Giba Assis Brasil
Outro bom filme da mostra Cinema e Direitos Humanos 2007 foi o documentário brasileiro "Histórias de morar e demolições". André Costa e sua equipe procuraram, em São Paulo, casas que seriam demolidas para dar espaço a novos prédios. Deixaram um folheto com os proprietários: documente a sua casa antes que ela desapareça. Dentre as famílias que responderam, quatro foram selecionadas. Receberam uma câmara, um gravador e algumas instruções, escolheram lembranças: o parquê quebrado, uma mancha na pia, "o ponto de vista da minha mãe na mesa de jantar", "o ruído do portão que avisava pra vó que eu estava chegando". Uma das famílias, de ascendência italiana, tinha um arquivo de festas em super-8, a história viva de um espaço que deixou de existir, um bolo de aniversário descendo do andar de cima, carregado em festa por um bando de gente, e depois a mesma escada, hoje, sem corrimão e coberta de caliça. Uma bela trilha de piano (Rogério Hochlitz) e tempo para parar e olhar, o que normalmente não temos, ou só temos quado já é tarde.
O que isso tem a ver com Direitos Humanos? Procurei na Declaração da ONU e não encontrei "direito à memória" ou "direito a conhecer a própria casa" ou ainda "direito a enfrentar a especulação imobiliária". Terminamos associando o filme ao artigo 17: "Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade." Mesmo com todos os equívocos que a idéia de propriedade já provocou e ainda vai continuar provocando, temos que admitir que a redação é sábia.
Este texto me fez pensar em uma experiência pessoal. Morei 40 anos em uma casa no Menino Deus até que dia sim, dia não, alguém batia na porta querendo comprá-la. Ela seria transformada em um "ótimo prédio". Durante anos, nossa resposta foi "não". Até que nosso vizinho resolveu vender a dele. Isso significaria ficarmos espremidos entre dois prédios e não conseguir mais vender o espaço. Mudamos. Escolhemos muito, é claro, e saindo de um bairro que não para de crescer, conseguimos outros confortos que não tínhamos. Mas, sonho com a casa antiga, literalmente. Nestas noites, todas as peças estão lá, inteiras. Às vezes, foram reformadas, mas nada semelhante ao prédio gigantesco que ocupa o lugar. Resumindo: fomos bem pagos para sair, mas, haviamos perdido o "direito" de ficar?
Concordo com a Helena. Muitas vezes o "direito de ficar" é vencido pelo direito à propriedade. Propriedade de quem? Propriedade, infelizmente, hoje, pertence a quem pode pagar. Empreendimentos imobiliários que bem o digam. "Sair" acaba sendo uma quase obrigação. Resistir é inútil quando se é o proprietário de uma última casinha em um emaranhado de arranha-céus de um bairro em expansão. Porto Alegre viu muito disso...