Jorge Furtado
Uma obra prima este trecho do depoimento do ministro Nelson Jobim à CPI dos Grampos, um perfeito exemplar de falácia argumentativa.
O SR. NELSON JOBIM – Veja, deputado, há um dado importante: tanto o Ministro Gilmar Mendes quanto o senador Demóstenes confirmam o diálogo.
O DEPUTADO LAERTE BESSA – Confirmam.
O SR. NELSON JOBIM – Logo, o diálogo houve. Se o diálogo houve, e confirmado pelos próprios integrantes, houve a gravação. E, se houve a gravação, a gravação foi ilícita.
O DEPUTADO LAERTE BESSA – Foi ilícita.
O SR. NELSON JOBIM – Então, não há que se discutir mais ter havido isso.
Não é uma maravilha? Por partes:
O SR. NELSON JOBIM – Veja, deputado, há um dado importante: tanto o Ministro Gilmar Mendes quanto o senador Demóstenes confirmam o diálogo.
O DEPUTADO LAERTE BESSA – Confirmam.
O SR. NELSON JOBIM – Logo, o diálogo houve.
Falso. Eles podem estar mentindo. Um deles. Ou os dois.
O SR. NELSON JOBIM – Se o diálogo houve, e confirmado pelos próprios integrantes, houve a gravação.
Premissa falsa, como já demonstrado, e conclusão também falsa. Se mentiam, um deles pode ter anotado a conversa enquanto falava, ou reproduzido a conversa de memória. É possível que não haja gravação nenhuma, portanto.
O SR. NELSON JOBIM – E, se houve a gravação, a gravação foi ilícita.
O DEPUTADO LAERTE BESSA – Foi ilícita.
Falso. Se um dos mentirosos - se mentiram - estivesse gravando sua própria conversa, a gravação não é ilícita, qualquer um pode gravar suas próprias conversas telefônicas e nem precisa dizer ao interlocutor que está fazendo isso. É uma sacanagem, talvez, mas não é crime. Pode não haver, portanto, ilicitude alguma na gravação, se é que houve a gravação.
O SR. NELSON JOBIM – Então, não há que se discutir mais ter havido isso.
Como? "Não há que se discutir ter havido isso?" Desculpe, mas há sim, há muito que se discutir ter havido isso.
Cadê o áudio? Quem gravou? Alguém gravou? Quem ouviu?
"Num país em que o presidente do Supremo Tribunal Federal se vê objeto de escutas telefônicas clandestinas, não há dúvida de que o direito à privacidade, garantia fundamental num regime democrático, encontra-se ameaçado." Abertura do editorial da Folha de São Paulo, 12/09/08.
A pergunta agora é: quem, afinal, ameaçou o regime democrático? A revista? O senador? O ministro? Um deles? Dois deles? Os três?
A mídia nos bombardeia com perguntas que lhe interessam, quando lhe interessam, e depois, quando as respostas não interessam mais, muda de assunto. Pois eu continuo querendo saber:
De onde veio o dinheiro do dossiê? Para onde foi o dinheiro do dossiê?
Quem escreveu e quem leu a palavra "uiscão" na lista de gastos dos cartões corporativos, provocando a "cpi do uiscão"?
E onde anda o Picasso do INSS?
Para ler o depoimento do Ministro Nelson Jobim sobre o assunto na CPI dos Grampos, ver notas taquigráficas completas aqui.