Jorge Furtado
“Vamos chutar cholita?” Acho que a frase só faz sentido para uma meia dúzia de colegas de colégio, no comecinho dos anos setenta. Chutar cholita era uma atividade erótico-esportiva que consistia em aproximar-se sorrateiramente, por trás de uma garota parada no corredor e, depois de analisar sua postura e equilíbrio e identificar sobre qual pé ela apoia o peso do corpo, mirar o pé oposto e aplicar um rápido e certeiro chute em sua cholita – tamanco de madeira da marca Dr. Scholl, muito em voga na época – um chute rasteiro, sob o calcanhar, de bico, de modo que o calçado, de madeira, partia ricocheteando pelo longo corredor de granito, percorrendo dezenas de metros, caso não encontrasse a canela de alguém. À garota, monocalçada, restava ir em busca de seu tamanco, praguejando e pulando num pé só. Ao contrário do que imaginávamos, chutar cholita não virou um esporte olímpico e a expressão se perdeu.
Vez por outra surge uma palavra, uma expressão, uma ênfase, uma nova síntese, que enriquece a língua e a conversa. “Só que não”, usada por garotos e garotas nascidos no século 21, é uma frase extraordinária. É usada para interromper inapelavelmente uma argumentação.
Exemplo: “Ele me convidou para participar do grupo, pode ser legal só que não.”
Não, acabou, outros argumentos não interessam e não serão considerados, próximo assunto. "Só que não" tem a força da síntese, três palavras e apenas oito letras. "Só que", abrindo a frase, sugere o início de uma argumentação, interrompida pelo "não", que conclui a conversa, sem margem para manobras.
Aplicações:
Eu sei que existem muitos menores infratores, a violência é uma desgraça brasileira, 50 mil assassinatos por ano, muita gente séria defende a diminuição da maioridade legal, só que não.