Jorge Furtado

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Sai, perseguido por um urso.

 
Na peça de Shakespeare “Conto de Inverno”, classificada por alguns como tragicomédia e por outros como drama romântico, o rei Leontes, achando que foi traído pela rainha Hermione, desconfia que a menina recém nascida não é dele.

A rainha está encarcerada e o rei decide matar a menina mas, no último momento, fica com pena do lindo bebezinho e decide apenas abandoná-lo na floresta para ser devorado pelos ursos, o que acaba acontecendo.

O incumbido da tarefa é Antígono e ele a cumpre com eficiência, larga o bebê na floresta, na cena três do terceiro ato. Depois da fala de Antígono, a rubrica mais famosa de Shakespeare:
 
(Sai, perseguido por um urso)
 
Até o momento não tinha aparecido urso nenhum na história, ele surge assim, de surpresa. Talvez fosse um ator vestido de urso, o que transformaria a peça de drama em comédia num segundo, e a história realmente muda de tom a partir daqui.

Talvez fosse um urso de verdade, espetáculos com ursos acorrentados estavam na moda em Londres, eles amarravam um urso num poste e jogavam vários cães sobre ele, para ver quem ganhava a luta. O espetáculo era muito popular entre os iletrados e alcoolizados espectadores do teatro elisabetano. (80% de analfabetos, ou mais, e não havia água boa para beber, todos tomavam cerveja o tempo todo.)

Imagine o casal escolhendo o programa da noite:
 
- Querido, vamos sair hoje? Ver alguma coisa no teatro, tomar uma água...
 
- Vamos! Quais as possibilidades?
 
- Bom, eu lendo aqui... no Swan tem uma briga de um urso polar contra quatro cães.
 
- E no Globe?
 
- Tem uma peça, Hamlet.
 
- Sobre o quê?
 
- Fantasma avisa o filho que o tio que está pegando a mãe dele é um assassino.
 
- Quantos cães?
 
- Quatro cães.
 
- Só quatro? Ah, aí fica fácil pro urso, vamos ver a peça!
 
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Conto de Inverno, de William Shakespeare, Ato III, Cena 3, trecho da fala de Antígono. Tradução de Carlos Alberto Nunes.
 
ANTÍGONO — Vem, coitadinha! Embora eu nunca tenha dado crédito, ouvi dizer que o espírito dos mortos aqui voltam. (...) Estou convicto de que Hermífone é morta e que é vontade de Apolo, já que é filha de Políxenes esta criança, que seja aqui deixada — para viver ou para ser destruída — em terra do verdadeiro pai. Botão, floresce! (Deposita a criança no chão.) Fica aí. Eis teu nome. Toma isto, também. (Depõe um embrulho junto da criança.) Se for do gosto da fortuna, dará para te criar, ainda sobrando-te alguma coisa. Aí vem a tempestade. Coitadinha! Por causa dos pecados de tua mãe, exposta à morte e ao resto. Chorar não me é possível, porém sangra-me o coração. Maldito eu sou por ver-me forçado a fazer isto. Adeus. O dia se embrusca mais e mais. Vais ser amada com uma canção muito áspera. Tão negro, durante o dia, nunca o céu esteve. Que selvagem clamor! O mais prudente será ir para bordo. É uma caçada. Estou perdido! (Sai, perseguido por um urso.)