Jorge Furtado
Já cansei de recomendar a palestra de Ivan Krastev, um filósofo político búlgaro, muito inteligente e engraçado, tem legendas, vamos lá pessoal, são só 20 minutos de raciocínio sem gritos, raciocinar pode ser tão divertido quanto tuitar! (o link para a palestra está no final.)
Krastev fala sobre “ambiguidade”, diz que nós até entendemos que os problemas e suas soluções são complexos, mas temos dificuldade de entender que eles são ambíguos, aquilo que dá certo muitas vezes é também aquilo que dá errado. Ele parte da constatação de que as pessoas não gostam e não se interessam por política, acham uma perda de tempo, uma chatice, e não pensam assim sem motivos:
“Ninguém está questionando se a democracia é a melhor forma de governo. A democracia é o único jogo na cidade. O problema é que muitas pessoas começam a acreditar que ela não é um jogo que vale a pena jogar. Nos últimos 30 anos, os cientistas políticos têm observado que há um constante declínio na participação eleitoral, e as pessoas que estão menos interessadas em votar são aquelas que pensamos ter mais a ganhar com a votação. Estou falando dos desempregados, dos desfavorecidos. Este é um assunto importante. Porque, especialmente agora, com a crise econômica, vemos que a confiança na política, nas instituições democráticas, foi de fato destruída. De acordo com a última pesquisa feita pela Comissão Europeia, 89% dos cidadãos da Europa acreditam que há uma distância crescente entre a opinião dos dirigentes políticos e a opinião pública. Apenas 18% dos italianos e 15% dos gregos acreditam que seus votos têm importância. As pessoas basicamente começam a perceber que podem mudar os governos, mas não podem mudar as políticas.”
Krastev está falando dos últimos 50 anos de democracia na Europa, mas o raciocínio cabe direitinho nos 30 primeiros anos da democracia Brasil. Apesar do que sugere o debate político local, onde filósofos gritam, jornalistas mentem e omitem, onde se debate exaustivamente pedalinhos e visitas a imóveis em construção, o Brasil não é uma ilha de maluquice num mundo são. No momento, há malucos por todo lado, de Trump ao Estado Islâmico,passando por nazistas, racistas e pessoas que agridem mães que passeiam com bebês de tiptop vermelho da Minnie.
“A democracia não é possível sem confiança". E confiança na classe política – além de racionalidade – é produto que está em falta no mercado. Os que gritam por moralidade tem a moral mais do que duvidosa, está mais fácil convocar passeatas do que aparecer por lá. O grau de insanidade chegou ao ponto de criminosos notórios e reincidentes pretenderem apear do cargo de presidente, por crime, quem não é acusado de crime algum. A história ensina que sem política e com recessão, desemprego, aumento da miséria, está aberto o caminho para o fascismo.
Os fascistas que andam soltos pelas ruas - crias de um debate político rasteiro e desonesto -, estão se tornando assustadoramente frequentes. Uma médica se recusou a atender uma criança porque a mãe dela era “petista”, uma criança foi perseguida e agredida na escola porque estava com uma camisa vermelha da Suíça, uma jovem e seu namorado foram perseguidos por uma turba de linchadores covardes porque ela estava com uma bicicleta vermelha, há listas de artistas de esquerda que devem ser boicotados, o endereço dos filhos dos juízes é divulgado na internet e psicopatas vão atormentá-los. Daí a pintar estrelas nas portas não falta muito.
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O bordão mais bem pago da hora é “não é golpe porque está na constituição”. Sim, é claro que está na constituição: Art. 86. § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
O caso é que não há, sem contorcionismos jurídicos, denúncia de infração penal comum ou de crime de responsabilidade contra Dilma, e há, e muitas, contra seus acusadores, que querem o poder sem votos. Por isso o impeachment tem cara de golpe, jeito de golpe, cheiro de golpe. Lembro aos golpistas de hoje que, no golpe de 1964, todos os jornais brasileiros chamaram de “retorno à democracia”, feito com “amparo da constituição” e dentro das normas do “estado de direito”, aquilo que hoje todos nós chamamos pelo nome que tem: golpe.
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Ivan Krastev: A democracia pode existir sem confiança?
https://www.ted.com/talks/ivan_krastev_can_democracy_exist_without_trust?language=pt-br
O texto da palestra:
https://www.ted.com/talks/ivan_krastev_can_democracy_exist_without_trust...