Jorge Furtado

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Pessoas

 
ELE - Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não.  Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, o que me falha ou finda,  é como que um terraço sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio, do que não está ao pé, livre do meu enleio, sério do que não é. Sentir, sinta quem lê!
 
Pausa.
 
ELA - Bom, muito. Excelente.
 
ELE - Obrigado, que bom que a senhora gostou.
 
ELA - Gostei, gostei bastante. Mas pode melhorar, claro.
 
ELE - Claro, claro.
 
ELA - Por exemplo... dizem.
 
Ele - O que é que tem?
 
ELA - Dizem... parece um pouco paranóico. Dizem, quem? Quem dizem? Melhor seria, algumas pessoas dizem. Algumas, não todas.
 
ELE - (ele anota) Algumas pessoas.
 
ELA - Isso, bem melhor. Minto, minto é agressivo, ofensivo, muito forte. Falto com a verdade, por exemplo, já é mais delicado, mais sutil.
 
ELE - Falto com a verdade.
 
ELA - Isso. O senhor está anotando?
 
ELE - Estou.
 
ELA - Tudo também é excessivo, muito radical. Melhor seria, por exemplo, a maioria das coisas que escrevo.
 
ELE - Certo.
 
ELA - Não, não. Não, este não... é péssimo. Não é peremptório, conclusivo, não é muito ruim. O melhor seria... discordo. Ou... não é bem assim. Ou ainda, melhor: será?
 
ELE - Em vez de não, será.
 
ELA - Isso. Como é que ficou, até agora?
 
ELE - (lendo) Algumas pessoas dizem que finjo ou falto com a verdade na maioria das coisas que escrevo. Será?
 
ELA - Bem, estamos indo bem.