Jorge Furtado
No dia 4 de julho de 1862, durante um passeio de barco, Lewis Carroll inventou e contou as aventuras de Alice a pedido de três irmãs: Lorina, de 13 anos, Alice, de 10 anos, e Edith, de 8 anos. Alice gostou tanto que pediu a Carroll que escrevesse a história, o que ele fez durante dois anos, à mão, página por página, incluindo dezenas de ilustrações.
“Aventuras de Alice no Mundo Subterrâneo”, o manuscrito de Carroll, foi dado de presente a Alice em 26 de novembro de 1864, mas acabou, muitos anos depois, indo parar nas mãos de um americano. O governo inglês mobilizou-se para reaver os originais de um dos maiores clássicos da literatura mundial e hoje, quase 150 anos depois, a pequena caderneta repousa entre os tesouros da Biblioteca Britânica, subindo a escada, primeira porta à esquerda.
“Aventuras de Alice no País da Maravilhas” foi publicado em 1865, com ilustrações de John Tenniel, baseadas nos originais de Carroll. No segundo capítulo, logo depois de encolher, Alice mergulha “até o queixo”na água salgada de um lago “feito das lágrimas que chorou quando media quase três metros de altura”. Alice chega a pensar que talvez tenha caído no mar e procura por evidências de que esteja numa praia.
“Alice had been to the seaside once in her life, and had come to the general conclusion, that wherever you go to the English coast you find a number of bathing machines in the sea, some children digging in the sand...”
A tradução literal do trecho seria mais ou menos assim:
Alice tinha ido à praia uma vez na vida e chegara à conclusão que, onde quer que você fosse na costa da Inglaterra, encontraria muitas máquinas de banho no mar, crianças cavando na areia...”
Máquinas de banho?
A versão anotada de Alice escrita por Martin Gardner esclarece: máquinas de banho eram estranhas cabines de madeira sobre rodas, com uma porta de um lado e uma espécie de cobertura retrátil em forma de fole do outro. O objetivo de tal geringonça era permitir que as mulheres tomassem banho de mar sem serem vistas da praia, pudicícia considerada de bom tom no século 19, mesmo que os trajes de banho cobrissem as ladys do pescoço aos pés.
Nunca tinha visto uma destas máquinas de banho até encontrar o quadro “A Praia de Scheveningen” (óleo sobre tela, 23 x 40 cm, coleção particular), do pintor holandês Frederick Hendrik Kaemmerer (1839-1902).
Uma tradução atual de “Aventuras de Alice no País das Maravilhas” que chame as bathing machines de máquinas de banho não é, evidentemente, para crianças. Nenhuma criança hoje entenderia a piada que é Alice procurar máquinas de banho na lagoa de lágrimas para decidir se está ou não na praia.
Alice poderia procurar muitas coisas para ver se está na praia ou não. Escrevo neste momento (11:01, quarta-feira de cinzas, céu azul, mar calmo, 30 graus, sem vento) de frente para uma praia brasileira. Com a minha luneta (estou na sombra) posso distinguir na praia os seguintes objetos,de cores e formatos variados, em ordem alfabética:
Araras com vestidos e cangas
Bandeiras
Baldinhos
Barracas
Bicicletas
Bóias
Bolas
Bolinhas
Bolsas
Cadeiras
Carrinhos de sorvete
Casinhas de salva-vidas
Cuias de chimarrão
Esteiras
Garrafas térmicas
Guarda-sóis
Pandorgas
Pazinhas
Pranchas
Quiosques
Raquetes de frescobol
Rede de vôlei
Toalhas
xx
Para saber mais sobre o livro “Aventuras de Alice no País das Maravilhas” visite o ótimo verbete da Wikipédia clicando aqui.
Alô Tobiaz
Estou acompanhando a reportagem do Nassif. Jornalismo, quando é bom, é ótimo.
Abraço,
Jorge
Atenção:
o manuscrito de Alice agora está disponível, para ser folheado, on-line, de graça!
Olha só:
http://www.bl.uk/onlinegallery/ttp/ttpbooks.html
Alice poderia chamar de praia seu mar de lágrimas, ainda que não existissem máquinas de banho. rs
Prezadíssimo Jorge, daqui de Uberaba, no Triângulo Mineiro, acompanhamos sempre o seu trabalho e tentamos repercutir ao máximo pelo nosso círculo de amizades. Legal este espaço, e obrigado por mostrar textos tão legais. Escrevo também para chamar sua atenção sobre um fato, vc. está acompanhando o dossiê que o Luis Nassif está publicando no blog dele sobre os bastidores da revista Veja? www.luisnassif.com.br Vale a pena. Com o seu talento, creio que o roteiro vai fluir com uma naturalidade incrível. Abração triangulino e conte com a nossa trupe aqui.///
Caro Jorge, eu sou de Araras, a mesma cidade do Tobias Ferraz, de Uberaba, que te envio um recado em 09/02/2008. É o seguinte: um livro lançado sobre uma fazenda daqui: FAZENDA SANTO ANTONIO, de Cândida Arruda Botelho (terra, 1988) tem foto(s) desta máquinas de banho. Quando eu voltar à biblioteca daqui, faço uma cópia da foto e depois te envio. Parabéns pelo curioso texto!