Jorge Furtado
Tenho orgulho da cultura política de Porto Alegre, cidade onde nasci e sempre morei. Quando viajo pelo Brasil e dou de cara com a avenida José Sarney, a ponte Fernando Henrique Cardoso, a avenida Gilmar Mendes ou o bairro Fernando Collor , penso que esta espécie de servilismo nunca aconteceria por aqui.
Talvez por isso, pela nossa tradição de civilidade, seja tão chocante a grosseira falcatrua perpetrada pela câmara de vereadores de Porto Alegre ao aprovar a mudança da lei que proibia a construção de grandes prédios na orla do Guaíba. O tal projeto arquitetônico do Pontal do Estaleiro, um aglomerado de prédios modernosos de 14 andares na área mais nobre da cidade, nem está em questão, ainda. O maior problema não é de ordem estética ou de impacto ambiental, e sim de natureza ética, talvez criminal.
O primeiro escândalo é o fato do proprietário do terreno, 60 mil metros quadrados que avançam numa península sobre o rio Guaíba, ter comprado a área a preço de banana, pelo simples motivo de que a lei proibia a construção de prédios altos no local. A alteração da lei transformou a pechincha no negócio imobiliário mais lucrativo do país. Esperamos que o Ministério Público e a imprensa investiguem as denúncias, feitas por vereadores que se opunham ao projeto, de que alguns receberam para aprovar a mamata.
O segundo escândalo é o fato da câmara aprovar uma lei que muda a cara da cidade faltando pouco mais de um mês para terminar o seu mandato. Afinal, qual é a pressa? A própria empresa construtora, bafejada pela incrível sorte da mudança da lei, diz que as obras só começariam em 2010. Mas os vereadores, pouco antes de voltarem para suas casas - oito dos vinte vereadores que aprovaram a lei não foram reeleitos - agiram, como diz o ditado, "rápido como quem rouba". É óbvio que um projeto de tamanha importância para o destino da cidade poderia esperar mais 40 dias e ser votado pela nova câmara, formada por vereadores que ficarão por perto para responder à população pelos seus atos.
Se as denúncias de suborno forem verdadeiras, sugiro que esperem um pouco antes de pagar a conta. A esperança dos porto-alegrenses é que José Fogaça, recém eleito, não vá querer seu nome associado a este embuste e vete a mudança da lei. Na dolorosa hipótese de ser concretizado, o Pontal do Estaleiro será um monumento à negociata. Por sua biografia, seu histórico em defesa da democracia, Fogaça não vai querer ver seu nome nesta placa.
Jorge Furtado
cineasta
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Votaram a favor da mudança da lei os seguintes vereadores:
Alceu Brasinha (PTB) (não reeleito)
Almerindo Filho (PTB) (não reeleito)
Ervino Besson (PDT) (não reeleito)
José Ismael Heinen (DEM) (não reeleito)
Maria Luiza (PTB) (não reeleita)
Maristela Meneghetti (DEM) (não reeleita)
Nereu D´Avila (PDT) (não reeleito)
Valdir Caetano (PR) (não reeleito)
Nilo Santos (PTB)
Bernardino Vendruscolo (PMDB)
Dr. Goulart (PTB)
Elias Vidal (PPS)
Haroldo de Souza (PMDB)
João Carlos Nedel (PP)
João Antônio Dib (PP)
João Bosco Vaz (PDT)
Luiz Braz (PSDB)
Maurício Dziedricki (PTB)
Mauro Zacher (PDT)
Sebastião Melo (PMDB)
Se abstiveram:
Elói Guimarães (PTB)
Maristela Maffei (PCdoB) (não reeleita)
Para saber mais sobre a falcatrua, leia o processo completo, ou entre no sítio da Câmara.
* Alô jornalistas: as doações feitas às campanhas eleitorais são públicas. Os vereadores que aprovaram a mudança da lei receberam doações de quem?
Caro Jorge e turma da Casa,
Acompanho sempre o blog com muito interesse. Gosto das dicas, opiniões, devaneios, de tudo. Só tá faltando um pouco de atualização. Esperamos ansiosos novos posts...
Abraços
Você tem toda a razão, infelizmente, interesses particulares acima do coletivo.
Sabe informar as empresas que estão envolvidas no projeto do pontal?
Muito obrigado!
Caro Jorge,
pelo seu relato os cidadãos da bela Porto Alegre conseguem ainda garantir vida com dignidade. Aos meus olhos, nosso país tem "um imenso canteiro de negociatas", por isso a necessidade de "saneamentos básicos" com máxima urgência.
Forte abraço.///