhar o processo.

Marcelo Carneiro da Cunha (Autor)
: Antes que o mundo acabe é um livro com uma história única, entre os 16 que já publiquei. É também o mais vendido. Aproxima-se dos cem mil exemplares, o que é muito no Brasil (e no mundo). O livro começa com fotografias. A minha editora tinha visto uma exposição do Sebastião Salgado, eu também. E ela me pediu um livro “com fotografias sobre outras culturas no mundo”.  Para um ficcionista como eu um livro de fotografias não conta uma história. Mostra fotos. Eu precisava contar uma história. Em Buenos Aires, onde vi a exposição do Sebastião Salgado, observei um pai explicando as fotos para o filho pequeno. Aquilo me deu a ideia inicial: e se, no livro, um pai explicasse ao filho as fotos que ele fazia de outras culturas do mundo? E, melhor, se esse pai e esse filho não se conhecessem? E se o pai tivesse uma missão, que o justificasse como ser humano, mesmo que não explicasse o péssimo pai que (não) tinha sido? E se essa missão fosse fotografar culturas em desaparecimento pelo mundo todo? E se esse filho estivesse cheio de outros problemas, e surgisse esse pai na vida dele através de fotos? E se o filho começasse a enviar fotos para o pai, começando assim a finalmente olhar pra valer para o seu mundo?

Bom, se tudo isso acontecesse, talvez tivéssemos um livro interessante, não é mesmo? E acho que deu certo.

Eu sempre penso nos meus livros como cinema. Eu cresci vendo cinema, como todo garoto do século 20. Eu apenas pensei, quando o Giba e a Ana me disseram que queriam filmar o livro – “Como eles vão solucionar para o cinema a estrutura epistolar do livro?” Cartas indo e vindo nunca deram certo no cinema (vide o chatíssimo Nunca te vi, sempre te amei). No Ligações Perigosas, Stephen Frears simplesmente ignora a construção epistolar do livro. E funciona. 

Bom, o pessoal deu duro, resolveu brilhantemente o problema e ainda criou uma cena antológica no filme, quando Daniel liga o computador para escrever ao pai e a plateia então compreende que está diante de uma experiência única no cinema que já viu até hoje.

O meu livro precisava ter fotos sem se tornar cansativo. Eu acho que achei os meus jeitos. O filme, certamente, achou os seus. E isso, não me parece nada comum: duas obras de duas linguagens tão distintas conviverem tão bem. Um marco na narrativa brasileira, eu, modestamente, acho.