Jorge Furtado

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Tá ou não tá? Aí é que tá!

No dia 6 de junho de 1864, o reverendo Charles Dodgson, aliás, Lewis Carroll, escreveu a seu amigo Tom Taylor expondo suas dúvidas quanto ao título do livro que pretendia lançar.

Suas opções eram as seguintes:

. Alice’s Adventures Under Ground
. Alice’s Golden House
. Alice Among the Elves
. Alice Among the Goblins
. Alice’s Hour in Elf-Land
. Alice’s Doings in Elf-Land
. Alice’s Adventures in Elf-Land
. Alice’s Hour in Wonderland
. Alice’s Doings in Wonderland
. Alice’s Adventures in Wonderland
 

Carroll termina dizendo: “De todas estas, minha preferida é a última”.

Não há casas douradas, nem elfos, duendes ou gnomos na história, e hoje fica difícil imaginar qualquer outro título para as aventuras de Alice no país das maravilhas.

Há muitas traduções do texto integral do livro de Carroll no Brasil, conheço doze e fiz uma, em parceria com Liziane Kugland. Há também dezenas de adaptações da história, algumas são bons resumos (embora percam quase todas as piadas), como a de Rui Castro para a Companhia das Letrinhas, ou de Índigo, para a Escala Educacional, esta ilustrada por Eloar Guazzelli. Outras são aberrações completas, como a “ampliação e adaptação” de Cláudia Rosa, para a Cia. Brasil Editora, que começa assim:

“Era uma vez uma linda menina de nome Alice, dona de lindas tranças louras. Possuia um coração luminoso como a cor de seus cabelos. Tinha uma irmã igualmente formosa, que lhe acompanhava todos os passos e lhe admirava a riqueza da imaginação. Alice amava o sol e a natureza e era sem conta a sua reserva de vivacidade. Nos afazeres de casa, prestava grande auxílio a sua mamãe. Tinha aos seus cuidados os animais domésticos e não dormia senão depois de sabê-los abrigados do vento e do sereno”.

Não há, em tal “ampliação e adaptação”, nenhum resquício do texto, do humor ou das idéias de Carroll. Não há no livro original qualquer menção a tranças no cabelo de Alice e nenhum sinal de que ela cuidasse de animais ou prestasse qualquer “auxílio a sua mamãe” nos afazeres da casa.

Qualquer tradução é uma recriação, e mais ainda quando o texto, em sua língua original, abusa de trocadilhos, paródias, jogos de palavras, referências, neologismos, rimas. Sem plágio – e há, muito – não existem duas linhas iguais em duas traduções diferentes. Mesmo traduções que parecem inevitáveis, como por exemplo, “Ser ou não ser, eis a questão”, não são. A grande poeta e tradutora Sophia de Mello Breyner Andresen (Ed. Lello e irmãos, Porto, 1987), preferiu “Ser ou não ser, é isso a questão”. Já Mario Fondelli (Ed. Newton, Rio de Janeiro, 1992), escolheu “Ser ou não ser, eis o problema”.

Nada substitui a leitura de um texto em sua língua de origem, mas o que chega mais perto é a leitura de diferentes traduções.
 
Segue o texto que escrevi sobre a tradução de “Alice” e que foi publicado originalmente no jornal Zero Hora, aqui com um acréscimo: uma tabela comparativa de 13 traduções brasileiras.