Jorge Furtado
Você realmente acredita nisso? É sério? Um único Deus, o verdadeiro, o certo, O Deus, é isso mesmo que você acha? E este ser sobrenatural, que tudo vê e tudo lembra, rege nossos destinos, perdoa e pune e - se formos bonzinhos - nos dará um lugar na janela, de frente pro mar, na vida eterna, um Deus juiz, fiscal, recompensador ou punidor, é isso mesmo?
(Espero que você não acredite naquele Deus de barba branca, um velhinho sentado numa nuvem vigiando a terra e mandando seus desafetos pro inferno. Se for este o caso, você está tomando alguma medicação? Já pensou em procurar ajuda profissional?)
Claro, cada um acredita no que quiser, mas você espera que todo mundo, todas as pessoas, acreditem nisso, no seu Deus? Que Deus cruel é este, o seu, que quer exclusividade, exige o monopólio da fé? Que Deus medíocre é este, o seu, que teme qualquer concorrência?
Deus é uma palavra, como carne ou nuvem, e faz cada um pensar em uma coisa diferente. Acontece que carne e nuvem existem de verdade, Deus cada um tem o seu, se quiser ter. Neste sentido, o politeísmo dos africanos, egípcios, gregos e romanos, povos que criaram nossa civilização, faz muito mais sentido que o Deus único e egoísta dos hebreus e cristãos.
Talvez você se refira a este Deus único, pessoal, como um conceito, um espírito que liga todos os seres humanos. Ou talvez ainda você chame de Deus a natureza, o universo e seu desconhecido. Se for assim, estamos de acordo, somos todos ligados pela natureza, e cada um tem seu Deus, Santo, Anjo da Guarda, Orixá, Alma, escolha a palavra que você preferir. E respeite o Deus alheio.
E não troque sua fé por dinheiro, nem pague por ela. Há quem jure falar em nome deste Deus único para angariar fiéis e recolher o dízimo, picaretas que usam seu Deus fajuto para sustentar luxos terrenos e medíocres e, quem sabe, para conseguir uma rádio, uma televisão e uma cadeira no Congresso Nacional, com imunidade para seus crimes.
Há gente ainda pior, que se convence da existência deste Deus único, macho e branco, apenas para torturar índios hereges, escravizar negros sem alma, oprimir mulheres e homossexuais, humilhar e emburrecer crianças. Ou para explodir desconhecidos em Paris e extravasar sua frustração, impotência e seu ódio pela humanidade. Ou para fuzilar universitários no Quênia, depois de perguntar quem ali era cristão.
É curioso que tanta gente boa acredite que, "na falta da ética", a religião resolva alguma coisa. Eu acho que na falta da ética, do senso de humanidade, de amor ao próximo, de fraternidade, a religião só piora as coisas. Foi com a Bíblia e os Dez Mandamentos na bagagem que os cruzados massacravam infiéis, os colonizadores portugueses e espanhóis matavam e torturavam índios. Os capitães dos navios negreiros e os fazendeiros que compravam sua mercadoria também citavam a Bíblia e seus Dez Mandamentos. E os assassinos psicopatas do estado islâmico fuzilam inocentes em nome do seu piedoso Deus. Na falta de ética, de senso de humanidade, de fraternidade, de liberdade e justiça, estamos fritos.
A maioria das pessoas que eu conheço – talvez a maioria das pessoas que eu amo - é religiosa, acredita em Deus. Tudo bem, desde que não se queira impor sua fé a outros com lavagens cerebrais, tiros de fuzil ou golpes de espada. Fogueiras e instrumentos de tortura também não me agradam muito e preferia que igrejas lucrativas pagassem impostos. E me irrito um tanto com os pastores caça níqueis que exploram pessoas humildes.
E não aceito qualquer mistura de estado e religião, seja o estado islâmico ou cristão. O estado deve ser laico, como é na França. O máximo que eu engulo sem reclamar é aquele "Deus seja louvado" nas nossas notas de real. Preferia ser julgado, se fosse julgado, num tribunal sem crucifixos, até porque a imagem de um cara condenado injustamente e torturado numa cruz não é uma boa propaganda para o direito romano.
Há deuses, muitos, cada um tem o seu, e alguns não tem Deus nenhum. Respeito inteiramente a fé de cada um e acho que, mesmo sem ter uma religião ou exatamente por causa disso, estou mais próximo de Deus – se ele existir e não for um otário – que os falsos pastores que exploram miseráveis em seu nome ou, muito pior, que aqueles que oprimem, segregam, escravizam e matam em sem nome. Estes, se houver um inferno, já tem lugar marcado para arder pela eternidade.
“Quem é ateu e viu milagres, como eu, sabe que os deuses sem deus, não cessam de brotar, nem cansam de esperar...”
https://