Da adaptação

Ana: Na época que a gente conheceu o livro, surgiu um edital da Ancine para desenvolvimento de roteiro. Já fiz vários curtas, vários trabalhos para TV, me envolvi em todos os longas da Casa de Cinema, mas ainda não tinha dirigido um longa. Então resolvi pegar essa história e colocar no concurso da Ancine. Mas para inscrever o projeto eu precisava de uma primeira adaptação. Eu estava super envolvida num outro trabalho e não teria tempo de fazer. Então convidei o Paulo Halm. Sempre gostei muito dos filmes dele e achava que tinha muito a ver com esta história. E ele topou.

Paulo Halm (Roteirista)
: Nossa perspectiva era adensar um pouco a história do Marcelo que, originariamente, era destinada ao público infanto-juvenil. A Ana queria, com razão, fazer um filme que interessasse não apenas aos jovens com idade semelhante a dos personagens, mas também a um espectador mais velho. Afinal, a adolescência é uma experiência comum a todo mundo e todos nós passamos pelas agruras, aflições, surpresas, trapalhadas comuns a esse momento cronológico e hormonal das nossas vidas.

Num primeiro momento, adensamos tanto a história que o Daniel virou quase um pequeno Hamlet, cheio de angústias e problematizado. Quase um Emo. Percebemos que estavámos criando um monstrinho. Tudo bem. Os adolescentes têm essa coisa insuportável e enlouquecedora, típica de quem está passando por uma transformação e não consegue entender direito o que está acontecendo. Mas queríamos mostrar também o lado lúdico, alegre, sensual e libertador desse momento único e, ao mesmo tempo, universal de nossas vidas.  Seguimos trabalhando, suavizando algumas coisas, aprimorando outras, humanizando o personagem, e também os seus amigos, de modo que fosse legal e chato, carinhoso e ríspido, corajoso e egoísta, esperto e babaca, um garoto capaz das piores mesquinharias e também um herói capaz de se sacrificar pelos demais. Em suma, fizemos do personagem algo mais ou menos parecido com um ser humano.

O processo de roteirização foi muito longo, por conta das dificuldades naturais de produção. Se é difícil levantar recursos para cinema, isso se multiplica quando o diretor é estreante, como no caso da Ana. Tudo é complicado, lento, enrolado. Por conta disso, o roteiro acabou sendo muito reescrito. Algumas coisas que tínhamos pensado no começo foram sendo mudadas. Lembro-me que durante muito tempo o Lucas era negro. Só que neste meio tempo, o Jorge Furtado acabou fazendo um filme, Meu Tio Matou um cara que, entre outras coisas, mostrava um trio adolescente que vivia um triângulo amoroso – e um dos garotos, no caso o protagonista, era negro. Tivemos que “embranquecer” o Lucas, que, originalmente, era branco, ou quase branco, no romance do Marcelo.

Ana
: Uma das maiores mudanças do livro foi fazer a história se passar numa cidade do interior. Queríamos reforçar a ideia de um mundo que ia se acabar. E os três personagens principais - Daniel, Mim e Lucas - estão vivendo um momento de escolhas: no final do ano vai acabar o colégio e eles vão ter que optar por ficar em Pedra Grande ou ir para Porto Alegre.

Giba
: Aí tem um pouco de Fellini e de outros clássicos do cinema, em que moradores de uma cidade pequena ficam na iminência de sair e o que acaba saindo é o que mais tinha medo de sair. Isso acontece em Os Boas-Vidas, em A Última Sessão de Cinema, no Loucuras de Verão, no Stand by Me. Com a história acontecendo em Porto Alegre não haveria tanta dimensão para isso.

Ana: Outra mudança bastante fundamental: tiramos a avó, que era o alívio cômico, e inventamos uma irmã. O livro é contado em primeira pessoa e transformamos em uma narrativa do ponto de vista da irmã. Além do alívio cômico, a gente faz com que a personagem que tem menos idade seja a única que tem um olhar crítico sobre a história.

Giba
: Já vimos tantos filmes sobre adolescentes narrados por adolescentes ou por adultos que lembram como era ser adolescente e eu não lembrava de ter visto um filme adolescente narrado por uma criança, que olha a história como seu futuro.

Ana
: Outra coisa que surgiu com a chegada da Maria Clara é a relação de irmãos, que é bárbara. Ao mesmo tempo de um amor quase incondicional, é também de um ódio incondicional (risos). Achamos bacana desenvolver esse sentimento como um ponto de identificação com o público com o qual queremos dialogar.