Jorge Furtado
Desde que abandonou a coleta e a caça, inventou a agricultura, a família e a casa – isso faz tempo – os homens se tornaram acumuladores, guardam coisas, para ler mais tarde, um dia, se der tempo. Ler, ouvir, ver, vestir, calçar, jogar, beber, mais tarde, se der tempo.
Muitos de nós têm em casa mais livros, discos e filmes que vão conseguir ver um dia, não vai dar tempo, mas guardamos objetos, mesmo assim, numa ilusão de imortalidade. Só me desfaço daquilo que tenho por certo que nunca me fará falta, e já me arrependi de ter feito tal juízo sobre meu time de botão, minha coleção de selos e moedas, alguns gibis, alguns discos. Guardei meus discos de vinil mas recentemente mandei para o lixo seco caixas e caixas de fitas vhs e disquetes de computador, nada mais velho que a tecnologia de anteontem.
Que eu lembre, nunca joguei um livro fora, nem para reciclagem. Mesmo um livro horrível, o romance mais rastaquera, a auto-ajuda mais medíocre, a tese mais estapafúrdia, as crônicas mais bobas e pretensiosas, podem ser úteis, por exemplo, se você estiver escrevendo um roteiro onde haja um romancista rastaquera, ou um personagem leitor de livros medíocres de auto-ajuda, queira estudar o grumelê acadêmico ou descobrir o que pensam os cronistas bobos e pretensiosos. Livro eu não boto fora.
A disposofobia, acumulação patológica de tralhas de todo tipo, também é conhecida como Síndrome de Diógenes, referência ao filósofo grego Diógenes de Sínope, que, dizem, vivia como mendigo nas ruas de Atenas e morava num barril. A citação parece injusta, Diógenes fez bem mais do que acumular lixo em seu barril. Alexandre, o Grande, num momento de quase modéstia, disse aos seus soldados que zombavam do velho anarquista: “Se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes”.
Acumuladores compulsivos podem chegar a um apavorante grau de insanidade. Um dos casos mais famosos é bem documentados é o dos irmãos Collyer, em New York, mortos em 1947:
“(...) os irmãos Collyer ficaram reclusos em sua mansão e juntaram tanto lixo, tantos objetos, que acabaram morrendo: um deles estava rastejando num túnel entre os entulhos para levar comida ao irmão paralítico quando foi soterrado, não só morrendo mas também matando o outro de sede e fome. Os corpos estavam a três metros um do outro, em meio às 130 toneladas de entulho que havia na casa.”
A história dos irmãos Collyer está contada num ótimo documentário de Alfeu França, “Irmãos Collyer, uma fábula do acúmulo”, feito só com imagens de arquivo. O curta ganhou o prêmio do público do Curta Cinema 2006. (Agradeço a Betânia Furtado pelo link do filme).
“Irmãos Collyer, uma fábula do acúmulo”, pode ser visto aqui:
http://vimeo.com/28516090
E também aqui:
http://www.revistazepereira.com.br/estreia/
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Da wikipedia:
Mais sobre os Irmãos Collyers:
http://en.wikipedia.org/wiki/Collyer_brothers
Acumulação compulsiva
Acumulação compulsiva (ou acumulação patológica ou disposofobia) (na literatura em inglês compulsive hoarding), é a aquisição ou coleta (geralmente na rua, muitas vezes à noite) de bens ou objetos descartados como lixo, e a incapacidade de usá-los ou descartá-los, mesmo quando os itens são inúteis, perigosos ou insalubres. A acumulação compulsiva, caracterizada pelo isolamento social, diminui a mobilidade e interfere com atividades básicas, como cozinhar, limpar, tomar banho e dormir. (...) Ainda não está claro, em termos médicos, se a acumulação compulsiva é um transtorno isolado ou o sintoma de outro problema, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Acumula%C3%A7%C3%A3o_compulsiva
Mais sobre Diógenes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%B3genes_de_S%C3%ADnope