Jorge Furtado
Areopagítica, “Discurso sobre a liberdade de imprensa”, de John Milton.
A origem do livro é engraçada. Milton, já um escritor famoso de 34 anos, casou uma jovem de 16 anos, Mary Powell, que logo depois do casamento fugiu para a casa dos pais, em Oxford, e não queria voltar para Londres por nada. Depois de muitas cartas inúteis pedindo a volta da esposa, Milton escreveu um texto, que se tornaria clássico, em defesa do divórcio (The Doctrine and Disciple of Divorce, 1643).
O parlamento inglês, composto basicamente de religiosos, considerou o texto difamatório contra a religião e editou uma lei de censura prévia aos textos publicados. Milton protestou duramente contra uma lei que tolhia a a liberdade de pensamento e de imprensa, e o fez através de um texto publicado em 1644, chamado Areopagítica, a primeira grande defesa da liberdade de imprensa. Milton não aceitava que critérios religiosos pudessem regular a vida pública.
“Mesmo que todos os ventos da doutrina soprassem sobre a terra, a verdade também estaria em campo. Seria injurioso, nas circunstâncias, licenciar e proibir. Que a verdade e a impostura se degladiem. Quem jamais ouviu dizer que a verdade perdesse num confronto em campo livre e aberto?”
Quanto a regulamentação da imprensa, Milton defendia a lei já em vigor, “segundo a qual nenhum livro será impresso a não ser que o nome do impressor e o nome do autor esteja registrado”. Milton não aceitaria, com razão, os comentários anônimos no veneno digital servido diariamente nos portais, sites, blogs e tais. Neste sentido, a antiga imprensa de papel, que não publica comentários anônimos, é bem mais sensata.
Milton escolheu como epígrafe para a sua corajosa defesa da liberdade de pensamento uma fala de “As Suplicantes”, de Eurípides, uma boa definição do que a democracia tem de melhor: a liberdade de falar, e também de ficar quieto.
"A verdadeira liberdade ocorre quando os homens, nascidos livres, precisando dirigir-se ao público, podem falar livremente. Aquele que puder e quiser falar, merecerá honrarias. Aquele que não puder ou não quiser, poderá ficar em paz. O que poderá ser mais justo do que isso?”
Eurípides, As Suplicantes.
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Cozinheiro Nacional. Anônimo, atribuído a Paulo Salles, sem data.
O livro foi encontrado em 1883, é um livro de receitas, de tudo o que se comia no Brasil do século 19 e antes dele. E se comia de tudo, tudo o que havia para comer: aves, peixes, vaca, porco, macaco, cascavel, tapir, arara, onça, sabiá, paca, tatu e cotia, inclusive.
Com revisão de Geraldo Gerson de Souza e Maria Cristina Marques, a edição é cheia de ótimas notas e estudos. Além das receitas, o Cozinheiro Nacional ensina a servir a mesa em várias oasiões, é um tratado sobre a vida privada no Brasil Colônia e Império.
Para um vegetariano, é um livro de terror. Tem receita de almôndegas de paca, quati refogado de escabeche, lagarto frito com quibebe, moqueca de anta, tamanduá ensopado, sabiá frito com banana, entre outras. Um exemplo:
O Macaco
Todos conhecem este animal e suas variadas espécies. É verdade que muitos repugnam comer sua carne, por causa de sua semelhança com o homem; porém a sua carne é excelente, e além disso convém muito aos convalescentes, e principalmente aos doentes de sífilis e escrofulose (uma espécie de tuberculose); por isso mencionamos aqui vários modos por que é preparada, fornecendo ao mesmo tempo iguarias delicadas, agradáveis e saudáveis.
Macaco cozido com bananas - Toma-se um macaco, tira-se a cabeça e põe-se a ferver em água e sal, com uma dúzia de bananas-da-terra com casca; estando a carne cozida, refogam-se duas colheres de farinha de trigo em outro tanto de manteiga de vaca e, antes de corar, ajunta-se uma xícara de vinho branco, com duas colheres de açúcar e uma de sumo de limão; tendo fervido um pouco, deita-se-lhe a carne sem ossos e cortada em pedaços; deixa-se dar mais uma fervura e despeja-se tudo sobre as bananas descascadas e postas inteiras sobre um prato e serve-se.
Até para um gaúcho carnívoro e herege como eu, comer macaco com bananas parece um sacrilégio.
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Areopagítica. Discurso pela liberdade de imprensa ao parlamento britânico. Tradução de Raul de Sá Barbosa. Edição bilíngue. Topbooks, Rio de Janeiro, 1999.
Cozinheiro Nacional. Ateliê editorial e Editora do Senac, São Pailo, 2008.
Sobre John Milton, na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Milton