Jorge Furtado
Quando o quadro de Victor Meirelles "A Primeira Missa no Brasil" veio para Porto Alegre eu imaginei que o assunto da cópia seria comentado nas muitas reportagens que se fariam, mas me enganei, acho que ninguém falou disso. O quadro de Meirelles, pintado em 1861, é mais que inspirado no quadro "A Primeira Missa em Kabillie", de Horace Vernet, hoje do acervo do Museu de Lausanne, na Bélgica. Não se trata de plágio, nem de cópia, mas de uma citação explícita do jovem Meirelles ao trabalho de um mestre, Vernet, que o brasileiro conheceu em 1855 no Salão de Paris, onde estava morando, graças ao Prêmio de Viagem da Academia de Belas-Artes. Horace Vernet participou da campanha de colonização francesa da África do Norte e foi mesmo o idealizador da cerimônia religiosa que registrou, tendo convencido o Padre Régis a realizá-la. Vernet foi também o cenógrafo da missa, mandou construir o altar com os degraus que acabou migrando - junto com o padre barbudo e careca, o coroinha também careca e cruz de troncos - para a pintura de Meirelles. Vernet inventou a missa e a registrou como se fosse um fato histórico. Meirelles teve menos trabalho, mas isso em nada diminui o seu mérito e, na minha opinião, aumenta o interesse pelo quadro, que pode ser visto no Museu de Arte do Rio Grande do Sul até o próximo domingo. Quando Humberto Mauro filmou "O Descobrimento do Brasil" em 1937, reproduziu o quadro de Meirelles, que faz parte do projeto romântico de invenção do Brasil, levado a cabo por ordem de Dom Pedro II, no século 19. Na nossa imaginação, foi assim nossa primeira missa. Nosso imperador sabia que, para imaginar um futuro, é preciso antes imaginar um passado. Se dele não há registros, a gente copia passado alheio, mistura com um pouco de imaginação e inventa um passado novinho em folha. Para saber mais: Primeira Missa e Invenção da Descoberta, de Jorge Coli, in A Descoberta do Homem e do Mundo, org. Adauto Novaes, Companhia das Letras, São Paulo, 1998.
Valeu, Armando.
Quero crer que estejamos vendo aí mais um caso clássico, na pintura, de intertextualidade 'avant la lettre', entre tantos outros.
Interessante também a referência a Dom Pedro II, cujo papel não tem sido suficientemente reconhecido, em função de que a História do Brasil tem sido contada muito a partir de um ponto de vista republicano ( a visão dos vencedores), quando não de uma esquerda míope, parcial e sectária, dentro daquela idéia de que tudo que não parte de nós não presta.
Muito bons os posts do blog, em geral. Textos que fazem pensar, ainda que eventualmente não se concorde com algum de seus enunciados, além de ser uma leitura informativa e prazerosa.