Jorge Furtado
No neo-jornalismo brasileiro - simbolicamente fundado quando a palavra “suposta” ganhou a capa de revistas e jornais - a leitura da notícia desmente a manchete, desmoralizando a um só tempo o repórter, o editor e o leitor, num strike suicida, como um jogador de boliche que atira a bola para cima.
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Uma brilhante idéia surgiu na cabeça de Alice. “É por isso que vocês estão sempre tomando chá?”, ela perguntou.
“É isso mesmo”, disse o Chapeleiro, com um suspiro. “É sempre hora do chá, não dá tempo nem para lavar a louça”.
“E é por isso que vocês ficam mudando de lugar, eu suponho”, disse Alice.
“Exatamente”, disse o Chapeleiro. “Cada vez que a gente suja a louça”.
“E o que acontece quando vocês dão a volta inteira na mesa?”, Alice se arriscou a perguntar.
“Vamos mudar de assunto”, interrompeu a Lebre de Março.
Lewis Carroll, Aventuras de Alice no País das Maravilhas.
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Resistimos muito a ter um blog, Deus me livre ficar editando e respondendo comentários de dezenas de malucos que, como eu, passam grande parte do dia na internet. Quando resolvemos fazê-lo, estabeleci uma condição: vamos falar de tudo, menos de política e futebol.
Sobre futebol, quase consigo não falar, vez por outra dou uma olhada no ranking da CBF, vejo se está tudo certo, está.
Sobre política, fui o primeiro a quebrar nosso contrato e sou, certamente, o que mais o desrespeita. Não consigo evitar. Quando percebo tão claramente o jogo da antiga imprensa, o truque de gritar e mudar de assunto, recuso-me imediatamente a mudar de assunto, ando mais pra Alice que pra Lebre de Março.
Os jornais e programas jornalísticos cada vez mais são feitos imaginando-se leitores e espectadores que só leiam, escutem e vejam as manchetes, sem dar bola para o texto da notícia ou para o que dizem debatedores e entrevistados. (1)
No neo-jornalismo brasileiro - simbolicamente fundado quando a palavra “suposta” ganhou a capa de revistas e jornais - a leitura da notícia desmente a manchete, desmoralizando a um só tempo o repórter, o editor e o leitor, num strike suicida, como um jogador de boliche que atira a bola para cima. Talvez a antiga imprensa esteja certa e eu faça parte de uma ridícula minoria, espécie em extinção que ainda lê o texto das notícias e raciocina por conta própria, mas sinto informar que para nós, antigos fãs das letras miúdas, cês tão pagando um micão!
Não vou mudar de assunto, tenho mais o que fazer. Só voltarei a levar a antiga imprensa a sério quando responderem de maneira aceitável e adulta a pelo menos algumas das perguntas que eles mesmos fizeram tantas vezes:
1. De onde veio o dinheiro do dossiê?
2. O que aconteceu com a faxineira que, segundo o delegado Edmilson Pereira Bruno, teria roubado o cd com a foto dos aloprados?
3. Já sabemos quem quebrou o sigilo do Francenildo (2), mas quem quebrou o sigilo bancário de Freud Godoy? Gabeira ou o Estadão? (3)
4. A Folha já conseguiu provar que a ficha digital é digital ou ainda está procurando o original de papel pra ter certeza?
5. Até quando vão sustentar a versão de Lina Vieira sobre a reunião com Dilma? O que aconteceu com a versão “19 de dezembro”? Quem chamou Dilma de mentirosa, vai pedir desculpas?
6. Até quando vão sustentar a versão Demóstenes/Veja do grampo sem áudio do Gilmar?
7. Até quando vão sustentar a história da “grampolândia”? E a versão de Nelson Jobin, que tanto ajudou na defesa do brilhante Dantas, de que a Abin fazia escutas clandestinas? Como os 5 milhões de grampos viraram 7 mil?
8. Até quando vão continuar sendo pautados, sem críticas, por Demóstenes Torres, Heráclito Fortes, Agripino Maia, Ronaldo Caiado e Artur Virgílio? (4)
9. Até que ponto vão transformar os jornais que líamos e os programas que víamos em panfletos eleitorais de José Serra? Devolver o poder ao Psdb paulista tem tanta importância assim, a ponto de liquidar a um só tempo com a credibilidade de toda a antiga imprensa brasileira? (“É o pré-sal, estúpido!”)
10. E cadê o Picasso do INSS?
Jorge Furtado
(1) Sobre conteúdos que desmoralizam manchetes, ver:
http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/08/26/entre-aspas-liquida-com-o-factoide-da-receita/
(2) O Gilmar Mendes diz que não há provas de que tenha sido o Palocci, o que esclarece definitivamente o fato.
(3) Matéria da FSP de 13/10/2006 (“Procuradoria quer quebrar sigilos de Freud”) informava que “objetivo é investigar saque de R$ 150 mil feito em março e suspeita de que ele teria recebido R$ 396 mil de Naji Nahas”. (...) “A justificativa: conforme divulgado pela imprensa, em 24 de março, Freud teria sacado R$ 150 mil em dinheiro; em setembro deste ano, por meio da empresa Caso, o investidor Naji Nahas teria feito um crédito em favor do ex-assessor da Presidência no valor de R$ 396 mil”.
Matéria do Globo online publicada em 11/10/2006 às 16h06m:
“Freud acusa Gabeira de quebra ilegal de sigilo bancário”
São Paulo - O ex-assessor da presidência Freud Godoy, acusou o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), sub-relator da CPI dos Sanguessugas, de quebra ilegal de sigilo bancário. Em nota divulgada nesta quarta-feira, Freud e seu advogado Augusto de Arruda Botelho, dizem que vão interpelar Gabeira junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), e pedem a instauração de inquérito pela Polícia Federal para averiguar as declarações de Gabeira publicadas na edição desta quarta-feira do jornal "O Estado de São Paulo". Na reportagem, Gabeira diz que a CPI vai apurar um suposto depósito de R$ 296 mil feito pelo investidor Naji Nahas na conta de Freud. O ex-assessor nega que tenha recebido o depósito e questiona a origem da informação.
A “imprensa” a que a matéria da Folha de São Paulo se refere era, portanto, o Estado de São Paulo.
Em seu blog Gabeira negou ter apurado ou produzido a informação:
“A matéria publicada pelo Estado de São Paulo foi apurada e produzida pela redação. Ao me ser apresentada afirmei o que está exatamente entre aspas: isto não significa que ele, Freud, seja culpado. (...) Não fui responsável pela matéria, nem a suscitei. Apenas reagi ao que me foi apresentado.”
Matéria da Folha diz que a “Procuradoria quer quebrar sigilos de Freud.” Gabeira diz que o sigilo bancário de Freud foi quebrado, já que os números lhe foram apresentados pelo jornalista do Estadão.
Continuo sem saber: quem, além do Estadão, quebrou o sigilo bancário de Freud Godoy?
(4) Sim, eu vi algumas críticas a eles, tenho uma lupa em casa.