Jorge Furtado

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A gritaria contra o blog de Maria Bethânia é uma mistura de ignorância, preconceito e mau-caratismo.

Ignorância, porque parte de idéia absolutamente falsa de que os produtores do blog – que pretende exercer a tarefa vital de divulgar a poesia – recebeu ou vai receber este dinheiro do governo. Juro que tenho saudade do tempo em que se lia fato ou ficção, hoje o que mais há são equívocos e mentiras, que não são um nem outro. O fato é que a única coisa que os produtores do blog receberam do governo foi a autorização para se humilhar, pedindo a empresários, de porta em porta, que considerem a possibilidade de, ao invés de entregar parte de seus impostos ao governo, patrocinar, com a vantajosa exposição de suas marcas, um blog de uma extraordinária artista brasileira, blog este que tem como objetivo divulgar a poesia, não há tarefa mais nobre. Nada garante que os produtores do blog terão sucesso em sua jornada de mendicância entre a elite empresarial brasileira, frequentemente iletrada. O mais provável é que consigam apenas uma parte desta verba e tenham que redimensionar o projeto, o que seria uma pena. Na minha opinião, o governo brasileiro deveria tirar do seu caixa o dinheiro (1,3 milhões de reais, uma ninharia perto da roubalheira do Detran gaúcho, dos pedágios paulistas, da máfia do governo Roriz/Arruda no DF, etc, etc...) e entregar para a Maria Bethânia, junto com um buquê de rosas e um cartão, pedindo desculpas pela confusão.
 
Preconceito contra a internet, porque – como muito bem lembrou o Andrucha, na Folha: "Se fosse documentário ou filme para ser visto por cinco mil pessoas no cinema, ninguém estaria reclamando. Parece que internet não é um meio válido. Lá [no blog], os vídeos vão ser vistos por milhões, e de graça”. A distinção que alguns ainda fazem entre os meios cinema, televisão e internet seria engraçada se não fosse um empecilho ao desenvolvimento do país. Preconceito também contra os nordestinos, nas críticas sobram piadas contra os baianos, quase todas vindas do mesmo gueto branco direitista no enclave paulista, enfim, eleitores de Kassab e Serra, gente que lê e cita a revista Veja, beija imagens de santo para ganhar voto e acha que poesia é "uma besteira". *
 
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* Algumas expressões que emergem do esgoto que corre na internet: "cadáver insepulto da MPB", "Máfia do Dendê", "mafiosos baianos", "carcará do bico volteado", "Brasil, mostra a sua cara, mas se for a cara da Maria Bethânia, é melhor não mostrar", "mais feia do que a Maria Bethania", "essa baianada...", "Maria Bethânia não se depila desde os 22 anos", "Seria mais justo a Maria Bethânia ganhar 1,3 milhão para assombrar uma casa...", "essa Maria Bethania se acha, toda feia, não canta nada", "ela bem que podia comprar um par de havaianas e pintar aquela coisa que ela chama de cabelo!", "abestada cafona", "Volta pro seu sarcófago Maria Bethânia", "sócia da sapataria Brasil".
 
Me desculpem, mas não consigo ler esse lixo isso e ficar calado.
 

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Mau-caratismo, porque a “polêmica” criada pela notinha da Mônica Bergamo assanha, para variar, o furor udenista que almeja – e obtém – manchetes moralizadoras. “Eu sou melhor que você”, gritam o lobão e também os três porquinhos, unidos em sua santa cruzada. Um publicitário engraçadinho – mais um – fez um blog que lhe garantiu seus 15 minutos de fama, espinafrando a Bethânia. "Criei o blog porque não recebi uma bolada do MinC e achei injusto", comenta o pândego. Pergunta: era para ser um piada? Ele pediu algum dinheiro ao MinC? Em caso afirmativo, apresentou algum projeto? Qual seria? Com que objetivo? As críticas e piadinhas sobre o caso me fazem lembrar de uma das considerações de Hamlet, matutando se vale a luta ou é melhor acabar com a agonia: “o achincalhe que o mérito paciente recebe dos inúteis”. (Na tradução do Millôr.)
 
Chega a ser constrangedor ter que relembrar aos mais jovens que Maria Bethânia é uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos. Seus incontáveis discos e shows são um valioso patrimônio nacional, seu trabalho de divulgação de dezenas de compositores brasileiros ao longo de sua carreira são uma herança que ela deixa ao Brasil. Bem vale alguns barris do pré-sal. Talvez tenham sido os show de Bethânia, lá nos anos 70, meus primeiros contatos com a poesia de Fernando Pessoa e também com a prosa-poética de Clarice Lispector. Vai aqui, a ela, meu muito obrigado.
 
Aqui, ela recita "Poema do Menino Jesus", de Fernando Pessoa:

 
Aqui, ela recita “Soneto do amor total”, de Vinícus de Moraes.
 

 
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Atualizado em 18.03.11, 16:30
 
Meu post  provocou um enxurrada de mensagens no twitter e o número de entradas travou o blog, a ponto de eu não conseguir acessá-lo ontem, para fazer qualquer comentário ou esclarecimento. O número de mensagens de apoio e de crítica ao meu texto foi equivalente, respondo às críticas mais frequentes.
 
1. Muitos reclamam que chamei os críticos ao projeto de ignorantes, peço desculpas ao que se sentiram ofendidos. Eu mencionei a ignorância que motivava muitas críticas – ignorância sobre o projeto e sobre os mecanismos da lei. (Eu deveria ter escrito "desconhecimento", sinônimo menos agressivo.)
 
2. Muitos alegam que o valor é alto demais para um blog, alegam que fazem blogs de graça e sem qualquer patrocínio, aliás, como eu. Lembro que o custo de um projeto – filme, peça, exposição, blog, site, disco – varia muito, depende do projeto. Não posso afirmar que um projeto é caro ou barato sem conhecê-lo.
 
3. Muitos reclamam de minha comparação do custo do projeto com os valores que a corrupção suga no erário público, como se eu tivesse afirmado que “já que todos roubam”, este dinheiro não faz nenhuma diferença. Um erro não justifica o outro, é claro. Minha comparação com os valores da corrupção serve apenas de parâmetro monetário: se é possível surrupiar 380 milhões das verbas de informática do Distrito Federal, sinal que existe dinheiro disponível para atividades mais nobres. Cultura, por exemplo. Outros reclamam que só citei casos de corrupção em governos demo-tucanos, esquecendo de citar maracutaias de governos petistas (o suposto “mensalão” e os supostos desvios do “caso Erenice” foram os mais citados, fica aqui o registro). 
 
4. Muitos dizem que eu defendo o blog porque ele é legal, está de acordo com a lei, mas que a lei Rouanet seria imoral. Não defendi o blog porque ele está dentro da lei, embora esteja. Nem mesmo defendi a lei, ao contrário, afirmei que, com ela, o estado se isenta de definir políticas culturais (o que alguns chamariam de “dirigismo”), transfere às empresas o poder de definir qual produto cultural será realizado e coloca os artistas e produtores na condição de pedintes. Confesso minha ignorância a respeito dos detalhes da lei Rouanet (cinema usa outra lei, do audiovisual, embora muitas mensagens no twitter me acusem de ter “enriquecido” com a lei Rouanet) e não tenho opinião formada sobre suas necessidades de reformulação. Sei é que as centenas de mensagens e manchetes que acham que Bethânia “tem que devolver o dinheiro” são uma sandice. Ela ou a produtora do blog não receberam dinheiro algum, receberam apenas a autorização para buscá-lo, na iniciativa privada.
 
5. Alguns dizem que eu afirmei que o dinheiro que, talvez, um dia, será investido na produção do blog, não seria dinheiro público. Não disse isso, leia o texto. Dinheiro de isenção fiscal é dinheiro público, dinheiro que deixa de ser arrecadado em impostos. O fato é que, caso o blog não venha a existir ou não consiga captar todo o dinheiro que busca, nada garante que este dinheiro vá para a cultura. A lei depende de projetos de interesse das empresas em patrociná-los. Os tantos que dizem “eu também quero!” deveriam apresentar projetos com capacidade de sensibilizar empresas patrocinadoras.
 
6. Alguns paulistas se sentiram ofendidos, alegando que eu afirmei que todos os críticos ao blog vinham da direita paulista. Não é verdade, não foi o que eu escrevi, leia o texto. O que disse foi que “nas críticas sobram piadas contra os baianos, quase todas vindas do mesmo gueto branco direitista no enclave paulista”. Me referia claramente, portanto, a quase todas as piadas racistas sobre os baianos, não a todas as críticas ao blog da Bethânia. Eu certamente exagerei ao atribuir aos eleitores de Serra a maioria das críticas ao projeto, muitos são governistas.
 
7. Muitos dizem que as leis de isenção fiscal para empresas que investem em cultura são um absurdo, que o mercado deve se auto-regular, o que acabaria com qualquer produção alternativa ou de caráter eminentemente cultural, deixando o caminho livre para os blockbusters, a auto-ajuda, os porno-soft, o misticismo e outras picaretagens. Outros dizem que o governo deve arrecadar todos os impostos, sem isenções, e destinar as verbas diretamente aos projetos, o que talvez terminasse com o mercado para a cultura. São escolhas que a sociedade brasileira tem que fazer. Cabe aos artistas e produtores culturais – caso de Maria Bethânia e produtores do blog – cumprirem as leis vigentes e não fazê-las. Quem tem que mudar a lei, se ela precisa ser mudada, é o Congresso Nacional.
 
8. O que eu não aceito, de maneira alguma, é o achincalhe da turba de palpiteiros sobre o trabalho ou o talento de uma artista como a Maria Bethânia ou de intelectuais como o Hermano Vianna. Os covardes que, no anonimato, repetem mensagens que nem leram sobre projetos que desconhecem são o que a internet trouxe de pior. O melhor a fazer é ignorá-los. Infelizmente, nem sempre é possível.
 
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Atualizado em 19.03.11:
 
Na hipótese de ser verdadeira a informação divulgada hoje de que o cachê da Bethânia para trabalhar no blog seria de quase metade do orçamento do projeto, me parece ter havido um erro de avaliação do Minc em aprová-lo nesses termos. Não acredito em quase nada que sai nos jornais e espero esclarecimentos dos produtores sobre o assunto. Só que não consigo ficar quieto ao ler o Lobão chamar Bethânia de "cadáver insepulto" e fazer piada sobre baianos. Não consigo achar graça em gente de talento escasso que vive de polêmicas e de sua falta de senso do ridículo. 
 
Sobre o assunto, ótimo texto de Newton Cannito:
 
Maria Bethania e “os consagrados pelo oligopólio”
Até ontem eu estava achando um absurdo essa perseguição ao projeto do blog da Bethania. Pois o projeto é maravilhoso e urgente. Acho fantástico ter poesias lidas pela Bethania na internet. Parabéns a quem teve a ideia e aos proponentes.
Também não tem nada de absurdo um blog custar 1,3 milhão. Depende do blog, obviamente. Mas esse tinha mais de 300 vídeos e imagino que outras estratégias on-line. Acho maravilhoso e importante que os criadores de conteúdos de internet também sejam bem renumerados. Dizer que internet é feita gratuitamente ou a baixo custo só interessa a quem não faz internet. Renumerar bem quem faz internet é parte importante de uma política de democratização cultural e de democratização econômica.
Mas hoje eu li sobre o cache da Bethania: 600 mil (50 mil por mês). Pessoalmente, me pareceu um salario alto demais para a Lei Rouanet no formato atual. Ainda mais sabendo que esse valor é quase metade do orçamento. Em termos estritamente técnicos, falando de análise de projetos, é estranho uma só pessoa ganhar mais que toda a equipe junta. É uma critica pertinente. Mas é apenas uma crítica pontual. Foi –na minha opinião – uma avaliação equivocada da Comissão que avalia projetos. Uma comissão que – vale destacar – não é Estatal, é pública (pois tem representantes de toda a sociedade). Acredito que isso deve ser revisto.
Mas não quero aqui discutir erros pontuais. Acho mais interessante perceber como esse debate revelou questões mais amplas do mercado cultural brasileiro como a concentração da mídia (e de mercado) e o consequente “rancor de classe”. Além disso, esse debate permite que debatamos uma questão importantíssima: a relação entre democracia e meritocracia. 
Para que o debate avance tranquilamente vale dizer que a única coisa que estamos discutindo aqui é o “INTERESSE PÚBLICO” em pagar uma alta “renumeração” a artista principal de um projeto. Só isso. Não vamos misturar com preconceitos e rancores. Não acho que faça sentido criticar o artista como indivíduo, nem a produtora proponente. Eles pedem o que acharem que é justo, desde que esteja na lei. É função da comissão pública do Ministério dizer se o pedido atende ao interesse público. O fato é que a Lei atual permite esse alto salário. O projeto foi aprovado, então a produtora e os artistas não fizeram nada de errado. Vamos parar de personalizar, pois isso parece rancor de classe. Esse rancor é um sintoma de algo mais generalizado que é uma perseguição aos artistas consagrados. O fato – gostemos ou não – é que a Bethania ganha super bem mesmo. Vamos conviver com isso e seguir com o debate.
O que estamos realmente discutindo é algo mais interessante: a lei que paga salários com dinheiro público deve permitir altos salários? 
Não é uma questão tão simples quanto parece. Se simplesmente impedirmos altos salários teremos dificuldade em aprovar qualquer projeto com artistas consagrados, que no mercado ganham valores muito altos. Alguém pode dizer: “Bethania, quer ganhar bem? Então que vá ao mercado!” . Ok.. Mas o fato é que “no mercado” a Bethania não poderia fazer poesia. Faria apenas o que já faz. Não inovaria nos conteúdos. Será que não interessa ao estado brasileiro ter projetos que ele apoia conduzidos pela Maria Bethania? Eu acho que interessa. Ainda na linha de personalização alguém poderia afirmar: “Ela já é rica, que faça as poesias de graça”. Seria o lado Ong da Bethania, uma doação dela ao seu povo. Não concordo com essa lógica assistencialista, pois acredito que ela condena os bons conteúdos a serem feitos sem renumeração. Ou seja, os bons conteúdos ficarão para sempre meio amadores. Profissional mesmo é o “mercado”, que faz sempre o mesmo. A inovação é assistencialismo. Isso só interessa a quem não quer fazer bons conteúdos e já faz a mesma coisa. Eu acho fantástico que a Politica Cultural incentive conteúdos de qualidade e dispute com o mercado para que grandes artistas façam conteúdos de qualidade. Por isso acho que devemos começar a pensar mecanismos diferenciados (e dentro dos valores de uma ética pública) que incentivem grandes artistas a fazer projetos de alta qualidade artística.
Por outro lado acho que esse debate mostrou algo que julgo saudável: as pessoas começaram a ficar bravas com os altos salários dos artistas consagrados. Finalmente.
Vale lembrar que esses altos salários não são de hoje. Devido ao nosso modelo de televisão centralizado e com audiência muito concentrada, há poucos escolhidos que são consagrados. Eles ganham salários milionários. Todos os outros ficam na pindaíba. Isso é algo que existe há décadas. Acho saudável que todos nós – que não somos “consagrados pelo oligopólio” – comecemos a perceber esse absurdo. Mas não adianta criticar o artista individualmente. Nem o Ministério da Cultura por um erro pontual. Vamos perceber o que esta realmente por trás disso tudo.
Acho que o que estamos criticando mesmo é o oligopólio da indústria cultural brasileira. Somos o país com mais concentração de audiência. Isso gerou uma pequena casta de escolhidos que ganham milhares de vezes mais que os outros. Isso é algo estranho numa democracia. Temos que batalhar pela democratização da mídia, que incluirá a democratização econômica. Quer falar de altos salários? Será que não é o caso de discutirmos os contratos milionários dos artistas televisivos brasileiros? E os poucos músicos “consagrados pelo oligopólio”? Muitos (e muitos) ganham mais de 1 milhão por mês. Todo mês! Isso é normal? Não é um escândalo público? Como eu disse não critico os artistas pessoalmente. Mas falando em termos públicos: é estranho que exista tamanha concentração. Alguém pode argumentar que o dinheiro é privado, das empresas, não é dinheiro público. É verdade. Mas é função do poder público regular o mercado. E aí há um caso claro de concentração econômica que pode ser minimizado por politicas de regulação. E é sempre bom lembrar que a televisão é concessão pública. Nosso modelo de concessão escolhe poucos canais, poucos detentores privados, que escolhem quem são os BILIONÁRIOS. Se democratizássemos os canais (com a tv digital isso é possível) democratizaríamos a renumeração de artistas e as rendas seriam mais próximas. Não existiria rancor de classe e nem existiria o “caso Bethania”.
Mas temos que tomar um último cuidado com isso: a democracia não pode se opor a meritocracia. Nos últimos anos avançamos muito em políticas de democratização. Mas não avançamos em politicas meritocráticas. A democratização permitiu que milhares de realizadores mostrassem sua face e começassem a realizar suas obras. Mas eles não conseguem se sedimentar no mercado, ficam sempre dependentes do poder público. O mercado continua fechado para eles (e daí surge o rancor anti Bethania). O que esta acontecendo é um certo apartheid: os consagrados ficam com o mercado, todos os outros “não consagrados” estão querendo monopolizar as “verbas públicas”. Sempre que um artista consagrado quer apoio público os “não consagrados” ficam furiosos pois consideram que o Estado é o mercadinho deles. Temos que romper essa falsa dicotomia.
Para isso é preciso conciliar democratização com meritocracia. Acho que temos que discutir claramente que “artistas já consagrados” devem ter políticas específicas para eles. Vou falar da área de cinema, que eu acompanho mais. Acho surreal que cineastas já consagrados estejam hoje sofrendo imensas dificuldades de captação. Eles poderiam ter apoio “automático” para a realização. Não automático para a eternidade, é claro. Se eles errarem muitos filmes em seguida , quem sabe, podem perder esse apoio. Mas até hoje eles já acertaram vários filmes. Tem boas chances de acertar os próximos. É interesse público que eles façam mais filmes e façam rápido. É interesse do PÚBLICO mesmo, do público espectador, que já provou que gosta de seus filmes e que tem o “direito” de ver novos filmes deles na tela. Perseguir eles em nome da democratização é fazer uma “democratização corporativa” (uma expressão em si contraditória), que é criada apenas do ponto de vista de quem esta na “área”, de quem “faz cinema”, esquecendo do verdadeiro interesse público, que é o interesse da pessoa que consome cultura.
Por outro lado a meritocracia também interessa aos jovens talentos. Mas “não a todos” os jovens talentos. A democracia meritocrática interessa apenas aos artistas mais talentosos. Quando começarmos a fazer políticas meritocráticas os jovens que acertarem em seus primeiros curtas terão mais facilidade para produzir seus longas. Os que erraram em seus curtas, terão mais dificuldades. Isso parece obvio, mas não esta acontecendo com clareza. Devido a imensa pluralidade de comissões com critérios diferenciados e com jurados que são escolhidos a partir de indicações da própria classe estamos ficando reféns de uma lógica corporativa, aonde a decisão sobre qual filme vai ser apoiado é tomada a partir do gosto (e até mesmo dos contatos pessoais) desses membros da comissão. Politizamos demais a politica cultural, a escolha artística virou resultado de uma politiquinha corporativa. Isso é uma confusão entre democracia e corporativismo. Isso não interessa a ninguém, muito menos ao PÚBLICO espectador.
Mas voltando a música. Lá o caso é diferente, pois existe mercado real. No cinema estão todos presos na lógica de dependência do estado (é como se Bethania precisasse de apoio estatal para gravar seu cd). O interessante é que esse caso “Bethania” revelou várias coisas, pois chocou a “música de mercado real” com os “mecanismos de apoio público”. E esse choque ajudou a revelar algumas contradições do mercado cultural brasileiro. 
Para concluir apenas reenfatizo o que já disse: acho que temos que aproveitar esse caso para discutir questões mais de fundo, como o oligopólio da mídia brasileira que resulta em imensa concentração econômica; a necessária harmonização entre democracia e meritocracia, e a necessidade de pensarmos politicas culturais públicas específicas para artistas consagrados.
Newton Cannito é cineasta e escritor. Foi Secretario do Audiovisual do Ministerio da Cultura. 
http://www.doutorcaneta.blogspot.com/
 
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Da Folha de São Paulo, 17.03.11
 
Polêmica sobre blog é equívoco, diz diretor
 
Cineasta Andrucha Waddington defende projeto de Maria Bethânia, do qual participa, após críticas na internet
 
Ministério autorizou captação de R$ 1,3 mi para site com vídeos da cantora e afirma não haver irregularidade 
 
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO 
 
O cineasta Andrucha Waddington, que vai dirigir os vídeos do blog O Mundo Precisa de Poesia, considera "um equívoco" a polêmica em torno da decisão do Ministério da Cultura, que autorizou, anteontem, a cantora Maria Bethânia a captar R$ 1,3 milhão para o projeto.
O texto prevê produção e veiculação de vídeos diários de 1 minuto em que Bethânia vai interpretar poemas. O plano é que sejam colocados no ar 365 vídeos. A coordenação deverá ficar a cargo do sociólogo Hermano Vianna.
Noticiada ontem pela colunista Mônica Bergamo, na Folha, a aprovação da captação do dinheiro, via Lei Rouanet, teve repercussão e críticas nas redes sociais -estava entre as mais comentadas pelos brasileiros no Twitter.
"Se fosse documentário ou filme para ser visto por cinco mil pessoas no cinema, ninguém estaria reclamando", diz Waddington.
"Parece que internet não é um meio válido. Lá [no blog], os vídeos vão ser vistos por milhões, e de graça. Preciso trabalhar com uma equipe, com o mesmo padrão de qualidade dos meus filmes."
O cineasta estima que cerca de R$ 3.500 sejam usados por episódio, contando aí despesas com som, assistente de direção, produtor, ilha de edição, mixagem e pós-produção de imagem. Ele não revela seu cachê.
Procurada, Bethânia não quis comentar o caso. Mas seus sobrinhos, Jorge Velloso e Belô Velloso, saíram em defesa da cantora no Twitter.
"Não falei com minha tia ainda, mas já adianto que ela pensou de verdade em levar cultura para vocês. Que ingenuidade", escreveu Belô.
Jorge postou: "Caetano está errado. Lobão não tem razão! Nunca!". Referia-se ao inspirador de "Lobão Tem Razão", de Caetano. Lobão foi um dos que atacaram a decisão do MinC.
"Gerar projeto de poesia é muito bacana, mas as pessoas beneficiadas com essas leis são sempre as mesmas", disse Lobão à Folha. "O que fica bastante patente nesse movimento todo é que há uma parada chapa branca para a MPB. Na outra gestão, flagraram projetos de um milhão para DVD de Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Claudia Leitte. Viva a Bahia!"
O MinC declarou, em nota, que "a aprovação, que seguiu estritamente a legislação, não garante, apenas autoriza a captação de recursos" e que os critérios "são técnicos e jurídicos".
O texto do ministério dizia, erroneamente, que a captação seria feita via Lei do Audiovisual -horas depois, o órgão soltou outra nota com a correção. 
 
PARÓDIA
Entre as críticas à decisão do MinC, estava o Blog da Bethânia, uma paródia do projeto. "Criei o blog porque não recebi uma bolada do MinC e achei injusto", disse o autor do site, o publicitário Raphael Quatrocci, 28. "O humor é a melhor forma de demonstrar indignação."
Segundo ele, o blog teve cerca de 50 mil acessos ontem.
A assessoria de Bethânia disse que acha "absurdo" o conteúdo do blog falso.
Colaborou RAFAEL CAPANEMA